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Antropologia Filosóficai
INTRODUÇÃO


        A disciplina de Antropologia Filosófica apresenta-se como uma oportunidade
para pensarmos no Eu no Tu e no Nós, isto é, no Homem. Permite-nos questionar sobre o
sentido e o fim da nossa vida, para percebermos a grandeza do nosso ser e termos em
conta a nossa dignidade como pessoas. As nossas abordagens serão feitas desde o ponto
de vista filosófico, teremos em conta a importância que é dada a Antropologia no campo
filosófico e o que alguns filósofos disseram a respeito do homem.
        O termo Antropologia é uma palavra composta cujo elementos são antropos e
logos ambos termos tem origem na língua grega: antropos=homem, género humano e
logos= ciência, discurso. É um estudo sobre o Homem, não se trata de qualquer discurso,
é um discurso profundo acerca da essência do homem, assim como Max Scheler a
entendia “ciência da essência e da estrutura ética do homem da sua relação com a
natureza e com o princípio de todas as coisas, da sua origem, das potências e formas que
agem sobre ele e aquelas sobre as quais age, das direcções e das leis fundamentais do seu
desenvolvimento biológico, psíquico, espiritual e social. Os problemas da relação entre o
corpo e a alma e a relação entre o espírito e a vida…”1. A questão sobre o Homem
coloca-se como a questão de todas as questões, estas questões estão presentes em todas as
demais questões.
        O primeiro a utilizar o termo antropologia foi o humanista OTTO CASMANN 2,
que em 1596 publicou um livro intitulado “Psychologia Anthropologica” no qual
expunha a doutrina sobre a alma e o corpo.
        O estudo acerca do homem estava ainda confinado a dimensão anímica, isto até a
época de Wolff, pois que, tratava-se de um estudo experimental e metafísico. Assim foi
Wolff o primeiro a fazer uma destrinça entre dois tipos de pesquisas: Psychologia
Empírica (Frankfurt 1732) e Psychologia rationalis (Frankfurt 1734). Esta distinção
adquiriu um valor definitivo, porém, hoje usa-se o termo Antropologia e não Psicologia,
para indicar o conteúdo da pesquisa filosófica que diz respeito a todo o homem.



1
  Mondin, Battista. O Homem Quem É Ele: Elementos de Antropologia Filosófica, Paulus, 11a ed. Brasil
2003, pag. 7.
2
  Alemão
A afirmação do termo antropologia deve o seu mérito a I. Kant que intitulou uma
das suas obras “Anthropologie in pragmatiscer Hinsicht (1778 1ª publicação, 1798), onde
define a antropologia como a doutrina do conhecimento do homem ordenada
sistematicamente.
Há a distinguir três acepções de Antropologia:
   a) Antropologia Física que estuda o homem do ponto de vista físico-somático.
   b) Antropologia Cultural que estuda o homem do ponto de vista da sua origem
       histórica e das suas manifestações culturais.
   c) Antropologia Filosófica que estuda o homem do ponto de vista dos seus
       princípios últimos que o compõe.
   Contudo, apesar de o termo ser recente, aquilo que ele faz referência (o homem) foi
objecto de estudo em todos os períodos da história. O homem foi estudado pela Filosofia
Grega, assim como na Idade Média e pela Filosofia Moderna e Contemporânea, porém as
suas abordagens não foram totalmente convergentes, os pontos de vista e os ângulos
foram diferentes.
   1- Na Filosofia Clássica o estudo do homem era essencialmente cosmocêntrico.
   2- Na Filosofia Cristã a Antropologia foi teocêntrica, o estudo do homem era feito
       enquanto fosse orientado por Deus e as premissas que comandam este estudo põe
       o homem enquanto criatura de Deus no qual ele aspira eternidade.
   3- Na Filosofia Moderna e Contemporânea a Antropologia é essencialmente
       antropocêntrica, centra o seu estudo no homem enquanto ser biológico, social e
       político.


   ESTADO DA QUESTÃO


   O problema filosófico acerca do homem encontra-se particularmente vivo na
actualidade. Revela-o o interesse crescente que hoje desperta a nova disciplina de
Antropologia Filosófica. Em que consiste a sua essência? Em 1º lugar, é necessário
delimitá-la rigorosamente, face as outras espécies de Antropologias, mormente das que
têm como ponto de partida as Ciências especiais:
a) As antropologias que tratam dos aspectos parcelares do próprio homem
       (antropologia físico-somática, a psicologia e a antropologia médica);
   b) As antropologias que procuram contribuir para a sua interpretação partindo de
       domínio extra-humanos: antropologia etnológica, sociológica, política, religiosa e
       cultural.
   As fronteiras entre estes dois domínios não são nítidas. De todas estas orientações se
distingue a Antropologia Filosófica por não tratar de investigação de aspectos parcelares
mas de uma imagem total do ser humano. Trata-se de uma imagem global, uma visão de
conjunto dos resultados das Ciências Particulares ou de uma concepção independente da
essência do homem.
   A Antropologia Filosófica se encontra numa relação de dependência com respeito à
ética, e a metafísica. O homem ultrapassa, em muitos aspectos do seu ser o
empiricamente compreensível: problemas como o da imortalidade da alma, do bem e do
mal, do sentido da existência humana em geral são sempre abandonados a soluções
provisórias, aproximados, hipotético-especulativos.


   O HOMEM, QUEM É ELE?


   Este é o questionamento por excelência, a questão fulcral de todas as questões.
Podemos formular tantas outras questões, mas todas elas têm como fulcro o homem.
Falar superficialmente do homem, não deve existir, pois que, toda a vida depende da
resposta que for dada acerca do homem, é uma questão que apesar de ser tão importante a
sua resposta constitui um problema muito difícil, isto devido a complexidade do ser do
homem. Esta dificuldade é demonstrada pela própria História da Filosofia. É uma questão
incontornável, devemos enfrentá-la.


   A ORIGEM DO HOMEM: EVOLUCIONISMO OU CRIACIONISMO?


   As teorias evolucionistas enunciadas pela primeira vez no mundo científico por
Charles Darwin (1809-1882), elas afirmam que o corpo humano proviria mediante um
salto qualitativo e quantitativo de espécies animais inferiores. O homem viria assim dum
degrau inferior da escala biológica, num trajecto marcado pelas leis da selecção natural e
sexual, depois de longos períodos de luta pela sobrevivência e de adaptação às difíceis
situações ambientais duma terra ainda jovem geologicamente.
     As teorias evolucionistas tiveram grande aceitação, mesmo na esfera cristã, o jesuíta
Teilhard de Chardin (1881- 1955), assumiu-as e inseriu-as numa visão cristã: a dinâmica
da vida, proveniente de um ponto ALFA, inicial, percorre várias escalas intermédias,
entre as quais a da hominização, a caminho de um ponto ómega que marcará o encontro
da humanidade, chegada do ponto supremo da sua evolução com Cristo.
   A teoria evolucionista suscita no entanto uma dúvida de fundo. “Se o corpo da pessoa
humana provem de espécies animais inferiores, como se explica a alma” Quantos foram
os primeiros humanos a aparecerem na terra? Alguém responderia que o homem é fruto
do acaso.
   Há autores continuam a sustentar como plausível a perspectiva criacionista, e não
apenas para seguir a descrição bíblica: só a hipótese duma corporeidade espiritualizada,
criada directamente do alto, explicaria a superioridade do ser humano em relação à todos
os seres vivos e responderia à todas as dúvidas e interrogações.


PERTINÊNCIA E ACTUALIDADE DO PROBLEMA ANTROPOLÓGICO


       Hoje há unanimidade da capital importância que a Antropologia Filosófica ocupa
na vida do homem, seja qual for o enquadramento: Existencialistas, Estruturalistas,
Ateus, Cristãos, Marxistas, Tomistas, Evolucionistas, Espiritualistas, etc. É assim que o
Inglês T. H. Huxley, a considera como a interrogação de todas as interrogações para a
humanidade - o problema que subjaz a todos os outros e que mais do que qualquer outro
suscita o nosso interesse – é a determinação do lugar que o homem ocupa na natureza e
das suas relações com o universo, ele levanta as seguintes questões: Donde provem o
homem, quais são os limites do nosso poder sobre a natureza e do poder da natureza
sobre nós; qual é o fim para o qual caminhamos?
       Na mesma senda Max Scheler afirma: todos os problemas fundamentais da
Filosofia podem reduzir-se a questão seguinte – que é o homem e que lugar e posição
metafísica que ele ocupa dentro do ser, do mundo, de Deus 3. Nos nossos tempos Martin
Heidegger existencialista, cujas análises cingiram-se no campo da Fenomenologia encara
esta questão nos seguintes termos ”Nenhuma época teve noções tão variadas e numerosas
sobre o homem como a actual. Nenhuma época conseguiu, como a nossa, apresentar o
seu conhecimento acerca do homem de modo tão eficaz e fascinante, nem comunicá-lo de
modo tão fácil e rápido. Mas também é verdade que nenhuma época soube menos que a
nossa o que é o homem. Nunca o homem assumiu um aspecto tão problemático como
actualmente”4.
            Os marxistas abordaram esta questão sem contudo salientarem um aspecto
inovador do que foi dito até aqui. Para eles o homem dentro da natureza apresenta-se
como o maior de todos os seres.


       I.       O homem na história do pensamento grego.

            1.1.    A Concepção do homem na Cultura Grega Arcaica


            A imagem do homem que a cultura grega arcaica nos apresenta é rica e complexa.
            Os traços dessa imagem encerram-se nas seguintes características:
a) Linha teológico-religiosa onde encontramos a divisão entre o mundo dos deuses e o
mundo dos mortais. Os primeiros são imortais, bem-aventurados; ao passo que os
segundos são seres de um dia e infelizes.
Segundo a mitologia grega, este facto deveu-se a pretensão desmedida do homem
igualar-se aos deuses.
b) Linha cosmológica o homem é um ser que contempla o universo, ele admira-se pela
ordem e beleza que fazem do universo visível um todo bem adornado. Desta admiração
segundo Platão terá origem a Filosofia e com ela um estado de vida do homem grego: a
vida teorética.
            Deve reinar uma correspondência entre a ordem do universo e a ordem da cidade
regida por leis justas, que originou a ideia de Ciência do agir humano (Ética).



3
    Mondin Battista, op. Cit. Página 7-8
4
    Loc. Cit.
c) Linha antropológica reside na relação do homem com os deuses e na oposição entre
apolíneo e dionisíaco.
          O apolíneo reflecte o lado luminoso da visão grega do homem, a presença
ordenadora do logos na vida humana, que a orienta para a claridade do pensar e do agir
razoáveis. O dionisiaco traduz o lado obscuro do terreno onde reinam as forças
desencadeadas do desejo e da paixão.
          Reconciliar estes dois actos será tarefa da Filosofia a qual Platão fala no
Banquete. O tema da alma desde a alma concebida como sopro que vive uma vida no
Hades em Homero, até a representação religioso-metafisica da alma no Orfismo como
entidade separada do corpo e nele reencarnando-se em sucessivas existências.




           1.2.      A Concepção antropológica pré-socrática


 “O Homem é a medida de todas as coisas, das coisas que são enquanto são e das coisas que não são enquanto não são”(Protágoras).


          Foi Diógenes de Apolónia que representou o pensamento antropológico
claramente definido nesta época. Algumas literaturas consideram-lhe ter sido discípulo
dos filósofos jónicos, tendo sofrido influência de Antistenes e Anaxágoras.
          Ele exalta a superioridade do homem sobre os outros animais na marcha, no olhar
e na estação vertical. O homem olha voltado para o alto porque está apto para contemplar
os astros. Nesta contemplação, revela-se a correspondência entre o olhar humano e a
ordem cósmica fundamento desse sentimento religioso diante do Kosmos.
          Ele fala em seguida da habilidade das mãos, da linguagem que é manifestação do
pensamento (logos). Assim, aparece pela primeira vez em Diógenes de Apolónia a ideia
do homem enquanto estrutura corporal e espiritual, cuja natureza se manifesta por meio
das suas obras.
          O pensamento de Diógenes estabelece uma linha de transição com a Filosofia pré-
socrática do Século VI aC, dominada pelo problema da physis e da busca do princípio
explicativo do seu movimento e do seu vir-a-ser.
A individualidade do homem aparece abrigada na majestade da physis e na ordem
do mundo. A tendência de pensar o homem segundo a ordem da natureza encontra uma
expressão consagrada na identidade entre a ordem do mundo e a ordem da cidade.
       Ao longo do séc, V aC, o problema Antropológico sobrepõem-se pouco a pouco
ao problema cosmológico como centro teórico de interesse da filosofia grega. Esta
“descida da Filosofia do céu para a terra” (Cícero) está ligada as transformações da
sociedade grega aceleradas pelas guerras pérsicas e pela consolidação do regime
democrático em Atenas e outras cidades.
       Dois foram os problemas que surgiram nesta época:
           1- O problema da paideia (educação) que se coloca em torno de uma nova
              forma de virtude política exigida pela vida democrática.
           2- O problema da habilidade que não encontra mais sua fonte na tradição e
              vê acentuar o seu carácter técnico e intelectualista.
       O pensamento antropológico do século, V vai atingir a sua plenitude na segunda
metade do século V quando os sofistas fizerem do problema da cultura o problema maior
da Filosofia. Foram os sofistas que consumaram o auge da antropologia grega. A própria
designação de “sophistes” engloba o saber teórico e as habilidades práticas, revela que o
homem e suas capacidades passam a ser objecto principal da Filosofia.
   Algumas ideias que constituirão a concepção ocidental do homem foram formuladas
pela primeira vez claramente no contexto da ilustração sofística ateniense. Das quais
destacamos:
   a) O conceito de natureza humana com os seus predicados próprios e com as
       exigências que lhe são essências;
   b) A oposição entre a convenção e a natureza na organização da cidade e nas normas
       do agir individual, dando origem as primeiras teorias do convencionalismo
       humano;
   c) O individualismo relativista;
   d) A concepção de um desenvolvimento progressivo da cultura;
   e) A análise do homem como um ser de necessidade e carência, ao qual compete
       suprir com a cultura o que lhe é negado pela natureza;
   f) A ideia do homem como ser dotado do logos, da palavra e do discurso.
Aqui reside o conceito do homem como animal racional, base da antropologia e do
humanismo clássicos.


                   1.2.1. A transição socrática


“Conhecer-se a si próprio vale mais do que sabê-lo pelos outros” (provérbio Uolof – Senegal)


         O pensamento antropológico que orienta até o homem dos nossos tempos remonta
a Sócrates, ele nada escreveu como é sabido, mas o tema constante da sua meditação que
as fontes contemporâneas nos transmitem gira em torno do que é propriamente humano
ou das coisas humanas. Na perspectiva socrática o humano só tem sentido e explicação se
referido a um princípio interior que está presente em cada homem e que ele chamou por
alma.
         Para ele, a alma é a sede de uma virtude que permite medir o homem segundo a
dimensão interior na qual reside a verdadeira grandeza humana. É na alma onde tem
lugar a opção profunda que orienta a vida segundo o justo e o injusto. Todo o homem que
procura intelectualmente a verdade e a encontra não deixa de sentir o desejo de viver e
actuar em conformidade com ela. O homem que sabe o que é a virtude não pode deixar
de a praticar; o homem que sabe o que é a justiça não pode deixar de ser justo; é ela que
constitui a verdadeira essência do homem.
         Ele introduz no campo antropológico o conceito de personalidade moral,
fundando assim a Filosofia Moral é de alguma maneira o fundador da Antropologia
Filosófica na Antiguidade.
         A sua antropologia filosófica resume-se nos seguintes traços:
    1.   A teleológica do bem e do melhor como via de acesso para a compreensão do
         mundo e do homem.
    2. A valorização ética do indivíduo que encontrou sua expressão mais conhecida na
         interpretação socrática do preceito délfico “conhece-te a ti mesmo”.
    3. A primazia da faculdade intelectual no homem donde procede o chamado
         intelectualismo socrático inspirando a doutrina da virtude (ciência); ao exaltar o
homem como o portador do logos e ao fazer da relação dialógica a relação
        humana.


                  1.2.2. Antropologia platónica


        A antropologia platónica apresenta-se como a síntese do pensamento
antropológica anterior a ele: nele há uma fusão da tradição pré-socrática na relação
homem-Kosmos; a tradição sofística do homem como ser de cultura destinado a vida
política e a herança dominante de Sócrates do homem interior e da alma.
     Para Platão o homem é essencialmente alma, esta é imortal espiritual e incorruptível;
a imortalidade da alma em Platão não constitui um problema, o único e verdadeiro
problema é libertar a alma da prisão do corpo (cf. Fedon, Fedro e República). A
tricotomia da alma na República que ordena as três partes é regida por virtudes:
     1- Racional (sabedoria)
     2- Irascível (força, coragem)
     3- Concupiscente (moderação).
     Segundo Platão a alma foi criada pelo demiurgo, após a existência pré-humana,
     sofreu uma primeira união com o corpo que para ele é um cativeiro. Depois de se
     libertar desse vínculo, pela morte um tribunal decidirá acerca do seu futuro destino.
     Assim seguem-se múltiplos nascimentos (metempsicose) escolhendo cada qual a
     forma de vida que desejar. A alma do filósofo é a que mais rapidamente se liberta da
     roda dos nascimentos e regressa a estrela de onde provem.




Alma ____Contemplação          Ideias
                  1                    A
                                   I
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Alma          M
          E
 +       R
Corpo         Percepção           Cópias
                      3


             1- A alma num estado inicial de perfeição conhece as formas perfeitas do
                  mundo inteligível.
             2- A alma condenada ao cárcere corpóreo passa a viver no mundo sensível.
             3- Pela percepção sensível o homem apenas apreende as cópias imperfeitas
                  da verdadeira realidade.
             4- Ao percepcionar, a alma recorda as formas ideais e sente a nostalgia do
                  mundo inteligível.


                      1.2.3. Antropologia Aristotélica


        O homem e como todos os seres vivos é composto de alma e corpo. A alma é a
forma e o corpo a matéria. A alma encarnada no corpo para Aristóteles não parece estar
em condições de escapar da corrupção. A alma é uma unidade substancial com o corpo.
O anímico apresenta-se a três níveis: vegetativa (plantas), cuja função é regular a vida
orgânica; sensitiva dos animais e racional do homem.
        Aristóteles é considerado, com razão, um dos fundadores da antropologia como
ciência e o primeiro que tentou sistematicamente uma síntese cientfico-filosofica sobre o
homem em sua concepção. Ele caminha da tendência dualista a um monismo hilemórfico
(alma como forma do corpo).
        O centro da concepção aristotélica do homem é a physis mas animada pelo
dinamismo teleológico da forma que lhe é imanente. Ele transpõe assim para o horizonte,
para a physis o fim do ser e do agir do homem. O homem tem bem assinalado o seu lugar
na estrutura hierárquica da physis mas tem a capacidade de pensar além das fronteiras de
seu lugar no mundo e elevar-se pela theoria a contemplação das realidades transcendentes
e eternas.


   Características essenciais que definem o homem em Aristóteles


   1- A estrutura biopsíquica do homem – a psyche enquanto princípio vital que é a
       perfeição de todo o ser vivo e ao qual compete a capacidade de mover-se a si
       mesmo. Como todo ser vivo o homem é composto de psyche e soma. A psyche é
       a perfeição ou o acto do corpo organizado, e essa é a sua definição.
   2- O homem como zoológico – o homem distingue-se de todos os outros seres da
       natureza em virtude do predicado da racionalidade; “ele é um animal racional”. A
       racionalidade é a diferença específica do homem, enquanto ser dotado de logos o
       homem transcende de alguma maneira a natureza e não pode ser considerado
       simplesmente um ser “natural”.
   3- O homem como ser ético-político – Aristóteles é considerado senão o criador mas
       o sistematizador da Ética e da Política como dimensões fundamentais do ser do
       homem sobre si mesmo. Segundo Aristóteles o homem é essencialmente
       destinado a vida em comum na polis e somente aí se realiza como ser racional.
       Ele é um ZOON POLITIKON . As virtudes que a Ética estuda, seja as recebidas
       dos costumes da cidade, seja os adquiridos pelo ensinamento só na vida política
       encontram o campo do seu pleno exercício.


II- A concepção do homem na idade média.




2.1- O homem segundo Santo Agostinho


       A antropologia medieval vai buscar seus temas e sua inspiração em três fontes; a
Sagrada Escritura, os Padres da Igreja e os filósofos e escritores gregos e latinos. A
concepção do homem evolui em estreita relação com o próprio desenvolvimento da
situação.
       No campo filosófico-teológico, a influência de Santo Agostinho é predominante
até ao séc, XII.
       S. Agostinho discípulo de Platão, e como tal reduz o homem a alma e daí que haja
uma autonomia completa do conhecimento intelectivo com respeito a qualquer
contribuição do corpo.
       S. Agostinho vê o homem como um ser dependente da graça de Deus. O homem
está pré-determinado quanto a salvação ou a condenação. Contudo, o homem é
responsável pela sua própria vida, ele deve viver de modo a poder saber que pertence ao
número dos eleitos; não nega que o homem tenha livre arbítrio. Só que Deus já previu
como é que iremos viver. Assim para Deus não é segredo quem deve ser salvo e quem
deve ser condenado, logo nós somos dependentes da graça de Deus.
       Para explicar a imortalidade da alma, S. Agostinho salienta que o homem é um ser
espiritual, possui um corpo material que pertence ao mundo físico e é corrompido pelos
agentes naturais mas também tem uma alma que pode conhecer Deus.


2.2- Antropologia Tomista


       Para aquinate o homem é composto essencialmente de alma e corpo. A alma não
subjaz ao corpo mas ao contrário. A alma possui o ser directamente, ou seja, tem o seu
próprio acto de ser e dele faz participar o corpo. Há portanto, uma unidade profunda,
substancial entre a alma e o corpo; justamente porque é o único acto de ser. Mas ao
mesmo tempo, tendo a alma uma relação prioritária do acto de ser a morte do corpo não
pode implicar a morte da alma, portanto, a alma é de direito imortal.
       A síntese mais bem sucedida da Antropologia medieval encontramo-la no
pensamento de Tomás de Aquino. Nela convergem as grandes teses da Antropologia
Clássica e da Bíblico-Cristã, encontrando seu ponto de equilíbrio. S. Tomás procura
reconstituir na sua autenticidade original o aristotelismo fazendo com que Aristóteles
chegue ao ocidente Latino.
A Antropologia tomista pode ser situada assim, num espaço conceptual
delimitado por três coordenadas:
    1- A concepção clássica do homem como animal racional. Aqui Tomás defronta-se
        com a questão da unidade do homem ou da relação alma +corpo, que se apresenta
        como um dos temas mais polémicos da Filosofia Medieval. A tese da pluralidade
        das formas substanciais hierarquizadas no mesmo composto atraía muita simpatia
        e parecia a mais apta a preservar a natureza espiritual da alma intelectiva. S.
        Tomás rejeita o dualismo mantendo a unidade hilemórfica do homem; contudo a
        alma tem a criação divina e transcende a matéria. A alma intelectiva é o acto que
        integra o corpo na sua perfeição essencial do ser-homem, e de sua unicidade
        derivam a unidade do agir e do fazer humanos.
O rationale em S. Tomás designa a razão discursiva, forma do conhecimento intelectual
inferior a inteligência que é própria dos espíritos puros, mas da qual também o homem
participa.
    2- A concepção neoplatônica do homem na hierarquia dos seres como fronteiriço
        entre o espiritual e o corporal. O lugar do homem na hierarquia dos seres aparece
        à S. Tomás, essencialmente determinado por sua natureza racional. É em função
        desse problema que a definição do homem como animal racional adquire um
        significado prático fundamental. Com efeito, é a partir da racionalidade que o
        homem encontrando seu lugar na natureza pode empreender a busca do seu fim.
No que diz respeito a sua situação no universo, o predicado da racionalidade confere ao
homem a característica singular de se encontrar na fronteira do espiritual e do corporal,
do tempo e da eternidade. O homem medeia entre Deus e o Kosmos.
    3- A concepção bíblica do homem como criatura, imagem e semelhança de Deus
        (imago Dei). Tomás supõe uma Filosofia do homem na sua relação com Deus que
        tem como tema central a ideia de perfeição absoluta de Deus, da qual decorre a
        capacidade de conhecer a verdade e de agir moralmente segundo o bem.


III- O pensamento antropológico na Filosofia Moderna.
        A concepção moderna do homem, constitui uma visão antropocêntrica, na qual o
homem é o ponto de partida donde se origina e em torno ao qual fica polarizada a
investigação filosófica. A investigação crítica, que em Descartes, é o necessário ponto de
partida de todo acto de filosofar tem por objecto o homem.
       Aqui a imagem do homem é desfeita pela descoberta da imensa diversidade, das
culturas e dos tipos humanos e pelo próprio avanço das Ciências do homem que
submetem seu objecto a uma análise minuciosa e, aparentemente, desagregadora de sua
unidade.


3.1- A Concepção do homem no humanismo


       Os humanistas renascentistas tinham uma confiança totalmente nova no homem e
no seu valor, o que estava em nítido contraste com a Idade Média, na qual se realçava
apenas a natureza pecaminosa do homem. O homem foi então visto como ser
infinitamente grande e precioso. Aqui há a destacar Marsílio Ficino, que exclamou
”Conhece-te a ti mesmo, ó estirpe divina em vestes humanas”.
       O humanismo renascentista estava, mais marcado pelo individualismo do que
pelo humanismo clássico. Não somos apenas homens, somos também “indivíduos”
únicos. Esta ideia deu origem a uma veneração do génio. O ideal tornou-se, aquilo que
chamamos, o homem renascentista, ou seja, o homem que se ocupa com todos os
domínios da vida, da arte e da ciência.
       A época que a historiografia denomina de Renascença, vai do séc., XIV ao séc,
XVI, quando atinge o seu auge e declina para dar lugar a idade Barroca. Na ordem das
ideias, a civilização da Renascença veio a ser conhecida como Idade do Humanismo. Este
termo indica uma nova sensibilidade perante o homem e a redescoberta e exaltação da
literatura clássica, sobretudo, a latina considerada a mais alta expressão dos valores
preconizados pelo humanismo e o mais apto instrumento para elevar o homem a altura da
sua verdadeira humanidade: homo humanus.
       A literatura em torno da Antropologia Renascentista é muito vasta. Iremos apenas
destacar um pensador quase paradigmático, o cardeal Nicolau de Cusa (1401-14640 e
duas ideias matrizes que estão nos fundamentos da concepção renascentista do homem: a
da dignidade do homem e do homo universalis.
O tema da dignidade do homem reaparece na Renascença como reiteração
consciente de um tema que provem de Sofocles e da Sofística grega e se tornara um
lugar-comum na literatura antiga.
       A exaltação da dignidade e poder do homem não é apenas um motivo literário,
mas responde de facto as exigências profundas da nova sensibilidade diante do homem e
das suas obras, que seria o traço mais característico do humanismo.
       No primeiro caso, é a actividade da contemplação que atesta a grandeza do
homem e a sua eminente dignidade; no segundo, o agir, a capacidade de transformação
do seu mundo que passa a ser o indício incontestável da superioridade do homem.
       É na Renascença onde aparece uma consciência de humanidade ou das
características essências do homem em sua universalidade abstracta e não mais limitado
pelas particularidades segundo as quais o homem antigo ou medieval se considerava.
Com efeito, é a imagem do “homo universalis” que emerge das profundas transformações
do mundo ocidental no tempo da renascença.
       Nesta época tem lugar uma rápida dilatação dos horizontes seja de espaço
geográfico (época das descobertas), seja de seu espaço humano (encontro com novas
culturas e civilizações).
       A antropologia da Renascença aparece, assim, como uma antropologia da ruptura
e da transição: da ruptura com a imagem cristã-medieval do homem e transição para a
imagem racionalista que dominará os séculos XVII e XVIII.


3.2 A concepção racionalista do homem.


                                “Cogito Ergo Sum” (Renè Descartes)


       No princípio dos séculos, XVII, fazem-se sentir os sinais do fim do Renascimento
e o prenúncio de um novo modo de pensar e sentir. Este novo modo de pensar e sentir
permanece herdeiro e devedor do humanismo renascentista e dele receberá a influência
directa por meio dos grandes moralistas franceses do século XVI, sobretudo de Michel de
Montaigne que transmite ao racionalismo emergente os temas da observação de si mesmo
e do conhece-te a ti mesmo. A Antropologia racionalista prolongará a tradição do Zoon
Logikon dando-lhe um novo conteúdo: o esquema mecanicista.
3.2.1- Rene Descartes (1596-1650)


             É com ele que a Antropologia Racionalista encontra sua expressão
paradigmática, de modo a se poder falar do homem racionalista, como do homem
cartesiano.
        Em Descartes o homem é pensado como duas realidades: res extensa e res
cogitans. A inversão cartesiana começa com o privilégio atribuído ao método como ponto
de partida e, portanto, com a construção do objecto do saber segundo as regras do
método. Nele o problema antropológico é o problema da relação entre o corpo e a alma;
desse modo ficam delineados os traços fundamentais da concepção racionalista do
homem:
              a) A subjectividade do espírito como res cogitans e consciência-de-si;
              b) A exterioridade do corpo com relação ao espírito.
        Esse dualismo característico da ideia racionalista do homem apresenta-se
essencialmente diverso do dualismo clássico de feição platónico. Aqui, o espírito como
res cogitans, separa-se do corpo como res extensa, não para elevar-se a contemplação do
mundo das ideias mas para melhor conhecer e dominar o mundo. A sua antropologia
divide-se numa metafísica do espírito e uma física do corpo, que obedece aos
movimentos e as leis que impelem a máquina do mundo. O corpo humano, é integrado no
conjunto dos artefactos e das máquinas, e só a presença do “espírito” que se manifesta na
linguagem, separa o homem do “animal racional”.


3.2.2- Outras concepções desta época


        A revolução cartesiana, a Filosofia e a revolução Galileiana na Ciência, deram
origem a uma nova ideia de razão que transforma profundamente a auto-compreensão do
homem e abre o espaço epistemológico no qual virão a constituir-se as chamadas
Ciências do homem. O homem da idade cartesiana será assinalado por dois traços
peculiares: o moralismo e o humanismo devoto que reflectirá uma nova sensibilidade
religiosa.
Uma das obras mais genialmente representativas da transformação da ideia do
homem ocidental no limiar da idade moderna é a de Blaise Pascal (1623-1662). A
evolução do pensamento pascaliano é atravessada pela tensão entre o estudo da
matemática e da ciência física ao qual se consagra com entusiasmo na juventude, e o
“estudo do homem” do qual passa a ocupar-se após a sua conversão.
       O cogito pascaliano é também marca da grandeza do homem. Mas o seu cogito
não se volta para a dominação do mundo, mas sim empenha-se na descoberta das regras
do bem pensar, ele descobre imediatamente sua dimensão moral.


3.2.3- As Ciências Humanas no Século XVII


       A revolução científica do Século. XVII influenciou em larga medida as
concepções filosóficas sobre o homem. Tendo como instrumentos epistemológicos
privilegiados a observação e a medida; o novo espírito científico se caracteriza antes de
tudo por nova ideia de método. Com efeito, o ideal do método, ou a definição rigorosa
das regras de bem pensar constituem um dos temas dominantes da cultura intelectual da
época. As duas grandes vertentes do racionalismo: o puro e o empirista, inspiram as duas
grandes concepções do método: a dedutiva e a indutiva.
       As transformações do espírito científico inicialmente registam-se nas Ciências da
Vida: Biologia (animal-máquina Traite de L`Homme de Descartes 1632) base da teoria
da circulação do sangue de W. Harvey.
       O desenvolvimento dos instrumentos ópticos amplia o campo de observação dos
fenómenos da vida e reestrutura de facto o domínio da percepção visual, nascendo assim
a Anatomia microscópica (M. Malpighi 1628-1694) dando-se passo para o que
futuramente se denominara a Teoria Celular ( K. Hooke 1635-1703) e regista-se a
descoberta dos Glóbulos Vermelhos e das Bactérias (A. Van Leuvenhoek 1632-17230).
A Zoologia que após Aristóteles mais nenhum progresso fizera, começa a sofrer uma
reformulação que conduzirá ao advento da Sistemática Moderna 5 com Lineu e Buffon no
século, XVIII.
       Outro campo importante que se abre a investigação empírica do homem é o da
Ciências da linguagem, tendo como objectivo o texto e a sua hermenêutica crítica. Outro
projecto é o chamado “língua universal” já tentado por Raimundo Lulio (1235-1316) em
sua Ars Magna.
       No campo das Ciências do Direito e do Estado, temos a destacar a concepção
moderna de Direito Natural e, com Thomas Hobbes, a aplicação ao Estado do modelo
mecanicista, ao mesmo tempo em que a chamada ideologia do individualismo, da qual
Locke será um dos primeiros teóricos.


3.3- O homem na época da Ilustração


       A ilustração compreende o movimento de ideias que dominou no século, XVIII
europeu vai desde 1680-1780), segundo Pierre Chaunu, com a sua repercussão nos
campos político, religioso, filosófico, cientifico, literário e artístico marcando assim uma
civilização que se designa por civilização da ilustração. Apesar de haver base das
civilizações das épocas anteriores, a concepção da ilustração afasta-se das mesmas bases.
Algumas ideias defendidas pelo espírito da ilustração.


    a) Humanidade – aqui o termo ganha um sentido secularizado, com um sentido
       axiológico, contrapondo-se ao sentido de humanidade que foi objecto do
       universalismo salvífico. Dá-se primazia não a relação do homem com Deus mas
       do homem com os outros homens, e a assunção dos indivíduos na majestosa
       hipóstase da Humanidade que será divinizada por A. Comte.



5
  A sistemática é a ciência dedicada a inventariar e descrever a biodiversidade e
compreender as relações filogenéticas entre os organismos. Inclui a taxonomia (ciência
da descoberta, descrição e classificação das espécies e grupo de espécies, com suas
normas e princípios) e também a filogenia (relações evolutivas entre os organismos). Em
geral, diz-se que compreende a classificação dos diversos organismos vivos. Em biologia,
os sistematas são os cientistas que classificam as espécies em outras taxonomias a fim de
definir o modo como eles se relacionam evolutivamente.
b) Civilização – este foi o termo chave do século, XVIII que provavelmente aparece
   no ano de 1756. A Civilização é um facto e um valor designa um estágio
   avançado da história de um grupo humano em relação aos estágios anteriores nos
   principais campos do pensamento e da actividade prática e técnica e, ao mesmo
   tempo um ideal de progresso e uma actividade de optimismo diante da história
   futura. Ela é a verificação da hipótese da passagem do “estado de natureza” ao
   “estado de cultura”. Em Rousseau este conceito, não uma coisa boa como toda
   gente sempre pensou que fosse; e nem é algo de valor neutro, mas uma coisa
   definitivamente.
   A criança que nasce numa denominada sociedade civilizada é ensinada a refrear e
   a frustrar os seus sentimentos, a impor as categorias artificiais do pensamento
   conceptual sobre os seus sentimentos e a fingir que não pensa nem sente todas as
   coisas que realmente pensa e sente, enquanto finge que pensa e sente as coisas
   que não pensa e nem sente. O resultado disso é a alienação do seu verdadeiro eu.
   A civilização é corruptora e destruidora dos verdadeiros valores. Entrando na
   civilização nenhum homem volta a opção de regressar ao seu estado primitivo.
   Assim, o que devemos fazer é como antes civilizar a civilização, temos que mudá-
   la de forma a possibilitar aos nossos instintos naturais e aos nossos sentimentos
   uma expressão mais completa e mais livre.
c) Tolerância – surgido no século. XV no contexto do diálogo das grandes religiões
   proposto pelo cardeal Nicolau de Cusa veio a fortalecer-se no século, XVI com a
   divisão religiosa e as guerras de religião. Os defensores deste conceito lutavam
   pelos direitos naturais dos cidadãos. Há uma necessidade de se assegurar ao
   indivíduo os seus direitos, de se exprimir livremente.
   O princípio da “inviolabilidade do indivíduo” culminou com Declaração dos
   Direitos do Homem e do Cidadão adoptado em 1789 pela Assembleia Nacional
   Francesa. Segundo o pensamento dos iluministas “os homens têm direitos pelo
   facto de serem homens”. Em 1787 Condorcent, filósofo iluminista, publicou um
   “Tratado Sobre os Direitos da Mulher”. Durante a Revolução Francesa as
   mulheres participaram activamente na luta contra a aristocracia ao lado dos
   homens ex, Olympye de Gouges.
d) Revolução – de origem astronómica (De Revolutionibus Orbium Coelestium)
          obra de Copérnico, posteriormente, evolui para designar uma mudança e
          transformação profundas na sociedade que anunciam o advento de um mundo
          melhor. Há a destacar a Revolução Americana (1776) cujo objectivo não era
          apenas mudar a forma de regime político mas a instauração de uma ordem do
          mundo; a Revolução Francesa (1789) proclamando os conceitos de igualdade,
          fraternidade e liberdade.
   Neste quarteto, o homem passa a ocupar o centro do qual irradiam as linhas da
inteligibilidade, foi neste período que surge a Antropologia propriamente dita, como
Ciência do homem que engloba os vastos campos da investigação e sistematização que se
desenvolvem no século, XVIII.


3.3.1- O Homem segundo Kant


Duas linhas de desenvolvimento da concepção Kantiana do homem


   a) Uma linha antropológica cuja origem deve ser buscada no Curso de Metafísica.
          Ele propõe o estudo empírico do homem.
   b) Uma linha crítica que segue o desenvolvimento da reflexão crítica a partir da
          Dissertação de 1770.
   A relação entre estas duas linhas postula a subordinação da Antropologia, cuja base é
empírica (a posteriori) a Metafísica dos Costumes que procede a priori e permite definir a
essência verdadeira do homem. Assim, a Antropologia kantiana postula-se sobre dois
planos:
a) O plano de uma Ciência da observação que utiliza o procedimento analítico para
unificar os dados da observação por meio de uma teoria das faculdades, cujo núcleo
conceptual é a representação do EU exprimindo-se em “consciência de si”.
b) O plano de uma Ciência a priori que se situa no campo da Ética ou da Metafísica dos
Costumes, a possibilidade de determinação da essência do homem.
“Antropologia do ponto de vista pragmático” (1798) representa o termo de uma evolução
ao longo da qual se define pouco a pouco a ideia kantiana de antropologia: Ciência cuja
finalidade é preparar o homem para o conhecimento do mundo (o mundo do homem).
Aqui o conhecimento do homem funda-se no senso comum e tem em vista as relações
que se estabelecem entre os homens. Logo a antropologia situa-se no âmbito da
“Filosofia Popular”, sua característica será pragmática diferente da especulativa. Aqui o
conceito de pragmático inicialmente designa um conhecimento capaz de tornar o homem
prudente nas questões da vida em sociedade, pragmático é o conhecimento do que o
homem “faz, pode ou deve fazer de si mesmo”, opondo-se ao conhecimento fisiológico
que tem por objectivo o que a natureza faz do homem.
O que diz respeito a concepção do homem, o pensamento crítico de Kant permanece na
linha da tradição dualista própria da Antropologia racionalista ( R. Descartes). O homem
divide-se em duas partes: corpo e razão.
Enquanto seres sensíveis pertencemos a ordem da natureza e estamos completamente
sujeitos as leis imutáveis da causalidade. Não decidimos o que sentimos, as sensações
surgem necessariamente e influenciam-nos quer queiramos quer não, aí não há livre-
arbítrio. Mas, o homem não é apenas um ser sensível, é também um ser racional e
enquanto ser racional participa no mundo “em si”.
Só quando seguimos a nossa “razão prática” que nos possibilita fazer uma escolha moral,
temos livre arbítrio. Se obedecemos a lei moral, somos nós que fazemos a lei moral pela
qual nos orientaríamos e então somos livres e autónomos porque não seguimos apenas os
nossos instintos. Para Kant a lei moral é tão absoluta e universalmente válida como a lei
da causalidade, ela não pode ser comprovada pela razão mas é incontornável.
As linhas de orientação do pensamento antropológico kantiano são:
a) Linha da estrutura sensitivo-racional: que acompanha o homem enquanto ser
cognoscente que lhe torna capaz de formular o ideal de razão pura e as ideias
transcendentais: mundo, alma e Deus
b) Linha da estrutura físico-pragmático: que acompanha o homem como ser mundano,
físico, designando o que a natureza opera no homem e pragmático o que o homem faz de
si mesmo e da estrutura prática que acompanha o homem como ser livre e capaz de
responder, fundando-se no “facto da razão” ou seja, na “lei moral dentro de mim” a
interrogação em torno do agir moral.
c) Linha da estrutura histórica ou do destino do homem que o acompanha em duas
direcções: religiosa que aponta o fim último do homem; e a pedagógico-política – a
educação do homem, o regime político e a liberdade civil.


IV- A concepção do homem na Filosofia Contemporânea.


       A filosofia contemporânea abrange o período que se estende do fim do século.
XVII ou dos tempos pós-kantianos até aos nossos dias.
Muitos foram os acontecimentos sobre os quais ela exerceu uma influência decisiva, dos
quais destacaremos alguns:
   a) A revolução francesa (1789), com a extensão da liberdade a todos os homens,
       cria-se um forte sentimento de justiça e igualdade entre várias classes sociais;
   b) As guerras nacionais pela conquista da independência: Europa, América Latina,
       África e Ásia;
   c) O domínio colonial europeu nos outros continentes e a rápida cessação deste
       domínio depois da II guerra mundial;
   d) Os dois conflitos mundiais (1914-1918 e 1939-1945) com o seu horroroso quesito
       de vítimas e destruições provocaram na humanidade um agudo sentimento de
       angústia a respeito do próprio destino;
   e) Na esfera social assiste-se ao fim do individualismo e a afirmação da socialização,
       cada vez mais extensa. Pôs-se fim ao isolamento, um acontecimento que se regista
       num país pode ter reflexos profundos em toda a humanidade;
   f) No campo cultural assiste-se uma crise cada vez mais vasta e profunda.


4.1- Novo tipo de humanidade


       A humanidade contemporânea caracteriza-se por um conjunto de qualidade, dos
quais examinaremos alguns.
1- Instabilidade e mutabilidade – o ritmo vertiginoso, no qual a ciência e a técnica
mudaram a face da terra nos últimos dois séculos prenderam em sua engrenagem o seu
artífice e o arrasta para modos sempre novos de ver e agir.
2- Antidogmatismo – do iluminismo em diante a humanidade se tornou sempre mais
contrária a aceitar afirmações e verdades que não venham dela ou que pelo menos não
possam ser compreendidas e verificadas experimentalmente e demonstra uma aversão
profunda por tudo o que lhe foi transmitido e por toda a forma de tradição.
3- Secularização - o homem contemporâneo acredita que pode resolver os seus problemas
sozinho, prescindindo de Deus. Com isso a religião se tornou supérflua e se vê afastada
da vida prática bem como também da teoria da humanidade actual. O ateísmo é sem
dúvida um dos seus traços dominantes e característicos.
4- Activismo - o homem hodierno, é orientado pela acção. Fazer, produzir, agitar-se é o
que fascina este homem e o absolve completamente. Ele não tem tempo para pensar,
meditar e contemplar.
5- Utopia - levado pelo progresso técnico e cientifico e por uma prosperidade cada vez
maior, o homem contemporâneo chegou a uma visão confiante e optimista do futuro e
sonhou com plena e perfeita felicidade para todos.
6- Sociabilidade – hoje, tudo influencia a todos. Nada que venha a acontecer noutras
paragens e que não tenha os seus efeitos a nível do mundo.
7- Historicidade – o homem contemporâneo tem um grande sentido da historicidade do
seu ser, isto é, o facto de que o seu ser, a sua cultura, os seus projectos, ideias não são um
produto da natureza nem de Deus, mas o resultado da sua acção através dos séculos.
4.2- Diversidades de concepções antropológicas


4.2.1- Antropologia existencialista


        O existencialismo é uma corrente de pensamento que concebe a especulação
filosófica como uma análise minuciosa da experiência quotidiana em todos os seus
aspectos: teórico, prático, individual, social, instintivo etc.
        Kierkeggard pensa que o homem tem como seu modo de ser a existência, estando
por isso em contínuo devir; ele não é perfeito, totalmente acabado, mas está em fase de
feitura, de aperfeiçoamento e ele é mesmo o responsável por esta operação.
    No devir do homem ele distingue três estádios:
a) Estádio estéticos onde o indivíduo não tem compromisso nem finalidade, é o
       artista despreocupado no qual a fantasia predomina sobre a razão e a vontade.
   b) Estádio ético o individuo vive com compromisso, com seriedade e honestidade,
       que superou a instabilidade da juventude e se formou uma família: caracterizado
       pelo matrimónio.
   c) Estádio religioso é o da fé com riscos e incertezas.


Fenomenologia do homem: Martin Heidegger


       O homem é entendido como um ser-no-mundo; mundo entendido como círculo de
interesses, de preocupações, de desejos, de factos, de conhecimentos nos quais o homem
se acha sempre imerso. O homem é um ser em situação (dasein).


4.2.2- Antropologia materialista: Feuerbach, Marx e Engels.


       Esta antropologia dá primazia a matéria, esta primazia implica que os factores
naturais têm maior privilégio na explicação sobre o homem.
       Feuerbach propõe uma antropologia materialista onde o homem é um ser sensível,
o único deus para si mesmo e os atributos de Deus que comparecem no discurso
teológico cristão deverão constituir a estrutura e a sequência do discurso antropológico. O
homem é um ser carente e relaciona-se com o mundo.
       Já Marx pensa que o homem é um produtor de si mesmo.


4.2.3- Antropologia idealista: Hegel


       A concepção hegeliana do homem pode ser comparada ao zoon logikon
aristotélico e a imago Dei de S. Tomás.
       A significação do homem em Hegel pode ser expressa inicialmente por sua
relação com os diversos níveis da realidade.
a) Homem-mundo: o mundo natural opõe-se ao mundo do homem.
b) Homem-cultura: o indivíduo só é humano na medida em que participa do movimento
da manifestação do Espírito Absoluto.
c) Homem-história- o homem é um ser no tempo.
d) Homem-Absoluto- a sua existência dirige-se sempre para um ser transcendental.


4.2.4- Antropologia personalista: Jacques Maritain e Emmanuel Mounier.


       A característica dos personalistas de inspiração crista é a afirmação do Deus
pessoal transcendente como paradigma e fim último da pessoa. Estas antropologias
advogam a existência de um ente pessoal (Deus) como paradigma e fim último.




                          REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFIA



   1. ARLT, Gerhard. Antropologia Filosófica. Vozes, RJ, 2008.

   2. DE LIMA VAZ, Henrique C. A antropologia Filosófica 7ª ed. SP-Brasil, Outubro
      de 2004.

   3. GROETHUYESEN, Bernard. Antropologia Filosófica. 2ª ed. Presença, Lisboa,
      1998.

   4. HEINAMANN, Fritz. Filosofia do Século XX. Fundação Calouste Gulbenkian, 2ª
      ed. Lisboa s/d.

   5. IMBAMBA, José Manuel. Uma nova cultura para mulheres e homens novos: um
      projecto filosófico para Angola do 3º milénio à luz da filosofia de Battista
      Mondin.2ª ed.Luanda, 2010.

   6. MONDIN, Battista. O homem quem é ele? Elementos de Antropologia Filosófica,
      Paulus, 11ª ed. SP. Brasil 2003.

   7. RABUSKE, Edvino A. Antropologia Filosófica, 11ª ed, Vozes, RJ, 2008.
Elaborado: César F. da Silva.

Revisto: Prof. Dr. Feliciano Moreira Bastos (PhD) Regente de Filosofia.
i
    Este material foi elaborado usando com base a Bibliografia que consta no fim da matéria.

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  • 2. INTRODUÇÃO A disciplina de Antropologia Filosófica apresenta-se como uma oportunidade para pensarmos no Eu no Tu e no Nós, isto é, no Homem. Permite-nos questionar sobre o sentido e o fim da nossa vida, para percebermos a grandeza do nosso ser e termos em conta a nossa dignidade como pessoas. As nossas abordagens serão feitas desde o ponto de vista filosófico, teremos em conta a importância que é dada a Antropologia no campo filosófico e o que alguns filósofos disseram a respeito do homem. O termo Antropologia é uma palavra composta cujo elementos são antropos e logos ambos termos tem origem na língua grega: antropos=homem, género humano e logos= ciência, discurso. É um estudo sobre o Homem, não se trata de qualquer discurso, é um discurso profundo acerca da essência do homem, assim como Max Scheler a entendia “ciência da essência e da estrutura ética do homem da sua relação com a natureza e com o princípio de todas as coisas, da sua origem, das potências e formas que agem sobre ele e aquelas sobre as quais age, das direcções e das leis fundamentais do seu desenvolvimento biológico, psíquico, espiritual e social. Os problemas da relação entre o corpo e a alma e a relação entre o espírito e a vida…”1. A questão sobre o Homem coloca-se como a questão de todas as questões, estas questões estão presentes em todas as demais questões. O primeiro a utilizar o termo antropologia foi o humanista OTTO CASMANN 2, que em 1596 publicou um livro intitulado “Psychologia Anthropologica” no qual expunha a doutrina sobre a alma e o corpo. O estudo acerca do homem estava ainda confinado a dimensão anímica, isto até a época de Wolff, pois que, tratava-se de um estudo experimental e metafísico. Assim foi Wolff o primeiro a fazer uma destrinça entre dois tipos de pesquisas: Psychologia Empírica (Frankfurt 1732) e Psychologia rationalis (Frankfurt 1734). Esta distinção adquiriu um valor definitivo, porém, hoje usa-se o termo Antropologia e não Psicologia, para indicar o conteúdo da pesquisa filosófica que diz respeito a todo o homem. 1 Mondin, Battista. O Homem Quem É Ele: Elementos de Antropologia Filosófica, Paulus, 11a ed. Brasil 2003, pag. 7. 2 Alemão
  • 3. A afirmação do termo antropologia deve o seu mérito a I. Kant que intitulou uma das suas obras “Anthropologie in pragmatiscer Hinsicht (1778 1ª publicação, 1798), onde define a antropologia como a doutrina do conhecimento do homem ordenada sistematicamente. Há a distinguir três acepções de Antropologia: a) Antropologia Física que estuda o homem do ponto de vista físico-somático. b) Antropologia Cultural que estuda o homem do ponto de vista da sua origem histórica e das suas manifestações culturais. c) Antropologia Filosófica que estuda o homem do ponto de vista dos seus princípios últimos que o compõe. Contudo, apesar de o termo ser recente, aquilo que ele faz referência (o homem) foi objecto de estudo em todos os períodos da história. O homem foi estudado pela Filosofia Grega, assim como na Idade Média e pela Filosofia Moderna e Contemporânea, porém as suas abordagens não foram totalmente convergentes, os pontos de vista e os ângulos foram diferentes. 1- Na Filosofia Clássica o estudo do homem era essencialmente cosmocêntrico. 2- Na Filosofia Cristã a Antropologia foi teocêntrica, o estudo do homem era feito enquanto fosse orientado por Deus e as premissas que comandam este estudo põe o homem enquanto criatura de Deus no qual ele aspira eternidade. 3- Na Filosofia Moderna e Contemporânea a Antropologia é essencialmente antropocêntrica, centra o seu estudo no homem enquanto ser biológico, social e político. ESTADO DA QUESTÃO O problema filosófico acerca do homem encontra-se particularmente vivo na actualidade. Revela-o o interesse crescente que hoje desperta a nova disciplina de Antropologia Filosófica. Em que consiste a sua essência? Em 1º lugar, é necessário delimitá-la rigorosamente, face as outras espécies de Antropologias, mormente das que têm como ponto de partida as Ciências especiais:
  • 4. a) As antropologias que tratam dos aspectos parcelares do próprio homem (antropologia físico-somática, a psicologia e a antropologia médica); b) As antropologias que procuram contribuir para a sua interpretação partindo de domínio extra-humanos: antropologia etnológica, sociológica, política, religiosa e cultural. As fronteiras entre estes dois domínios não são nítidas. De todas estas orientações se distingue a Antropologia Filosófica por não tratar de investigação de aspectos parcelares mas de uma imagem total do ser humano. Trata-se de uma imagem global, uma visão de conjunto dos resultados das Ciências Particulares ou de uma concepção independente da essência do homem. A Antropologia Filosófica se encontra numa relação de dependência com respeito à ética, e a metafísica. O homem ultrapassa, em muitos aspectos do seu ser o empiricamente compreensível: problemas como o da imortalidade da alma, do bem e do mal, do sentido da existência humana em geral são sempre abandonados a soluções provisórias, aproximados, hipotético-especulativos. O HOMEM, QUEM É ELE? Este é o questionamento por excelência, a questão fulcral de todas as questões. Podemos formular tantas outras questões, mas todas elas têm como fulcro o homem. Falar superficialmente do homem, não deve existir, pois que, toda a vida depende da resposta que for dada acerca do homem, é uma questão que apesar de ser tão importante a sua resposta constitui um problema muito difícil, isto devido a complexidade do ser do homem. Esta dificuldade é demonstrada pela própria História da Filosofia. É uma questão incontornável, devemos enfrentá-la. A ORIGEM DO HOMEM: EVOLUCIONISMO OU CRIACIONISMO? As teorias evolucionistas enunciadas pela primeira vez no mundo científico por Charles Darwin (1809-1882), elas afirmam que o corpo humano proviria mediante um salto qualitativo e quantitativo de espécies animais inferiores. O homem viria assim dum
  • 5. degrau inferior da escala biológica, num trajecto marcado pelas leis da selecção natural e sexual, depois de longos períodos de luta pela sobrevivência e de adaptação às difíceis situações ambientais duma terra ainda jovem geologicamente. As teorias evolucionistas tiveram grande aceitação, mesmo na esfera cristã, o jesuíta Teilhard de Chardin (1881- 1955), assumiu-as e inseriu-as numa visão cristã: a dinâmica da vida, proveniente de um ponto ALFA, inicial, percorre várias escalas intermédias, entre as quais a da hominização, a caminho de um ponto ómega que marcará o encontro da humanidade, chegada do ponto supremo da sua evolução com Cristo. A teoria evolucionista suscita no entanto uma dúvida de fundo. “Se o corpo da pessoa humana provem de espécies animais inferiores, como se explica a alma” Quantos foram os primeiros humanos a aparecerem na terra? Alguém responderia que o homem é fruto do acaso. Há autores continuam a sustentar como plausível a perspectiva criacionista, e não apenas para seguir a descrição bíblica: só a hipótese duma corporeidade espiritualizada, criada directamente do alto, explicaria a superioridade do ser humano em relação à todos os seres vivos e responderia à todas as dúvidas e interrogações. PERTINÊNCIA E ACTUALIDADE DO PROBLEMA ANTROPOLÓGICO Hoje há unanimidade da capital importância que a Antropologia Filosófica ocupa na vida do homem, seja qual for o enquadramento: Existencialistas, Estruturalistas, Ateus, Cristãos, Marxistas, Tomistas, Evolucionistas, Espiritualistas, etc. É assim que o Inglês T. H. Huxley, a considera como a interrogação de todas as interrogações para a humanidade - o problema que subjaz a todos os outros e que mais do que qualquer outro suscita o nosso interesse – é a determinação do lugar que o homem ocupa na natureza e das suas relações com o universo, ele levanta as seguintes questões: Donde provem o homem, quais são os limites do nosso poder sobre a natureza e do poder da natureza sobre nós; qual é o fim para o qual caminhamos? Na mesma senda Max Scheler afirma: todos os problemas fundamentais da Filosofia podem reduzir-se a questão seguinte – que é o homem e que lugar e posição
  • 6. metafísica que ele ocupa dentro do ser, do mundo, de Deus 3. Nos nossos tempos Martin Heidegger existencialista, cujas análises cingiram-se no campo da Fenomenologia encara esta questão nos seguintes termos ”Nenhuma época teve noções tão variadas e numerosas sobre o homem como a actual. Nenhuma época conseguiu, como a nossa, apresentar o seu conhecimento acerca do homem de modo tão eficaz e fascinante, nem comunicá-lo de modo tão fácil e rápido. Mas também é verdade que nenhuma época soube menos que a nossa o que é o homem. Nunca o homem assumiu um aspecto tão problemático como actualmente”4. Os marxistas abordaram esta questão sem contudo salientarem um aspecto inovador do que foi dito até aqui. Para eles o homem dentro da natureza apresenta-se como o maior de todos os seres. I. O homem na história do pensamento grego. 1.1. A Concepção do homem na Cultura Grega Arcaica A imagem do homem que a cultura grega arcaica nos apresenta é rica e complexa. Os traços dessa imagem encerram-se nas seguintes características: a) Linha teológico-religiosa onde encontramos a divisão entre o mundo dos deuses e o mundo dos mortais. Os primeiros são imortais, bem-aventurados; ao passo que os segundos são seres de um dia e infelizes. Segundo a mitologia grega, este facto deveu-se a pretensão desmedida do homem igualar-se aos deuses. b) Linha cosmológica o homem é um ser que contempla o universo, ele admira-se pela ordem e beleza que fazem do universo visível um todo bem adornado. Desta admiração segundo Platão terá origem a Filosofia e com ela um estado de vida do homem grego: a vida teorética. Deve reinar uma correspondência entre a ordem do universo e a ordem da cidade regida por leis justas, que originou a ideia de Ciência do agir humano (Ética). 3 Mondin Battista, op. Cit. Página 7-8 4 Loc. Cit.
  • 7. c) Linha antropológica reside na relação do homem com os deuses e na oposição entre apolíneo e dionisíaco. O apolíneo reflecte o lado luminoso da visão grega do homem, a presença ordenadora do logos na vida humana, que a orienta para a claridade do pensar e do agir razoáveis. O dionisiaco traduz o lado obscuro do terreno onde reinam as forças desencadeadas do desejo e da paixão. Reconciliar estes dois actos será tarefa da Filosofia a qual Platão fala no Banquete. O tema da alma desde a alma concebida como sopro que vive uma vida no Hades em Homero, até a representação religioso-metafisica da alma no Orfismo como entidade separada do corpo e nele reencarnando-se em sucessivas existências. 1.2. A Concepção antropológica pré-socrática “O Homem é a medida de todas as coisas, das coisas que são enquanto são e das coisas que não são enquanto não são”(Protágoras). Foi Diógenes de Apolónia que representou o pensamento antropológico claramente definido nesta época. Algumas literaturas consideram-lhe ter sido discípulo dos filósofos jónicos, tendo sofrido influência de Antistenes e Anaxágoras. Ele exalta a superioridade do homem sobre os outros animais na marcha, no olhar e na estação vertical. O homem olha voltado para o alto porque está apto para contemplar os astros. Nesta contemplação, revela-se a correspondência entre o olhar humano e a ordem cósmica fundamento desse sentimento religioso diante do Kosmos. Ele fala em seguida da habilidade das mãos, da linguagem que é manifestação do pensamento (logos). Assim, aparece pela primeira vez em Diógenes de Apolónia a ideia do homem enquanto estrutura corporal e espiritual, cuja natureza se manifesta por meio das suas obras. O pensamento de Diógenes estabelece uma linha de transição com a Filosofia pré- socrática do Século VI aC, dominada pelo problema da physis e da busca do princípio explicativo do seu movimento e do seu vir-a-ser.
  • 8. A individualidade do homem aparece abrigada na majestade da physis e na ordem do mundo. A tendência de pensar o homem segundo a ordem da natureza encontra uma expressão consagrada na identidade entre a ordem do mundo e a ordem da cidade. Ao longo do séc, V aC, o problema Antropológico sobrepõem-se pouco a pouco ao problema cosmológico como centro teórico de interesse da filosofia grega. Esta “descida da Filosofia do céu para a terra” (Cícero) está ligada as transformações da sociedade grega aceleradas pelas guerras pérsicas e pela consolidação do regime democrático em Atenas e outras cidades. Dois foram os problemas que surgiram nesta época: 1- O problema da paideia (educação) que se coloca em torno de uma nova forma de virtude política exigida pela vida democrática. 2- O problema da habilidade que não encontra mais sua fonte na tradição e vê acentuar o seu carácter técnico e intelectualista. O pensamento antropológico do século, V vai atingir a sua plenitude na segunda metade do século V quando os sofistas fizerem do problema da cultura o problema maior da Filosofia. Foram os sofistas que consumaram o auge da antropologia grega. A própria designação de “sophistes” engloba o saber teórico e as habilidades práticas, revela que o homem e suas capacidades passam a ser objecto principal da Filosofia. Algumas ideias que constituirão a concepção ocidental do homem foram formuladas pela primeira vez claramente no contexto da ilustração sofística ateniense. Das quais destacamos: a) O conceito de natureza humana com os seus predicados próprios e com as exigências que lhe são essências; b) A oposição entre a convenção e a natureza na organização da cidade e nas normas do agir individual, dando origem as primeiras teorias do convencionalismo humano; c) O individualismo relativista; d) A concepção de um desenvolvimento progressivo da cultura; e) A análise do homem como um ser de necessidade e carência, ao qual compete suprir com a cultura o que lhe é negado pela natureza; f) A ideia do homem como ser dotado do logos, da palavra e do discurso.
  • 9. Aqui reside o conceito do homem como animal racional, base da antropologia e do humanismo clássicos. 1.2.1. A transição socrática “Conhecer-se a si próprio vale mais do que sabê-lo pelos outros” (provérbio Uolof – Senegal) O pensamento antropológico que orienta até o homem dos nossos tempos remonta a Sócrates, ele nada escreveu como é sabido, mas o tema constante da sua meditação que as fontes contemporâneas nos transmitem gira em torno do que é propriamente humano ou das coisas humanas. Na perspectiva socrática o humano só tem sentido e explicação se referido a um princípio interior que está presente em cada homem e que ele chamou por alma. Para ele, a alma é a sede de uma virtude que permite medir o homem segundo a dimensão interior na qual reside a verdadeira grandeza humana. É na alma onde tem lugar a opção profunda que orienta a vida segundo o justo e o injusto. Todo o homem que procura intelectualmente a verdade e a encontra não deixa de sentir o desejo de viver e actuar em conformidade com ela. O homem que sabe o que é a virtude não pode deixar de a praticar; o homem que sabe o que é a justiça não pode deixar de ser justo; é ela que constitui a verdadeira essência do homem. Ele introduz no campo antropológico o conceito de personalidade moral, fundando assim a Filosofia Moral é de alguma maneira o fundador da Antropologia Filosófica na Antiguidade. A sua antropologia filosófica resume-se nos seguintes traços: 1. A teleológica do bem e do melhor como via de acesso para a compreensão do mundo e do homem. 2. A valorização ética do indivíduo que encontrou sua expressão mais conhecida na interpretação socrática do preceito délfico “conhece-te a ti mesmo”. 3. A primazia da faculdade intelectual no homem donde procede o chamado intelectualismo socrático inspirando a doutrina da virtude (ciência); ao exaltar o
  • 10. homem como o portador do logos e ao fazer da relação dialógica a relação humana. 1.2.2. Antropologia platónica A antropologia platónica apresenta-se como a síntese do pensamento antropológica anterior a ele: nele há uma fusão da tradição pré-socrática na relação homem-Kosmos; a tradição sofística do homem como ser de cultura destinado a vida política e a herança dominante de Sócrates do homem interior e da alma. Para Platão o homem é essencialmente alma, esta é imortal espiritual e incorruptível; a imortalidade da alma em Platão não constitui um problema, o único e verdadeiro problema é libertar a alma da prisão do corpo (cf. Fedon, Fedro e República). A tricotomia da alma na República que ordena as três partes é regida por virtudes: 1- Racional (sabedoria) 2- Irascível (força, coragem) 3- Concupiscente (moderação). Segundo Platão a alma foi criada pelo demiurgo, após a existência pré-humana, sofreu uma primeira união com o corpo que para ele é um cativeiro. Depois de se libertar desse vínculo, pela morte um tribunal decidirá acerca do seu futuro destino. Assim seguem-se múltiplos nascimentos (metempsicose) escolhendo cada qual a forma de vida que desejar. A alma do filósofo é a que mais rapidamente se liberta da roda dos nascimentos e regressa a estrela de onde provem. Alma ____Contemplação Ideias 1 A I C N 2 E C
  • 11. S 4 I N I Alma M E + R Corpo Percepção Cópias 3 1- A alma num estado inicial de perfeição conhece as formas perfeitas do mundo inteligível. 2- A alma condenada ao cárcere corpóreo passa a viver no mundo sensível. 3- Pela percepção sensível o homem apenas apreende as cópias imperfeitas da verdadeira realidade. 4- Ao percepcionar, a alma recorda as formas ideais e sente a nostalgia do mundo inteligível. 1.2.3. Antropologia Aristotélica O homem e como todos os seres vivos é composto de alma e corpo. A alma é a forma e o corpo a matéria. A alma encarnada no corpo para Aristóteles não parece estar em condições de escapar da corrupção. A alma é uma unidade substancial com o corpo. O anímico apresenta-se a três níveis: vegetativa (plantas), cuja função é regular a vida orgânica; sensitiva dos animais e racional do homem. Aristóteles é considerado, com razão, um dos fundadores da antropologia como ciência e o primeiro que tentou sistematicamente uma síntese cientfico-filosofica sobre o homem em sua concepção. Ele caminha da tendência dualista a um monismo hilemórfico (alma como forma do corpo). O centro da concepção aristotélica do homem é a physis mas animada pelo dinamismo teleológico da forma que lhe é imanente. Ele transpõe assim para o horizonte,
  • 12. para a physis o fim do ser e do agir do homem. O homem tem bem assinalado o seu lugar na estrutura hierárquica da physis mas tem a capacidade de pensar além das fronteiras de seu lugar no mundo e elevar-se pela theoria a contemplação das realidades transcendentes e eternas. Características essenciais que definem o homem em Aristóteles 1- A estrutura biopsíquica do homem – a psyche enquanto princípio vital que é a perfeição de todo o ser vivo e ao qual compete a capacidade de mover-se a si mesmo. Como todo ser vivo o homem é composto de psyche e soma. A psyche é a perfeição ou o acto do corpo organizado, e essa é a sua definição. 2- O homem como zoológico – o homem distingue-se de todos os outros seres da natureza em virtude do predicado da racionalidade; “ele é um animal racional”. A racionalidade é a diferença específica do homem, enquanto ser dotado de logos o homem transcende de alguma maneira a natureza e não pode ser considerado simplesmente um ser “natural”. 3- O homem como ser ético-político – Aristóteles é considerado senão o criador mas o sistematizador da Ética e da Política como dimensões fundamentais do ser do homem sobre si mesmo. Segundo Aristóteles o homem é essencialmente destinado a vida em comum na polis e somente aí se realiza como ser racional. Ele é um ZOON POLITIKON . As virtudes que a Ética estuda, seja as recebidas dos costumes da cidade, seja os adquiridos pelo ensinamento só na vida política encontram o campo do seu pleno exercício. II- A concepção do homem na idade média. 2.1- O homem segundo Santo Agostinho A antropologia medieval vai buscar seus temas e sua inspiração em três fontes; a Sagrada Escritura, os Padres da Igreja e os filósofos e escritores gregos e latinos. A
  • 13. concepção do homem evolui em estreita relação com o próprio desenvolvimento da situação. No campo filosófico-teológico, a influência de Santo Agostinho é predominante até ao séc, XII. S. Agostinho discípulo de Platão, e como tal reduz o homem a alma e daí que haja uma autonomia completa do conhecimento intelectivo com respeito a qualquer contribuição do corpo. S. Agostinho vê o homem como um ser dependente da graça de Deus. O homem está pré-determinado quanto a salvação ou a condenação. Contudo, o homem é responsável pela sua própria vida, ele deve viver de modo a poder saber que pertence ao número dos eleitos; não nega que o homem tenha livre arbítrio. Só que Deus já previu como é que iremos viver. Assim para Deus não é segredo quem deve ser salvo e quem deve ser condenado, logo nós somos dependentes da graça de Deus. Para explicar a imortalidade da alma, S. Agostinho salienta que o homem é um ser espiritual, possui um corpo material que pertence ao mundo físico e é corrompido pelos agentes naturais mas também tem uma alma que pode conhecer Deus. 2.2- Antropologia Tomista Para aquinate o homem é composto essencialmente de alma e corpo. A alma não subjaz ao corpo mas ao contrário. A alma possui o ser directamente, ou seja, tem o seu próprio acto de ser e dele faz participar o corpo. Há portanto, uma unidade profunda, substancial entre a alma e o corpo; justamente porque é o único acto de ser. Mas ao mesmo tempo, tendo a alma uma relação prioritária do acto de ser a morte do corpo não pode implicar a morte da alma, portanto, a alma é de direito imortal. A síntese mais bem sucedida da Antropologia medieval encontramo-la no pensamento de Tomás de Aquino. Nela convergem as grandes teses da Antropologia Clássica e da Bíblico-Cristã, encontrando seu ponto de equilíbrio. S. Tomás procura reconstituir na sua autenticidade original o aristotelismo fazendo com que Aristóteles chegue ao ocidente Latino.
  • 14. A Antropologia tomista pode ser situada assim, num espaço conceptual delimitado por três coordenadas: 1- A concepção clássica do homem como animal racional. Aqui Tomás defronta-se com a questão da unidade do homem ou da relação alma +corpo, que se apresenta como um dos temas mais polémicos da Filosofia Medieval. A tese da pluralidade das formas substanciais hierarquizadas no mesmo composto atraía muita simpatia e parecia a mais apta a preservar a natureza espiritual da alma intelectiva. S. Tomás rejeita o dualismo mantendo a unidade hilemórfica do homem; contudo a alma tem a criação divina e transcende a matéria. A alma intelectiva é o acto que integra o corpo na sua perfeição essencial do ser-homem, e de sua unicidade derivam a unidade do agir e do fazer humanos. O rationale em S. Tomás designa a razão discursiva, forma do conhecimento intelectual inferior a inteligência que é própria dos espíritos puros, mas da qual também o homem participa. 2- A concepção neoplatônica do homem na hierarquia dos seres como fronteiriço entre o espiritual e o corporal. O lugar do homem na hierarquia dos seres aparece à S. Tomás, essencialmente determinado por sua natureza racional. É em função desse problema que a definição do homem como animal racional adquire um significado prático fundamental. Com efeito, é a partir da racionalidade que o homem encontrando seu lugar na natureza pode empreender a busca do seu fim. No que diz respeito a sua situação no universo, o predicado da racionalidade confere ao homem a característica singular de se encontrar na fronteira do espiritual e do corporal, do tempo e da eternidade. O homem medeia entre Deus e o Kosmos. 3- A concepção bíblica do homem como criatura, imagem e semelhança de Deus (imago Dei). Tomás supõe uma Filosofia do homem na sua relação com Deus que tem como tema central a ideia de perfeição absoluta de Deus, da qual decorre a capacidade de conhecer a verdade e de agir moralmente segundo o bem. III- O pensamento antropológico na Filosofia Moderna. A concepção moderna do homem, constitui uma visão antropocêntrica, na qual o homem é o ponto de partida donde se origina e em torno ao qual fica polarizada a
  • 15. investigação filosófica. A investigação crítica, que em Descartes, é o necessário ponto de partida de todo acto de filosofar tem por objecto o homem. Aqui a imagem do homem é desfeita pela descoberta da imensa diversidade, das culturas e dos tipos humanos e pelo próprio avanço das Ciências do homem que submetem seu objecto a uma análise minuciosa e, aparentemente, desagregadora de sua unidade. 3.1- A Concepção do homem no humanismo Os humanistas renascentistas tinham uma confiança totalmente nova no homem e no seu valor, o que estava em nítido contraste com a Idade Média, na qual se realçava apenas a natureza pecaminosa do homem. O homem foi então visto como ser infinitamente grande e precioso. Aqui há a destacar Marsílio Ficino, que exclamou ”Conhece-te a ti mesmo, ó estirpe divina em vestes humanas”. O humanismo renascentista estava, mais marcado pelo individualismo do que pelo humanismo clássico. Não somos apenas homens, somos também “indivíduos” únicos. Esta ideia deu origem a uma veneração do génio. O ideal tornou-se, aquilo que chamamos, o homem renascentista, ou seja, o homem que se ocupa com todos os domínios da vida, da arte e da ciência. A época que a historiografia denomina de Renascença, vai do séc., XIV ao séc, XVI, quando atinge o seu auge e declina para dar lugar a idade Barroca. Na ordem das ideias, a civilização da Renascença veio a ser conhecida como Idade do Humanismo. Este termo indica uma nova sensibilidade perante o homem e a redescoberta e exaltação da literatura clássica, sobretudo, a latina considerada a mais alta expressão dos valores preconizados pelo humanismo e o mais apto instrumento para elevar o homem a altura da sua verdadeira humanidade: homo humanus. A literatura em torno da Antropologia Renascentista é muito vasta. Iremos apenas destacar um pensador quase paradigmático, o cardeal Nicolau de Cusa (1401-14640 e duas ideias matrizes que estão nos fundamentos da concepção renascentista do homem: a da dignidade do homem e do homo universalis.
  • 16. O tema da dignidade do homem reaparece na Renascença como reiteração consciente de um tema que provem de Sofocles e da Sofística grega e se tornara um lugar-comum na literatura antiga. A exaltação da dignidade e poder do homem não é apenas um motivo literário, mas responde de facto as exigências profundas da nova sensibilidade diante do homem e das suas obras, que seria o traço mais característico do humanismo. No primeiro caso, é a actividade da contemplação que atesta a grandeza do homem e a sua eminente dignidade; no segundo, o agir, a capacidade de transformação do seu mundo que passa a ser o indício incontestável da superioridade do homem. É na Renascença onde aparece uma consciência de humanidade ou das características essências do homem em sua universalidade abstracta e não mais limitado pelas particularidades segundo as quais o homem antigo ou medieval se considerava. Com efeito, é a imagem do “homo universalis” que emerge das profundas transformações do mundo ocidental no tempo da renascença. Nesta época tem lugar uma rápida dilatação dos horizontes seja de espaço geográfico (época das descobertas), seja de seu espaço humano (encontro com novas culturas e civilizações). A antropologia da Renascença aparece, assim, como uma antropologia da ruptura e da transição: da ruptura com a imagem cristã-medieval do homem e transição para a imagem racionalista que dominará os séculos XVII e XVIII. 3.2 A concepção racionalista do homem. “Cogito Ergo Sum” (Renè Descartes) No princípio dos séculos, XVII, fazem-se sentir os sinais do fim do Renascimento e o prenúncio de um novo modo de pensar e sentir. Este novo modo de pensar e sentir permanece herdeiro e devedor do humanismo renascentista e dele receberá a influência directa por meio dos grandes moralistas franceses do século XVI, sobretudo de Michel de Montaigne que transmite ao racionalismo emergente os temas da observação de si mesmo e do conhece-te a ti mesmo. A Antropologia racionalista prolongará a tradição do Zoon Logikon dando-lhe um novo conteúdo: o esquema mecanicista.
  • 17. 3.2.1- Rene Descartes (1596-1650) É com ele que a Antropologia Racionalista encontra sua expressão paradigmática, de modo a se poder falar do homem racionalista, como do homem cartesiano. Em Descartes o homem é pensado como duas realidades: res extensa e res cogitans. A inversão cartesiana começa com o privilégio atribuído ao método como ponto de partida e, portanto, com a construção do objecto do saber segundo as regras do método. Nele o problema antropológico é o problema da relação entre o corpo e a alma; desse modo ficam delineados os traços fundamentais da concepção racionalista do homem: a) A subjectividade do espírito como res cogitans e consciência-de-si; b) A exterioridade do corpo com relação ao espírito. Esse dualismo característico da ideia racionalista do homem apresenta-se essencialmente diverso do dualismo clássico de feição platónico. Aqui, o espírito como res cogitans, separa-se do corpo como res extensa, não para elevar-se a contemplação do mundo das ideias mas para melhor conhecer e dominar o mundo. A sua antropologia divide-se numa metafísica do espírito e uma física do corpo, que obedece aos movimentos e as leis que impelem a máquina do mundo. O corpo humano, é integrado no conjunto dos artefactos e das máquinas, e só a presença do “espírito” que se manifesta na linguagem, separa o homem do “animal racional”. 3.2.2- Outras concepções desta época A revolução cartesiana, a Filosofia e a revolução Galileiana na Ciência, deram origem a uma nova ideia de razão que transforma profundamente a auto-compreensão do homem e abre o espaço epistemológico no qual virão a constituir-se as chamadas Ciências do homem. O homem da idade cartesiana será assinalado por dois traços peculiares: o moralismo e o humanismo devoto que reflectirá uma nova sensibilidade religiosa.
  • 18. Uma das obras mais genialmente representativas da transformação da ideia do homem ocidental no limiar da idade moderna é a de Blaise Pascal (1623-1662). A evolução do pensamento pascaliano é atravessada pela tensão entre o estudo da matemática e da ciência física ao qual se consagra com entusiasmo na juventude, e o “estudo do homem” do qual passa a ocupar-se após a sua conversão. O cogito pascaliano é também marca da grandeza do homem. Mas o seu cogito não se volta para a dominação do mundo, mas sim empenha-se na descoberta das regras do bem pensar, ele descobre imediatamente sua dimensão moral. 3.2.3- As Ciências Humanas no Século XVII A revolução científica do Século. XVII influenciou em larga medida as concepções filosóficas sobre o homem. Tendo como instrumentos epistemológicos privilegiados a observação e a medida; o novo espírito científico se caracteriza antes de tudo por nova ideia de método. Com efeito, o ideal do método, ou a definição rigorosa das regras de bem pensar constituem um dos temas dominantes da cultura intelectual da época. As duas grandes vertentes do racionalismo: o puro e o empirista, inspiram as duas grandes concepções do método: a dedutiva e a indutiva. As transformações do espírito científico inicialmente registam-se nas Ciências da Vida: Biologia (animal-máquina Traite de L`Homme de Descartes 1632) base da teoria da circulação do sangue de W. Harvey. O desenvolvimento dos instrumentos ópticos amplia o campo de observação dos fenómenos da vida e reestrutura de facto o domínio da percepção visual, nascendo assim a Anatomia microscópica (M. Malpighi 1628-1694) dando-se passo para o que futuramente se denominara a Teoria Celular ( K. Hooke 1635-1703) e regista-se a descoberta dos Glóbulos Vermelhos e das Bactérias (A. Van Leuvenhoek 1632-17230). A Zoologia que após Aristóteles mais nenhum progresso fizera, começa a sofrer uma
  • 19. reformulação que conduzirá ao advento da Sistemática Moderna 5 com Lineu e Buffon no século, XVIII. Outro campo importante que se abre a investigação empírica do homem é o da Ciências da linguagem, tendo como objectivo o texto e a sua hermenêutica crítica. Outro projecto é o chamado “língua universal” já tentado por Raimundo Lulio (1235-1316) em sua Ars Magna. No campo das Ciências do Direito e do Estado, temos a destacar a concepção moderna de Direito Natural e, com Thomas Hobbes, a aplicação ao Estado do modelo mecanicista, ao mesmo tempo em que a chamada ideologia do individualismo, da qual Locke será um dos primeiros teóricos. 3.3- O homem na época da Ilustração A ilustração compreende o movimento de ideias que dominou no século, XVIII europeu vai desde 1680-1780), segundo Pierre Chaunu, com a sua repercussão nos campos político, religioso, filosófico, cientifico, literário e artístico marcando assim uma civilização que se designa por civilização da ilustração. Apesar de haver base das civilizações das épocas anteriores, a concepção da ilustração afasta-se das mesmas bases. Algumas ideias defendidas pelo espírito da ilustração. a) Humanidade – aqui o termo ganha um sentido secularizado, com um sentido axiológico, contrapondo-se ao sentido de humanidade que foi objecto do universalismo salvífico. Dá-se primazia não a relação do homem com Deus mas do homem com os outros homens, e a assunção dos indivíduos na majestosa hipóstase da Humanidade que será divinizada por A. Comte. 5 A sistemática é a ciência dedicada a inventariar e descrever a biodiversidade e compreender as relações filogenéticas entre os organismos. Inclui a taxonomia (ciência da descoberta, descrição e classificação das espécies e grupo de espécies, com suas normas e princípios) e também a filogenia (relações evolutivas entre os organismos). Em geral, diz-se que compreende a classificação dos diversos organismos vivos. Em biologia, os sistematas são os cientistas que classificam as espécies em outras taxonomias a fim de definir o modo como eles se relacionam evolutivamente.
  • 20. b) Civilização – este foi o termo chave do século, XVIII que provavelmente aparece no ano de 1756. A Civilização é um facto e um valor designa um estágio avançado da história de um grupo humano em relação aos estágios anteriores nos principais campos do pensamento e da actividade prática e técnica e, ao mesmo tempo um ideal de progresso e uma actividade de optimismo diante da história futura. Ela é a verificação da hipótese da passagem do “estado de natureza” ao “estado de cultura”. Em Rousseau este conceito, não uma coisa boa como toda gente sempre pensou que fosse; e nem é algo de valor neutro, mas uma coisa definitivamente. A criança que nasce numa denominada sociedade civilizada é ensinada a refrear e a frustrar os seus sentimentos, a impor as categorias artificiais do pensamento conceptual sobre os seus sentimentos e a fingir que não pensa nem sente todas as coisas que realmente pensa e sente, enquanto finge que pensa e sente as coisas que não pensa e nem sente. O resultado disso é a alienação do seu verdadeiro eu. A civilização é corruptora e destruidora dos verdadeiros valores. Entrando na civilização nenhum homem volta a opção de regressar ao seu estado primitivo. Assim, o que devemos fazer é como antes civilizar a civilização, temos que mudá- la de forma a possibilitar aos nossos instintos naturais e aos nossos sentimentos uma expressão mais completa e mais livre. c) Tolerância – surgido no século. XV no contexto do diálogo das grandes religiões proposto pelo cardeal Nicolau de Cusa veio a fortalecer-se no século, XVI com a divisão religiosa e as guerras de religião. Os defensores deste conceito lutavam pelos direitos naturais dos cidadãos. Há uma necessidade de se assegurar ao indivíduo os seus direitos, de se exprimir livremente. O princípio da “inviolabilidade do indivíduo” culminou com Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão adoptado em 1789 pela Assembleia Nacional Francesa. Segundo o pensamento dos iluministas “os homens têm direitos pelo facto de serem homens”. Em 1787 Condorcent, filósofo iluminista, publicou um “Tratado Sobre os Direitos da Mulher”. Durante a Revolução Francesa as mulheres participaram activamente na luta contra a aristocracia ao lado dos homens ex, Olympye de Gouges.
  • 21. d) Revolução – de origem astronómica (De Revolutionibus Orbium Coelestium) obra de Copérnico, posteriormente, evolui para designar uma mudança e transformação profundas na sociedade que anunciam o advento de um mundo melhor. Há a destacar a Revolução Americana (1776) cujo objectivo não era apenas mudar a forma de regime político mas a instauração de uma ordem do mundo; a Revolução Francesa (1789) proclamando os conceitos de igualdade, fraternidade e liberdade. Neste quarteto, o homem passa a ocupar o centro do qual irradiam as linhas da inteligibilidade, foi neste período que surge a Antropologia propriamente dita, como Ciência do homem que engloba os vastos campos da investigação e sistematização que se desenvolvem no século, XVIII. 3.3.1- O Homem segundo Kant Duas linhas de desenvolvimento da concepção Kantiana do homem a) Uma linha antropológica cuja origem deve ser buscada no Curso de Metafísica. Ele propõe o estudo empírico do homem. b) Uma linha crítica que segue o desenvolvimento da reflexão crítica a partir da Dissertação de 1770. A relação entre estas duas linhas postula a subordinação da Antropologia, cuja base é empírica (a posteriori) a Metafísica dos Costumes que procede a priori e permite definir a essência verdadeira do homem. Assim, a Antropologia kantiana postula-se sobre dois planos: a) O plano de uma Ciência da observação que utiliza o procedimento analítico para unificar os dados da observação por meio de uma teoria das faculdades, cujo núcleo conceptual é a representação do EU exprimindo-se em “consciência de si”. b) O plano de uma Ciência a priori que se situa no campo da Ética ou da Metafísica dos Costumes, a possibilidade de determinação da essência do homem. “Antropologia do ponto de vista pragmático” (1798) representa o termo de uma evolução ao longo da qual se define pouco a pouco a ideia kantiana de antropologia: Ciência cuja
  • 22. finalidade é preparar o homem para o conhecimento do mundo (o mundo do homem). Aqui o conhecimento do homem funda-se no senso comum e tem em vista as relações que se estabelecem entre os homens. Logo a antropologia situa-se no âmbito da “Filosofia Popular”, sua característica será pragmática diferente da especulativa. Aqui o conceito de pragmático inicialmente designa um conhecimento capaz de tornar o homem prudente nas questões da vida em sociedade, pragmático é o conhecimento do que o homem “faz, pode ou deve fazer de si mesmo”, opondo-se ao conhecimento fisiológico que tem por objectivo o que a natureza faz do homem. O que diz respeito a concepção do homem, o pensamento crítico de Kant permanece na linha da tradição dualista própria da Antropologia racionalista ( R. Descartes). O homem divide-se em duas partes: corpo e razão. Enquanto seres sensíveis pertencemos a ordem da natureza e estamos completamente sujeitos as leis imutáveis da causalidade. Não decidimos o que sentimos, as sensações surgem necessariamente e influenciam-nos quer queiramos quer não, aí não há livre- arbítrio. Mas, o homem não é apenas um ser sensível, é também um ser racional e enquanto ser racional participa no mundo “em si”. Só quando seguimos a nossa “razão prática” que nos possibilita fazer uma escolha moral, temos livre arbítrio. Se obedecemos a lei moral, somos nós que fazemos a lei moral pela qual nos orientaríamos e então somos livres e autónomos porque não seguimos apenas os nossos instintos. Para Kant a lei moral é tão absoluta e universalmente válida como a lei da causalidade, ela não pode ser comprovada pela razão mas é incontornável. As linhas de orientação do pensamento antropológico kantiano são: a) Linha da estrutura sensitivo-racional: que acompanha o homem enquanto ser cognoscente que lhe torna capaz de formular o ideal de razão pura e as ideias transcendentais: mundo, alma e Deus b) Linha da estrutura físico-pragmático: que acompanha o homem como ser mundano, físico, designando o que a natureza opera no homem e pragmático o que o homem faz de si mesmo e da estrutura prática que acompanha o homem como ser livre e capaz de responder, fundando-se no “facto da razão” ou seja, na “lei moral dentro de mim” a interrogação em torno do agir moral.
  • 23. c) Linha da estrutura histórica ou do destino do homem que o acompanha em duas direcções: religiosa que aponta o fim último do homem; e a pedagógico-política – a educação do homem, o regime político e a liberdade civil. IV- A concepção do homem na Filosofia Contemporânea. A filosofia contemporânea abrange o período que se estende do fim do século. XVII ou dos tempos pós-kantianos até aos nossos dias. Muitos foram os acontecimentos sobre os quais ela exerceu uma influência decisiva, dos quais destacaremos alguns: a) A revolução francesa (1789), com a extensão da liberdade a todos os homens, cria-se um forte sentimento de justiça e igualdade entre várias classes sociais; b) As guerras nacionais pela conquista da independência: Europa, América Latina, África e Ásia; c) O domínio colonial europeu nos outros continentes e a rápida cessação deste domínio depois da II guerra mundial; d) Os dois conflitos mundiais (1914-1918 e 1939-1945) com o seu horroroso quesito de vítimas e destruições provocaram na humanidade um agudo sentimento de angústia a respeito do próprio destino; e) Na esfera social assiste-se ao fim do individualismo e a afirmação da socialização, cada vez mais extensa. Pôs-se fim ao isolamento, um acontecimento que se regista num país pode ter reflexos profundos em toda a humanidade; f) No campo cultural assiste-se uma crise cada vez mais vasta e profunda. 4.1- Novo tipo de humanidade A humanidade contemporânea caracteriza-se por um conjunto de qualidade, dos quais examinaremos alguns. 1- Instabilidade e mutabilidade – o ritmo vertiginoso, no qual a ciência e a técnica mudaram a face da terra nos últimos dois séculos prenderam em sua engrenagem o seu artífice e o arrasta para modos sempre novos de ver e agir.
  • 24. 2- Antidogmatismo – do iluminismo em diante a humanidade se tornou sempre mais contrária a aceitar afirmações e verdades que não venham dela ou que pelo menos não possam ser compreendidas e verificadas experimentalmente e demonstra uma aversão profunda por tudo o que lhe foi transmitido e por toda a forma de tradição. 3- Secularização - o homem contemporâneo acredita que pode resolver os seus problemas sozinho, prescindindo de Deus. Com isso a religião se tornou supérflua e se vê afastada da vida prática bem como também da teoria da humanidade actual. O ateísmo é sem dúvida um dos seus traços dominantes e característicos. 4- Activismo - o homem hodierno, é orientado pela acção. Fazer, produzir, agitar-se é o que fascina este homem e o absolve completamente. Ele não tem tempo para pensar, meditar e contemplar. 5- Utopia - levado pelo progresso técnico e cientifico e por uma prosperidade cada vez maior, o homem contemporâneo chegou a uma visão confiante e optimista do futuro e sonhou com plena e perfeita felicidade para todos. 6- Sociabilidade – hoje, tudo influencia a todos. Nada que venha a acontecer noutras paragens e que não tenha os seus efeitos a nível do mundo. 7- Historicidade – o homem contemporâneo tem um grande sentido da historicidade do seu ser, isto é, o facto de que o seu ser, a sua cultura, os seus projectos, ideias não são um produto da natureza nem de Deus, mas o resultado da sua acção através dos séculos. 4.2- Diversidades de concepções antropológicas 4.2.1- Antropologia existencialista O existencialismo é uma corrente de pensamento que concebe a especulação filosófica como uma análise minuciosa da experiência quotidiana em todos os seus aspectos: teórico, prático, individual, social, instintivo etc. Kierkeggard pensa que o homem tem como seu modo de ser a existência, estando por isso em contínuo devir; ele não é perfeito, totalmente acabado, mas está em fase de feitura, de aperfeiçoamento e ele é mesmo o responsável por esta operação. No devir do homem ele distingue três estádios:
  • 25. a) Estádio estéticos onde o indivíduo não tem compromisso nem finalidade, é o artista despreocupado no qual a fantasia predomina sobre a razão e a vontade. b) Estádio ético o individuo vive com compromisso, com seriedade e honestidade, que superou a instabilidade da juventude e se formou uma família: caracterizado pelo matrimónio. c) Estádio religioso é o da fé com riscos e incertezas. Fenomenologia do homem: Martin Heidegger O homem é entendido como um ser-no-mundo; mundo entendido como círculo de interesses, de preocupações, de desejos, de factos, de conhecimentos nos quais o homem se acha sempre imerso. O homem é um ser em situação (dasein). 4.2.2- Antropologia materialista: Feuerbach, Marx e Engels. Esta antropologia dá primazia a matéria, esta primazia implica que os factores naturais têm maior privilégio na explicação sobre o homem. Feuerbach propõe uma antropologia materialista onde o homem é um ser sensível, o único deus para si mesmo e os atributos de Deus que comparecem no discurso teológico cristão deverão constituir a estrutura e a sequência do discurso antropológico. O homem é um ser carente e relaciona-se com o mundo. Já Marx pensa que o homem é um produtor de si mesmo. 4.2.3- Antropologia idealista: Hegel A concepção hegeliana do homem pode ser comparada ao zoon logikon aristotélico e a imago Dei de S. Tomás. A significação do homem em Hegel pode ser expressa inicialmente por sua relação com os diversos níveis da realidade. a) Homem-mundo: o mundo natural opõe-se ao mundo do homem.
  • 26. b) Homem-cultura: o indivíduo só é humano na medida em que participa do movimento da manifestação do Espírito Absoluto. c) Homem-história- o homem é um ser no tempo. d) Homem-Absoluto- a sua existência dirige-se sempre para um ser transcendental. 4.2.4- Antropologia personalista: Jacques Maritain e Emmanuel Mounier. A característica dos personalistas de inspiração crista é a afirmação do Deus pessoal transcendente como paradigma e fim último da pessoa. Estas antropologias advogam a existência de um ente pessoal (Deus) como paradigma e fim último. REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFIA 1. ARLT, Gerhard. Antropologia Filosófica. Vozes, RJ, 2008. 2. DE LIMA VAZ, Henrique C. A antropologia Filosófica 7ª ed. SP-Brasil, Outubro de 2004. 3. GROETHUYESEN, Bernard. Antropologia Filosófica. 2ª ed. Presença, Lisboa, 1998. 4. HEINAMANN, Fritz. Filosofia do Século XX. Fundação Calouste Gulbenkian, 2ª ed. Lisboa s/d. 5. IMBAMBA, José Manuel. Uma nova cultura para mulheres e homens novos: um projecto filosófico para Angola do 3º milénio à luz da filosofia de Battista Mondin.2ª ed.Luanda, 2010. 6. MONDIN, Battista. O homem quem é ele? Elementos de Antropologia Filosófica, Paulus, 11ª ed. SP. Brasil 2003. 7. RABUSKE, Edvino A. Antropologia Filosófica, 11ª ed, Vozes, RJ, 2008.
  • 27. Elaborado: César F. da Silva. Revisto: Prof. Dr. Feliciano Moreira Bastos (PhD) Regente de Filosofia.
  • 28. i Este material foi elaborado usando com base a Bibliografia que consta no fim da matéria.