As agências bancárias sobreviverão à transformação digital?
1. As agências bancárias sobreviverão à
transformação digital?
Existe um debate no setor bancário
que segue aberto por mais de dez
anos, e no qual, até o presente
momento, não se chegou a nenhum
consenso: o papel da agência
bancária. Em um mundo onde a
transformação digital domina
todas as manchetes, este debate,
por vezes, fica em segundo plano,
embora seja abordado
periodicamente, coincidindo com
notícias sobre a redução do número
de agências.
Olhando para o passado, o papel da
agência bancária não mudou
substancialmente desde sua
popularização nos anos 60, até a
chegada do primeiro internet
banking e, posteriormente, do
serviço bancário móvel. A crise
global que vivemos em 2008
implicou, sem dúvidas, um
momento decisivo, com o
fechamento de milhares de
agências em todo o planeta.
Embora o ponto de partida fosse
diferente nos Estados Unidos e na
Europa, onde a situação tampouco
era homogênea em cada país, a
estratégia dos bancos foi
semelhante: reduzir drasticamente
o número de agências.
Bastam apenas dois fatos para
comprovar tal afirmação. Na
Europa, desde 2008, 48.000
agências foram fechadas (20% de
seu total). Vale ressaltar que,
somente na Espanha, 15.000
agências foram fechadas durante
esse período (38%). Nos Estados
Unidos, a redução foi menos
drástica, passando de 100.000 a
90.000 agências (uma redução de
10%), desde o início da crise.
2. Um artigo afirmou que o debate
sobre o papel das agências nessa
nova era digital segue em alta e
que, apesar de tudo, continua
sendo o canal mais eficaz
comercialmente e o eixo sobre o
qual gira o modelo de distribuição.
Porém, do outro lado da balança,
encontram-se os custos. Os custos
da rede física (imobiliário, de
pessoal e de suporte, incluindo a
distribuição de operações de
aprovisionamento) abrangem entre
33% e 50% do custo operacional.
Existem diversas opiniões em
relação a qual papel as agências
terão futuramente; há aqueles que,
inclusive, predizem um completo
(ou quase completo)
desaparecimento do canal. Brett
King, famoso guru do mundo
bancário, é um dos que apoiam tal
teoria, responsável pelo
desenvolvimento desta ideia no
livro “Branch Today, Gone
Tomorrow: The Case for the Death
of Branch Banking”, leitura
obrigatória para o aprofundamento
no debate.
Apesar de ser um ponto de vista
interessante, na minha opinião, é
demasiado radical. No entanto, é
inquestionável que o
desenvolvimento dos canais
digitais, especialmente do canal de
serviços móveis, implica uma
mudança de paradigma no setor.
Chegamos, com isso, ao modelo de
distribuição cujo eixo é a agência,
sobre a qual estão encadeados
outros canais; e no qual tais
agências são responsáveis por
100% do suporte das relações com
os clientes. O modelo para o qual
tendemos, com diferentes graus de
desenvolvimento, de acordo com
as geografias e entidades, é o do
Mobile First. Neste novo
paradigma, o canal móvel é o
ponto de acesso na relação cliente-
banco e, ao seu redor, circulam o
restante dos canais, inclusive
agências. Dessa forma, as agências
passam de um papel central no
relacionamento com o cliente, a
um papel menos relevante.
Uma vez entendida esta nova
função do canal, os desafios a
serem superados serão dois:
eficiência da rede e melhoria da
experiência de usuário.
Como já comentamos
anteriormente, o principal
problema do canal são os custos.
Neste sentido, todas as entidades
dedicaram um grande esforço para
reduzir os gastos, eliminando
muitos pontos de atenção e
migrando parâmetros operacionais
para outros canais, onde o custo
por transação é muito menor. Todo
o setor migrou das operações de
baixo valor agregado, como
pagamentos de recibos, consultas
de balanço etc, para, atualmente,
trabalhar na ampliação do catálogo
de possibilidades. Isso inclui
processos que até pouco tempo
eram considerados
imprescindíveis fora das agências.
A título de exemplo, o
desenvolvimento do processo de
3. contratação efetuado
integralmente através de canais
digitais é prioridade nas estratégias
de praticamente todas as
instituições do mundo, e abrange
produtos cada vez mais
complexos.
Como resultado desse esforço na
eficácia do canal, a experiência de
usuário tem sido menos relevante
para as entidades, deixando
diversas agências desatualizadas e
pouco atraentes para o cliente.
Existem duas grandes linhas de
trabalho que podem ser utilizadas
para a recuperação dos níveis de
satisfação do canal: por um lado, o
compromisso com um novo
conceito de agência, e por outro,
sua integração como um elemento
a mais nos serviços da estratégia
omnichannel do banco.
Tradicionalmente, o conjunto de
agências de uma entidade tem sido
homogêneo, variando somente em
relação ao tamanho (número de
postos de trabalho), em função de
sua rotatividade. É necessário
desenvolver diferentes conceitos
de sucursal com diferentes
objetivos, alinhando-os com a
estratégia global da entidade. Nos
últimos anos, presenciamos o
desenvolvimento destes conceitos
com diferentes graus de aceitação.
Trabalhar a paciência durante o
desenvolvimento destes protótipos
até alcançar um modelo que
funcione em cada caso distinto é
fundamental durante este processo.
Alguns dos conceitos mais comuns
nos últimos anos estão listados
abaixo e, muitas vezes, as
entidades apostam na combinação
de vários deles:
• Agências representativas
(flagship): Localizadas nos
principais centros
comerciais das cidades mais
relevantes; servem para
potencializar a imagem da
marca e apresentar conceitos
inovadores que atraiam o
grande público.
• Agências de
autoatendimento: Agências
com pouca ou nenhuma
presença física que
permitem o
desenvolvimento de todo
tipo de operação através de
caixas eletrônicos, além de
contar com o apoio de
sistemas de
videoconferências. Nos
próximos anos,
precisaremos estar atentos a
como o desenvolvimento da
inteligência artificial poderá
contribuir para a exploração
deste modelo.
• Agências móveis: A redução
do número de agências
físicas afetou populações
pequenas, que não contam
mais com agências próximas
à sua localização. O
desenvolvimento de
agências móveis permite a
prestação de serviços
durante horas/dias
4. especificados a esse grupo
populacional.
• Micro/nano agências:
Agências normalmente
localizadas em pontos com
grande circulação de
pessoas, como hubs de
transporte público, que
permitem a realização das
operações mais comuns de
forma rápida.
• Cobranding: Por meio de
parceria com outras marcas
de todo tipo - como por
exemplo, cafeterias ou
agências de viagem - são
criados novos espaços com
diferentes objetivos
(aumento do tempo de
permanência na agência,
cross-selling de produtos de
financiamento etc).
A flexibilidade de horários,
adaptada às necessidades de seu
público-alvo, deve ser
necessariamente administrada
juntamente com o
desenvolvimento destes conceitos.
Este é um assunto complexo, ainda
em processo de resolução pela
maioria das entidades.
Além destes novos modelos de
agências, outro aspecto relevante é
a integração do canal na estratégia
multicanal da entidade. Aspecto
este que, não somente concerne ao
canal da agência, mas que também
deve ser abordado de forma geral
no momento de definição da
estratégia da entidade. É
necessário refletir em quais
customer journeys a agência pode
ou deve adquirir um papel
primordial: venda e assessoria de
produtos complexos, distribuição e
controle de capital, construção de
relações com o cliente etc.
De modo complementar, as
agências continuarão a ter um
papel fundamental no
fortalecimento da imagem da
entidade, já que são o vínculo mais
estreito entre ambiente (bairro,
comunidade) e entidade.
Por fim, o aspecto principal tanto
no desenvolvimento dos novos
conceitos de agência como no
desenvolvimento da estratégia
omnichannel são as informações.
A capacidade de coletar dados
como afluência, motivos de visitas,
tempo médio, áreas das agências
visitadas etc, é um ponto de
partida, mesmo que não suficiente,
visto que é necessário cruzar esses
dados com as informações de
venda, vinculação de clientes,
entre outros, que permitam obter
modelos avançados do
comportamento dos clientes. Esses
modelos permitirão alinhar a
capacidade da rede comercial às
necessidades do público alvo,
testar o êxito dos novos modelos
propostos de agência e definir a
função dela na estratégia
omnichannel. Além disso, o
desenvolvimento destes modelos
permitirá prever as necessidades
futuras de cada ponto de venda e
adaptá-las, se necessário.
5. Como conclusão, e em resposta ao
questionamento que intitula este
artigo, minha opinião é de que
continuaremos a ver agências
bancárias. Naturalmente,
presenciaremos uma evolução do
canal a um ritmo jamais visto ao
longo da história. O uso de
analytics, da flexibilidade no
desenvolvimento de novos
conceitos de agências e uma
correta definição de quais
processos poderão seguir
agregando valores no canal
fornecerão uma vantagem
competitiva às entidades no
momento da implementação desta
evolução.
Carlos Luzuriaga
Partner de Banking