SlideShare uma empresa Scribd logo
1 de 28
Baixar para ler offline
E C O N O M I A




                              Desenvolvimento e meio
                              ambiente: uma falsa
                              incompatibilidade
                              Uma idéia muitas vezes apregoada é a de que as políticas ambientais impedem
                              ou prejudicam o crescimento econômico, desestimulando a implantação
                              de indústrias ou impedindo a derrubada de florestas para abrir espaço para
                              a agropecuária. Estudos recentes, porém, revelam que não há uma relação estatística
                              entre o desmatamento e indicadores econômicos, e que a industrialização no país,
                              fortemente apoiada em setores de elevado potencial poluidor, não proporcionou
                              um crescimento sustentado, que trouxesse benefícios para toda a população.



                              Carlos Eduardo Frickmann Young
                              Instituto de Economia,
                              Universidade Federal do Rio de Janeiro




                  As questões do crescimento econômico e, em particular,     diversos mitos sobre a incompatibilidade entre de-
                        da geração de empregos são, sem dúvida, preocu-      senvolvimento econômico e preservação do meio
                        pações fundamentais para a sociedade brasileira.     ambiente não se sustentam em uma análise mais
                        Nossa economia passou por grandes dificuldades       rigorosa. Questões como a justiça social e a preser-
                        nos últimos anos e, embora tenha sido mantida a      vação ambiental, ignoradas ou minoradas no pas-
                        estabilidade de preços, o baixíssimo nível de ati-   sado, impõem atualmente exigências maiores aos
                        vidades, combinado com alto desemprego, tem          processos de transformação produtiva. Enfim, para
                        gerado um clima de frustração e desânimo.            os países periféricos, não se trata ‘apenas’ de cres-
                           Na busca por culpados para essa falta de dina-    cer a taxas acima da média mundial. É preciso
                        mismo, as políticas ambientais são com freqüên-      ainda responder a questões mais profundas: Onde
                        cia responsabilizadas pelas restrições à expansão    crescer? Para quem crescer? Por que crescer? Como
                        da economia. Nas áreas industrial e energética,      crescer?
                        argumenta-se que as normas de licenciamento am-
                        biental são excessivamente rigorosas e/ou lentas,
                        o que desestimularia os empresários. Na área agrí-   DESMATAMENTO E DESENVOLVIMENTO
                        cola, uma velha queixa dos proprietários rurais é
                        a de que o Código Florestal imobiliza áreas consi-   O debate sobre o papel das florestas no processo de
                        deráveis, o que reduziria a produção e o emprego     desenvolvimento brasileiro está repleto de mitos
                        no setor.                                            comumente aceitos sem a adequada sustentação
                           Mas até que ponto esses argumentos têm funda-     teórica ou empírica. Entre tais mitos, destacam-se
                        mentação? O objetivo deste texto é mostrar que       o de que (1) o maior fator de pressão sobre o des-


30 • C I Ê N C I A H O J E • v o l . 3 6 • n º 2 1 1
E C O N O M I A




                                           matamento é o crescimento demográfico nas áreas             Há, porém, limites para a capacidade de obter
                                           rurais, e o de que (2) o desmatamento é necessário       excedentes ‘naturais’ de terra e assim acomodar os
                                           para o crescimento econômico, a geração de em-           problemas sociais brasileiros. O uso das terras de
                                           prego e a garantia de melhores condições de vida         fronteira está longe de ser uma solução definitiva.
                                           da população rural.                                      Por trás disso está a idéia de que as florestas são
                                               A origem desses mitos está ligada a uma visão        improdutivas, têm baixo valor e pouco contribuem
                                           histórica de que a perda de áreas florestadas é          para o desenvolvimento do país. Assim, projetos de
                                           inerente à ocupação territorial e ao modo de produ-      colonização consomem o restante das áreas de flo-
                                           ção estabelecidos no Brasil rural desde a era co-        resta, mas sem dar solução ao problema. A crise se
                                           lonial. Nessa ótica, apesar da alternância da mer-       dá quando não há mais áreas florestadas: sem a
                                           cadoria básica em cada ciclo da economia colo-           possibilidade de adiamento, os conflitos de terra
                                           nial (e, depois, imperial), percebe-se um padrão         eclodem com maior intensidade.
                                           de ‘auge e crise’ a partir da exploração direta ou          A esses fatores estruturais somam-se alguns
                                           indireta dos recursos: a abundância do recurso           conjunturais. A mecanização agrícola crescente e
                                           provoca sua rápida exploração predatória, o que          os ciclos especulativos de apreciação da terra são
                                           leva ao declínio de longo prazo – pela escassez          novos motores do desmatamento. A mecanização,
                                           crescente do recurso antes farto ou pela deprecia-       ao reduzir a demanda de mão-de-obra, induz ao
                                           ção do seu preço em função do aumento abrupto            êxodo rural e, portanto, à ocupação das regiões de
                                           de oferta.                                               fronteira agrícola, com derrubada de florestas. A
                                               Portanto, pode-se construir uma teoria comum         maior produtividade eleva o preço da terra, e às
                                           aos ciclos econômicos históricos (pau-brasil, açú-       vezes surgem ainda ‘bolhas’ especulativas, estimu-
                                           car, gado, ouro e café), apesar das enormes diferen-     lando a venda de pequenas propriedades (de pro-
                                           ças nas formas de produção e distribuição desses         dução familiar) e, assim, contribuindo para a re-
                                           produtos. Tais ciclos apoiavam-se no uso predató-        dução do pessoal ocupado na agricultura.
                                           rio de recursos naturais, com graves danos ambien-          Em suma, apesar da significativa expansão da
                                           tais, e não eram formas sustentáveis que permitis-       produção agropecuária, o número de pessoas em-
                                           sem superar as contradições econômicas e sociais         pregadas no setor vem caindo sistematicamente,
                                           da Colônia ou do Império.                                segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia
                                               Esse modelo de ocupação territorial prevaleceu       e Estatística (IBGE) (figura 1).
                                           na República, agora combinando força de trabalho            O mito de aceitação mais imediata – e o menos
                                           livre, concentração fundiária e monocultivo ou           validado pelas estatísticas – é o que associa desma-
                                           pecuária extensiva. O resultado foi a geração de         tamento ao tamanho da população rural. De fato,
                                           excedentes de mão-de-obra no campo, e a válvula          o desmatamento foi intenso nas áreas de domínio
                                           de escape para acomodar a pressão social dos             da mata atlântica, que tiveram grande crescimen-
                                           chamados ‘sem-terra’ é a expansão da fronteira           to demográfico nos últimos 200 anos (hoje concen-
                                           agrícola em áreas de floresta.
                                           Assim, inicialmente a mata a-
                                           tlântica, depois o cerrado e hoje        PESSOAL OCUPADO NA AGROPECUÁRIA NO BRASIL
                                           a floresta amazônica têm sido
                                                                                    ANO         TOTAL       EMPREGADOR    EMPREGADO       TRABALHADOR                   TABALHADOR
                                           reduzidos para acomodar os con-                                                              POR CONTA PRÓPRIA            NÃO-REMUNERADO
                                           flitos de terra sem que uma re-
                                                                                    1990     14.911.400        4.000      5.135.200          115.200                     9.657.000
                                           forma agrária seja efetuada nas
                                           áreas já ocupadas. Como esse             1991     15.268.200        3.800      5.098.700          119.200                    10.046.500
                                           mesmo padrão de concentração             1992     15.642.100        3.600      5.063.500          123.300                    10.451.700
                                           fundiária repete-se nas novas            1993     15.571.600        3.300      4.923.400          120.200                    10.524.700
                                           áreas ocupadas, após algum tem-          1994     15.365 300        3.300      4.849.600          121.500                    10.390.900
                                           po são recriadas as condições
                                                                                    1995     15.163.000        3.300      4.778.100          122.800                    10.258.800
                                           para novo avanço sobre áreas de
FONTE: IBGE, SISTEMA DE CONTAS NACIONAIS




                                                                                    1996     13.905.800        2.700      4.502.800          115.400                     9.284.900
                                           floresta.
                                                                                     1997    13.679.000       3.000       4.468.100          121.900                     9.086.000
                                                                                     1998    13.292.900       2.900       4.301.600          120.000                     8.868.400
                                                                                     1999    13.292.900       2.900       4.301.600          120.000                     8.868.400

                                                 Figura 1. Pessoal ocupado           2000    13.496.100       3.000       4.735.300          117.400                     8.640.400
                                                  na agropecuária em todo            2001    12.166.100       3.000       4.388.300          111.000                     7.663.800
                                                      o Brasil, por posição          2002    12.508.400       2.600       4.307.400          112.700                     8.085.700
                                               na ocupação, de 1990 a 2002

                                                                                                                                        d e z e m b r o d e 2 0 0 4 • C I Ê N C I A H O J E • 31
E C O N O M I A




                              tram mais de dois terços da população brasileira).                 de mata atlântica nos estados do Rio Grande do
                              Mas se a relação entre crescimento populacional e                  Sul, Santa Catarina, Paraná, São Paulo, Rio de Ja-
                              desmatamento fosse automática, seria esperada                      neiro e Espírito Santo, usando os dados dos Censos
                              também uma redução na perda de florestas quan-                     Agropecuários do IBGE (1985 e 1996) e os resulta-
                              do a taxa demográfica desacelerasse e, mais ainda,                 dos do Atlas da Evolução dos Remanescentes Flo-
                              quando se tornasse negativa.                                       restais e Ecossistemas Associados da Mata Atlân-
                                 Infelizmente, isso não acontece. Dados sobre a                  tica, da Fundação SOS Mata Atlântica, do Instituto
                              população rural do Sudeste e do Sul do Brasil                      Nacional de Pesquisas Espaciais e do Instituto
                              revelam nitidamente o esvaziamento do campo.                       Socioambiental (períodos 1985-1990 e 1990-1995).
                              Essa população diminui desde os anos 60 nos es-                        Em primeiro lugar foram estabelecidos ran-
                              tados do Sudeste, e desde os anos 70 nos estados                   kings de performance de cada um dos municípi-
                              do Sul (figura 2). A perda absoluta de população                   os, considerando as variações na atividade
                              rural nos últimos 40 anos chegou a mais de 7,5                     agropecuária (pessoal ocupado no setor, uso das
                              milhões de pessoas, mas o desmatamento em todos                    terras para lavouras e pastagens, e efetivo de
                              esses estados continuou a aumentar nesse período.                  bovinos) e a perda de remanescentes de mata
                              Apenas de 1985 a 1995, a perda acumulada de                        atlântica. Os resultados mostraram claramente que
                              floresta no Sudeste e no Sul superou 1 milhão de                   inexiste uma associação positiva entre desma-
                              hectares (figura 3). Conclui-se, portanto, que a                   tamento e geração de empregos – em geral, muni-
                              pressão demográfica, por si só, não explica o                      cípios com maiores níveis de desmatamento apre-
                              declínio da mata atlântica, pois há muito tempo a                  sentaram desempenho agrícola medíocre, e os de
                              população rural vem diminuindo, mas o desma-                       melhor performance econômica exibiram baixo
                              tamento continua.                                                  desmatamento.
                                 Outro mito que envolve o desmatamento é o de                        Um segundo estágio, mais sofisticado, testou a
                              que este seria necessário para gerar empregos e                    mesma hipótese através de duas técnicas de esta-
                              garantir melhores condições de vida à população                    tística multivariada (análises ‘de grupamento’ e
                              que se instala nas áreas de floresta convertidas à                 ‘de discriminante’). Na dissertação do economista
                              agropecuária. No entanto, ainda tomando como base                  Marcos T. Andrade (orientada pelo autor), os da-
                              os estados do Sul e do Sudeste, as estatísticas não                dos dos municípios de Santa Catarina, Paraná e
                              comprovam essa relação: houve redução de 2,4                       Rio Grande do Sul foram reunidos em apenas uma
                              milhões de postos de trabalho na agropecuária entre                base de dados, e de novo desmentiu-se a relação
                              1985 e 1996, apesar do já citado aumento de mais                   entre o emprego e a perda de floresta: os municí-
                              de 1 milhão de hectares de áreas desmatadas.                       pios com mais altas médias de desmatamento tam-
                                 Um possível contra-argumento é o de que a                       bém mostraram baixa geração de empregos. Já os
                              redução de emprego rural seria inevitável, mas o                   municípios com maior conversão de terras em la-
                              desmatamento teria arrefecido essa tendência. Ou                   voura são justamente aqueles com menor desflores-
                              seja, a redução do emprego deveria ser menor em                    tamento. Além disso, os municípios de grande
                              municípios com maior desmatamento. Tal questão                     desmatamento são, em geral, os que têm maiores
                              foi examinada no projeto de pesquisa ‘Sinais da                    médias em aumento do número de tratores. Como
                              Mata Atlântica’, uma cooperação entre o Grupo de                   se espera que isso ocorra em propriedades maiores
                              Economia do Meio Ambiente (Instituto de Econo-                     (com maior capacidade de investir em maquina-
                              mia, Universidade Federal do Rio de Janeiro) e a                   ria), há um indicativo de que o desmatamento
                              Fundação SOS Mata Atlântica. O estudo analisou                     seria mais extenso onde é maior a concentração
                              dados de 1.121 municípios inseridos no domínio                     fundiária.



                                 VARIAÇÃO DA POPULAÇÃO RURAL NO SUDESTE E NO SUL
                                 ESTADO                1960 A 1970   1970 A 1980   1980 A 1991      1991 A 2000
                                 ESPÍRITO SANTO         -147.583      -161.849       -39.538          -42.323
                                                                                                                                                      FONTE: CENSOS DEMOGRÁFICOS DO IBGE




                                 RIO DE JANEIRO         -225.042      -181.571      -299.020          -39.009
                                 MINAS GERAIS           -390.615     -1.111.062     -359.794         -744.761
                                 SÃO PAULO             -1.283.720     -715.872      -505.773          163.321
                                                                                                                  Figura 2. Variação da população
                                 PARANÁ                1.463.256     -1.268.225     -906.583         -473.386     rural (em número de indivíduos)
                                 SANTA CATARINA          214.797      -199.644      -122.590         -197.460     nos estados de mata atlântica
                                                                                                                  (Sudeste e Sul), em diferentes
                                 RIO GRANDE DO SUL       135.505      -608.375      -361.382         -273.322     períodos

32 • C I Ê N C I A H O J E • v o l . 3 6 • n º 2 1 1
E C O N O M I A




                                              Um mito correlato é o de que
FONTE: RELATÓRIO ATLAS DA MATA ATLÂNTICA




                                                                                   ÁREA DESMATADA NO SUDESTE E NO SUL
                                           a conversão da floresta para uso        ESTADO                    ÁREA            ÁREA     REMANESCENTES
                                           agropecuário é necessária para a                              DESMATADA       DESMATADA       (% DA ÁREA
                                           melhoria das condições de vida                                (1985-1990)     (1990-1995)      ORIGINAL)
                                           da população. Nesse caso, a per-        ESPÍRITO SANTO          -22.484         -28.696         10,3%
                                           da da floresta poderia ser social-      RIO DE JANEIRO         -165.454         -22.484         11,0%
                                           mente justificada mesmo em um           MINAS GERAIS            -69.168         -92.938          3,9%
                                           cenário de esvaziamento demo-
                                                                                   SÃO PAULO               -75.711         -63.740          9,0%
                                           gráfico, se ocorressem ganhos em
                                                                                   PARANÁ                 -156.687         -79.026         10,5%
                                           outras esferas sociais: na renda,
                                           na educação e na habitação (me-         SANTA CATARINA         -106.312         -59.397         21,4%
                                           nos gente, mas vivendo melhor).         RIO GRANDE DO SUL       -57.003         -48.793          6,7%
                                           Mas é essa a realidade?
                                              Para avaliar a questão, a eco-     Figura 3. Área desmatada (em hectares) em diferentes períodos
                                                                                 e percentuais de área de remanescentes de mata atlântica
                                           nomista Fernanda C. Santos, em
                                                                                 em relação à área original desse bioma, nos estados das regiões
                                           outra dissertação (também ori-        Sudeste e Sul
                                           entada pelo autor), comparou os
                                           municípios de maior e menor
                                           perda de floresta e a evolução do respectivo índice      tes, já que essas fronteiras ainda estão ‘abertas’.
                                           de desenvolvimento humano (IDH), que permite             Chama atenção, porém, a pouca demanda de mão-
                                           medir a qualidade de vida, entre 1990 e 2000. As         de-obra na atual expansão agrícola no Centro-oes-
                                           conclusões repetem as anteriores: na maior parte         te, e já se nota leve tendência de queda dos preços
                                           dos municípios de maior desmatamento o IDH               da soja em função do excesso de oferta. Ou seja,
                                           piorou ou manteve-se constante, em termos relati-        após os ganhos extraordinários pela incorporação
                                           vos. Também foi usada a técnica de ‘análise de           de áreas de fronteira agrícola, não há porque espe-
                                           regressão’ para avaliar a mesma correlação e o re-       rar resultados diferentes dos vistos nas demais
                                           sultado foi igual: tomando-se o desmatamento co-         regiões do país: êxodo rural e destruição contínua
                                           mo variável explicativa e a melhoria das condi-          das áreas de vegetação nativa.
                                           ções de vida como variável explicada, não foi obti-          Fica, portanto, a mensagem: as alterações pro-
                                           da uma relação estatisticamente significativa en-        postas no Código Florestal, visando reduzir as
                                           tre ambos.                                               áreas de conservação, irão resultar em ganhos eco-
                                              Enfim, os resultados desses trabalhos são claros:     nômicos pífios, apesar do grande dano que pode-
                                           não há uma relação estatística entre redução das         rão trazer aos ecossistemas afetados. É provável,
                                           áreas de floresta e aumento da atividade agro-           inclusive, que ocorra o contrário: o maior desma-
                                           pecuária em áreas do domínio de mata atlântica.          tamento poderá reduzir o alcance dos serviços
                                           Em grande parte dos municípios onde o desmata-           ambientais prestados pelos remanescentes flores-
                                           mento foi mais acentuado no período 1985-1995/           tais, resultando em perda de produção e emprego
                                           1996, observa-se um desemprego acima da média            nas áreas rurais brasileiras.
                                           na agropecuária. Relação semelhante, embora
                                           menos acentuada, também foi observada para ou-
                                           tros indicadores de performance econômica, como           INDUSTRIALIZAÇÃO E MEIO AMBIENTE
                                           a área de lavouras (ou pastagens) e o tamanho do
                                           rebanho bovino.                                          Conflitos entre a expansão industrial e o meio am-
                                              É claro que importantes exceções ocorreram:           biente também costumam ser apontados nas áreas
                                           em certos municípios, a perda de floresta foi acom-      industrial e energética. De fato, a industrialização
                                           panhada por aumento em algum indicador econô-            brasileira baseou-se em padrões tecnológicos de
                                           mico, em especial os ligados à expansão da pecuá-        uso intensivo de recursos naturais e energia – prin-
                                           ria. Entretanto, quando isso ocorre, o ganho em um       cipalmente por meio da queima de combustíveis
                                           indicador econômico (área de pastagens ou reba-          fósseis e carvão mineral. Essa base energética está
                                           nho, por exemplo) costuma ser acompanhado por            associada a problemas de poluição em nível global
                                           perda em outro indicador (área de lavouras), su-         (aumento do efeito estufa e degradação da camada
                                           gerindo que o efeito de substituição entre usos da       de ozônio), transfronteiriços (como as chuvas áci-
                                           terra já desmatada foi significativamente maior          das) e locais (degradação da qualidade dos solos,
                                           que o ganho de área por desmatamento.                    das águas e da atmosfera).
                                              Nos biomas cerrado e floresta amazônica, essa             Assim, para produzir e exportar commodities
                                           análise pode, hoje, apresentar resultados destoan-       industriais (e primárias) de baixo valor agregado,


                                                                                                                                       d e z e m b r o d e 2 0 0 4 • C I Ê N C I A H O J E • 33
E C O N O M I A




                                                                                     industrial diversificada, mas tal avanço calcou-se




                                                                                                                                            FOTO MARCELO SAYÃO/AGÊNCIA O GLOBO
SUGESTÕES                                                                            no uso indireto de recursos naturais (energia e
PARA LEITURA                                                                         matérias-primas baratas – mais intensivas em emis-
                                                                                     sões), e não no aumento da capacidade de gerar ou
ANDRADE, M.T.N.
  ‘É preciso                                                                         absorver tecnologia (a chave do crescimento sus-
  desmatar para                                                                      tentado), que ficou restrita a algumas áreas. Isso
  crescer? –
  Evidências
                                                                                     resultou, em especial a partir do 2º Plano Nacional
  empíricas para                                                                     de Desenvolvimento, em forte expansão de indús-
  a região Sul do                                                                    trias de grande potencial poluidor (como as dos
  Brasil’ (Monografia
  de conclusão de                                                                    complexos metalúrgico e químico/petroquímico),
  curso – orientador:                                                                sem controle e tratamento dessas emissões – con-
  C.E.F. Young).
  Rio de Janeiro,
                                                                                     cluíram os dois economistas.
  Instituto de                                                                           Se o processo de industrialização prevalecente
  Economia (UFRJ),                                                                   até os anos 80 foi insuficiente para promover pro-
  2003.
SANTOS, F.C.                                                                         gresso técnico e consumo de massa (levando a um
  ‘Desenvolvimento                                                                   crescimento sem dependência de mão-de-obra e
  econômico,
  pobreza e                                                                          recursos naturais baratos), a situação se agravou
  desmatamento                                                                       ainda mais com as políticas liberais adotadas nos
  no Brasil:
                                                                                     anos 90. Diversos estudos recentes apontam o re-
  Evidências
  empíricas para                                                                     trocesso da estrutura produtiva brasileira, com a
  as regiões Sul                                                                     redução da importância relativa das atividades de
  e Sudeste nas
  décadas de 80                                                                      maior conteúdo tecnológico, o retorno à pauta ex-
  e 90’ (monografia                                                                  portadora primária e aumento do desemprego nos
  de conclusão de
  curso – orientador:
                                                                                     setores de maior conteúdo tecnológico.
  C.E.F. Young).                                                                         Não surpreende, portanto, que os setores in-
  Rio de Janeiro,                                                                    dustriais com melhor desempenho nos anos 90
  Instituto de
  Economia (UFRJ),                                                                   sejam os de maior potencial poluidor – e que os
  2004.                                                                              de menor risco ambiental apresentem a pior
YOUNG, C.E.F.
  ‘Desmatamento
                                                                                     performance. Talvez mais importante seja a
  e o mito da                                                                        constatação de que essa diferença de compor-
  geração de                    A derrubada de florestas para abrir novas áreas
                                agrícolas não traz, no longo prazo, a melhoria das   tamento se acentuou ao longo dos anos 90, refor-
  emprego rural:
  uma análise para              condições de vida da população                       çando os argumentos dos que identificam uma
  a Mata Atlântica’,                                                                 forte tendência de redivisão internacional do tra-
  in MILANO, M.S.
  e outros (org.),                                                                   balho, com o deslocamento gradual para a peri-
  Unidades de                   passou-se a conviver com elevados níveis de polui-   feria das atividades ‘indesejáveis’, gerando confli-
  conservação:                  ção. Tal ‘progresso’ instala uma dupla exclusão. A   tos com o bem-estar das comunidades afetadas
  atualidades e
  tendências 2004,              primeira vem da distribuição desigual dos seus       pela poluição.
  Curitiba, Ed.                 frutos: as camadas mais abastadas ficam com a
  Curitiba/Fundação
  O Boticário de                maior parte da renda e da riqueza geradas, e ainda
  Proteção à                    têm um padrão de consumo mais elevado e mais         O QUE ESPERAR NO FUTURO?
  Natureza, 2004.
YOUNG, C.E.F. e
                                intensivo em emissões. A segunda é a ambiental:
  LUSTOSA, M.C.J.               as camadas excluídas são as que mais sofrem os       O cenário futuro tem que ser necessariamente pes-
  ‘Meio ambiente e              efeitos da poluição (ver ‘Padrão de consumo e de-    simista? Até agora, a questão ambiental tem sido
  competitividade
  da indústria                  gradação ambiental no Brasil’, nesta edição).        apresentada como um entrave ao crescimento.
  brasileira’, in                  Essa distorção resultou em uma especialização     Ignora-se, porém, que garantir melhores condições
  Revista de
  Economia
                                relativa em produtos de baixo dinamismo tecno-       de vida (ou seja, ambiente melhor) não é só uma
  Contemporânea .               lógico, que não rompeu o desequilíbrio fundamen-     condição fundamental de garantir cidadania (ou
  Rio de Janeiro,               tal em termos da inserção do país no comércio        seja, desenvolvimento) às camadas mais carentes
  v. 5, Ed. especial,
  2001.                         internacional. Como apontaram o autor e Maria        da população. É também uma forma de gerar ren-
YOUNG, C.E.F.                   Cecília Lustosa, em 2001, o processo de industria-   da e empregos. Obras de saneamento básico, por
  e LUSTOSA, M.C.J.
  ‘A questão                    lização por substituição de importações baseou-se    exemplo, são grandes geradoras de emprego e qua-
  ambiental                     na idéia de que uma economia periférica não po-      lidade de vida. Para isso, no entanto, é preciso um
  no esquema                    deria crescer sustentada apenas por produtos dire-   novo modelo de política econômica, que abando-
  centro-periferia’,
  in Economia,                  tamente dependentes de recursos naturais (extra-     ne as metas de estabilização de curto prazo e en-
  Niterói, v. 4,                ção mineral, agricultura ou outras). Esse processo   foque o verdadeiro objetivo do desenvolvimento:
  nº 2, 2003.
                                possibilitou a implantação no país de uma base       uma vida melhor para todos.                       ■



  34 • C I Ê N C I A H O J E • v o l . 3 6 • n º 2 1 1
E C O N O M I A




Padrão de consumo
e degradação
ambiental no Brasil
A pressão de degradação ambiental gerada pelos ricos é certamente mais alta,
devido a seus níveis de consumo mais altos. Por outro lado, eles tendem a consumir
uma parcela menor de sua renda, o que leva a uma redução relativa nessa
degradação. O presente estudo é uma tentativa de tratar, no contexto da economia
brasileira, de questões como os níveis de degradação gerados por cada classe
de renda, a concentração desses níveis no país e o que aconteceria com os padrões
atuais de degradação se a desigualdade de renda fosse alterada.


Ronaldo Seroa da Motta
Coordenação de Estudos de Regulação,
Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (RJ)




Níveis de renda mais altos podem levar a padrões de consumo             Tem sido bastante analisada, na literatura cien-
              ambientalmente mais limpos, o que induz um de-        tífica, a relação renda/degradação ambiental com-
              senvolvimento tecnológico em que a degradação         parando países em diferentes estágios de renda
              associada ao consumo é menos intensa. Quando, à       (deve-se observar que essa análise pode não captar
              medida que sobe o padrão de vida, a taxa de au-       a evolução temporal da relação entre degradação e
              mento da degradação ambiental torna-se menor que      renda). Entretanto, são raras as análises sobre a
              a do crescimento da renda, a degradação total dimi-   pressão de degradação originada em diferentes
              nui, em termos relativos, apesar do maior consumo.    grupos de renda dentro de um mesmo país. Embo-
                 Se essa premissa estiver certa, espera-se que o    ra, na maior parte dos problemas ambientais, o
              crescimento do consumo faça aumentar o nível de       emprego de novas tecnologias afete indistintamen-
              degradação só até um certo nível de renda per         te a intensidade da degradação de todas as classes
              capita. A partir desse limite, a atividade econômi-   (o que reduz a possibilidade de se determinar um
              ca já tem efeito menor no nível de degradação.        nível limite de renda), o padrão e a quantidade de
              Assim, a relação entre renda e degradação am-         consumo em cada classe certamente variam e afe-
              biental pode ser representada, em um gráfico, por     tam diretamente o seu impacto ambiental.
              uma curva em forma de ‘U’ invertido. Essa curva           Se a pressão de degradação dos ricos é certa-
              é chamada, na literatura científica, de curva am-     mente mais alta devido a seus níveis de consumo
              biental de Kuznets, em referência aos estudos pu-     mais altos, eles também tendem a usar uma par-
              blicados em 1955 pelo economista norte-america-       cela menor de sua renda (menor propensão a con-
              no Simon Kuznets (1901-1985). Isto é, a taxa de       sumir), o que reduz aquela pressão. Assim, é plau-
              degradação cresce junto com a renda até que esta      sível esperar que, em um mesmo país, as mudan-
              atinge um valor limite, e começa a diminuir a         ças na intensidade de degradação dependam mais
              partir daí.                                           da distribuição de renda e da propensão ao consu-


                                                                                        dezembro de 2004 • CIÊNCIA HOJE • 35
E C O N O M I A



Os padrões                    mo do que de fatores tecnológicos – com isso, a
de consumo                    curva em ‘U’ invertido pode não se manifestar.
dos ricos
e dos pobres                     Conhecer a tendência e a magnitude da relação
têm efeitos                   renda/degradação torna-se portanto um parâmetro-
distintos sobre               chave para analisar as questões do uso eqüitati-
a degradação                  vo dos recursos ambientais que não podem ser
ambiental                     resolvidas no desenho e na aplicação das políti-
no Brasil
                              cas ambientais, especialmente nos países em
                              desenvolvimento.



                               RICOS, POBRES E DEGRADAÇÃO NO BRASIL
                              O presente estudo – parte do projeto ‘Macroeco-
                              nomic Policies for Sustainable Growth’ (‘Políticas
                              Macroeconômicas para o Crescimento Sustentável’),
                              do Banco Mundial – é uma tentativa de tratar das
                              seguintes questões no contexto da economia brasi-
                              leira: Quais são os níveis de degradação gerados
                              por cada classe de renda? Quão concentrados estão
                              esses níveis? Quais serão as mudanças nesses ní-       água e energia) e a renda familiar. Ou seja, o quanto




                                                                                                                                             FOTO FÁBIO GUIMARÃES/AGÊNCIA O GLOBO
                              veis se a desigualdade de renda for alterada?          de degradação é gerado por unidade monetária de
                                  Para analisar os padrões de consumo para os        consumo. Para chegar a essas estimativas, nas di-
                              grupos de renda urbana no Brasil, calculamos a         ferentes fontes, foram utilizados dados estatísticos
                              propensão a degradar para várias fontes de degra-      sobre uso de água e energia, produção de resíduos
                              dação e para 10 classes de renda urbana – de           e de esgoto de diversas fontes e dados sobre gastos
                              acordo com a classificação da Pesquisa de Orça-        domiciliares da Pesquisa de Orçamento Familiar
                              mento Familiar do Instituto Brasileiro de Geogra-      (POF). Já a propensão a degradar foi calculada, em
                              fia e Estatística para 1995-1996, baseada no salá-     cada uma das classes de renda, multiplicando-se a
                              rio mínimo legal (faixas de 0-2, 2-3, 3-5, 5-6, 6-     intensidade de degradação em cada fonte pela
                              8, 8-10, 10-15, 15-20, 20-30 e >30) da época.          propensão a consumir (ou seja, o percentual médio
                                  Os efeitos totais estudados foram estimados so-    da renda que cada classe de fato consome, tam-
                              mando-se os efeitos ambientais das fases agrícolas     bém com base nos dados da POF). Multiplicando
                              e industriais de produção aos efeitos do consumo       a propensão a degradar (em cada classe de renda)
                              direto de bens e serviços. A poluição industrial e     pela renda média familiar (da respectiva classe),
                              a agrícola são realizadas para produzir bens que       obtivemos o nível de degradação total de cada do-
                              irão para o consumo direto – logo, cada unidade de     micílio e, em seguida, esse nível em toda a classe.
                              consumo direto tem sua poluição direta, mas tam-          Os resultados mostraram que, no Brasil, não há
                              bém a indireta (das fases de produção industrial e     evidências de uma curva em ‘U’ invertido para as
                              agrícola).                                             relações de degradação e consumo, considerando
                                  Devido aos dados disponíveis, a análise limitou-   os níveis de pressão de degradação por classe de
                              se a duas fontes de produção (industrial e agríco-     renda. O estudo mostrou que, em geral, a intensi-
                              la), relacionadas com três fontes de consumo dire-     dade de degradação por domicílio tende a dimi-
                              to da população (transporte pessoal e coletivo, água   nuir à medida que a renda domiciliar cresce.
                              e esgoto), e ainda a cinco principais efeitos am-         Encontramos apenas uma exceção – não na
                              bientais: 1. poluição industrial da água por maté-     intensidade de degradação, mas na propensão a
                              ria orgânica e inorgânica e poluição do ar por dió-    degradar. Essa propensão, no caso do transporte
                              xido de enxofre (SO2) e particulados; 2. poluição      urbano, apresentou uma curva em ‘U’ invertido,
                              agrícola pelo uso de fertilizantes; 3. poluição do     em especial devido à grande redução nos níveis de
                              transporte domiciliar por emissões de monóxido         emissão dos carros novos, adquiridos quase sem-
                              de carbono (CO), hidrocarbonetos (HC) e óxido de       pre por pessoas mais ricas. Porém, em todos os
                              nitrogênio (NOx); 4. consumo domiciliar de água;       casos (inclusive no transporte urbano) identifi-
                              e 5. descarga domiciliar de esgoto.                    camos uma relação positiva contínua entre o nível
                                  A intensidade de degradação é a razão entre a      de degradação total do domicílio e a renda. Isso
                              degradação gerada em cada fonte (como emissões         significa que a grande concentração de renda com-
                              para a atmosfera, lançamento de efluentes e uso de     pensa as taxas declinantes de propensão a consu-


36 • C I Ê N C I A H O J E • v o l . 3 6 • n º 2 1 1
E C O N O M I A




                                                       gressiva a diminui. Em ambos os casos, porém, en-
                                                       contramos que, nas fontes industriais e de transpor-
                                                       te, a variação da renda transferida é maior que a
                                                       variação resultante da degradação total. Já nos casos
                                                       de água e esgoto ocorre, como esperado, o inverso.
                                                           A alta concentração da pressão de degradação a
                                                       partir do padrão de consumo das pessoas ricas acres-
                                                       centa outro aspecto negativo à distribuição desigual
                                                       da renda no Brasil. Em suma, os resultados de nossos
                                                       estudos suscitam sérias questões distributivas para
                                                       as políticas ambientais no Brasil, a saber:
                                                           1. Embora o nível de consumo das pessoas po-
                                                       bres não seja, no seu conjunto, a principal fonte de
                                                       degradação na economia brasileira, são essas famí-
                                                       lias menos privilegiadas que sofrem a maior parte
                                                       dos impactos negativos da degradação, por sua bai-
                                                       xa capacidade de realizar gastos médicos, habitar
                                                       regiões menos poluídas e ter acesso a saneamento.
                                                           2. Como a pressão total da degradação se deve
                                                       principalmente ao padrão de consumo das classes
mir e a degradar que surgem quando a renda do-         de renda mais alta, o relaxamento no controle
miciliar aumenta. Ou seja, as famílias que têm         ambiental cria indiretamente um subsídio para o
maiores rendas tendem a consumir e a degradar          consumo dos ricos, às custas dos pobres.
menos, mas, no Brasil, as diferenças de rendi-             Entretanto, como as taxas de concentração da
mento entre essas famílias e as de classes mais        degradação são mais baixas do que as taxas de
baixas são tão significativas que mais do que com-     concentração da renda, quando o controle da de-
pensam essa tendência, implicando o aumento da         gradação se tornar mais severo, as pessoas pobres
degradação.                                            tenderão a pagar mais por esse controle (por uni-
   Usando nossas estimativas da propensão a de-        dade monetária de consumo) se esses custos forem
gradar para cada fonte e classe de renda, medimos      repassados através dos preços.
como a pressão de degradação se concentra divi-            Embora esses resultados ofereçam algumas indi-
dindo a pressão de degradação total calculada para     cações a respeito dos aspectos distributivos da de-
os 10% mais ricos pela pressão calculada para os       gradação urbana no Brasil, esse é um tema que irá
50% mais pobres. Exceto no caso da água tratada        exigir mais esforços de pesquisa, no sentido não só
e do esgoto coletado, serviços concentrados nos        de melhorar o detalhamento da base de dados (in-                     SUGESTÕES
                                                                                                                            PARA LEITURA
domicílios ricos, encontramos para cada fonte ta-      cluindo mais grupos de renda e outras fontes de
xas de concentração acima de 0,2. Isso demonstra       degradação), mas também de analisar os efeitos                       KUTZNETS, S.
que os 10% da sociedade brasileira que habita os       multiplicadores de cenários de distribuição de ren-                    ‘Economic growth
                                                                                                                              and income
domicílios de classes de renda mais alta tendem        da que afetem os padrões de consumo. Ou ainda,                         inequality’,
(em conjunto) a degradar mais, em termos relati-       com mais rigor, trabalhar os dados domiciliares de                     in American
                                                                                                                              Economic Review,
vos, do que os 50% mais pobres.                        forma econométrica, testando estatisticamente cada
                                                                                                                              v. 45(1),
                                                       uma das estimativas obtidas nos estudos.                               1955.
                                                           As implicações do controle ambiental sobre a                     SEROA DA MOTTA, R.
                                                                                                                              (ed.), Environmental
DISTRIBUIÇÃO DE RENDA                                  distribuição de renda, aqui apontadas, são cru-                        Economics and
E DEGRADAÇÃO                                           ciais para a elaboração de políticas ambientais                        Policy Making
                                                                                                                              in Developing
                                                       que visem reduzir a pressão de degradação no                           Countries, Edward
Por último, analisamos de que modo a pressão de        Brasil. Para que tais implicações sejam minimi-                        Elgar Publishing,
degradação iria variar se a distribuição de renda      zadas, as políticas ambientais devem incluir me-                       Cheltenhan,
                                                                                                                              2001.
fosse alterada no Brasil. Para isso, desenvolvemos     didas compensatórias para a população mais po-                       SEROA DA MOTTA, R.
dois cenários com base na renda transferida entre      bre. Sob essa perspectiva, a tributação sobre a de-                    Padrão de
                                                                                                                              Consumo,
classes para medir as mudanças na pressão de de-       gradação ambiental pode vir a ser uma opção,                           Distribuição
gradação total. O cenário progressivo supõe a trans-   pois sua aplicação reduz os custos de controle                         de Renda e o
ferência de renda dos ricos para os pobres e o         social e gera, ao mesmo tempo, receitas fiscais                        Meio Ambiente
                                                                                                                              no Brasil,
regressivo supõe o oposto.                             que podem ser recicladas na economia para criar                        Texto para
   Como esperado, a transferência regressiva au-       espaço para as políticas compensatórias direcio-                       Discussão 856,
                                                                                                                              Ipea-Rio, 2002.
menta a degradação, enquanto a transferência pro-      nadas aos pobres.                                   ■



                                                                                           d e z e m b r o d e 2 0 0 4 • C I Ê N C I A H O J E • 37
C L I M A T O L O G I A




O aquecimento global
e o papel do Brasil
A superfície da Terra está cerca de 0,6°C mais quente hoje do que há 100 anos.
É muito provável que a maior parte desse aquecimento seja decorrente da emissão,
por atividades humanas (queima de combustíveis fósseis, desmatamento e outras),
de gases que retêm radiação térmica – o chamado ‘efeito estufa’. Se não houver
um gigantesco esforço para reduzir essa emissão, é quase certo que o clima
do planeta venha a se alterar, com aumento da ocorrência de fenômenos climáticos
extremos, o que pode ter drásticas conseqüências para todos os seres vivos.
O Brasil pode contribuir para esse esforço adotando e tornando efetivas políticas
públicas que reduzam queimadas e desmatamentos, nossa maior fonte de emissões,
em especial na Amazônia.



Carlos A. Nobre
Centro de Previsão de Tempo
e Estudos Climáticos,
Instituto Nacional
de Pesquisas Espaciais (SP)                                               A preocupação mundial com a concentração do
                                                                       dióxido de carbono decorre do que se sabe, desde
                                                                       o final do século 19, sobre as propriedades físicas
                                                                       da atmosfera. As moléculas de alguns gases que
                                                                       têm baixíssimas concentrações na atmosfera –
                                                                       dióxido de carbono, vapor d’água (H2O), metano
                                                                       (CH4), óxido nitroso (N2O), ozônio (O3) – interagem
                                                                       com a radiação eletromagnética na faixa do espec-
          Uma das atividades do Ano Geofísico Internacional, trans-    tro conhecida como infravermelho termal e com
                  corrido durante 1957 e 1958, foi a instalação de     isso dificultam a perda para o espaço da radiação
                  uma estação para monitorar a concentração de         térmica, aquecendo a superfície do planeta. É o
                  dióxido de carbono (CO2) na atmosfera. Isso foi      chamado ‘efeito estufa’.
                  feito no Havaí (Estados Unidos), em Mauna Loa,          Esses gases são fundamentais para manter o
                  montanha vulcânica situada no meio do oceano         equilíbrio climático e condições ambientais ade-
                  Pacífico e, portanto, longe de qualquer fonte de     quadas para a vida na Terra – temperaturas que
                  poluição. As primeiras medições revelaram um         permitam a existência de água na forma líquida
                  teor de cerca de 315 partes por milhão em volume     (essencial à vida) e gasosa (essencial ao ciclo
                  (ppmv) de gás carbônico da atmosfera (0,0315%        hidrológico). Até o início da Revolução Industrial,
                  da massa total desta). Esse valor chamou a atenção   no final do século 18, as concentrações de CO2 na
                  da comunidade científica à época, pois se sabia      atmosfera flutuaram entre 180 e 280 ppmv duran-
                  que, no século 19, a concentração desse gás era de   te cerca de 20 milhões de anos. Bolhas de ar apri-
                  cerca de 280 ppmv. Desde então, a concentração       sionadas nas geleiras da Antártida, que permitem
                  de CO2 não parou de crescer: chegou a 376 ppmv       estudar como era a atmosfera da Terra nos últimos
                  no final de 2003 e continua subindo entre 1,5 e      800 mil anos, revelam que nesse longo período o
                  2,5 ppmv por ano.                                    teor desse gás não ultrapassou 300 ppmv.


38 • CIÊNCIA HOJE • vol. 36 • nº 211
C L I M A T O L O G I A




   O atual crescimento dessa concentração deriva        estar ‘represando’ parte do aquecimento, já que se
da injeção na atmosfera, por ano, de cerca de 8 a       assume que seu efeito é o de resfriar a superfície,
9 bilhões de toneladas de carbono (na forma de          embora restem incertezas a esse respeito. Como os
CO2), pela queima de combustíveis fósseis, produ-       aerossóis são associados à poluição urbana e a efei-
ção de cimento e mudanças nos usos da terra,            tos nocivos à saúde, a tendência global é a redução
principalmente os desmatamentos das florestas           de sua emissão, o que removeria esse ‘represa-
tropicais, além da emissão de outros gases de efei-     mento’. O efeito de aquecimento dos gases, então,
to estufa. Do total injetado, cerca de 3,2 bilhões de   poderá se intensificar.
toneladas permanecem na atmosfera e o resto é              A menos que ações globais de controle das
reabsorvido pelos oceanos e pelas plantas. A con-       emissões de gases do efeito estufa sejam efetivadas
centração atmosférica de outros gases do efeito         nas próximas décadas, a demanda futura de ener-
estufa, como metano e óxido nitroso, também vem         gia, em especial nos países em desenvolvimento
crescendo, até mais rapidamente que a do CO2.           (na medida de sua expansão econômica), ocasiona-
   Outro gás de efeito estufa importantíssimo é o       rá alterações climáticas significativas, como um
vapor d’água, mas seu teor na atmosfera é essen-        aumento das temperaturas entre 1,5°C e 4,5°C até
cialmente controlado pela temperatura na superfí-       o final do século, acompanhado de fortes e pertur-
cie. Entretanto, o progressivo aumento da tempe-        badoras mudanças no ciclo hidrológico em todo o
ratura na baixa troposfera está aumentando a pro-       planeta. As emissões teriam que diminuir cerca
dução de vapor d’água, criando um forte mecanis-        de 60% para estabilizar as concentrações dos gases
mo de retroalimentação positiva do efeito estufa:       em níveis menos perigosos para o clima.
maiores temperaturas implicam maior quantidade             Os países em desenvolvimento, historicamente
de vapor d’água, que induz efeito estufa adicional      menos capazes de responder à variação natural do
e, daí, aquecimento, reiniciando o ciclo.               clima, são os mais vulneráveis às futuras altera-
   Alguns dos gases que aquecem a superfície têm        ções. O Brasil, sem dúvida, pode ser duramente
vida muito longa na atmosfera. A vida média do          atingido, já que sua economia é fortemente depen-
CO2, por exemplo, supera os 100 anos, e 15% desse       dente de recursos naturais ligados diretamente ao
gás perduram por até cinco milênios na atmosfera.       clima, como na agricultura e na geração de ener-
Por outro lado, a maioria dos agentes que resfriam      gia hidrelétrica. Mudanças climáticas afetariam
a superfície (tipicamente partículas de aerossóis       ainda vastas parcelas das populações de menor
resultantes de poluição urbana e industrial de sul-     renda, como as do semi-árido nordestino ou as que
fatos ou da queima de biomassa, que refletem parte      vivem em área de risco de deslizamentos, enxur-
da radiação solar) é rapidamente eliminada da at-       radas e inundações nas grandes cidades.
mosfera, tendo vida média entre cinco e 15 dias. O
longo tempo de vida do CO2 na atmosfera traz mais
preocupações. Mesmo se o teor atual desse gás na        O BRASIL NO ESFORÇO
atmosfera fosse ‘congelado’, ele ainda afetaria o       DE REDUÇÃO DAS EMISSÕES
sistema climático por muitos séculos, e o aqueci-
mento continuaria. Nessa hipótese, estima-se que o      Qual poderia ser a contribuição brasileira ao en-
aquecimento seria de 0,6°C a 0,8°C até o final do       frentamento da questão? Pode-se ter desenvolvi-
atual milênio, sendo que metade ocorreria até o         mento social, econômico e ambientalmente susten-
final deste século, provocando até 2100 um aumen-       tável e ao mesmo tempo reduzir as emissões dos
to de até 8 cm no nível do mar.                         gases de efeito estufa?
   A temperatura média global na superfície do             Ainda que o Brasil, segundo a Convenção das
planeta elevou-se de 0,6°C a 0,7°C nos últimos 100      Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, não
anos, com acentuado aumento desde os anos 60.           tenha compromissos quantitativos de redução des-
Os três anos mais quentes dos últimos mil anos da       sas emissões, está, como todos os demais países sig-
história da Terra aconteceram na última década.         natários, comprometido com a estabilização dos ga-
Hoje, as análises sistemáticas do Painel Intergo-       ses do efeito estufa em níveis que assegurem a ha-
vernamental de Mudanças Climáticas (IPCC), que          bitabilidade do planeta. O IPCC, em seu relatório
sintetizam o conhecimento científico sobre o sis-       de 2001, estima de modo subjetivo que a Terra es-
tema climático, levam a um razoável consenso de         taria em condições ‘climaticamente seguras’ en-
que o aquecimento global observado nos últimos          quanto a temperatura global à superfície não au-
50 anos é explicado principalmente pelas emis-          mentar 2°C em relação ao nível anterior à acele-
sões humanas de gases de efeito estufa e de aerossóis   ração das emissões humanas desses gases.
e não por eventual variabilidade natural do clima.         As emissões brasileiras atuais de CO2 concen-
Os aerossóis de origem humana podem mesmo               tram-se em dois setores: (1) na queima de combus-


                                                                                           dezembro de 2004 • CIÊNCIA HOJE • 39
C L I M A T O L O G I A



    A derrubada




                                                                                                                                          FOTO MARCELO SAYAO/AGÊNCIA O GLOBO
                         tíveis fósseis, que libera por ano de 80 a 90 milhões
    de florestas,        de toneladas de carbono; e (2) na alteração dos usos
    muitas vezes
                         da terra, principalmente a substituição de flores-
    seguida por
    queimadas,           tas e savanas por agricultura e pastagem, que libe-
    responde por         ra anualmente de 200 a 250 milhões de toneladas
    até três quartos     de carbono. O segundo setor responde por 65% a
    das emissões         75% das emissões totais brasileiras de CO2, que
    brasileiras
                         tornam o país responsável por algo em torno de 4%
    de gases-estufa
                         das emissões globais. É um percentual pequeno, em
                         comparação com os principais países emissores
                         desse gás (Estados Unidos, Rússia, China e Japão),
                         mas ainda assim há claras possibilidades de redu-
                         ção dessas emissões.
SUGESTÕES
PARA LEITURA                Como visto, desmatamentos são a principal causa
                         das emissões brasileiras. Sabe-se que muitas ati-       mínimo, 10%. Já que o aumento anual de desma-
HOUGHTON, J.T.; DING,    vidades que direta ou indiretamente contribuem          tamento na Amazônia brasileira ficou entre 1,8 e
  Y.; GRIGGS, D.J.;
  NOGUER, M. ; VAN       na derrubada da vegetação nativa são ilegais. A         2,3 milhões de hectares nos últimos cinco anos,
  DER LINDEN, P.J. &     maioria dos desmatamentos e queimadas que ocor-         uma diminuição de 10% faria com que as emissões
  XIAOSU, D. (eds.).
                         rem todos os anos na Amazônia, por exemplo,             brasileiras anuais de carbono caíssem em cerca de
  Climate Change: the
  scientific basis –     não tem autorização dos órgãos de meio ambiente         30 milhões de toneladas. Reduzindo os desma-
  Contribution of        (federal ou estaduais). O mesmo acontece na ex-         tamentos na Amazônia, apenas pela aplicação das
  Working Group I to
  the ThIrd              ploração predatória de madeira. A aplicação efe-        leis florestais e ambientais, o Brasil se engajaria de
  Assessment Report      tiva e sistemática da legislação teria um efeito pro-   modo construtivo ao objetivo maior da Convenção
  of the
  Intergovernamental
                         fundo, reduzindo a área desmatada e, assim, di-         sobre Mudanças Climáticas, de estabilizar as con-
  Panel on Climate       minuindo muito as emissões brasileiras.                 centrações dos gases do efeito estufa em níveis que
  Change (IPCC),            A posição da diplomacia brasileira nas nego-         não sejam perigosos ao sistema climático da Terra.
  Cambridge
  University Press,      ciações referentes à Convenção sobre as Mudanças           Esse posicionamento é totalmente coerente com
  2001.                  Climáticas e a seu Protocolo de Kyoto tem coloca-       os planos governamentais para a Amazônia (Plano
MCCARTHY, J.J.;
  CANZIANI, O.F.;
                         do grande peso em (corretamente) responsabilizar        Amazônia Sustentável, Plano de Combate ao Des-
  LEARY, N.A.;           os países desenvolvidos pelas emissões históricas e     matamento, Br-163 Sustentável e outros), todos pre-
  DOKKEN, D.J. &         presentes e cobrar destes compromissos de redu-         conizando grande redução dos desmatamentos e
  WHITE, K.S (eds.).
  Climate Change:        ção significativa de suas emissões. Entretanto, se-     queimadas ilegais através de políticas públicas
  impacts, adaptation    ria interessante o país assumir um papel autôno-        voltadas para o maior cumprimento das leis (inclu-
  & vulnerability –
  Contribution of        mo relevante na questão da mitigação, criando con-      sive com uma massiva regularização fundiária) e
  Working Group II to    dições para reduzir as emissões brasileiras, onde       para a exploração sustentável dos produtos flores-
  the Third
                         isso fosse possível, sem afetar o desenvolvimento       tais. Tecnologias de aproveitamento desses produ-
  Assessment Report
  of the                 de melhores condições econômicas e sociais para         tos, das mais simples até a biotecnologia, podem
  Intergovernamental     a população, que exigirá aumento do consumo de          agregar valor a uma economia de base florestal,
  Panel on Climate
  Change (IPCC),         energia per capita.                                     reduzindo a pressão sobre a floresta primária.
  Cambridge                 No reflorestamento, uma das modalidades in-          Sistemas agroflorestais ainda fornecem outros ser-
  University Press,
  2001.
                         cluídas entre os Mecanismos de Desenvolvimento          viços ambientais, além de estocar e seqüestrar
METZ, B.; DAVIDSON,      Limpo, previstos no Protocolo de Kyoto, o Brasil        carbono, como manter a qualidade da água, esta-
  O.; SWART, R. & PAN,   exibe gigantesco potencial, bastando utilizar áreas     bilizar o ciclo hidrológico, reduzir a erosão, man-
  J. (eds.). Climate
  Change: mitigation     degradadas e marginais para criar ‘sumidouros’ de       ter uma variedade de polinizadores úteis à agricul-
  – Contribution of      gases do efeito estufa, principalmente CO2 (que         tura e moderar os extremos climáticos.
  Working Group III to
  the Third
                         seria assimilado pelas florestas em crescimento,           Em suma, a diminuição dos desmatamentos e
  Assessment Report      através da fotossíntese). Seriam necessários, no en-    queimadas ilegais na Amazônia acrescenta um
  of the                 tanto, projetos de reflorestamento cobrindo enormes     novo componente aos já conhecidos benefícios de
  Intergovernamental
  Panel on Climate       extensões (dezenas de milhares de quilômetros qua-      preservação da qualidade ambiental e qualidade de
  Change (IPCC),         drados) para retirar da atmosfera uma quantidade        vida das populações locais: uma importante con-
  Cambridge
  University Press,      significativa de carbono.                               tribuição brasileira ao esforço mundial de redução
  2001.                     Em comparação, políticas públicas que impo-          das emissões de gases de efeito estufa visando re-
(Os três textos acima
                         nham o cumprimento mais eficaz da legislação            duzir o perigo das mudanças climáticas. Por mais
  estão disponíveis
  em http://             atual, principalmente o Código Florestal e os           árduo que seja o caminho para atingir essa meta,
  www.ipcc.ch/pub/       Zoneamentos Ecológico-Econômicos, podem por             uma atitude assim somente teria vencedores: a
  reports.htm)
                         si só reduzir as taxas de reflorestamento em, no        população, o país e o planeta.                       ■



    40 • CIÊNCIA HOJE • vol. 36 • nº 211
C L I M A T O L O G I A




Gases de efeito estufa
em hidrelétricas da Amazônia
Os chamados gases-estufa, entre os quais se destacam o dióxido de carbono
e o metano (também conhecido como ‘gás do pântano’), dificultam a dissipação
da radiação refletida pela Terra. Embora a discussão sobre as reais conseqüências
do aumento da concentração desses gases na atmosfera seja polêmica, é provável –
caso as emissões se mantenham nos níveis atuais – que no futuro o planeta enfrente
catástrofes ocasionadas por mudanças climáticas. Ao apresentar neste artigo dados
sobre o lançamento de gases-estufa por hidrelétricas da Amazônia brasileira,
o autor traz importante contribuição para um debate imparcial do tema.



Philip M. Fearnside
Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia




Quem abre uma garrafa de refrigerante vê minúsculas bolhas emer-     rada à pressão no fundo do reservatório de uma
               girem do líquido. Nesse caso, o gás carbônico (CO2)   hidrelétrica. A 34,6 m (profundidade das tomadas
               está dissolvido na água, que compõe a maior parte     d’água das turbinas na hidrelétrica de Tucuruí), a
               da bebida. A solubilidade do gás é mais alta sob      pressão é alta (aproximadamente três atmosferas).
               pressão na garrafa fechada do que quando ela é        A 10 m há uma estratificação da água em camadas
               aberta, de acordo com o princípio químico conheci-    de temperaturas diferentes: a água mais fria das
               do como Lei de Henry, que estabelece que a solu-      camadas baixas não se mistura com a água mais
               bilidade de um gás em um líquido é diretamente        quente das camadas superiores, impedindo o mo-
               proporcional à pressão parcial do gás. Os mergulha-   vimento do CH4 (metano) para a superfície.
               dores, vale lembrar, estão familiarizados com o
               fato de que a queda súbita de pressão pode liberar
               bolhas de nitrogênio no sangue, pondo em risco a      O METANO
               vida daqueles que sobem rapidamente à superfí-
               cie da água.                                          À medida que a profundidade aumenta na coluna
                  No caso da água que emerge do fundo de uma         d’água, a concentração de CH4 também aumenta
               hidrelétrica, o efeito da pressão age em conjunto     (figura 1). No reservatório de Tucuruí, a concen-
               com o efeito da temperatura (segundo o Princípio      tração desse gás a 30 m de profundidade era, em
               de Le Châtelier, o aquecimento da água também         março de 1989, de 6 mg por litro de água (mg/l),
               reduz a solubilidade dos gases nela dissolvidos).     uma estimativa conservadora para a concentração
               O efeito causado pela liberação da pressão é gran-    nessa época do ano a 34,6 m. O valor sobe para 7,5
               de e imediato, mas requer um curto período de         mg/l após ajuste para o ciclo anual, com base em
               tempo para que o Princípio de Le Châtelier se         medidas tomadas pela equipe de Corinne Galy-La-
               estabeleça e a temperatura se reequilibre.            caux na represa de Petit Saut (Guiana Francesa).
                  A diferença de pressão entre uma garrafa de            Os dados desse reservatório, onde se tomam
               refrigerante fechada e aberta é pequena se compa-     medidas ao longo de todo o ano, são mais comple-


                                                                                     dezembro de 2004 • CIÊNCIA HOJE • 41
C L I M A T O L O G I A




                                                                                                                                            FONTE J.G.TUNDISI
                                                                                     zada em pequenas gotas. No vertedouro da hidre-
                                                                                     létrica de Tucuruí, a água sai em um jato a partir
                                                                                     de uma fenda horizontal estreita a 20 m de pro-
                                                                                     fundidade. Nessa profundidade a água tem uma
                                                                                     carga significativa de metano: 3,1 mg/l, em média,
                                                                                     ao longo do ano.
                                                                                         Em forma de salto de esqui, o vertedouro foi
                                                                                     projetado para maximizar a oxigenação do rio a
                                                                                     jusante da barragem (figura 2). Em conseqüência,
                                                                                     o metano presente na água é imediatamente libe-
                                                                                     rado. Considerando que 353,6 trilhões de litros
                                                                                     d’água, em média, passam anualmente pelas tur-
                                                                                     binas e vertedouros da barragem de Tucuruí, ve-
                                                                                     rifica-se que a quantidade de CH4 exportada por
                              Figura 1. Perfil da concentração de metano (CH4)       essas estruturas é tremenda.
                              na usina hidrelétrica de Tucuruí em março de 1989,
                              com ajuste para um ciclo anual                             Levando-se em conta as suposições relativas às
                                                                                     percentagens de CH4 liberadas dessa água, em 1991
                                                                                     foi lançado um total de 0,7-1,2 milhão de tonela-
                              tos que os relativos às hidrelétricas da Amazônia      das de CH4 em Tucuruí, o equivalente a 4-7,1
                              brasileira. Embora os dados de Petit Saut possam       milhões de toneladas de carbono na forma de CO2,
                              ser usados para ajustar valores pontuais brasilei-     computado com base no potencial de aquecimento
                              ros, com base em números relativos (percentagens),     global de 21, adotado para o metano pelo Protocolo
                              não se pode lançar mão de valores absolutos por        de Kyoto – isso significa que cada tonelada de CH4
                              causa da diferença de idade entre os reservatórios.    tem, sobre o aquecimento global, o impacto de 21
                                  Logo que a água emerge das turbinas, a pressão     toneladas de CO2. A equivalência é conservadora,
                              cai até o nível de uma atmosfera, e a maior parte do   já que cálculos atuais do Painel Intergovernamental
                              gás nela dissolvido é imediatamente liberada. A água   de Mudanças Climáticas indicam um valor de 23
                              colhida no fundo de um reservatório e trazida até a    para o potencial de aquecimento global do metano,
                              superfície em um frasco de amostragem espuma           o que aumentaria o impacto da emissão desse gás
                              feito refrigerante quando ele é aberto. Gases assim    pelas hidrelétricas em 12% em relação aos valores
                              liberados incluem o CO2 e o CH4. Embora presente       adotados pelo Protocolo de Kyoto. Há propostas al-
                              na água em menor quantidade que o CO2, o CH4 é         ternativas para o cálculo da equivalência entre os
                              que torna as hidrelétricas uma preocupação no que      diferentes gases, mas os cálculos aqui apresentados
                              se refere ao aumento do efeito estufa.                 se baseiam na metodologia adotada pelo Protocolo
                                  O metano também é liberado no percurso da          de Kyoto, por ser internacionalmente aceita.
                              água pelo vertedouro, onde a liberação de gás é            A pressão parcial do CH4 na atmosfera é muito
                              causada não só pela mudança de pressão e tempe-        baixa: 1,5 × 10-6 (em cada milhão de moléculas
                              ratura, mas também pela provisão súbita de uma         presentes no ar, apenas 1,5, em média, é de me-
                              vasta área da superfície, quando a água é pulveri-     tano). Dada a constante da Lei de Henry para o me-
                                                                                     tano, o equilíbrio de CH4 à pressão de uma atmos-
                                                                                     fera e à temperatura de 25oC é de apenas 0,035
                                                                                     mg/l. Quando a água emerge das turbinas de Tu-
                                                                                     curuí com uma concentração de 7,5 mg de metano
                                                                                     por litro, 99,5% se perdem em razão do efeito
                                                                                     combinado da queda da pressão, até o nível de
                                                                                     uma atmosfera, e da elevação da temperatura, até
                                                                                     cerca de 25oC. O papel da temperatura nesse pro-
                                                                                     cesso pode ser visto a partir da relação entre a
                                                                                     temperatura e a solubilidade de CH4: um aumento
                                                                                     na temperatura de 15oC para 25oC, por exemplo,
                                                                                     reduz a solubilidade de CH4 na água em 18,3%.
                                                                                                                                           FOTOS P.M. FEARNSIDE




                                                                                     Figura 2. Em forma de salto de esqui,
                                                                                     o vertedouro da hidrelétrica de Tucuruí oxigena
                                                                                     a água mas simultaneamente libera metano

42 • C I Ê N C I A H O J E • v o l . 3 6 • n º 2 1 1
C L I M A T O L O G I A




   Algumas estimativas do impacto de hidrelétri-
cas consideram desprezíveis as emissões de gases
pelas turbinas e vertedouros, com base na medida
do fluxo de gases na superfície da água, feitas de
várias centenas de metros a várias dezenas de
quilômetros a jusante da barragem. Infelizmente
para o ambiente, a liberação de gás da água que
emerge das turbinas ocorre em questão de segun-
dos. O fato de que pouco ou nenhum metano seja
liberado rio abaixo é irrelevante. A quantidade de
CH4 liberado nas turbinas e no vertedouro é ade-
quadamente calculada por meio da diferença en-
tre a concentração de CH4 na água à profundidade
da tomada d’água das turbinas atrás da barragem
e a concentração na água do rio a jusante da bar-
ragem. Como o novo equilíbrio é alcançado rapi-
damente, logo que a água emerge das turbinas, não
há tempo para as bactérias reduzirem o CH4 a CO2
antes de o gás ganhar a atmosfera.
   Com o sobe-e-desce do nível de água, inundan-
do e expondo grandes áreas de terra ao redor da
margem, as represas se tornam verdadeiras fábri-
cas de metano. A vegetação cresce depressa na           Figura 3. Vista parcial do lago da hidrelétrica
lama exposta e se decompõe em condições anae-           de Samuel, em Rondônia, 13 anos após o fechamento
róbicas no fundo do reservatório quando a água          da barragem. Partes de árvores mortas permanecem
volta a subir. Isso converte gás carbônico atmosfé-     acima da água, e a decomposição dessa biomassa
rico em metano, com um impacto muito maior              libera CO2, sobretudo na primeira década após
                                                        a formação da represa
sobre o efeito estufa do que o CO2 retirado da
atmosfera por ação das plantas (21 vezes mais por
tonelada de gás ou 7,6 vezes mais por tonelada de       solo erodido e de carbono orgânico dissolvido que
carbono). A emissão natural desse gás ao longo de       alcança o rio a partir do lençol freático. O carbono
um rio sem barragens é pequena se comparada à           de CO2 derivado da fotossíntese no reservatório é
emissão de um reservatório.                             apenas reciclado da atmosfera; o proveniente da
                                                        terra firme está sujeito a decomposição aeróbica.
                                                            O carbono da represa que não é oxidado pode
                                                        depositar-se em sumidouros (como os sedimentos
O DIÓXIDO DE CARBONO
                                                        do fundo do reservatório), a jusante (na várzea ou
A emissão de gás carbônico de reservatórios é bas-      foz) ou em sedimentos oceânicos, podendo ainda
tante diferente da emissão de metano no que se          permanecer como carbono orgânico dissolvido por
refere ao impacto líquido sobre o efeito estufa.        um longo período. A remoção de carbono por de-
Diferente do metano, só uma porção do gás car-          posição no reservatório não pode ser vista como
bônico emitido pode ser considerada impactante,         benefício, uma vez que o carbono dos sedimentos
pois grande parte do fluxo de CO2 é cancelada por       provavelmente ter-se-ia acumulado em outros su-
meio de absorções que ocorrem no reservatório. O        midouros na ausência de barragens.
metano não entra em processos fotossintéticos,              No cálculo do impacto líquido causado por re-
embora seja reduzido lentamente a CO2, que pode         servatórios, deve-se levar em conta o CO2 liberado
ser removido na fotossíntese. Durante os cerca de       pela decomposição de partes das árvores inunda-
10 anos que cada molécula de metano permanece           das que se projetam para fora d’água (figura 3).
na atmosfera, o efeito estufa que isso causa deve ser   Após o enchimento do reservatório, a quantidade
considerado um impacto líquido da represa.              de carbono envolvida é significativa na primeira
    O CO2 liberado na superfície do reservatório,       década. Uma estimativa das emissões dessa fonte
bem como o CO2 liberado em turbinas e verte-            feita pelo autor deste artigo durante o ano de 1990
douros, não pode ser considerado emissão líquida.       indicou um total de 10 milhões de toneladas de
O carbono desse CO2 terá entrado na água a partir       carbono para as represas da Amazônia brasilei-
de fontes de fotossíntese no reservatório, como         ra: 2,55 em Tucuruí; 6,43 em Balbina; 1,13 em
fitoplâncton e macrófitas, de material orgânico e       Samuel; e 0,01 em Curuá-Una.


                                                                                           dezembro de 2004 • CIÊNCIA HOJE • 43
C L I M A T O L O G I A




                                   GÁS              FONTE DE EMISSÃO                                          C EQUIVALENTE A CO2               CONTRIBUIÇÃO
                                                                                                                                    *
                                                                                                                 (MILHÕES DE T)                 RELATIVA (%)
                                                                                                               CENÁRIO              CENÁRIO             CENÁRIO   CENÁRIO
                                                                                                                 ‘ALTO’              ‘BAIXO’             ‘ALTO’   ‘BAIXO’
                                   CH4             EBULIÇÃO + DIFUSÃO                                           0,537                0,537                5%       8%
                                                   DECOMPOSIÇÃO ACIMA D’ÁGUA                                    0,003                0,003              0,03%     0,04%
                                                   PERDA DE SUMIDOUROS NO SOLO DA FLORESTA                      0,001                0,001              0,01%     0,01%
                                                   PERDA DE CUPINS DA FLORESTA                                  -0,015              -0,015              -0,15%    -0,22%
                                                   TURBINAS                                                     4,023                0,945               40%       13%
                                                   VERTEDOURO                                                   3,066                3,066               30%       44%
                                                   CH 4 TOTAL                                                    7,61                   4,54             75%       64%

SUGESTÕES                          CO2             DECOMPOSIÇÃO ACIMA D’ÁGUA**                                   2,55                   2,55             25%       36%
PARA LEITURA                                       DECOMPOSIÇÃO ABAIXO D’ÁGUA                                    0,03                   0,03            0,30%     0,43%
                                                   PERDA DE ABSORÇÃO DA FLORESTA                                 0,06                   0,06              1%       1%
FEARNSIDE, P.M.
  ‘Greenhouse                                      CO2 TOTAL                                                     2,64                   2,64             26%       38%
  gas emissions
  from Amazonian                   N2O***          PERDA DE FONTES NO SOLO DA FLORESTA                          -0,14                   -0,14            -1%       -2%
  hydroelectric
                                   TOTAL                                                                        10,11                   7,03            100%      100%
  reservoirs:
   The example                   *Potencial de aquecimento global de CH 4 = 21; N 2O = 310.
  of Brazil’s Tucuruí            **Baseada na decomposição acima do solo, em área de floresta derrubada para implantação de atividades agropecuárias.
  Dam as compared                ***Óxido nitroso.
  to fossil fuel
  alternatives’, in
   Environmental
  Conservation,
  24 : 64-75,                                                                                                  Figura 4. Emissões de gases-estufa na hidrelétrica
                                  HIDRELÉTRICAS E OUTRAS FONTES                                                de Tucuruí em 1990. Os componentes são de anos
  1997.
FEARNSIDE, P.M.                   DE ENERGIA: UMA COMPARAÇÃO                                                   diferentes: áreas de hábitat e níveis de água
  ‘Greenhouse gas                                                                                              (1988); emissão por unidade de área por ebulição
  emissions from                 Emissões de várias fontes se concentram no início                             e difusão (1996-1997); fluxos de água das turbinas
  a hydroelectric
  reservoir (Brazil’s
                                 da vida de uma hidrelétrica, e o efeito estufa que                            e do vertedouro (1991); conteúdo de CH4 na água
   Tucuruí Dam) and              provoca para gerar energia tem um perfil temporal                             (1989); emissões de decomposição (1990)
  the energy policy              bem diferente do perfil das emissões causadas pela
  implications’,
  in Water,                      produção da mesma quantidade de energia a partir
  Air and Soil                   de combustíveis fósseis. As emissões em uma bar-
  Pollution,
   133: 69-96,                   ragem ocorrem até vários anos antes de ela começar                               Em Tucuruí, o impacto total das emissões e
  2002.                          a produzir energia, resultando também da fabrica-                             sumidouros dos diferentes gases de efeito estufa
FEARNSIDE, P.M.
                                 ção de cimento e aço empregados na sua constru-                               somava em 1990 (seis anos após o fechamento da
  ‘Greenhouse gas
  emissions from                 ção. A liberação de CO2 pela decomposição de ár-                              barragem) o equivalente a 7-10,1 milhões de tone-
  hydroelectric dams:            vores mortas acima da água e do CH4 resultante da                             ladas de carbono de CO2. Um cenário ‘alto’ e outro
  controversies
    provide a                    decomposição das partes macias da vegetação ini-                              ‘baixo’ refletem uma larga faixa de incerteza, que
  springboard for                cial e das macrófitas é mais alta nos primeiros anos,                         se deve sobretudo às suposições acerca da percen-
  rethinking a
  supposedly “clean”
                                 após o enchimento do reservatório. Qualquer pon-                              tagem de CH4 liberada pelas turbinas (figura 4).
  energy source’,                deração das emissões por tempo (atualmente não                                   A magnitude dessa emissão pode ser entendida
  in Climatic                    incluídas no Protocolo de Kyoto) favoreceria a alter-                         por comparação com a que se verifica na cidade
    Change (no prelo).
GALY-LACAUX, C.,                 nativa dos combustíveis fósseis, em comparação com                            de São Paulo. Em 1990, o Brasil emitiu 53 milhões
  DELMAS, R.,                    a geração de energia hidrelétrica.                                            de toneladas de carbono de combustíveis fósseis,
  KOUADIO, J.,
  RICHARD, S., &
                                    Mesmo sem considerar as emissões decorrentes                               segundo cálculos do especialista em energia Emí-
  GOSSE, P.                      da construção da barragem e as ponderações acer-                              lio La Rovere, da Universidade Federal do Rio de
  ‘Long-term                     ca do tempo, é expressiva a emissão de gases de                               Janeiro. Portanto, a emissão de 7-10,1 milhões de
  greenhouse gas
  emissions from                 efeito estufa por hidrelétricas amazônicas. Isso se                           toneladas de carbono equivalente a CO2 de Tucuruí
  hydroelectric                  aplica não só a barragens com potência muito baixa                            em 1990 representava de 13% a 19% da emissão
  reservoirs
  in tropical forest             por área inundada, como Balbina e Samuel (ver                                 de combustível fóssil produzida na época pela po-
  regions’,                      “Balbina: lições trágicas na Amazônia”, em Ciên-                              pulação do país (170 milhões de habitantes). A
  in Global
                                 cia Hoje no 64), mas também a barragens como                                  emissão de Tucuruí era de 1,3 a 1,9 vezes maior
  Biogeochemical
  Cycles,                        Tucuruí, cuja potência por metro quadrado inun-                               que a do combustível fóssil queimado pelos 17
  13: 503-517,                   dado é superior à média das barragens planejadas                              milhões de habitantes da área metropolitana
  1999.
                                 na Amazônia em geral.                                                         de São Paulo (10% da população brasileira).      ■



   44 • C I Ê N C I A H O J E • v o l . 3 6 • n º 2 1 1
Desmatamento e desenvolvimento: mitos e realidades
Desmatamento e desenvolvimento: mitos e realidades
Desmatamento e desenvolvimento: mitos e realidades
Desmatamento e desenvolvimento: mitos e realidades
Desmatamento e desenvolvimento: mitos e realidades
Desmatamento e desenvolvimento: mitos e realidades
Desmatamento e desenvolvimento: mitos e realidades
Desmatamento e desenvolvimento: mitos e realidades
Desmatamento e desenvolvimento: mitos e realidades
Desmatamento e desenvolvimento: mitos e realidades
Desmatamento e desenvolvimento: mitos e realidades
Desmatamento e desenvolvimento: mitos e realidades
Desmatamento e desenvolvimento: mitos e realidades

Mais conteúdo relacionado

Mais procurados

1 agriculturas-edicao-especial-rio+20
1   agriculturas-edicao-especial-rio+201   agriculturas-edicao-especial-rio+20
1 agriculturas-edicao-especial-rio+20Igor Bulhões
 
As cidades cercam os campos - Estudos sobre Projeto Nacional e Desenvolviment...
As cidades cercam os campos - Estudos sobre Projeto Nacional e Desenvolviment...As cidades cercam os campos - Estudos sobre Projeto Nacional e Desenvolviment...
As cidades cercam os campos - Estudos sobre Projeto Nacional e Desenvolviment...iicabrasil
 
Anais do ge te m 2012 - resumos expandidos
Anais do ge te m 2012 - resumos expandidosAnais do ge te m 2012 - resumos expandidos
Anais do ge te m 2012 - resumos expandidosSheila Cristino
 
Um mundo quente e faminto
Um mundo quente e famintoUm mundo quente e faminto
Um mundo quente e famintoOxfam Brasil
 
A industria da seca no brasil
A industria da seca no brasilA industria da seca no brasil
A industria da seca no brasilIsabel Aguiar
 
Campo e cidade - Aula de Geografia
Campo e cidade - Aula de GeografiaCampo e cidade - Aula de Geografia
Campo e cidade - Aula de Geografiadiego Ferreira
 
1 marketing verde
1   marketing verde1   marketing verde
1 marketing verdevgbarros
 
Quem sustenta tanto_desenvolvi
Quem sustenta tanto_desenvolviQuem sustenta tanto_desenvolvi
Quem sustenta tanto_desenvolviRute Cristina
 
Estrategia ilpf embrapa_florestas_moa_e_porfa
Estrategia ilpf embrapa_florestas_moa_e_porfaEstrategia ilpf embrapa_florestas_moa_e_porfa
Estrategia ilpf embrapa_florestas_moa_e_porfaMoacir Medrado
 
Revisão 2° fase da u f p e 2010
Revisão 2° fase da  u f p e  2010Revisão 2° fase da  u f p e  2010
Revisão 2° fase da u f p e 2010landipaula
 
BRASIL RURAL: Revisão 7º ano
BRASIL RURAL: Revisão 7º anoBRASIL RURAL: Revisão 7º ano
BRASIL RURAL: Revisão 7º anoJosecler Rocha
 

Mais procurados (19)

Gmzr aula 7
Gmzr   aula 7Gmzr   aula 7
Gmzr aula 7
 
1 agriculturas-edicao-especial-rio+20
1   agriculturas-edicao-especial-rio+201   agriculturas-edicao-especial-rio+20
1 agriculturas-edicao-especial-rio+20
 
Prova estado geo 2011
Prova estado geo 2011Prova estado geo 2011
Prova estado geo 2011
 
NÍVEL 3 3º ANO
NÍVEL 3  3º ANONÍVEL 3  3º ANO
NÍVEL 3 3º ANO
 
Prova estado cs geo tanto
Prova estado cs geo tantoProva estado cs geo tanto
Prova estado cs geo tanto
 
As cidades cercam os campos - Estudos sobre Projeto Nacional e Desenvolviment...
As cidades cercam os campos - Estudos sobre Projeto Nacional e Desenvolviment...As cidades cercam os campos - Estudos sobre Projeto Nacional e Desenvolviment...
As cidades cercam os campos - Estudos sobre Projeto Nacional e Desenvolviment...
 
Anais do ge te m 2012 - resumos expandidos
Anais do ge te m 2012 - resumos expandidosAnais do ge te m 2012 - resumos expandidos
Anais do ge te m 2012 - resumos expandidos
 
Um mundo quente e faminto
Um mundo quente e famintoUm mundo quente e faminto
Um mundo quente e faminto
 
A industria da seca no brasil
A industria da seca no brasilA industria da seca no brasil
A industria da seca no brasil
 
Questões desafio
Questões desafioQuestões desafio
Questões desafio
 
Campo e cidade - Aula de Geografia
Campo e cidade - Aula de GeografiaCampo e cidade - Aula de Geografia
Campo e cidade - Aula de Geografia
 
1 marketing verde
1   marketing verde1   marketing verde
1 marketing verde
 
GEOGRAFIA POLÍTICA - Geopolítica da Amazônia
GEOGRAFIA POLÍTICA - Geopolítica da AmazôniaGEOGRAFIA POLÍTICA - Geopolítica da Amazônia
GEOGRAFIA POLÍTICA - Geopolítica da Amazônia
 
Quem sustenta tanto_desenvolvi
Quem sustenta tanto_desenvolviQuem sustenta tanto_desenvolvi
Quem sustenta tanto_desenvolvi
 
Estrategia ilpf embrapa_florestas_moa_e_porfa
Estrategia ilpf embrapa_florestas_moa_e_porfaEstrategia ilpf embrapa_florestas_moa_e_porfa
Estrategia ilpf embrapa_florestas_moa_e_porfa
 
Revisão 2° fase da u f p e 2010
Revisão 2° fase da  u f p e  2010Revisão 2° fase da  u f p e  2010
Revisão 2° fase da u f p e 2010
 
BRASIL RURAL: Revisão 7º ano
BRASIL RURAL: Revisão 7º anoBRASIL RURAL: Revisão 7º ano
BRASIL RURAL: Revisão 7º ano
 
Aula nº5
Aula nº5Aula nº5
Aula nº5
 
Avaliação de geografia estilo saeb
Avaliação de  geografia   estilo saebAvaliação de  geografia   estilo saeb
Avaliação de geografia estilo saeb
 

Semelhante a Desmatamento e desenvolvimento: mitos e realidades

Apostila geo brasil
Apostila geo brasilApostila geo brasil
Apostila geo brasilresolvidos
 
AGRISSÊNIOR NOTÍCAS Nº 523 an 12 maio_2015.ok
AGRISSÊNIOR NOTÍCAS  Nº 523 an 12 maio_2015.okAGRISSÊNIOR NOTÍCAS  Nº 523 an 12 maio_2015.ok
AGRISSÊNIOR NOTÍCAS Nº 523 an 12 maio_2015.okRoberto Rabat Chame
 
In Sustentabilidade! Eis o "Momentum"
In Sustentabilidade! Eis o "Momentum"In Sustentabilidade! Eis o "Momentum"
In Sustentabilidade! Eis o "Momentum"Laercio Bruno
 
Brasil Rural - Na Virada do Milênio
Brasil Rural - Na Virada do MilênioBrasil Rural - Na Virada do Milênio
Brasil Rural - Na Virada do MilênioDudetistt
 
A seca no sertão e o debate sobre a convivência com o semiárido brasileiro
A seca no sertão e o debate sobre a convivência com o semiárido brasileiroA seca no sertão e o debate sobre a convivência com o semiárido brasileiro
A seca no sertão e o debate sobre a convivência com o semiárido brasileiroUFPB
 
segurança alimentar e Nutricional
segurança alimentar e Nutricionalsegurança alimentar e Nutricional
segurança alimentar e NutricionalIsabel Cristina
 
Desenvolvimento rural sustentável
Desenvolvimento rural sustentávelDesenvolvimento rural sustentável
Desenvolvimento rural sustentávelProjetoBr
 
Desenvolvimento e agroindustria familair
Desenvolvimento e agroindustria familairDesenvolvimento e agroindustria familair
Desenvolvimento e agroindustria familairGilson Santos
 
Teorias do crescimento demográfico
Teorias do crescimento demográficoTeorias do crescimento demográfico
Teorias do crescimento demográficoPedro Neves
 
Gabarito 3o. ano geografia - 2o. bim
Gabarito 3o. ano   geografia - 2o. bimGabarito 3o. ano   geografia - 2o. bim
Gabarito 3o. ano geografia - 2o. bimstjamesmkt
 
A Capacidade do Agro Brasileiro de Produzir de Forma Sustentável
A Capacidade do Agro Brasileiro de Produzir de Forma SustentávelA Capacidade do Agro Brasileiro de Produzir de Forma Sustentável
A Capacidade do Agro Brasileiro de Produzir de Forma SustentávelAgriculturaSustentavel
 
O delírio capitalista e a deriva ambiental e climática - 1
O delírio capitalista e a deriva ambiental e climática - 1O delírio capitalista e a deriva ambiental e climática - 1
O delírio capitalista e a deriva ambiental e climática - 1GRAZIA TANTA
 
2011 - Redin- Potencialidades agricolas - Arroio do tigre em cena
2011 - Redin- Potencialidades agricolas - Arroio do tigre em cena2011 - Redin- Potencialidades agricolas - Arroio do tigre em cena
2011 - Redin- Potencialidades agricolas - Arroio do tigre em cenaEzequiel Redin
 

Semelhante a Desmatamento e desenvolvimento: mitos e realidades (20)

Apostila geo brasil
Apostila geo brasilApostila geo brasil
Apostila geo brasil
 
AGRISSÊNIOR NOTÍCAS Nº 523 an 12 maio_2015.ok
AGRISSÊNIOR NOTÍCAS  Nº 523 an 12 maio_2015.okAGRISSÊNIOR NOTÍCAS  Nº 523 an 12 maio_2015.ok
AGRISSÊNIOR NOTÍCAS Nº 523 an 12 maio_2015.ok
 
Geografia vol3
Geografia vol3Geografia vol3
Geografia vol3
 
In Sustentabilidade! Eis o "Momentum"
In Sustentabilidade! Eis o "Momentum"In Sustentabilidade! Eis o "Momentum"
In Sustentabilidade! Eis o "Momentum"
 
Brasil Rural - Na Virada do Milênio
Brasil Rural - Na Virada do MilênioBrasil Rural - Na Virada do Milênio
Brasil Rural - Na Virada do Milênio
 
A seca no sertão e o debate sobre a convivência com o semiárido brasileiro
A seca no sertão e o debate sobre a convivência com o semiárido brasileiroA seca no sertão e o debate sobre a convivência com o semiárido brasileiro
A seca no sertão e o debate sobre a convivência com o semiárido brasileiro
 
segurança alimentar e Nutricional
segurança alimentar e Nutricionalsegurança alimentar e Nutricional
segurança alimentar e Nutricional
 
Desenvolvimento rural sustentável
Desenvolvimento rural sustentávelDesenvolvimento rural sustentável
Desenvolvimento rural sustentável
 
Desenvolvimento e agroindustria familair
Desenvolvimento e agroindustria familairDesenvolvimento e agroindustria familair
Desenvolvimento e agroindustria familair
 
496 an 10_outubro_2014.ok
496 an 10_outubro_2014.ok496 an 10_outubro_2014.ok
496 an 10_outubro_2014.ok
 
A energia renovada pela ética social
A energia renovada pela ética socialA energia renovada pela ética social
A energia renovada pela ética social
 
Teorias do crescimento demográfico
Teorias do crescimento demográficoTeorias do crescimento demográfico
Teorias do crescimento demográfico
 
Gabarito 3o. ano geografia - 2o. bim
Gabarito 3o. ano   geografia - 2o. bimGabarito 3o. ano   geografia - 2o. bim
Gabarito 3o. ano geografia - 2o. bim
 
A Capacidade do Agro Brasileiro de Produzir de Forma Sustentável
A Capacidade do Agro Brasileiro de Produzir de Forma SustentávelA Capacidade do Agro Brasileiro de Produzir de Forma Sustentável
A Capacidade do Agro Brasileiro de Produzir de Forma Sustentável
 
Texto saane
Texto saaneTexto saane
Texto saane
 
938 cruz pronaf
938 cruz pronaf938 cruz pronaf
938 cruz pronaf
 
Matriz histórica problemas
Matriz histórica problemasMatriz histórica problemas
Matriz histórica problemas
 
O delírio capitalista e a deriva ambiental e climática - 1
O delírio capitalista e a deriva ambiental e climática - 1O delírio capitalista e a deriva ambiental e climática - 1
O delírio capitalista e a deriva ambiental e climática - 1
 
Correio 2009 bayer
Correio 2009 bayerCorreio 2009 bayer
Correio 2009 bayer
 
2011 - Redin- Potencialidades agricolas - Arroio do tigre em cena
2011 - Redin- Potencialidades agricolas - Arroio do tigre em cena2011 - Redin- Potencialidades agricolas - Arroio do tigre em cena
2011 - Redin- Potencialidades agricolas - Arroio do tigre em cena
 

Último

apostila projeto de vida 2 ano ensino médio
apostila projeto de vida 2 ano ensino médioapostila projeto de vida 2 ano ensino médio
apostila projeto de vida 2 ano ensino médiorosenilrucks
 
Construção (C)erta - Nós Propomos! Sertã
Construção (C)erta - Nós Propomos! SertãConstrução (C)erta - Nós Propomos! Sertã
Construção (C)erta - Nós Propomos! SertãIlda Bicacro
 
Ficha de trabalho com palavras- simples e complexas.pdf
Ficha de trabalho com palavras- simples e complexas.pdfFicha de trabalho com palavras- simples e complexas.pdf
Ficha de trabalho com palavras- simples e complexas.pdfFtimaMoreira35
 
Dicionário de Genealogia, autor Gilber Rubim Rangel
Dicionário de Genealogia, autor Gilber Rubim RangelDicionário de Genealogia, autor Gilber Rubim Rangel
Dicionário de Genealogia, autor Gilber Rubim RangelGilber Rubim Rangel
 
ATIVIDADE PARA ENTENDER -Pizzaria dos Descritores
ATIVIDADE PARA ENTENDER -Pizzaria dos DescritoresATIVIDADE PARA ENTENDER -Pizzaria dos Descritores
ATIVIDADE PARA ENTENDER -Pizzaria dos DescritoresAnaCarinaKucharski1
 
ATIVIDADE - CHARGE.pptxDFGHJKLÇ~ÇLJHUFTDRSEDFGJHKLÇ
ATIVIDADE - CHARGE.pptxDFGHJKLÇ~ÇLJHUFTDRSEDFGJHKLÇATIVIDADE - CHARGE.pptxDFGHJKLÇ~ÇLJHUFTDRSEDFGJHKLÇ
ATIVIDADE - CHARGE.pptxDFGHJKLÇ~ÇLJHUFTDRSEDFGJHKLÇJaineCarolaineLima
 
Reta Final - CNU - Gestão Governamental - Prof. Stefan Fantini.pdf
Reta Final - CNU - Gestão Governamental - Prof. Stefan Fantini.pdfReta Final - CNU - Gestão Governamental - Prof. Stefan Fantini.pdf
Reta Final - CNU - Gestão Governamental - Prof. Stefan Fantini.pdfWagnerCamposCEA
 
"É melhor praticar para a nota" - Como avaliar comportamentos em contextos de...
"É melhor praticar para a nota" - Como avaliar comportamentos em contextos de..."É melhor praticar para a nota" - Como avaliar comportamentos em contextos de...
"É melhor praticar para a nota" - Como avaliar comportamentos em contextos de...Rosalina Simão Nunes
 
Slides sobre as Funções da Linguagem.pptx
Slides sobre as Funções da Linguagem.pptxSlides sobre as Funções da Linguagem.pptx
Slides sobre as Funções da Linguagem.pptxMauricioOliveira258223
 
COMPETÊNCIA 4 NO ENEM: O TEXTO E SUAS AMARRACÕES
COMPETÊNCIA 4 NO ENEM: O TEXTO E SUAS AMARRACÕESCOMPETÊNCIA 4 NO ENEM: O TEXTO E SUAS AMARRACÕES
COMPETÊNCIA 4 NO ENEM: O TEXTO E SUAS AMARRACÕESEduardaReis50
 
11oC_-_Mural_de_Portugues_4m35.pptxTrabalho do Ensino Profissional turma do 1...
11oC_-_Mural_de_Portugues_4m35.pptxTrabalho do Ensino Profissional turma do 1...11oC_-_Mural_de_Portugues_4m35.pptxTrabalho do Ensino Profissional turma do 1...
11oC_-_Mural_de_Portugues_4m35.pptxTrabalho do Ensino Profissional turma do 1...licinioBorges
 
PROVA - ESTUDO CONTEMPORÂNEO E TRANSVERSAL: LEITURA DE IMAGENS, GRÁFICOS E MA...
PROVA - ESTUDO CONTEMPORÂNEO E TRANSVERSAL: LEITURA DE IMAGENS, GRÁFICOS E MA...PROVA - ESTUDO CONTEMPORÂNEO E TRANSVERSAL: LEITURA DE IMAGENS, GRÁFICOS E MA...
PROVA - ESTUDO CONTEMPORÂNEO E TRANSVERSAL: LEITURA DE IMAGENS, GRÁFICOS E MA...azulassessoria9
 
PROVA - ESTUDO CONTEMPORÂNEO E TRANSVERSAL: COMUNICAÇÃO ASSERTIVA E INTERPESS...
PROVA - ESTUDO CONTEMPORÂNEO E TRANSVERSAL: COMUNICAÇÃO ASSERTIVA E INTERPESS...PROVA - ESTUDO CONTEMPORÂNEO E TRANSVERSAL: COMUNICAÇÃO ASSERTIVA E INTERPESS...
PROVA - ESTUDO CONTEMPORÂNEO E TRANSVERSAL: COMUNICAÇÃO ASSERTIVA E INTERPESS...azulassessoria9
 
FASE 1 MÉTODO LUMA E PONTO. TUDO SOBRE REDAÇÃO
FASE 1 MÉTODO LUMA E PONTO. TUDO SOBRE REDAÇÃOFASE 1 MÉTODO LUMA E PONTO. TUDO SOBRE REDAÇÃO
FASE 1 MÉTODO LUMA E PONTO. TUDO SOBRE REDAÇÃOAulasgravadas3
 
COMPETÊNCIA 2 da redação do enem prodção textual professora vanessa cavalcante
COMPETÊNCIA 2 da redação do enem prodção textual professora vanessa cavalcanteCOMPETÊNCIA 2 da redação do enem prodção textual professora vanessa cavalcante
COMPETÊNCIA 2 da redação do enem prodção textual professora vanessa cavalcanteVanessaCavalcante37
 
planejamento_estrategico_-_gestao_2021-2024_16015654.pdf
planejamento_estrategico_-_gestao_2021-2024_16015654.pdfplanejamento_estrategico_-_gestao_2021-2024_16015654.pdf
planejamento_estrategico_-_gestao_2021-2024_16015654.pdfmaurocesarpaesalmeid
 
Slides Lição 05, Central Gospel, A Grande Tribulação, 1Tr24.pptx
Slides Lição 05, Central Gospel, A Grande Tribulação, 1Tr24.pptxSlides Lição 05, Central Gospel, A Grande Tribulação, 1Tr24.pptx
Slides Lição 05, Central Gospel, A Grande Tribulação, 1Tr24.pptxLuizHenriquedeAlmeid6
 
Slides Lição 04, Central Gospel, O Tribunal De Cristo, 1Tr24.pptx
Slides Lição 04, Central Gospel, O Tribunal De Cristo, 1Tr24.pptxSlides Lição 04, Central Gospel, O Tribunal De Cristo, 1Tr24.pptx
Slides Lição 04, Central Gospel, O Tribunal De Cristo, 1Tr24.pptxLuizHenriquedeAlmeid6
 
Nós Propomos! " Pinhais limpos, mundo saudável"
Nós Propomos! " Pinhais limpos, mundo saudável"Nós Propomos! " Pinhais limpos, mundo saudável"
Nós Propomos! " Pinhais limpos, mundo saudável"Ilda Bicacro
 
DeClara n.º 75 Abril 2024 - O Jornal digital do Agrupamento de Escolas Clara ...
DeClara n.º 75 Abril 2024 - O Jornal digital do Agrupamento de Escolas Clara ...DeClara n.º 75 Abril 2024 - O Jornal digital do Agrupamento de Escolas Clara ...
DeClara n.º 75 Abril 2024 - O Jornal digital do Agrupamento de Escolas Clara ...IsabelPereira2010
 

Último (20)

apostila projeto de vida 2 ano ensino médio
apostila projeto de vida 2 ano ensino médioapostila projeto de vida 2 ano ensino médio
apostila projeto de vida 2 ano ensino médio
 
Construção (C)erta - Nós Propomos! Sertã
Construção (C)erta - Nós Propomos! SertãConstrução (C)erta - Nós Propomos! Sertã
Construção (C)erta - Nós Propomos! Sertã
 
Ficha de trabalho com palavras- simples e complexas.pdf
Ficha de trabalho com palavras- simples e complexas.pdfFicha de trabalho com palavras- simples e complexas.pdf
Ficha de trabalho com palavras- simples e complexas.pdf
 
Dicionário de Genealogia, autor Gilber Rubim Rangel
Dicionário de Genealogia, autor Gilber Rubim RangelDicionário de Genealogia, autor Gilber Rubim Rangel
Dicionário de Genealogia, autor Gilber Rubim Rangel
 
ATIVIDADE PARA ENTENDER -Pizzaria dos Descritores
ATIVIDADE PARA ENTENDER -Pizzaria dos DescritoresATIVIDADE PARA ENTENDER -Pizzaria dos Descritores
ATIVIDADE PARA ENTENDER -Pizzaria dos Descritores
 
ATIVIDADE - CHARGE.pptxDFGHJKLÇ~ÇLJHUFTDRSEDFGJHKLÇ
ATIVIDADE - CHARGE.pptxDFGHJKLÇ~ÇLJHUFTDRSEDFGJHKLÇATIVIDADE - CHARGE.pptxDFGHJKLÇ~ÇLJHUFTDRSEDFGJHKLÇ
ATIVIDADE - CHARGE.pptxDFGHJKLÇ~ÇLJHUFTDRSEDFGJHKLÇ
 
Reta Final - CNU - Gestão Governamental - Prof. Stefan Fantini.pdf
Reta Final - CNU - Gestão Governamental - Prof. Stefan Fantini.pdfReta Final - CNU - Gestão Governamental - Prof. Stefan Fantini.pdf
Reta Final - CNU - Gestão Governamental - Prof. Stefan Fantini.pdf
 
"É melhor praticar para a nota" - Como avaliar comportamentos em contextos de...
"É melhor praticar para a nota" - Como avaliar comportamentos em contextos de..."É melhor praticar para a nota" - Como avaliar comportamentos em contextos de...
"É melhor praticar para a nota" - Como avaliar comportamentos em contextos de...
 
Slides sobre as Funções da Linguagem.pptx
Slides sobre as Funções da Linguagem.pptxSlides sobre as Funções da Linguagem.pptx
Slides sobre as Funções da Linguagem.pptx
 
COMPETÊNCIA 4 NO ENEM: O TEXTO E SUAS AMARRACÕES
COMPETÊNCIA 4 NO ENEM: O TEXTO E SUAS AMARRACÕESCOMPETÊNCIA 4 NO ENEM: O TEXTO E SUAS AMARRACÕES
COMPETÊNCIA 4 NO ENEM: O TEXTO E SUAS AMARRACÕES
 
11oC_-_Mural_de_Portugues_4m35.pptxTrabalho do Ensino Profissional turma do 1...
11oC_-_Mural_de_Portugues_4m35.pptxTrabalho do Ensino Profissional turma do 1...11oC_-_Mural_de_Portugues_4m35.pptxTrabalho do Ensino Profissional turma do 1...
11oC_-_Mural_de_Portugues_4m35.pptxTrabalho do Ensino Profissional turma do 1...
 
PROVA - ESTUDO CONTEMPORÂNEO E TRANSVERSAL: LEITURA DE IMAGENS, GRÁFICOS E MA...
PROVA - ESTUDO CONTEMPORÂNEO E TRANSVERSAL: LEITURA DE IMAGENS, GRÁFICOS E MA...PROVA - ESTUDO CONTEMPORÂNEO E TRANSVERSAL: LEITURA DE IMAGENS, GRÁFICOS E MA...
PROVA - ESTUDO CONTEMPORÂNEO E TRANSVERSAL: LEITURA DE IMAGENS, GRÁFICOS E MA...
 
PROVA - ESTUDO CONTEMPORÂNEO E TRANSVERSAL: COMUNICAÇÃO ASSERTIVA E INTERPESS...
PROVA - ESTUDO CONTEMPORÂNEO E TRANSVERSAL: COMUNICAÇÃO ASSERTIVA E INTERPESS...PROVA - ESTUDO CONTEMPORÂNEO E TRANSVERSAL: COMUNICAÇÃO ASSERTIVA E INTERPESS...
PROVA - ESTUDO CONTEMPORÂNEO E TRANSVERSAL: COMUNICAÇÃO ASSERTIVA E INTERPESS...
 
FASE 1 MÉTODO LUMA E PONTO. TUDO SOBRE REDAÇÃO
FASE 1 MÉTODO LUMA E PONTO. TUDO SOBRE REDAÇÃOFASE 1 MÉTODO LUMA E PONTO. TUDO SOBRE REDAÇÃO
FASE 1 MÉTODO LUMA E PONTO. TUDO SOBRE REDAÇÃO
 
COMPETÊNCIA 2 da redação do enem prodção textual professora vanessa cavalcante
COMPETÊNCIA 2 da redação do enem prodção textual professora vanessa cavalcanteCOMPETÊNCIA 2 da redação do enem prodção textual professora vanessa cavalcante
COMPETÊNCIA 2 da redação do enem prodção textual professora vanessa cavalcante
 
planejamento_estrategico_-_gestao_2021-2024_16015654.pdf
planejamento_estrategico_-_gestao_2021-2024_16015654.pdfplanejamento_estrategico_-_gestao_2021-2024_16015654.pdf
planejamento_estrategico_-_gestao_2021-2024_16015654.pdf
 
Slides Lição 05, Central Gospel, A Grande Tribulação, 1Tr24.pptx
Slides Lição 05, Central Gospel, A Grande Tribulação, 1Tr24.pptxSlides Lição 05, Central Gospel, A Grande Tribulação, 1Tr24.pptx
Slides Lição 05, Central Gospel, A Grande Tribulação, 1Tr24.pptx
 
Slides Lição 04, Central Gospel, O Tribunal De Cristo, 1Tr24.pptx
Slides Lição 04, Central Gospel, O Tribunal De Cristo, 1Tr24.pptxSlides Lição 04, Central Gospel, O Tribunal De Cristo, 1Tr24.pptx
Slides Lição 04, Central Gospel, O Tribunal De Cristo, 1Tr24.pptx
 
Nós Propomos! " Pinhais limpos, mundo saudável"
Nós Propomos! " Pinhais limpos, mundo saudável"Nós Propomos! " Pinhais limpos, mundo saudável"
Nós Propomos! " Pinhais limpos, mundo saudável"
 
DeClara n.º 75 Abril 2024 - O Jornal digital do Agrupamento de Escolas Clara ...
DeClara n.º 75 Abril 2024 - O Jornal digital do Agrupamento de Escolas Clara ...DeClara n.º 75 Abril 2024 - O Jornal digital do Agrupamento de Escolas Clara ...
DeClara n.º 75 Abril 2024 - O Jornal digital do Agrupamento de Escolas Clara ...
 

Desmatamento e desenvolvimento: mitos e realidades

  • 1. E C O N O M I A Desenvolvimento e meio ambiente: uma falsa incompatibilidade Uma idéia muitas vezes apregoada é a de que as políticas ambientais impedem ou prejudicam o crescimento econômico, desestimulando a implantação de indústrias ou impedindo a derrubada de florestas para abrir espaço para a agropecuária. Estudos recentes, porém, revelam que não há uma relação estatística entre o desmatamento e indicadores econômicos, e que a industrialização no país, fortemente apoiada em setores de elevado potencial poluidor, não proporcionou um crescimento sustentado, que trouxesse benefícios para toda a população. Carlos Eduardo Frickmann Young Instituto de Economia, Universidade Federal do Rio de Janeiro As questões do crescimento econômico e, em particular, diversos mitos sobre a incompatibilidade entre de- da geração de empregos são, sem dúvida, preocu- senvolvimento econômico e preservação do meio pações fundamentais para a sociedade brasileira. ambiente não se sustentam em uma análise mais Nossa economia passou por grandes dificuldades rigorosa. Questões como a justiça social e a preser- nos últimos anos e, embora tenha sido mantida a vação ambiental, ignoradas ou minoradas no pas- estabilidade de preços, o baixíssimo nível de ati- sado, impõem atualmente exigências maiores aos vidades, combinado com alto desemprego, tem processos de transformação produtiva. Enfim, para gerado um clima de frustração e desânimo. os países periféricos, não se trata ‘apenas’ de cres- Na busca por culpados para essa falta de dina- cer a taxas acima da média mundial. É preciso mismo, as políticas ambientais são com freqüên- ainda responder a questões mais profundas: Onde cia responsabilizadas pelas restrições à expansão crescer? Para quem crescer? Por que crescer? Como da economia. Nas áreas industrial e energética, crescer? argumenta-se que as normas de licenciamento am- biental são excessivamente rigorosas e/ou lentas, o que desestimularia os empresários. Na área agrí- DESMATAMENTO E DESENVOLVIMENTO cola, uma velha queixa dos proprietários rurais é a de que o Código Florestal imobiliza áreas consi- O debate sobre o papel das florestas no processo de deráveis, o que reduziria a produção e o emprego desenvolvimento brasileiro está repleto de mitos no setor. comumente aceitos sem a adequada sustentação Mas até que ponto esses argumentos têm funda- teórica ou empírica. Entre tais mitos, destacam-se mentação? O objetivo deste texto é mostrar que o de que (1) o maior fator de pressão sobre o des- 30 • C I Ê N C I A H O J E • v o l . 3 6 • n º 2 1 1
  • 2. E C O N O M I A matamento é o crescimento demográfico nas áreas Há, porém, limites para a capacidade de obter rurais, e o de que (2) o desmatamento é necessário excedentes ‘naturais’ de terra e assim acomodar os para o crescimento econômico, a geração de em- problemas sociais brasileiros. O uso das terras de prego e a garantia de melhores condições de vida fronteira está longe de ser uma solução definitiva. da população rural. Por trás disso está a idéia de que as florestas são A origem desses mitos está ligada a uma visão improdutivas, têm baixo valor e pouco contribuem histórica de que a perda de áreas florestadas é para o desenvolvimento do país. Assim, projetos de inerente à ocupação territorial e ao modo de produ- colonização consomem o restante das áreas de flo- ção estabelecidos no Brasil rural desde a era co- resta, mas sem dar solução ao problema. A crise se lonial. Nessa ótica, apesar da alternância da mer- dá quando não há mais áreas florestadas: sem a cadoria básica em cada ciclo da economia colo- possibilidade de adiamento, os conflitos de terra nial (e, depois, imperial), percebe-se um padrão eclodem com maior intensidade. de ‘auge e crise’ a partir da exploração direta ou A esses fatores estruturais somam-se alguns indireta dos recursos: a abundância do recurso conjunturais. A mecanização agrícola crescente e provoca sua rápida exploração predatória, o que os ciclos especulativos de apreciação da terra são leva ao declínio de longo prazo – pela escassez novos motores do desmatamento. A mecanização, crescente do recurso antes farto ou pela deprecia- ao reduzir a demanda de mão-de-obra, induz ao ção do seu preço em função do aumento abrupto êxodo rural e, portanto, à ocupação das regiões de de oferta. fronteira agrícola, com derrubada de florestas. A Portanto, pode-se construir uma teoria comum maior produtividade eleva o preço da terra, e às aos ciclos econômicos históricos (pau-brasil, açú- vezes surgem ainda ‘bolhas’ especulativas, estimu- car, gado, ouro e café), apesar das enormes diferen- lando a venda de pequenas propriedades (de pro- ças nas formas de produção e distribuição desses dução familiar) e, assim, contribuindo para a re- produtos. Tais ciclos apoiavam-se no uso predató- dução do pessoal ocupado na agricultura. rio de recursos naturais, com graves danos ambien- Em suma, apesar da significativa expansão da tais, e não eram formas sustentáveis que permitis- produção agropecuária, o número de pessoas em- sem superar as contradições econômicas e sociais pregadas no setor vem caindo sistematicamente, da Colônia ou do Império. segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia Esse modelo de ocupação territorial prevaleceu e Estatística (IBGE) (figura 1). na República, agora combinando força de trabalho O mito de aceitação mais imediata – e o menos livre, concentração fundiária e monocultivo ou validado pelas estatísticas – é o que associa desma- pecuária extensiva. O resultado foi a geração de tamento ao tamanho da população rural. De fato, excedentes de mão-de-obra no campo, e a válvula o desmatamento foi intenso nas áreas de domínio de escape para acomodar a pressão social dos da mata atlântica, que tiveram grande crescimen- chamados ‘sem-terra’ é a expansão da fronteira to demográfico nos últimos 200 anos (hoje concen- agrícola em áreas de floresta. Assim, inicialmente a mata a- tlântica, depois o cerrado e hoje PESSOAL OCUPADO NA AGROPECUÁRIA NO BRASIL a floresta amazônica têm sido ANO TOTAL EMPREGADOR EMPREGADO TRABALHADOR TABALHADOR reduzidos para acomodar os con- POR CONTA PRÓPRIA NÃO-REMUNERADO flitos de terra sem que uma re- 1990 14.911.400 4.000 5.135.200 115.200 9.657.000 forma agrária seja efetuada nas áreas já ocupadas. Como esse 1991 15.268.200 3.800 5.098.700 119.200 10.046.500 mesmo padrão de concentração 1992 15.642.100 3.600 5.063.500 123.300 10.451.700 fundiária repete-se nas novas 1993 15.571.600 3.300 4.923.400 120.200 10.524.700 áreas ocupadas, após algum tem- 1994 15.365 300 3.300 4.849.600 121.500 10.390.900 po são recriadas as condições 1995 15.163.000 3.300 4.778.100 122.800 10.258.800 para novo avanço sobre áreas de FONTE: IBGE, SISTEMA DE CONTAS NACIONAIS 1996 13.905.800 2.700 4.502.800 115.400 9.284.900 floresta. 1997 13.679.000 3.000 4.468.100 121.900 9.086.000 1998 13.292.900 2.900 4.301.600 120.000 8.868.400 1999 13.292.900 2.900 4.301.600 120.000 8.868.400 Figura 1. Pessoal ocupado 2000 13.496.100 3.000 4.735.300 117.400 8.640.400 na agropecuária em todo 2001 12.166.100 3.000 4.388.300 111.000 7.663.800 o Brasil, por posição 2002 12.508.400 2.600 4.307.400 112.700 8.085.700 na ocupação, de 1990 a 2002 d e z e m b r o d e 2 0 0 4 • C I Ê N C I A H O J E • 31
  • 3. E C O N O M I A tram mais de dois terços da população brasileira). de mata atlântica nos estados do Rio Grande do Mas se a relação entre crescimento populacional e Sul, Santa Catarina, Paraná, São Paulo, Rio de Ja- desmatamento fosse automática, seria esperada neiro e Espírito Santo, usando os dados dos Censos também uma redução na perda de florestas quan- Agropecuários do IBGE (1985 e 1996) e os resulta- do a taxa demográfica desacelerasse e, mais ainda, dos do Atlas da Evolução dos Remanescentes Flo- quando se tornasse negativa. restais e Ecossistemas Associados da Mata Atlân- Infelizmente, isso não acontece. Dados sobre a tica, da Fundação SOS Mata Atlântica, do Instituto população rural do Sudeste e do Sul do Brasil Nacional de Pesquisas Espaciais e do Instituto revelam nitidamente o esvaziamento do campo. Socioambiental (períodos 1985-1990 e 1990-1995). Essa população diminui desde os anos 60 nos es- Em primeiro lugar foram estabelecidos ran- tados do Sudeste, e desde os anos 70 nos estados kings de performance de cada um dos municípi- do Sul (figura 2). A perda absoluta de população os, considerando as variações na atividade rural nos últimos 40 anos chegou a mais de 7,5 agropecuária (pessoal ocupado no setor, uso das milhões de pessoas, mas o desmatamento em todos terras para lavouras e pastagens, e efetivo de esses estados continuou a aumentar nesse período. bovinos) e a perda de remanescentes de mata Apenas de 1985 a 1995, a perda acumulada de atlântica. Os resultados mostraram claramente que floresta no Sudeste e no Sul superou 1 milhão de inexiste uma associação positiva entre desma- hectares (figura 3). Conclui-se, portanto, que a tamento e geração de empregos – em geral, muni- pressão demográfica, por si só, não explica o cípios com maiores níveis de desmatamento apre- declínio da mata atlântica, pois há muito tempo a sentaram desempenho agrícola medíocre, e os de população rural vem diminuindo, mas o desma- melhor performance econômica exibiram baixo tamento continua. desmatamento. Outro mito que envolve o desmatamento é o de Um segundo estágio, mais sofisticado, testou a que este seria necessário para gerar empregos e mesma hipótese através de duas técnicas de esta- garantir melhores condições de vida à população tística multivariada (análises ‘de grupamento’ e que se instala nas áreas de floresta convertidas à ‘de discriminante’). Na dissertação do economista agropecuária. No entanto, ainda tomando como base Marcos T. Andrade (orientada pelo autor), os da- os estados do Sul e do Sudeste, as estatísticas não dos dos municípios de Santa Catarina, Paraná e comprovam essa relação: houve redução de 2,4 Rio Grande do Sul foram reunidos em apenas uma milhões de postos de trabalho na agropecuária entre base de dados, e de novo desmentiu-se a relação 1985 e 1996, apesar do já citado aumento de mais entre o emprego e a perda de floresta: os municí- de 1 milhão de hectares de áreas desmatadas. pios com mais altas médias de desmatamento tam- Um possível contra-argumento é o de que a bém mostraram baixa geração de empregos. Já os redução de emprego rural seria inevitável, mas o municípios com maior conversão de terras em la- desmatamento teria arrefecido essa tendência. Ou voura são justamente aqueles com menor desflores- seja, a redução do emprego deveria ser menor em tamento. Além disso, os municípios de grande municípios com maior desmatamento. Tal questão desmatamento são, em geral, os que têm maiores foi examinada no projeto de pesquisa ‘Sinais da médias em aumento do número de tratores. Como Mata Atlântica’, uma cooperação entre o Grupo de se espera que isso ocorra em propriedades maiores Economia do Meio Ambiente (Instituto de Econo- (com maior capacidade de investir em maquina- mia, Universidade Federal do Rio de Janeiro) e a ria), há um indicativo de que o desmatamento Fundação SOS Mata Atlântica. O estudo analisou seria mais extenso onde é maior a concentração dados de 1.121 municípios inseridos no domínio fundiária. VARIAÇÃO DA POPULAÇÃO RURAL NO SUDESTE E NO SUL ESTADO 1960 A 1970 1970 A 1980 1980 A 1991 1991 A 2000 ESPÍRITO SANTO -147.583 -161.849 -39.538 -42.323 FONTE: CENSOS DEMOGRÁFICOS DO IBGE RIO DE JANEIRO -225.042 -181.571 -299.020 -39.009 MINAS GERAIS -390.615 -1.111.062 -359.794 -744.761 SÃO PAULO -1.283.720 -715.872 -505.773 163.321 Figura 2. Variação da população PARANÁ 1.463.256 -1.268.225 -906.583 -473.386 rural (em número de indivíduos) SANTA CATARINA 214.797 -199.644 -122.590 -197.460 nos estados de mata atlântica (Sudeste e Sul), em diferentes RIO GRANDE DO SUL 135.505 -608.375 -361.382 -273.322 períodos 32 • C I Ê N C I A H O J E • v o l . 3 6 • n º 2 1 1
  • 4. E C O N O M I A Um mito correlato é o de que FONTE: RELATÓRIO ATLAS DA MATA ATLÂNTICA ÁREA DESMATADA NO SUDESTE E NO SUL a conversão da floresta para uso ESTADO ÁREA ÁREA REMANESCENTES agropecuário é necessária para a DESMATADA DESMATADA (% DA ÁREA melhoria das condições de vida (1985-1990) (1990-1995) ORIGINAL) da população. Nesse caso, a per- ESPÍRITO SANTO -22.484 -28.696 10,3% da da floresta poderia ser social- RIO DE JANEIRO -165.454 -22.484 11,0% mente justificada mesmo em um MINAS GERAIS -69.168 -92.938 3,9% cenário de esvaziamento demo- SÃO PAULO -75.711 -63.740 9,0% gráfico, se ocorressem ganhos em PARANÁ -156.687 -79.026 10,5% outras esferas sociais: na renda, na educação e na habitação (me- SANTA CATARINA -106.312 -59.397 21,4% nos gente, mas vivendo melhor). RIO GRANDE DO SUL -57.003 -48.793 6,7% Mas é essa a realidade? Para avaliar a questão, a eco- Figura 3. Área desmatada (em hectares) em diferentes períodos e percentuais de área de remanescentes de mata atlântica nomista Fernanda C. Santos, em em relação à área original desse bioma, nos estados das regiões outra dissertação (também ori- Sudeste e Sul entada pelo autor), comparou os municípios de maior e menor perda de floresta e a evolução do respectivo índice tes, já que essas fronteiras ainda estão ‘abertas’. de desenvolvimento humano (IDH), que permite Chama atenção, porém, a pouca demanda de mão- medir a qualidade de vida, entre 1990 e 2000. As de-obra na atual expansão agrícola no Centro-oes- conclusões repetem as anteriores: na maior parte te, e já se nota leve tendência de queda dos preços dos municípios de maior desmatamento o IDH da soja em função do excesso de oferta. Ou seja, piorou ou manteve-se constante, em termos relati- após os ganhos extraordinários pela incorporação vos. Também foi usada a técnica de ‘análise de de áreas de fronteira agrícola, não há porque espe- regressão’ para avaliar a mesma correlação e o re- rar resultados diferentes dos vistos nas demais sultado foi igual: tomando-se o desmatamento co- regiões do país: êxodo rural e destruição contínua mo variável explicativa e a melhoria das condi- das áreas de vegetação nativa. ções de vida como variável explicada, não foi obti- Fica, portanto, a mensagem: as alterações pro- da uma relação estatisticamente significativa en- postas no Código Florestal, visando reduzir as tre ambos. áreas de conservação, irão resultar em ganhos eco- Enfim, os resultados desses trabalhos são claros: nômicos pífios, apesar do grande dano que pode- não há uma relação estatística entre redução das rão trazer aos ecossistemas afetados. É provável, áreas de floresta e aumento da atividade agro- inclusive, que ocorra o contrário: o maior desma- pecuária em áreas do domínio de mata atlântica. tamento poderá reduzir o alcance dos serviços Em grande parte dos municípios onde o desmata- ambientais prestados pelos remanescentes flores- mento foi mais acentuado no período 1985-1995/ tais, resultando em perda de produção e emprego 1996, observa-se um desemprego acima da média nas áreas rurais brasileiras. na agropecuária. Relação semelhante, embora menos acentuada, também foi observada para ou- tros indicadores de performance econômica, como INDUSTRIALIZAÇÃO E MEIO AMBIENTE a área de lavouras (ou pastagens) e o tamanho do rebanho bovino. Conflitos entre a expansão industrial e o meio am- É claro que importantes exceções ocorreram: biente também costumam ser apontados nas áreas em certos municípios, a perda de floresta foi acom- industrial e energética. De fato, a industrialização panhada por aumento em algum indicador econô- brasileira baseou-se em padrões tecnológicos de mico, em especial os ligados à expansão da pecuá- uso intensivo de recursos naturais e energia – prin- ria. Entretanto, quando isso ocorre, o ganho em um cipalmente por meio da queima de combustíveis indicador econômico (área de pastagens ou reba- fósseis e carvão mineral. Essa base energética está nho, por exemplo) costuma ser acompanhado por associada a problemas de poluição em nível global perda em outro indicador (área de lavouras), su- (aumento do efeito estufa e degradação da camada gerindo que o efeito de substituição entre usos da de ozônio), transfronteiriços (como as chuvas áci- terra já desmatada foi significativamente maior das) e locais (degradação da qualidade dos solos, que o ganho de área por desmatamento. das águas e da atmosfera). Nos biomas cerrado e floresta amazônica, essa Assim, para produzir e exportar commodities análise pode, hoje, apresentar resultados destoan- industriais (e primárias) de baixo valor agregado, d e z e m b r o d e 2 0 0 4 • C I Ê N C I A H O J E • 33
  • 5. E C O N O M I A industrial diversificada, mas tal avanço calcou-se FOTO MARCELO SAYÃO/AGÊNCIA O GLOBO SUGESTÕES no uso indireto de recursos naturais (energia e PARA LEITURA matérias-primas baratas – mais intensivas em emis- sões), e não no aumento da capacidade de gerar ou ANDRADE, M.T.N. ‘É preciso absorver tecnologia (a chave do crescimento sus- desmatar para tentado), que ficou restrita a algumas áreas. Isso crescer? – Evidências resultou, em especial a partir do 2º Plano Nacional empíricas para de Desenvolvimento, em forte expansão de indús- a região Sul do trias de grande potencial poluidor (como as dos Brasil’ (Monografia de conclusão de complexos metalúrgico e químico/petroquímico), curso – orientador: sem controle e tratamento dessas emissões – con- C.E.F. Young). Rio de Janeiro, cluíram os dois economistas. Instituto de Se o processo de industrialização prevalecente Economia (UFRJ), até os anos 80 foi insuficiente para promover pro- 2003. SANTOS, F.C. gresso técnico e consumo de massa (levando a um ‘Desenvolvimento crescimento sem dependência de mão-de-obra e econômico, pobreza e recursos naturais baratos), a situação se agravou desmatamento ainda mais com as políticas liberais adotadas nos no Brasil: anos 90. Diversos estudos recentes apontam o re- Evidências empíricas para trocesso da estrutura produtiva brasileira, com a as regiões Sul redução da importância relativa das atividades de e Sudeste nas décadas de 80 maior conteúdo tecnológico, o retorno à pauta ex- e 90’ (monografia portadora primária e aumento do desemprego nos de conclusão de curso – orientador: setores de maior conteúdo tecnológico. C.E.F. Young). Não surpreende, portanto, que os setores in- Rio de Janeiro, dustriais com melhor desempenho nos anos 90 Instituto de Economia (UFRJ), sejam os de maior potencial poluidor – e que os 2004. de menor risco ambiental apresentem a pior YOUNG, C.E.F. ‘Desmatamento performance. Talvez mais importante seja a e o mito da constatação de que essa diferença de compor- geração de A derrubada de florestas para abrir novas áreas agrícolas não traz, no longo prazo, a melhoria das tamento se acentuou ao longo dos anos 90, refor- emprego rural: uma análise para condições de vida da população çando os argumentos dos que identificam uma a Mata Atlântica’, forte tendência de redivisão internacional do tra- in MILANO, M.S. e outros (org.), balho, com o deslocamento gradual para a peri- Unidades de passou-se a conviver com elevados níveis de polui- feria das atividades ‘indesejáveis’, gerando confli- conservação: ção. Tal ‘progresso’ instala uma dupla exclusão. A tos com o bem-estar das comunidades afetadas atualidades e tendências 2004, primeira vem da distribuição desigual dos seus pela poluição. Curitiba, Ed. frutos: as camadas mais abastadas ficam com a Curitiba/Fundação O Boticário de maior parte da renda e da riqueza geradas, e ainda Proteção à têm um padrão de consumo mais elevado e mais O QUE ESPERAR NO FUTURO? Natureza, 2004. YOUNG, C.E.F. e intensivo em emissões. A segunda é a ambiental: LUSTOSA, M.C.J. as camadas excluídas são as que mais sofrem os O cenário futuro tem que ser necessariamente pes- ‘Meio ambiente e efeitos da poluição (ver ‘Padrão de consumo e de- simista? Até agora, a questão ambiental tem sido competitividade da indústria gradação ambiental no Brasil’, nesta edição). apresentada como um entrave ao crescimento. brasileira’, in Essa distorção resultou em uma especialização Ignora-se, porém, que garantir melhores condições Revista de Economia relativa em produtos de baixo dinamismo tecno- de vida (ou seja, ambiente melhor) não é só uma Contemporânea . lógico, que não rompeu o desequilíbrio fundamen- condição fundamental de garantir cidadania (ou Rio de Janeiro, tal em termos da inserção do país no comércio seja, desenvolvimento) às camadas mais carentes v. 5, Ed. especial, 2001. internacional. Como apontaram o autor e Maria da população. É também uma forma de gerar ren- YOUNG, C.E.F. Cecília Lustosa, em 2001, o processo de industria- da e empregos. Obras de saneamento básico, por e LUSTOSA, M.C.J. ‘A questão lização por substituição de importações baseou-se exemplo, são grandes geradoras de emprego e qua- ambiental na idéia de que uma economia periférica não po- lidade de vida. Para isso, no entanto, é preciso um no esquema deria crescer sustentada apenas por produtos dire- novo modelo de política econômica, que abando- centro-periferia’, in Economia, tamente dependentes de recursos naturais (extra- ne as metas de estabilização de curto prazo e en- Niterói, v. 4, ção mineral, agricultura ou outras). Esse processo foque o verdadeiro objetivo do desenvolvimento: nº 2, 2003. possibilitou a implantação no país de uma base uma vida melhor para todos. ■ 34 • C I Ê N C I A H O J E • v o l . 3 6 • n º 2 1 1
  • 6. E C O N O M I A Padrão de consumo e degradação ambiental no Brasil A pressão de degradação ambiental gerada pelos ricos é certamente mais alta, devido a seus níveis de consumo mais altos. Por outro lado, eles tendem a consumir uma parcela menor de sua renda, o que leva a uma redução relativa nessa degradação. O presente estudo é uma tentativa de tratar, no contexto da economia brasileira, de questões como os níveis de degradação gerados por cada classe de renda, a concentração desses níveis no país e o que aconteceria com os padrões atuais de degradação se a desigualdade de renda fosse alterada. Ronaldo Seroa da Motta Coordenação de Estudos de Regulação, Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (RJ) Níveis de renda mais altos podem levar a padrões de consumo Tem sido bastante analisada, na literatura cien- ambientalmente mais limpos, o que induz um de- tífica, a relação renda/degradação ambiental com- senvolvimento tecnológico em que a degradação parando países em diferentes estágios de renda associada ao consumo é menos intensa. Quando, à (deve-se observar que essa análise pode não captar medida que sobe o padrão de vida, a taxa de au- a evolução temporal da relação entre degradação e mento da degradação ambiental torna-se menor que renda). Entretanto, são raras as análises sobre a a do crescimento da renda, a degradação total dimi- pressão de degradação originada em diferentes nui, em termos relativos, apesar do maior consumo. grupos de renda dentro de um mesmo país. Embo- Se essa premissa estiver certa, espera-se que o ra, na maior parte dos problemas ambientais, o crescimento do consumo faça aumentar o nível de emprego de novas tecnologias afete indistintamen- degradação só até um certo nível de renda per te a intensidade da degradação de todas as classes capita. A partir desse limite, a atividade econômi- (o que reduz a possibilidade de se determinar um ca já tem efeito menor no nível de degradação. nível limite de renda), o padrão e a quantidade de Assim, a relação entre renda e degradação am- consumo em cada classe certamente variam e afe- biental pode ser representada, em um gráfico, por tam diretamente o seu impacto ambiental. uma curva em forma de ‘U’ invertido. Essa curva Se a pressão de degradação dos ricos é certa- é chamada, na literatura científica, de curva am- mente mais alta devido a seus níveis de consumo biental de Kuznets, em referência aos estudos pu- mais altos, eles também tendem a usar uma par- blicados em 1955 pelo economista norte-america- cela menor de sua renda (menor propensão a con- no Simon Kuznets (1901-1985). Isto é, a taxa de sumir), o que reduz aquela pressão. Assim, é plau- degradação cresce junto com a renda até que esta sível esperar que, em um mesmo país, as mudan- atinge um valor limite, e começa a diminuir a ças na intensidade de degradação dependam mais partir daí. da distribuição de renda e da propensão ao consu- dezembro de 2004 • CIÊNCIA HOJE • 35
  • 7. E C O N O M I A Os padrões mo do que de fatores tecnológicos – com isso, a de consumo curva em ‘U’ invertido pode não se manifestar. dos ricos e dos pobres Conhecer a tendência e a magnitude da relação têm efeitos renda/degradação torna-se portanto um parâmetro- distintos sobre chave para analisar as questões do uso eqüitati- a degradação vo dos recursos ambientais que não podem ser ambiental resolvidas no desenho e na aplicação das políti- no Brasil cas ambientais, especialmente nos países em desenvolvimento. RICOS, POBRES E DEGRADAÇÃO NO BRASIL O presente estudo – parte do projeto ‘Macroeco- nomic Policies for Sustainable Growth’ (‘Políticas Macroeconômicas para o Crescimento Sustentável’), do Banco Mundial – é uma tentativa de tratar das seguintes questões no contexto da economia brasi- leira: Quais são os níveis de degradação gerados por cada classe de renda? Quão concentrados estão esses níveis? Quais serão as mudanças nesses ní- água e energia) e a renda familiar. Ou seja, o quanto FOTO FÁBIO GUIMARÃES/AGÊNCIA O GLOBO veis se a desigualdade de renda for alterada? de degradação é gerado por unidade monetária de Para analisar os padrões de consumo para os consumo. Para chegar a essas estimativas, nas di- grupos de renda urbana no Brasil, calculamos a ferentes fontes, foram utilizados dados estatísticos propensão a degradar para várias fontes de degra- sobre uso de água e energia, produção de resíduos dação e para 10 classes de renda urbana – de e de esgoto de diversas fontes e dados sobre gastos acordo com a classificação da Pesquisa de Orça- domiciliares da Pesquisa de Orçamento Familiar mento Familiar do Instituto Brasileiro de Geogra- (POF). Já a propensão a degradar foi calculada, em fia e Estatística para 1995-1996, baseada no salá- cada uma das classes de renda, multiplicando-se a rio mínimo legal (faixas de 0-2, 2-3, 3-5, 5-6, 6- intensidade de degradação em cada fonte pela 8, 8-10, 10-15, 15-20, 20-30 e >30) da época. propensão a consumir (ou seja, o percentual médio Os efeitos totais estudados foram estimados so- da renda que cada classe de fato consome, tam- mando-se os efeitos ambientais das fases agrícolas bém com base nos dados da POF). Multiplicando e industriais de produção aos efeitos do consumo a propensão a degradar (em cada classe de renda) direto de bens e serviços. A poluição industrial e pela renda média familiar (da respectiva classe), a agrícola são realizadas para produzir bens que obtivemos o nível de degradação total de cada do- irão para o consumo direto – logo, cada unidade de micílio e, em seguida, esse nível em toda a classe. consumo direto tem sua poluição direta, mas tam- Os resultados mostraram que, no Brasil, não há bém a indireta (das fases de produção industrial e evidências de uma curva em ‘U’ invertido para as agrícola). relações de degradação e consumo, considerando Devido aos dados disponíveis, a análise limitou- os níveis de pressão de degradação por classe de se a duas fontes de produção (industrial e agríco- renda. O estudo mostrou que, em geral, a intensi- la), relacionadas com três fontes de consumo dire- dade de degradação por domicílio tende a dimi- to da população (transporte pessoal e coletivo, água nuir à medida que a renda domiciliar cresce. e esgoto), e ainda a cinco principais efeitos am- Encontramos apenas uma exceção – não na bientais: 1. poluição industrial da água por maté- intensidade de degradação, mas na propensão a ria orgânica e inorgânica e poluição do ar por dió- degradar. Essa propensão, no caso do transporte xido de enxofre (SO2) e particulados; 2. poluição urbano, apresentou uma curva em ‘U’ invertido, agrícola pelo uso de fertilizantes; 3. poluição do em especial devido à grande redução nos níveis de transporte domiciliar por emissões de monóxido emissão dos carros novos, adquiridos quase sem- de carbono (CO), hidrocarbonetos (HC) e óxido de pre por pessoas mais ricas. Porém, em todos os nitrogênio (NOx); 4. consumo domiciliar de água; casos (inclusive no transporte urbano) identifi- e 5. descarga domiciliar de esgoto. camos uma relação positiva contínua entre o nível A intensidade de degradação é a razão entre a de degradação total do domicílio e a renda. Isso degradação gerada em cada fonte (como emissões significa que a grande concentração de renda com- para a atmosfera, lançamento de efluentes e uso de pensa as taxas declinantes de propensão a consu- 36 • C I Ê N C I A H O J E • v o l . 3 6 • n º 2 1 1
  • 8. E C O N O M I A gressiva a diminui. Em ambos os casos, porém, en- contramos que, nas fontes industriais e de transpor- te, a variação da renda transferida é maior que a variação resultante da degradação total. Já nos casos de água e esgoto ocorre, como esperado, o inverso. A alta concentração da pressão de degradação a partir do padrão de consumo das pessoas ricas acres- centa outro aspecto negativo à distribuição desigual da renda no Brasil. Em suma, os resultados de nossos estudos suscitam sérias questões distributivas para as políticas ambientais no Brasil, a saber: 1. Embora o nível de consumo das pessoas po- bres não seja, no seu conjunto, a principal fonte de degradação na economia brasileira, são essas famí- lias menos privilegiadas que sofrem a maior parte dos impactos negativos da degradação, por sua bai- xa capacidade de realizar gastos médicos, habitar regiões menos poluídas e ter acesso a saneamento. 2. Como a pressão total da degradação se deve principalmente ao padrão de consumo das classes mir e a degradar que surgem quando a renda do- de renda mais alta, o relaxamento no controle miciliar aumenta. Ou seja, as famílias que têm ambiental cria indiretamente um subsídio para o maiores rendas tendem a consumir e a degradar consumo dos ricos, às custas dos pobres. menos, mas, no Brasil, as diferenças de rendi- Entretanto, como as taxas de concentração da mento entre essas famílias e as de classes mais degradação são mais baixas do que as taxas de baixas são tão significativas que mais do que com- concentração da renda, quando o controle da de- pensam essa tendência, implicando o aumento da gradação se tornar mais severo, as pessoas pobres degradação. tenderão a pagar mais por esse controle (por uni- Usando nossas estimativas da propensão a de- dade monetária de consumo) se esses custos forem gradar para cada fonte e classe de renda, medimos repassados através dos preços. como a pressão de degradação se concentra divi- Embora esses resultados ofereçam algumas indi- dindo a pressão de degradação total calculada para cações a respeito dos aspectos distributivos da de- os 10% mais ricos pela pressão calculada para os gradação urbana no Brasil, esse é um tema que irá 50% mais pobres. Exceto no caso da água tratada exigir mais esforços de pesquisa, no sentido não só e do esgoto coletado, serviços concentrados nos de melhorar o detalhamento da base de dados (in- SUGESTÕES PARA LEITURA domicílios ricos, encontramos para cada fonte ta- cluindo mais grupos de renda e outras fontes de xas de concentração acima de 0,2. Isso demonstra degradação), mas também de analisar os efeitos KUTZNETS, S. que os 10% da sociedade brasileira que habita os multiplicadores de cenários de distribuição de ren- ‘Economic growth and income domicílios de classes de renda mais alta tendem da que afetem os padrões de consumo. Ou ainda, inequality’, (em conjunto) a degradar mais, em termos relati- com mais rigor, trabalhar os dados domiciliares de in American Economic Review, vos, do que os 50% mais pobres. forma econométrica, testando estatisticamente cada v. 45(1), uma das estimativas obtidas nos estudos. 1955. As implicações do controle ambiental sobre a SEROA DA MOTTA, R. (ed.), Environmental DISTRIBUIÇÃO DE RENDA distribuição de renda, aqui apontadas, são cru- Economics and E DEGRADAÇÃO ciais para a elaboração de políticas ambientais Policy Making in Developing que visem reduzir a pressão de degradação no Countries, Edward Por último, analisamos de que modo a pressão de Brasil. Para que tais implicações sejam minimi- Elgar Publishing, degradação iria variar se a distribuição de renda zadas, as políticas ambientais devem incluir me- Cheltenhan, 2001. fosse alterada no Brasil. Para isso, desenvolvemos didas compensatórias para a população mais po- SEROA DA MOTTA, R. dois cenários com base na renda transferida entre bre. Sob essa perspectiva, a tributação sobre a de- Padrão de Consumo, classes para medir as mudanças na pressão de de- gradação ambiental pode vir a ser uma opção, Distribuição gradação total. O cenário progressivo supõe a trans- pois sua aplicação reduz os custos de controle de Renda e o ferência de renda dos ricos para os pobres e o social e gera, ao mesmo tempo, receitas fiscais Meio Ambiente no Brasil, regressivo supõe o oposto. que podem ser recicladas na economia para criar Texto para Como esperado, a transferência regressiva au- espaço para as políticas compensatórias direcio- Discussão 856, Ipea-Rio, 2002. menta a degradação, enquanto a transferência pro- nadas aos pobres. ■ d e z e m b r o d e 2 0 0 4 • C I Ê N C I A H O J E • 37
  • 9. C L I M A T O L O G I A O aquecimento global e o papel do Brasil A superfície da Terra está cerca de 0,6°C mais quente hoje do que há 100 anos. É muito provável que a maior parte desse aquecimento seja decorrente da emissão, por atividades humanas (queima de combustíveis fósseis, desmatamento e outras), de gases que retêm radiação térmica – o chamado ‘efeito estufa’. Se não houver um gigantesco esforço para reduzir essa emissão, é quase certo que o clima do planeta venha a se alterar, com aumento da ocorrência de fenômenos climáticos extremos, o que pode ter drásticas conseqüências para todos os seres vivos. O Brasil pode contribuir para esse esforço adotando e tornando efetivas políticas públicas que reduzam queimadas e desmatamentos, nossa maior fonte de emissões, em especial na Amazônia. Carlos A. Nobre Centro de Previsão de Tempo e Estudos Climáticos, Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (SP) A preocupação mundial com a concentração do dióxido de carbono decorre do que se sabe, desde o final do século 19, sobre as propriedades físicas da atmosfera. As moléculas de alguns gases que têm baixíssimas concentrações na atmosfera – dióxido de carbono, vapor d’água (H2O), metano (CH4), óxido nitroso (N2O), ozônio (O3) – interagem com a radiação eletromagnética na faixa do espec- Uma das atividades do Ano Geofísico Internacional, trans- tro conhecida como infravermelho termal e com corrido durante 1957 e 1958, foi a instalação de isso dificultam a perda para o espaço da radiação uma estação para monitorar a concentração de térmica, aquecendo a superfície do planeta. É o dióxido de carbono (CO2) na atmosfera. Isso foi chamado ‘efeito estufa’. feito no Havaí (Estados Unidos), em Mauna Loa, Esses gases são fundamentais para manter o montanha vulcânica situada no meio do oceano equilíbrio climático e condições ambientais ade- Pacífico e, portanto, longe de qualquer fonte de quadas para a vida na Terra – temperaturas que poluição. As primeiras medições revelaram um permitam a existência de água na forma líquida teor de cerca de 315 partes por milhão em volume (essencial à vida) e gasosa (essencial ao ciclo (ppmv) de gás carbônico da atmosfera (0,0315% hidrológico). Até o início da Revolução Industrial, da massa total desta). Esse valor chamou a atenção no final do século 18, as concentrações de CO2 na da comunidade científica à época, pois se sabia atmosfera flutuaram entre 180 e 280 ppmv duran- que, no século 19, a concentração desse gás era de te cerca de 20 milhões de anos. Bolhas de ar apri- cerca de 280 ppmv. Desde então, a concentração sionadas nas geleiras da Antártida, que permitem de CO2 não parou de crescer: chegou a 376 ppmv estudar como era a atmosfera da Terra nos últimos no final de 2003 e continua subindo entre 1,5 e 800 mil anos, revelam que nesse longo período o 2,5 ppmv por ano. teor desse gás não ultrapassou 300 ppmv. 38 • CIÊNCIA HOJE • vol. 36 • nº 211
  • 10. C L I M A T O L O G I A O atual crescimento dessa concentração deriva estar ‘represando’ parte do aquecimento, já que se da injeção na atmosfera, por ano, de cerca de 8 a assume que seu efeito é o de resfriar a superfície, 9 bilhões de toneladas de carbono (na forma de embora restem incertezas a esse respeito. Como os CO2), pela queima de combustíveis fósseis, produ- aerossóis são associados à poluição urbana e a efei- ção de cimento e mudanças nos usos da terra, tos nocivos à saúde, a tendência global é a redução principalmente os desmatamentos das florestas de sua emissão, o que removeria esse ‘represa- tropicais, além da emissão de outros gases de efei- mento’. O efeito de aquecimento dos gases, então, to estufa. Do total injetado, cerca de 3,2 bilhões de poderá se intensificar. toneladas permanecem na atmosfera e o resto é A menos que ações globais de controle das reabsorvido pelos oceanos e pelas plantas. A con- emissões de gases do efeito estufa sejam efetivadas centração atmosférica de outros gases do efeito nas próximas décadas, a demanda futura de ener- estufa, como metano e óxido nitroso, também vem gia, em especial nos países em desenvolvimento crescendo, até mais rapidamente que a do CO2. (na medida de sua expansão econômica), ocasiona- Outro gás de efeito estufa importantíssimo é o rá alterações climáticas significativas, como um vapor d’água, mas seu teor na atmosfera é essen- aumento das temperaturas entre 1,5°C e 4,5°C até cialmente controlado pela temperatura na superfí- o final do século, acompanhado de fortes e pertur- cie. Entretanto, o progressivo aumento da tempe- badoras mudanças no ciclo hidrológico em todo o ratura na baixa troposfera está aumentando a pro- planeta. As emissões teriam que diminuir cerca dução de vapor d’água, criando um forte mecanis- de 60% para estabilizar as concentrações dos gases mo de retroalimentação positiva do efeito estufa: em níveis menos perigosos para o clima. maiores temperaturas implicam maior quantidade Os países em desenvolvimento, historicamente de vapor d’água, que induz efeito estufa adicional menos capazes de responder à variação natural do e, daí, aquecimento, reiniciando o ciclo. clima, são os mais vulneráveis às futuras altera- Alguns dos gases que aquecem a superfície têm ções. O Brasil, sem dúvida, pode ser duramente vida muito longa na atmosfera. A vida média do atingido, já que sua economia é fortemente depen- CO2, por exemplo, supera os 100 anos, e 15% desse dente de recursos naturais ligados diretamente ao gás perduram por até cinco milênios na atmosfera. clima, como na agricultura e na geração de ener- Por outro lado, a maioria dos agentes que resfriam gia hidrelétrica. Mudanças climáticas afetariam a superfície (tipicamente partículas de aerossóis ainda vastas parcelas das populações de menor resultantes de poluição urbana e industrial de sul- renda, como as do semi-árido nordestino ou as que fatos ou da queima de biomassa, que refletem parte vivem em área de risco de deslizamentos, enxur- da radiação solar) é rapidamente eliminada da at- radas e inundações nas grandes cidades. mosfera, tendo vida média entre cinco e 15 dias. O longo tempo de vida do CO2 na atmosfera traz mais preocupações. Mesmo se o teor atual desse gás na O BRASIL NO ESFORÇO atmosfera fosse ‘congelado’, ele ainda afetaria o DE REDUÇÃO DAS EMISSÕES sistema climático por muitos séculos, e o aqueci- mento continuaria. Nessa hipótese, estima-se que o Qual poderia ser a contribuição brasileira ao en- aquecimento seria de 0,6°C a 0,8°C até o final do frentamento da questão? Pode-se ter desenvolvi- atual milênio, sendo que metade ocorreria até o mento social, econômico e ambientalmente susten- final deste século, provocando até 2100 um aumen- tável e ao mesmo tempo reduzir as emissões dos to de até 8 cm no nível do mar. gases de efeito estufa? A temperatura média global na superfície do Ainda que o Brasil, segundo a Convenção das planeta elevou-se de 0,6°C a 0,7°C nos últimos 100 Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, não anos, com acentuado aumento desde os anos 60. tenha compromissos quantitativos de redução des- Os três anos mais quentes dos últimos mil anos da sas emissões, está, como todos os demais países sig- história da Terra aconteceram na última década. natários, comprometido com a estabilização dos ga- Hoje, as análises sistemáticas do Painel Intergo- ses do efeito estufa em níveis que assegurem a ha- vernamental de Mudanças Climáticas (IPCC), que bitabilidade do planeta. O IPCC, em seu relatório sintetizam o conhecimento científico sobre o sis- de 2001, estima de modo subjetivo que a Terra es- tema climático, levam a um razoável consenso de taria em condições ‘climaticamente seguras’ en- que o aquecimento global observado nos últimos quanto a temperatura global à superfície não au- 50 anos é explicado principalmente pelas emis- mentar 2°C em relação ao nível anterior à acele- sões humanas de gases de efeito estufa e de aerossóis ração das emissões humanas desses gases. e não por eventual variabilidade natural do clima. As emissões brasileiras atuais de CO2 concen- Os aerossóis de origem humana podem mesmo tram-se em dois setores: (1) na queima de combus- dezembro de 2004 • CIÊNCIA HOJE • 39
  • 11. C L I M A T O L O G I A A derrubada FOTO MARCELO SAYAO/AGÊNCIA O GLOBO tíveis fósseis, que libera por ano de 80 a 90 milhões de florestas, de toneladas de carbono; e (2) na alteração dos usos muitas vezes da terra, principalmente a substituição de flores- seguida por queimadas, tas e savanas por agricultura e pastagem, que libe- responde por ra anualmente de 200 a 250 milhões de toneladas até três quartos de carbono. O segundo setor responde por 65% a das emissões 75% das emissões totais brasileiras de CO2, que brasileiras tornam o país responsável por algo em torno de 4% de gases-estufa das emissões globais. É um percentual pequeno, em comparação com os principais países emissores desse gás (Estados Unidos, Rússia, China e Japão), mas ainda assim há claras possibilidades de redu- ção dessas emissões. SUGESTÕES PARA LEITURA Como visto, desmatamentos são a principal causa das emissões brasileiras. Sabe-se que muitas ati- mínimo, 10%. Já que o aumento anual de desma- HOUGHTON, J.T.; DING, vidades que direta ou indiretamente contribuem tamento na Amazônia brasileira ficou entre 1,8 e Y.; GRIGGS, D.J.; NOGUER, M. ; VAN na derrubada da vegetação nativa são ilegais. A 2,3 milhões de hectares nos últimos cinco anos, DER LINDEN, P.J. & maioria dos desmatamentos e queimadas que ocor- uma diminuição de 10% faria com que as emissões XIAOSU, D. (eds.). rem todos os anos na Amazônia, por exemplo, brasileiras anuais de carbono caíssem em cerca de Climate Change: the scientific basis – não tem autorização dos órgãos de meio ambiente 30 milhões de toneladas. Reduzindo os desma- Contribution of (federal ou estaduais). O mesmo acontece na ex- tamentos na Amazônia, apenas pela aplicação das Working Group I to the ThIrd ploração predatória de madeira. A aplicação efe- leis florestais e ambientais, o Brasil se engajaria de Assessment Report tiva e sistemática da legislação teria um efeito pro- modo construtivo ao objetivo maior da Convenção of the Intergovernamental fundo, reduzindo a área desmatada e, assim, di- sobre Mudanças Climáticas, de estabilizar as con- Panel on Climate minuindo muito as emissões brasileiras. centrações dos gases do efeito estufa em níveis que Change (IPCC), A posição da diplomacia brasileira nas nego- não sejam perigosos ao sistema climático da Terra. Cambridge University Press, ciações referentes à Convenção sobre as Mudanças Esse posicionamento é totalmente coerente com 2001. Climáticas e a seu Protocolo de Kyoto tem coloca- os planos governamentais para a Amazônia (Plano MCCARTHY, J.J.; CANZIANI, O.F.; do grande peso em (corretamente) responsabilizar Amazônia Sustentável, Plano de Combate ao Des- LEARY, N.A.; os países desenvolvidos pelas emissões históricas e matamento, Br-163 Sustentável e outros), todos pre- DOKKEN, D.J. & presentes e cobrar destes compromissos de redu- conizando grande redução dos desmatamentos e WHITE, K.S (eds.). Climate Change: ção significativa de suas emissões. Entretanto, se- queimadas ilegais através de políticas públicas impacts, adaptation ria interessante o país assumir um papel autôno- voltadas para o maior cumprimento das leis (inclu- & vulnerability – Contribution of mo relevante na questão da mitigação, criando con- sive com uma massiva regularização fundiária) e Working Group II to dições para reduzir as emissões brasileiras, onde para a exploração sustentável dos produtos flores- the Third isso fosse possível, sem afetar o desenvolvimento tais. Tecnologias de aproveitamento desses produ- Assessment Report of the de melhores condições econômicas e sociais para tos, das mais simples até a biotecnologia, podem Intergovernamental a população, que exigirá aumento do consumo de agregar valor a uma economia de base florestal, Panel on Climate Change (IPCC), energia per capita. reduzindo a pressão sobre a floresta primária. Cambridge No reflorestamento, uma das modalidades in- Sistemas agroflorestais ainda fornecem outros ser- University Press, 2001. cluídas entre os Mecanismos de Desenvolvimento viços ambientais, além de estocar e seqüestrar METZ, B.; DAVIDSON, Limpo, previstos no Protocolo de Kyoto, o Brasil carbono, como manter a qualidade da água, esta- O.; SWART, R. & PAN, exibe gigantesco potencial, bastando utilizar áreas bilizar o ciclo hidrológico, reduzir a erosão, man- J. (eds.). Climate Change: mitigation degradadas e marginais para criar ‘sumidouros’ de ter uma variedade de polinizadores úteis à agricul- – Contribution of gases do efeito estufa, principalmente CO2 (que tura e moderar os extremos climáticos. Working Group III to the Third seria assimilado pelas florestas em crescimento, Em suma, a diminuição dos desmatamentos e Assessment Report através da fotossíntese). Seriam necessários, no en- queimadas ilegais na Amazônia acrescenta um of the tanto, projetos de reflorestamento cobrindo enormes novo componente aos já conhecidos benefícios de Intergovernamental Panel on Climate extensões (dezenas de milhares de quilômetros qua- preservação da qualidade ambiental e qualidade de Change (IPCC), drados) para retirar da atmosfera uma quantidade vida das populações locais: uma importante con- Cambridge University Press, significativa de carbono. tribuição brasileira ao esforço mundial de redução 2001. Em comparação, políticas públicas que impo- das emissões de gases de efeito estufa visando re- (Os três textos acima nham o cumprimento mais eficaz da legislação duzir o perigo das mudanças climáticas. Por mais estão disponíveis em http:// atual, principalmente o Código Florestal e os árduo que seja o caminho para atingir essa meta, www.ipcc.ch/pub/ Zoneamentos Ecológico-Econômicos, podem por uma atitude assim somente teria vencedores: a reports.htm) si só reduzir as taxas de reflorestamento em, no população, o país e o planeta. ■ 40 • CIÊNCIA HOJE • vol. 36 • nº 211
  • 12. C L I M A T O L O G I A Gases de efeito estufa em hidrelétricas da Amazônia Os chamados gases-estufa, entre os quais se destacam o dióxido de carbono e o metano (também conhecido como ‘gás do pântano’), dificultam a dissipação da radiação refletida pela Terra. Embora a discussão sobre as reais conseqüências do aumento da concentração desses gases na atmosfera seja polêmica, é provável – caso as emissões se mantenham nos níveis atuais – que no futuro o planeta enfrente catástrofes ocasionadas por mudanças climáticas. Ao apresentar neste artigo dados sobre o lançamento de gases-estufa por hidrelétricas da Amazônia brasileira, o autor traz importante contribuição para um debate imparcial do tema. Philip M. Fearnside Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia Quem abre uma garrafa de refrigerante vê minúsculas bolhas emer- rada à pressão no fundo do reservatório de uma girem do líquido. Nesse caso, o gás carbônico (CO2) hidrelétrica. A 34,6 m (profundidade das tomadas está dissolvido na água, que compõe a maior parte d’água das turbinas na hidrelétrica de Tucuruí), a da bebida. A solubilidade do gás é mais alta sob pressão é alta (aproximadamente três atmosferas). pressão na garrafa fechada do que quando ela é A 10 m há uma estratificação da água em camadas aberta, de acordo com o princípio químico conheci- de temperaturas diferentes: a água mais fria das do como Lei de Henry, que estabelece que a solu- camadas baixas não se mistura com a água mais bilidade de um gás em um líquido é diretamente quente das camadas superiores, impedindo o mo- proporcional à pressão parcial do gás. Os mergulha- vimento do CH4 (metano) para a superfície. dores, vale lembrar, estão familiarizados com o fato de que a queda súbita de pressão pode liberar bolhas de nitrogênio no sangue, pondo em risco a O METANO vida daqueles que sobem rapidamente à superfí- cie da água. À medida que a profundidade aumenta na coluna No caso da água que emerge do fundo de uma d’água, a concentração de CH4 também aumenta hidrelétrica, o efeito da pressão age em conjunto (figura 1). No reservatório de Tucuruí, a concen- com o efeito da temperatura (segundo o Princípio tração desse gás a 30 m de profundidade era, em de Le Châtelier, o aquecimento da água também março de 1989, de 6 mg por litro de água (mg/l), reduz a solubilidade dos gases nela dissolvidos). uma estimativa conservadora para a concentração O efeito causado pela liberação da pressão é gran- nessa época do ano a 34,6 m. O valor sobe para 7,5 de e imediato, mas requer um curto período de mg/l após ajuste para o ciclo anual, com base em tempo para que o Princípio de Le Châtelier se medidas tomadas pela equipe de Corinne Galy-La- estabeleça e a temperatura se reequilibre. caux na represa de Petit Saut (Guiana Francesa). A diferença de pressão entre uma garrafa de Os dados desse reservatório, onde se tomam refrigerante fechada e aberta é pequena se compa- medidas ao longo de todo o ano, são mais comple- dezembro de 2004 • CIÊNCIA HOJE • 41
  • 13. C L I M A T O L O G I A FONTE J.G.TUNDISI zada em pequenas gotas. No vertedouro da hidre- létrica de Tucuruí, a água sai em um jato a partir de uma fenda horizontal estreita a 20 m de pro- fundidade. Nessa profundidade a água tem uma carga significativa de metano: 3,1 mg/l, em média, ao longo do ano. Em forma de salto de esqui, o vertedouro foi projetado para maximizar a oxigenação do rio a jusante da barragem (figura 2). Em conseqüência, o metano presente na água é imediatamente libe- rado. Considerando que 353,6 trilhões de litros d’água, em média, passam anualmente pelas tur- binas e vertedouros da barragem de Tucuruí, ve- rifica-se que a quantidade de CH4 exportada por Figura 1. Perfil da concentração de metano (CH4) essas estruturas é tremenda. na usina hidrelétrica de Tucuruí em março de 1989, com ajuste para um ciclo anual Levando-se em conta as suposições relativas às percentagens de CH4 liberadas dessa água, em 1991 foi lançado um total de 0,7-1,2 milhão de tonela- tos que os relativos às hidrelétricas da Amazônia das de CH4 em Tucuruí, o equivalente a 4-7,1 brasileira. Embora os dados de Petit Saut possam milhões de toneladas de carbono na forma de CO2, ser usados para ajustar valores pontuais brasilei- computado com base no potencial de aquecimento ros, com base em números relativos (percentagens), global de 21, adotado para o metano pelo Protocolo não se pode lançar mão de valores absolutos por de Kyoto – isso significa que cada tonelada de CH4 causa da diferença de idade entre os reservatórios. tem, sobre o aquecimento global, o impacto de 21 Logo que a água emerge das turbinas, a pressão toneladas de CO2. A equivalência é conservadora, cai até o nível de uma atmosfera, e a maior parte do já que cálculos atuais do Painel Intergovernamental gás nela dissolvido é imediatamente liberada. A água de Mudanças Climáticas indicam um valor de 23 colhida no fundo de um reservatório e trazida até a para o potencial de aquecimento global do metano, superfície em um frasco de amostragem espuma o que aumentaria o impacto da emissão desse gás feito refrigerante quando ele é aberto. Gases assim pelas hidrelétricas em 12% em relação aos valores liberados incluem o CO2 e o CH4. Embora presente adotados pelo Protocolo de Kyoto. Há propostas al- na água em menor quantidade que o CO2, o CH4 é ternativas para o cálculo da equivalência entre os que torna as hidrelétricas uma preocupação no que diferentes gases, mas os cálculos aqui apresentados se refere ao aumento do efeito estufa. se baseiam na metodologia adotada pelo Protocolo O metano também é liberado no percurso da de Kyoto, por ser internacionalmente aceita. água pelo vertedouro, onde a liberação de gás é A pressão parcial do CH4 na atmosfera é muito causada não só pela mudança de pressão e tempe- baixa: 1,5 × 10-6 (em cada milhão de moléculas ratura, mas também pela provisão súbita de uma presentes no ar, apenas 1,5, em média, é de me- vasta área da superfície, quando a água é pulveri- tano). Dada a constante da Lei de Henry para o me- tano, o equilíbrio de CH4 à pressão de uma atmos- fera e à temperatura de 25oC é de apenas 0,035 mg/l. Quando a água emerge das turbinas de Tu- curuí com uma concentração de 7,5 mg de metano por litro, 99,5% se perdem em razão do efeito combinado da queda da pressão, até o nível de uma atmosfera, e da elevação da temperatura, até cerca de 25oC. O papel da temperatura nesse pro- cesso pode ser visto a partir da relação entre a temperatura e a solubilidade de CH4: um aumento na temperatura de 15oC para 25oC, por exemplo, reduz a solubilidade de CH4 na água em 18,3%. FOTOS P.M. FEARNSIDE Figura 2. Em forma de salto de esqui, o vertedouro da hidrelétrica de Tucuruí oxigena a água mas simultaneamente libera metano 42 • C I Ê N C I A H O J E • v o l . 3 6 • n º 2 1 1
  • 14. C L I M A T O L O G I A Algumas estimativas do impacto de hidrelétri- cas consideram desprezíveis as emissões de gases pelas turbinas e vertedouros, com base na medida do fluxo de gases na superfície da água, feitas de várias centenas de metros a várias dezenas de quilômetros a jusante da barragem. Infelizmente para o ambiente, a liberação de gás da água que emerge das turbinas ocorre em questão de segun- dos. O fato de que pouco ou nenhum metano seja liberado rio abaixo é irrelevante. A quantidade de CH4 liberado nas turbinas e no vertedouro é ade- quadamente calculada por meio da diferença en- tre a concentração de CH4 na água à profundidade da tomada d’água das turbinas atrás da barragem e a concentração na água do rio a jusante da bar- ragem. Como o novo equilíbrio é alcançado rapi- damente, logo que a água emerge das turbinas, não há tempo para as bactérias reduzirem o CH4 a CO2 antes de o gás ganhar a atmosfera. Com o sobe-e-desce do nível de água, inundan- do e expondo grandes áreas de terra ao redor da margem, as represas se tornam verdadeiras fábri- cas de metano. A vegetação cresce depressa na Figura 3. Vista parcial do lago da hidrelétrica lama exposta e se decompõe em condições anae- de Samuel, em Rondônia, 13 anos após o fechamento róbicas no fundo do reservatório quando a água da barragem. Partes de árvores mortas permanecem volta a subir. Isso converte gás carbônico atmosfé- acima da água, e a decomposição dessa biomassa rico em metano, com um impacto muito maior libera CO2, sobretudo na primeira década após a formação da represa sobre o efeito estufa do que o CO2 retirado da atmosfera por ação das plantas (21 vezes mais por tonelada de gás ou 7,6 vezes mais por tonelada de solo erodido e de carbono orgânico dissolvido que carbono). A emissão natural desse gás ao longo de alcança o rio a partir do lençol freático. O carbono um rio sem barragens é pequena se comparada à de CO2 derivado da fotossíntese no reservatório é emissão de um reservatório. apenas reciclado da atmosfera; o proveniente da terra firme está sujeito a decomposição aeróbica. O carbono da represa que não é oxidado pode depositar-se em sumidouros (como os sedimentos O DIÓXIDO DE CARBONO do fundo do reservatório), a jusante (na várzea ou A emissão de gás carbônico de reservatórios é bas- foz) ou em sedimentos oceânicos, podendo ainda tante diferente da emissão de metano no que se permanecer como carbono orgânico dissolvido por refere ao impacto líquido sobre o efeito estufa. um longo período. A remoção de carbono por de- Diferente do metano, só uma porção do gás car- posição no reservatório não pode ser vista como bônico emitido pode ser considerada impactante, benefício, uma vez que o carbono dos sedimentos pois grande parte do fluxo de CO2 é cancelada por provavelmente ter-se-ia acumulado em outros su- meio de absorções que ocorrem no reservatório. O midouros na ausência de barragens. metano não entra em processos fotossintéticos, No cálculo do impacto líquido causado por re- embora seja reduzido lentamente a CO2, que pode servatórios, deve-se levar em conta o CO2 liberado ser removido na fotossíntese. Durante os cerca de pela decomposição de partes das árvores inunda- 10 anos que cada molécula de metano permanece das que se projetam para fora d’água (figura 3). na atmosfera, o efeito estufa que isso causa deve ser Após o enchimento do reservatório, a quantidade considerado um impacto líquido da represa. de carbono envolvida é significativa na primeira O CO2 liberado na superfície do reservatório, década. Uma estimativa das emissões dessa fonte bem como o CO2 liberado em turbinas e verte- feita pelo autor deste artigo durante o ano de 1990 douros, não pode ser considerado emissão líquida. indicou um total de 10 milhões de toneladas de O carbono desse CO2 terá entrado na água a partir carbono para as represas da Amazônia brasilei- de fontes de fotossíntese no reservatório, como ra: 2,55 em Tucuruí; 6,43 em Balbina; 1,13 em fitoplâncton e macrófitas, de material orgânico e Samuel; e 0,01 em Curuá-Una. dezembro de 2004 • CIÊNCIA HOJE • 43
  • 15. C L I M A T O L O G I A GÁS FONTE DE EMISSÃO C EQUIVALENTE A CO2 CONTRIBUIÇÃO * (MILHÕES DE T) RELATIVA (%) CENÁRIO CENÁRIO CENÁRIO CENÁRIO ‘ALTO’ ‘BAIXO’ ‘ALTO’ ‘BAIXO’ CH4 EBULIÇÃO + DIFUSÃO 0,537 0,537 5% 8% DECOMPOSIÇÃO ACIMA D’ÁGUA 0,003 0,003 0,03% 0,04% PERDA DE SUMIDOUROS NO SOLO DA FLORESTA 0,001 0,001 0,01% 0,01% PERDA DE CUPINS DA FLORESTA -0,015 -0,015 -0,15% -0,22% TURBINAS 4,023 0,945 40% 13% VERTEDOURO 3,066 3,066 30% 44% CH 4 TOTAL 7,61 4,54 75% 64% SUGESTÕES CO2 DECOMPOSIÇÃO ACIMA D’ÁGUA** 2,55 2,55 25% 36% PARA LEITURA DECOMPOSIÇÃO ABAIXO D’ÁGUA 0,03 0,03 0,30% 0,43% PERDA DE ABSORÇÃO DA FLORESTA 0,06 0,06 1% 1% FEARNSIDE, P.M. ‘Greenhouse CO2 TOTAL 2,64 2,64 26% 38% gas emissions from Amazonian N2O*** PERDA DE FONTES NO SOLO DA FLORESTA -0,14 -0,14 -1% -2% hydroelectric TOTAL 10,11 7,03 100% 100% reservoirs: The example *Potencial de aquecimento global de CH 4 = 21; N 2O = 310. of Brazil’s Tucuruí **Baseada na decomposição acima do solo, em área de floresta derrubada para implantação de atividades agropecuárias. Dam as compared ***Óxido nitroso. to fossil fuel alternatives’, in Environmental Conservation, 24 : 64-75, Figura 4. Emissões de gases-estufa na hidrelétrica HIDRELÉTRICAS E OUTRAS FONTES de Tucuruí em 1990. Os componentes são de anos 1997. FEARNSIDE, P.M. DE ENERGIA: UMA COMPARAÇÃO diferentes: áreas de hábitat e níveis de água ‘Greenhouse gas (1988); emissão por unidade de área por ebulição emissions from Emissões de várias fontes se concentram no início e difusão (1996-1997); fluxos de água das turbinas a hydroelectric reservoir (Brazil’s da vida de uma hidrelétrica, e o efeito estufa que e do vertedouro (1991); conteúdo de CH4 na água Tucuruí Dam) and provoca para gerar energia tem um perfil temporal (1989); emissões de decomposição (1990) the energy policy bem diferente do perfil das emissões causadas pela implications’, in Water, produção da mesma quantidade de energia a partir Air and Soil de combustíveis fósseis. As emissões em uma bar- Pollution, 133: 69-96, ragem ocorrem até vários anos antes de ela começar Em Tucuruí, o impacto total das emissões e 2002. a produzir energia, resultando também da fabrica- sumidouros dos diferentes gases de efeito estufa FEARNSIDE, P.M. ção de cimento e aço empregados na sua constru- somava em 1990 (seis anos após o fechamento da ‘Greenhouse gas emissions from ção. A liberação de CO2 pela decomposição de ár- barragem) o equivalente a 7-10,1 milhões de tone- hydroelectric dams: vores mortas acima da água e do CH4 resultante da ladas de carbono de CO2. Um cenário ‘alto’ e outro controversies provide a decomposição das partes macias da vegetação ini- ‘baixo’ refletem uma larga faixa de incerteza, que springboard for cial e das macrófitas é mais alta nos primeiros anos, se deve sobretudo às suposições acerca da percen- rethinking a supposedly “clean” após o enchimento do reservatório. Qualquer pon- tagem de CH4 liberada pelas turbinas (figura 4). energy source’, deração das emissões por tempo (atualmente não A magnitude dessa emissão pode ser entendida in Climatic incluídas no Protocolo de Kyoto) favoreceria a alter- por comparação com a que se verifica na cidade Change (no prelo). GALY-LACAUX, C., nativa dos combustíveis fósseis, em comparação com de São Paulo. Em 1990, o Brasil emitiu 53 milhões DELMAS, R., a geração de energia hidrelétrica. de toneladas de carbono de combustíveis fósseis, KOUADIO, J., RICHARD, S., & Mesmo sem considerar as emissões decorrentes segundo cálculos do especialista em energia Emí- GOSSE, P. da construção da barragem e as ponderações acer- lio La Rovere, da Universidade Federal do Rio de ‘Long-term ca do tempo, é expressiva a emissão de gases de Janeiro. Portanto, a emissão de 7-10,1 milhões de greenhouse gas emissions from efeito estufa por hidrelétricas amazônicas. Isso se toneladas de carbono equivalente a CO2 de Tucuruí hydroelectric aplica não só a barragens com potência muito baixa em 1990 representava de 13% a 19% da emissão reservoirs in tropical forest por área inundada, como Balbina e Samuel (ver de combustível fóssil produzida na época pela po- regions’, “Balbina: lições trágicas na Amazônia”, em Ciên- pulação do país (170 milhões de habitantes). A in Global cia Hoje no 64), mas também a barragens como emissão de Tucuruí era de 1,3 a 1,9 vezes maior Biogeochemical Cycles, Tucuruí, cuja potência por metro quadrado inun- que a do combustível fóssil queimado pelos 17 13: 503-517, dado é superior à média das barragens planejadas milhões de habitantes da área metropolitana 1999. na Amazônia em geral. de São Paulo (10% da população brasileira). ■ 44 • C I Ê N C I A H O J E • v o l . 3 6 • n º 2 1 1