O texto analisa a história de "Um artista da fome" de Kafka e faz uma comparação entre esse artista e as pessoas que são "artistas da vida". A autora argumenta que muitas vezes buscamos reconhecimento dos outros em vez de cuidar de nós mesmos, e que precisamos viver a vida para nós mesmos, não apenas para agradar os outros.
1. Artista da Vida
Elisandra Rambor Traugott
O texto de Kafka Um artista da fome faz-nos pensar em como nos
tornarmos artistas da vida.
Até onde alguém pode ir, pode suportar por suas convicções? Qual a
importância do reconhecimento? Por que a opinião das outras pessoas nós é
tão valiosa?
Com certeza haveria outras possibilidades a este artista que não apenas
a quarentena em jejum. Serviços, trabalhos, colocações, empregos, enfim,
possibilidades de sustento através do seu esforço corporal, de sua força de
vontade. Talvez, o encantamento estava no público. Em haver público
interessado nele, em assisti-lo, curioso e ávido pelo desfalecimento do corpo
diariamente mutilado pela falta de alimento.
O artista da fome sofreu mais com a indiferença e o distanciamento do
público, da falta de interesse em seu jejum e na sua arte de jejuar, mesmo
sabedor de sua capacidade em fazê-lo do que com a fraqueza que lhe
devorava os ossos.
Pergunto-me: quantas vezes sofremos pela ausência de público e de
reconhecimento? Por vezes, sabemos intima e convictamente de nosso
potencial, de nosso trabalho, por exemplo, mas buscamos no outro
reconhecimento.
Enchem-se de brilho os olhos do artista da fome ao ver a multidão à
observar, assim como nosso ego frente à elogios e reconhecimento de nosso
talento/potencialidade pelo público que nos cerca.
Assim como o artista da fome, somos artistas na vida. Passamos mais
tempo agradando à outros que cuidando de nós mesmos. E, quando estava já
desfalecendo, confessa jejuar por não encontrar o alimento que lhe agradava,
poderia também reconhecer que não teria se dado tempo para procurá-lo,
tamanho seu empenho em agradar o público com seus jejuns.
O que ganhou o artista da fome? Fama passageira, solidão e morte
certa. Enquanto artistas na vida, a morte também nos é certa. Estamos
procurando o alimento que nos agrade ou procurando agradar outros em troca
de qualquer alimento?
2. Viver é o alimento do artista da vida assim como o jejum era ao artista
da fome. Convivemos em sociedade, mas a vida e a morte é individual.
Precisamos pensar e viver a vida não para agradar aos que nos cercam,
mas para criar vínculos afetivos que nos permitam a continuar na memória de
outras pessoas e, não sermos esquecidos junto às palhas do tempo.