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Artista da Vida
Elisandra Rambor Traugott
O texto de Kafka Um artista da fome faz-nos pensar em como nos
tornarmos artistas da vida.
Até onde alguém pode ir, pode suportar por suas convicções? Qual a
importância do reconhecimento? Por que a opinião das outras pessoas nós é
tão valiosa?
Com certeza haveria outras possibilidades a este artista que não apenas
a quarentena em jejum. Serviços, trabalhos, colocações, empregos, enfim,
possibilidades de sustento através do seu esforço corporal, de sua força de
vontade. Talvez, o encantamento estava no público. Em haver público
interessado nele, em assisti-lo, curioso e ávido pelo desfalecimento do corpo
diariamente mutilado pela falta de alimento.
O artista da fome sofreu mais com a indiferença e o distanciamento do
público, da falta de interesse em seu jejum e na sua arte de jejuar, mesmo
sabedor de sua capacidade em fazê-lo do que com a fraqueza que lhe
devorava os ossos.
Pergunto-me: quantas vezes sofremos pela ausência de público e de
reconhecimento? Por vezes, sabemos intima e convictamente de nosso
potencial, de nosso trabalho, por exemplo, mas buscamos no outro
reconhecimento.
Enchem-se de brilho os olhos do artista da fome ao ver a multidão à
observar, assim como nosso ego frente à elogios e reconhecimento de nosso
talento/potencialidade pelo público que nos cerca.
Assim como o artista da fome, somos artistas na vida. Passamos mais
tempo agradando à outros que cuidando de nós mesmos. E, quando estava já
desfalecendo, confessa jejuar por não encontrar o alimento que lhe agradava,
poderia também reconhecer que não teria se dado tempo para procurá-lo,
tamanho seu empenho em agradar o público com seus jejuns.
O que ganhou o artista da fome? Fama passageira, solidão e morte
certa. Enquanto artistas na vida, a morte também nos é certa. Estamos
procurando o alimento que nos agrade ou procurando agradar outros em troca
de qualquer alimento?
Viver é o alimento do artista da vida assim como o jejum era ao artista
da fome. Convivemos em sociedade, mas a vida e a morte é individual.
Precisamos pensar e viver a vida não para agradar aos que nos cercam,
mas para criar vínculos afetivos que nos permitam a continuar na memória de
outras pessoas e, não sermos esquecidos junto às palhas do tempo.

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  • 1. Artista da Vida Elisandra Rambor Traugott O texto de Kafka Um artista da fome faz-nos pensar em como nos tornarmos artistas da vida. Até onde alguém pode ir, pode suportar por suas convicções? Qual a importância do reconhecimento? Por que a opinião das outras pessoas nós é tão valiosa? Com certeza haveria outras possibilidades a este artista que não apenas a quarentena em jejum. Serviços, trabalhos, colocações, empregos, enfim, possibilidades de sustento através do seu esforço corporal, de sua força de vontade. Talvez, o encantamento estava no público. Em haver público interessado nele, em assisti-lo, curioso e ávido pelo desfalecimento do corpo diariamente mutilado pela falta de alimento. O artista da fome sofreu mais com a indiferença e o distanciamento do público, da falta de interesse em seu jejum e na sua arte de jejuar, mesmo sabedor de sua capacidade em fazê-lo do que com a fraqueza que lhe devorava os ossos. Pergunto-me: quantas vezes sofremos pela ausência de público e de reconhecimento? Por vezes, sabemos intima e convictamente de nosso potencial, de nosso trabalho, por exemplo, mas buscamos no outro reconhecimento. Enchem-se de brilho os olhos do artista da fome ao ver a multidão à observar, assim como nosso ego frente à elogios e reconhecimento de nosso talento/potencialidade pelo público que nos cerca. Assim como o artista da fome, somos artistas na vida. Passamos mais tempo agradando à outros que cuidando de nós mesmos. E, quando estava já desfalecendo, confessa jejuar por não encontrar o alimento que lhe agradava, poderia também reconhecer que não teria se dado tempo para procurá-lo, tamanho seu empenho em agradar o público com seus jejuns. O que ganhou o artista da fome? Fama passageira, solidão e morte certa. Enquanto artistas na vida, a morte também nos é certa. Estamos procurando o alimento que nos agrade ou procurando agradar outros em troca de qualquer alimento?
  • 2. Viver é o alimento do artista da vida assim como o jejum era ao artista da fome. Convivemos em sociedade, mas a vida e a morte é individual. Precisamos pensar e viver a vida não para agradar aos que nos cercam, mas para criar vínculos afetivos que nos permitam a continuar na memória de outras pessoas e, não sermos esquecidos junto às palhas do tempo.