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Psicologia: Teoria e Prática – 2003, 5(2):13-22




  Pensamentos automáticos e
  ansiedade num grupo de jogadores
  de futebol de campo
                                                                                                  Sonia Román
                                                   Psicóloga do Departamento Amador do Santos Futebol Clube
                                                                                        Universidade Unimonte
                                                                                     Mariângela Gentil Savoia
                                                     Coordenadora do Setor de Psicologia do Centro de Atenção
                                                            Integrada da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo
                                       Pesquisadora do Ambulatório de Ansiedade do Instituto de Psiquiatria do
                                    Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo



 Resumo: O atleta de futebol experiencia situações estressoras que, interpretadas como
 ameaçadoras, podem desencadear respostas de ansiedade. A ansiedade exacerbada existe
 nos jogadores com crenças muito rígidas, as quais afetam substancialmente sua percepção das
 situações esportivas. O presente estudo tem o objetivo de avaliar a ansiedade no esporte em
 equipes de futebol e identificar as crenças e os pensamentos disfuncionais mais comuns apre-
 sentados por esses jogadores. Foram investigadas três equipes de futebol amador. Utilizaram-
 se os instrumentos: Inventário de Depressão de Beck (BDI) e Inventário de Ansiedade de
 Beck (BAI). Verificaram-se 61% de sintomas de ansiedade e 39% de depressão. Os pensa-
 mentos automáticos disfuncionais relatados pelos atletas concentram-se nas concepções
 sobre o erro, perfeccionismo e na estrutura do trabalho. Com um plano de atendimento
 baseado na abordagem cognitiva comportamental, a Psicologia do Esporte pode ganhar tem-
 po e dinâmica, auxiliando o atleta a transformar seus pensamentos disfuncionais em pensa-
 mentos racionais que levem a comportamentos mais satisfatórios a ele, à equipe e à torcida.

 Palavras-chave: Psicologia do esporte; Pensamentos automáticos; Ansiedade.

AUTOMATICS THOUGHTS AND ANXIETY IN SOCCER TEAM

 Abstract: The athlete of soccer lives many stress situations to perform his function that
 can be interpreted as a menace to induce to anxiety responses. The interpretations gene-
 rally can be shown by irrational beliefs and the dysfunctional thoughts. The excess of anxiety
 exists in many players who has rigid beliefs that modifies the perception of the sportive
 situations that they live (Barrera, 2000). The aim of this paper is assessment the anxiety in
 soccer teams, identify these players’ beliefs, verify if the dysfunctional thoughts are present
 in these situations. Three amateur teams of soccer were studied with Beck Depression
 Inventory (BDI) and Beck Anxiety Inventory (BAI). 61% of the symptoms were of anxiety
 and 39% of depression. The core of this thoughts were mistaken, perfectionism and in the
 work structure. The approach Cognitive Behavioural offers to Psychology of Sport dyna-
 mism helping the athlete to modify his dysfunctional automatic from thoughts that induced
 to anxiety to more satisfactory thoughts behaviours to them, to the team and to the cheers.

 Keywords: Sport Psychology; Automatics thoughts; Anxiety.




Introdução e revisão teórica
   O atleta de futebol passa pelas mais variadas situações estressantes, como, por exem-
plo, erros que comete em campo ao jogar, competições acirradas, pressão da torcida, tro-
ca de clube, salários atrasados, lesões inesperadas pelo atleta, perdas nas partidas deci-

                                                                                                                                 13
Sonia Román, Mariângela Gentil Savoia


sivas, cobrança financeira da família, dentre outras. Nessas situações, aqui entendidas
como estressoras, ele pode vir a desenvolver respostas de ansiedade, ou seja, uma res-
posta física diante de uma situação de ameaça real ou de uma situação interpretada
como ameaçadora.
    Uma certa quantidade de estresse é importante para se ter um bom rendimento em
qualquer tarefa, o chamado eutress, que impulsiona e motiva para realizações. Em con-
trapartida, o distress, o estresse disfuncional, pode desencadear respostas inadequadas
à situação. A ansiedade considerada agradável (CAZABAT e COSTA, 2000) para alguns,
como subir numa montanha-russa, praticar pára-quedismo ou esportes mais radicais,
pode trazer desconforto para outros.
    Essas situações eliciam os pensamentos automáticos comuns a todos os indivíduos,
atletas ou não, e fazem parte de nossas experiências, pois a ansiedade em alguns mo-
mentos é impulsora do desempenho. Os pensamentos automáticos eliciadores de ansie-
dade podem traduzir-se em uma vontade normal e funcional de entrar em campo para
um combate competitivo, diferentemente de pensamentos automáticos disfuncionais,
eliciadores de ansiedade que interferirão no desempenho e tidos como disfuncionais.
    Segundo Selye (apud BALLONE, 2003), o estresse significa o esforço de adaptação do
organismo para enfrentar situações ameaçadoras a sua vida e a seu equilíbrio. A ausên-
cia de flexibilidade que o atleta pode ter para responder às situações de estresse torna-o
“vulnerável”, o que confirma a ausência de recursos de enfrentamento. Isto pode ativar
mecanismos de fuga ou evitação no atleta quando, finalmente, não encontra respostas
adaptativas, levando-o, inclusive, à interrupção de habilidades motrizes finas (GUZMÁN,
ASMAR e FERRERAS apud HERNANDEZ, VOSER, GOMES, 1999). Os efeitos fisiológicos,
cognitivos, emocionais e comportamentais resultantes dessas respostas são descritos a
seguir num paralelo com o esporte:

a) Dilatação das pupilas – a química do medo faz que as pupilas se dilatem. Isso dimi-
   nui a capacidade de a pessoa perceber os detalhes que a cercam, mas aumenta o
   poder de visão geral. Em tempos ancestrais, esse recurso permitia que o homem
   identificasse no escuro das cavernas um predador e as possíveis rotas de fuga. Segun-
   do Martin (2001), nesse momento, o jogador com ansiedade teria uma capacidade
   de ver o todo, mas perderia pequenos lances. É comum ouvirmos dos torcedores
   expressões do tipo: “por que não passou a bola para o jogador ao lado?”, “fomi-
   nha... quer fazer o gol sozinho, podia ter passado a bola”, “não tá enxergando não,
   ganso? (jogador que não joga nada)”, “vai pra casa”. Expressões como essas dão
   uma alusão de que o jogador não está enxergando direito, o que pode ser verdade,
   pois pode vir a perder sua capacidade de detalhes, uma vez que tem suas pupilas
   dilatadas pela ansiedade.
b) Estimulação do coração (palpitação ou taquicardia) – a maior irrigação sanguínea faz
   que o cérebro e os músculos trabalhem mais intensamente, deixando a pessoa alerta
   e ágil. O fato de o coração bater acelerado exige maior oxigenação tornando a res-
   piração mais curta, ofegante. Nesse correspondente com o atleta ansioso, com o rit-
   mo cardíaco acelerado, o atleta sentir-se-á esgotado fisicamente, muitas vezes não

 14         Psicologia: Teoria e Prática – 2003, 5(2):13-22
Pensamentos automáticos e ansiedade num grupo de jogadores de futebol de campo


   tendo “pernas” para o jogo todo, no caso do futebol de campo, nos 90 minutos. O
   futebol é um esporte de resistência (MARTIN, 2001) em que o atleta precisa poupar
   sua energia. O mesmo não acontece nos esportes de explosão, como uma corrida de
   100 metros. E acrescenta: “um nadador que fica nervoso logo antes de uma prova de
   quatrocentos (400) metros tem possibilidade de morrer durante as últimas viradas”.

   A precipitação é um fator que o jogador experimenta com o aumento da adrenalina.
No caso do futebol, as finalizações sofrerão déficits na qualidade, pela ativação excessi-
va; muitas pessoas ligadas ao esporte não entendem por que o atleta vai bem nos trei-
nos e no dia do jogo tem uma atuação deficiente.

c) Diminuição da produção de saliva (boca seca) – podemos ver alguns atletas rodando
   os dedos indicadores para o técnico, sinalizando o esgotamento (não provocado por
   lesão). Há, nesta pesquisa, um atleta que depois de um jogo com muita ansiedade
   usou o termo “minha língua colou na boca... eu não conseguia mover a língua.
   Depois do jogo, cheguei a comentar com o meu pai que me levasse ao médico por-
   que estava assustado com isso”.
d) Tensão nos músculos – segundo pesquisa da educadora física Eliana Bois (1998, obra
   não publicada), o terceiro estágio do aprendizado da destreza é a automatização,
   conseguida por meio de treinamento repetitivo; por exemplo, o comportamento de
   chutar até que se torne um hábito.

   Qualquer movimento tem uma dosagem certa de tensão nos músculos para ser bem
executado, ou seja, a precisão técnica (WILLIAMS, 1991). A ansiedade e a tensão deses-
truturam a precisão, pois as vias neurais se ocupam com impulsos de alerta do sistema
de luta ou fuga, decrescendo ou inibindo os impulsos precisos, para completar a destre-
za e o movimento coordenado. Uma ótima execução não sucede quando os atletas pen-
sam nela, o que enfatiza que o aprendizado em sintonia com a execução de funções
automáticas e inconscientes é algo que está livre de toda interferência do pensamento
(GALLWEY, 1996). A tática e a técnica não mudam de uma semana para outra, mas as
reações psíquicas sim.

e) Cognições – com o sistema límbico acionado, os pensamentos automáticos disfuncio-
   nais podem invadir a mente do atleta; por exemplo, “tenho que fazer gol”, “não
   estou conseguindo fazer o gol”, “hoje não é meu dia de sorte”, “estou errando
   demais”, “se continuar jogando assim vou ser substituído” etc. Tais pensamentos
   ameaçam o atleta, e se ele não souber responder adequadamente a esses estímulos
   internos, o sistema límbico continuará acionado. Sem recursos, os sintomas conti-
   nuam (sudorese, taquicardia, palidez etc.), cortando o estímulo medular (arco refle-
   xo) para o cérebro, que é quando o jogador começa a pensar. O piloto automático é
   interrompido e, nesse momento, o atleta experimenta desconcentração, fica confu-
   so, suas pernas não obedecem, interferindo na performance de seus chutes ou em
   outros comportamentos, seus músculos tensos, além do limite de ativação ideal, não

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      respondem ao comando consciente. O atleta perderá seu timing e fluidez. A esse res-
      peito, Suzuki, na introdução ao livro Zen e a arte de atirar com o arco, afirma:

      “Assim que refletimos, deliberamos e conceituamos, a inconsciência original é perdida e um pensamento
      interfere [...] A flecha é disparada, mas não voa diretamente para o alvo, nem o alvo fica onde está. Apa-
      rece uma conjetura, que é um cálculo inexato [...] O homem é um ser pensante, mas as suas grandes obras
      são realizadas quando ele não está calculando nem pensando. O “ser criança” deve ser restaurado por
      meio de longos anos de treino no esquecimento de si mesmo” (SUZUKI apud GALLWEY, 1996, p. 35).


   As reações psicológicas (GONZÁLEZ, 1997) são: decréscimo da flexibilidade mental,
sentimentos de confusão, aumento do número de pensamentos negativos, menor capa-
cidade de centrar-se na atuação, atenção inadequada a vivências internas, esquecimen-
to de detalhes, recorrência a antigos hábitos inadequados, tendência a precipitar-se na
atuação e decréscimo da capacidade de tomar decisões, característica elucidada a seguir.

f) Tomar decisões – o atleta não apresenta essa capacidade ao titubear, ou seja, a joga-
   da específica que ele fará num determinado momento é muitas vezes influenciada
   pela ansiedade. O titubeio está na indecisão que a ansiedade provoca, pois há o
   decréscimo da flexibilidade mental; o jogador desconcentra-se da jogada.

    A terapia cognitiva entende que as emoções e os comportamentos (BECK, 1997) estão
intimamente ligados pelas interpretações dos eventos aos quais os indivíduos passam. A
interpretação no esporte, se externada, pode aparecer sob a forma de crenças (pensa-
mentos ou imagens), como, por exemplo, “não posso errar”, “tenho que marcar um gol
de qualquer jeito”, “perdi o jogo e me sinto um fracasso”, ou sob a forma de imagens,
“ver a torcida vaiando”, “ver seu nome no jornal como mau atleta” ou “ver a família
sem proteção”, dentre outros pensamentos, e provocar ansiedade. Segundo Barrera
(2000), a ansiedade exacerbada existe nos jogadores que têm crenças muito rígidas, as
quais afetam substancialmente sua percepção das situações esportivas e sociais que os
rodeiam. Portanto, por meio da identificação dos pensamentos mais comuns nessa
população, pode-se propor uma intervenção eficaz. Fazer uso de um atendimento estru-
turado, com medidas padronizadas para detectar rápidos índices de ansiedade, permite
trabalhar o atleta, num espaço de tempo compatível com a urgência inerente ao espor-
te, no qual o tempo é crucial.
    Este trabalho tem por objetivos:

a) avaliar a ansiedade em equipes de futebol;
b) identificar os pensamentos automáticos disfuncionais e as crenças mais comuns que
   os atletas apresentam;
c) fazer um paralelo com a literatura internacional;
d) apresentar determinadas hipóteses para as mudanças de alguns conceitos que invia-
   bilizam a qualidade no esporte.



 16         Psicologia: Teoria e Prática – 2003, 5(2):13-22
Pensamentos automáticos e ansiedade num grupo de jogadores de futebol de campo


Metodologia
  Realizou-se um estudo de caso em um Clube de Futebol no Departamento Amador
que se divide em quatro categorias:

1– Mirim – 13 e 14 anos também chamado de sub 89 e sub 88 (ano de nascimento dos
   atletas).
2– Infantil – 14 e 15 anos (sub 88, sub 87).
3– Juvenil – 16 e 17 anos (sub 86, sub 85).
4– Juniores – 18 a 20 anos (sub 84, sub 83 e sub e 82).

    Em cada categoria, avaliaram-se atletas de dois times, o titular e o time reserva, tota-
lizando 75 jogadores, e alguns foram atendidos mais de uma vez.
    Foi utilizado para medir a ansiedade o Inventário de Ansiedade de Beck (BECK et al,
1988), recurso que dá maior ênfase aos aspectos somáticos da ansiedade, o Inventário
de Depressão de Beck (BECK, 1961) e o EASD – Escala de Avaliação dos Sintomas Depres-
sivos – (BARROS NETO, 2000), este último introduzido no trabalho pela sua objetividade
de tempo na execução. Os atletas foram atendidos individualmente de dezembro de
2000 a setembro de 2002. Após a aplicação dos inventários, solicitou-se que relatassem
os pensamentos automáticos nas situações de jogo que eliciavam os sintomas de ansie-
dade e depressão. Nesse período as equipes passaram por vários campeonatos, e alguns
atletas atenderam ao chamado da seleção brasileira na categoria Juvenil. Todos os atle-
tas deram consentimento para a utilização de dados na pesquisa, de acordo com a reso-
lução 196/96.
    Os dados não foram tratados estatisticamente, pois se privilegiou a análise qualitati-
va, e os dados percentuais são mais um indicativo da qualidade do dado.

Discussão de resultados
   Dos atendimentos realizados, os atletas apresentaram sintomas em 129 deles – 51
referem-se à depressão e 78 à ansiedade, tema deste trabalho. Verificou-se que a ansie-
dade está presente em 61% das queixas dos atletas, tendo uma preponderância com
relação a queixas de depressão.
   Os termos seguintes foram extraídos dos atletas quando se referiam ao comporta-
mento provocado pela ansiedade: “eu paraliso”, “fico em alerta”, “fico atrapalhado”,
“sinto-me preso”, “falta personalidade”, “fico na retranca”, “meu corpo prende”, “fico
introspectivo”, “fico pensando o tempo todo”, “retraio”, “paraliso meu jogo”, “o jogo
diminui”, “me dá dúvida”, “sinto-me estressado”, “estouro fácil”, “não vou na bola”,
“parece que fico tímido”, “fico queimando”. Uma vez desaparecida a ameaça, o orga-
nismo volta ao seu funcionamento normal, responde ao enorme gasto de energia físi-
ca e emocional.
   Os pensamentos automáticos disfuncionais dos atletas identificados são apresenta-
dos a seguir, por ordem percentual decrescente. As categorias indicadas podem ser rela-
cionadas a pensamentos disfuncionais decorrentes da crença “não posso errar”. Várias

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Sonia Román, Mariângela Gentil Savoia


interpretações das situações que desencadeiam ansiedade de erro nesses atletas foram
identificadas e podem ser descritas. A primeira delas é “não posso errar”, com crenças
sobre os passes, como podemos verificar na Figura 1.

                                  Se acerto a primeira bola é porque vou
                                  bem (4 atletas)
                                  Preciso acertar o passe (senão algo ruim
                                  acontece (4 atletas)
                                  Quando erro uma bola a seguinte tenho
                                  que acertar (2 atletas)                             22%
                                  Dois erros seguidos e estou numa fase
                                  ruim (2 atletas)
                                  Se eu acertar o próximo passe volto ao
                                  ritmo normal (1 atleta)
                                  A primeira bola quando erro é falto de
                                  concentração (1 atleta)
                                  A bola tem que vir para substituir o erro   78%
                                  (1 atleta)
                                  Quando a gente erra é falta de
                                  personalidade (1 atleta)
                                  Se erro no treino, no jogo a chance de
                                  errar é maior (1 atleta)



                Figura 1: Pensamento disfuncional “não posso errar” relativo
             à crença de passe. São 17 pensamentos de um total de 78 = 22%.

   A segunda maior preocupação dos atletas é “não posso errar” para não perder opor-
tunidades (Figura 2).


                                  Tenho que ganhar senão me prejudico
                                  (3 atletas)
                                  Se perdermos não posso ser
                                  profissional (2 atletas)
                                  Tenho que jogar bem para ser titular
                                  (2 atletas)                                       16%
                                  Não posso errar porque perco
                                  oportunidades (1 atleta)
                                  Não estou rendendo e posso ser
                                  mandado embora (1 atleta)
                                  Se não jogo bem posso ser
                                  dispensado (1 atleta)
                                  Quero subir logo, não posso perder a
                                  vaga (1 atleta)                             84%
                                  Se erro comprometo seu futebol (1
                                  atleta)
                                  Não posso errar, tenho que mostar
                                  serviço (1 atleta)



                 Figura 2: Pensamento disfuncional “não posso errar” relativo
               à oportunidade. São 13 pensamentos de um total de 78 = 16%.




 18         Psicologia: Teoria e Prática – 2003, 5(2):13-22
Pensamentos automáticos e ansiedade num grupo de jogadores de futebol de campo


   Seguida pela “não posso errar” para não prejudicar o time, como podemos observar
na Figura 3:



                      Não posso errar para não prejudicar o
                      time (5 atletas)

                      Não posso errar porque tenho que ser                             14%
                      melhor que a equipe (2 atletas)

                      Se eu erro tenho que correr atrás para
                      ajudar o time (1 atleta)

                      Será que vou fazer algo errado e
                      prejudicar o time? (1 atleta)

                      Tenho que dar o máximo de mim para
                      ajudar o time (1 atleta)                       86%
                      Será que tenho condições de ficar no
                      time? (1 atleta)




          Figura 3: Pensamento disfuncional “não posso errar” relativo
       a prejudicar o time. São 11 pensamentos de um total de 78 = 14%.


    Na Figura 4, estão descritos todos os pensamentos relacionados a “não posso errar”
caracterizando: medo das críticas (“não posso errar porque o técnico me tira”); expecta-
tiva sobre o próprio desempenho (“tenho que pensar antes do jogo para ir bem”); ava-
liação do treinador (“não sei o que o técnico acha do meu jogo”); perfeição (“não posso
errar porque tenho que ser o melhor”); culpa (“os erros de treinamento são sempre
meus”); lesão (“será que vou dar conta?”); e outros de menor porcentagem.



                   Crença passe – 22%
                                                                3%         6%
                   Oportunidade – 16%
                                                              3%
                   Prejudicar time – 14%                                                     22%
                                                           4%
                   Crítica – 12%
                   Expectativa – 6%                      4%
                   Feedback/treinador – 5%               5%
                   Perfeição – 5%
                   Culpa – 4%                            5%
                   Lesão – 4%
                                                                                                   16%
                                                           6%
                   Torcida – 3%
                   Agressividade – 3%
                   Outros – 6%                                    12%
                                                                                     14%




             Figura 4: Pensamentos disfuncionais relativos à ansiedade.



                                                                   Psicologia: Teoria e Prática – 2003, 5(2):13-22   19
Sonia Román, Mariângela Gentil Savoia


   Neste estudo, identificaram-se pensamentos disfuncionais relacionados à performan-
ce no esporte. Ao comparar os resultados desta investigação com a literatura, verificou-
se que pesquisadores como Gauron (GAURON apud WILLIAMS, 1991) relatam distorções
cognitivas relacionadas ao esporte, e não pensamentos disfuncionais. Segundo Beck
(BECK et al, 1997), os pensamentos disfuncionais levam as pessoas a desenvolver distor-
ções cognitivas. Pode ser feito um paralelo com as distorções apresentadas por Gauron
(apud WILLIAMS, 1991) e os pensamentos disfuncionais encontrados nesta pesquisa.

1. A perfeição é necessária (os atletas precisam ser perfeitos em tudo o que fazem) – o
   pensamento, relatado por nossos atletas, “se eu não for perfeito tenho que fazer gol
   para compensar”, demonstra que o jogador apresenta essa distorção.
2. Catastrofizar (qualquer falha é um desastre) – encontramos os seguintes pensamen-
   tos catastróficos: “dois erros seguidos e estou numa fase ruim”, “tenho que acertar
   o passe se não algo ruim acontece”.
3. Valia pessoal depende do êxito – tem-se que ajudar os jogadores a se valorizarem
   independentemente do desempenho, pois encontramos depoimentos como: “Se per-
   dermos, não posso ser profissional”.
4. Personalização (responsabilizar a si pelos fracassos) – como exemplo, encontramos: “a
   responsabilidade de perder é toda minha”.
5. Pensamento polarizado (tudo ou nada) – como exemplo, encontramos: “Não joguei
   bem, é uma má fase”.
6. Supergeneralizar (concluir sem provas) – como exemplo, encontramos: “Se não jogo
   bem, posso ser dispensado”.

   É interessante notar que as duas classificações podem trazer benefícios no tratamen-
to desses atletas. A categorização dos pensamentos realizada neste trabalho leva o psi-
cólogo do esporte a se deparar com as preocupações relativas ao futebol de campo,
podendo apresentar uma atuação com uma grande probabilidade de eficácia, pois os
pensamentos automáticos disfuncionais, uma vez encontrados, agilizam o atendimento.
Já a categorização de Gauron (apud WILLIAMS, 1991) dilui os pensamentos relativos ao
jogo a distorções gerais e pode auxiliar o psicólogo do esporte a estar atento a esse tipo
de distorção.
   Em contrapartida, Hernandez (2003) identifica os pensamentos disfuncionais da
mesma forma que o presente estudo: “Serei o melhor se não cometer erros”, “quando
começo falhando, é seguro que continuarei atuando mal”, “não se aprende, nem se
melhora perdendo as competições”, “a autocrítica antes, durante e depois de uma atua-
ção ajuda a render mais”.
   Importante salientar que a ativação necessária ao organismo obedece a um continuum
que vai do repouso à excitação ou, como propõem alguns autores, do coma ao pânico e
que caberá ao psicólogo perceber as diferenças individuais e respeitá-las. Portanto, uma
das conseqüências de não se investir emocionalmente no atleta pode acarretar o abando-
no da carreira, pois seu funcionamento “normal” não se realiza, sua segurança é ameaça-
da, sem recursos para desafiar seus pensamentos automáticos disfuncionais.

 20         Psicologia: Teoria e Prática – 2003, 5(2):13-22
Pensamentos automáticos e ansiedade num grupo de jogadores de futebol de campo


   Este trabalho teve como base a proposta cognitivista que preconiza a flexibilização
dos pensamentos disfuncionais, podendo ser acrescida da comportamental, que propõe
a exposição graduada para o enfrentamento da ansiedade, colaborando intensamente
para melhorar o rendimento do atleta, com a redução de sua ansiedade. Tais idéias, pelo
menos no futebol do Brasil, ainda não foram assimiladas. Diz Martin (2001, p. 58):

   “[...] o efeito final do excesso de nervosismo é que ele acrescenta estímulos adicionais ao ambiente com-
   petitivo que, provavelmente, não estavam presentes no ambiente de treinamento, o que interfere com a
   generalização de estímulos de uma habilidade, do treino para a competição”.


Conclusões
    A crença “não posso errar” foi a tônica dos pensamentos relacionados à ansiedade
nos jogadores pesquisados, e a crença “não posso errar” relativa a passes é a de maior
porcentagem (22%) encontrada em nossos jogadores.
    Dentre as indagações que surgem diante desse fato destaca-se o porquê do medo de
errar ser tão forte nos jogadores de futebol. Uma das hipóteses a ser enfatizada e inves-
tigada em pesquisas futuras é de que a cultura (não generalizada) nesse esporte, seja
do técnico, seja da comissão técnica, seja dos dirigentes, seja da mídia, é de que os erros
nos passes não podem existir e, principalmente, nas finalizações, como se todos tives-
sem de acertar sempre e de ter controle absoluto sobre todos os momentos cruciais e
decisivos dos jogos.
    Outra hipótese diz respeito a quanto a exigência do perfeccionismo acelera o proces-
so de ansiedade e/ou o estresse em sua segunda ou terceira fase, quando a ameaça per-
siste, uma vez que não é possível acertar 100%.
    A terapia cognitiva comportamental enfatiza as diferenças individuais dos pensamen-
tos automáticos disfuncionais e não há, por este conceito, a possibilidade de tratamento
generalizado no esporte, nem quando nos referimos à equipe. Para tanto, pode-se utili-
zar o “questionamento socrático” para levar o jogador a perceber a irracionalidade de
seus próprios pensamentos, regras e suposições.
    A psicologia do esporte deve-se valer de instrumentos como o teste de ansiedade de
Beck (1988), para mensuração, facilitando a investigação e reduzindo o tempo de aten-
dimento, já que o sucesso do futebol é medido por resultados práticos muito rápidos –
o tempo entre duas partidas pode ser de horas. Um atendimento estruturado pode coo-
perar para que bons atletas tenham tempo suficiente de mostrar o que sabem fazer, que
é jogar futebol, não sendo dispensados injustamente do jogo ou do clube, com a ansie-
dade interferindo em suas performances.



   Referências

   BALLONE, J. G. Revista especial sobre estresse. (Última revisão 2002, Home 21.03.2003).
      Psiqweb, Psiquiatria Geral caderno Especial, p. 1-11.

                                                                   Psicologia: Teoria e Prática – 2003, 5(2):13-22   21
Sonia Román, Mariângela Gentil Savoia


      BARRERA, E. Evitación y/o escape como mecanismos psicológicos en el ámbito del
          deporte de competición. Psicologia del Deporte, articulo 4. Espanha, 2000.
      BARROS NETO, T. P. Sem medo de ter medo. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2000.
      BECK. A.; WARD, C. H.; MENDELSON, M.; MOCK, J.; ERBAUGH, J. An inventory for
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      BECK, A.; EPSTEIN, N.; BROWN, G.; STEER, R. A. An inventory for measuring clinical
          anxiety. Psychometric Properties, Journal of Consulting and Clinical
          Psychology, v. 56, p. 893-897, 1988.
      BECK, A.; RUSH, A. J.; SHAW, B. F.; EMERY, G. Terapia cognitiva da depressão.
          Porto Alegre: Artes Médicas, 1997.
      BOIS, D. E. R. O sistema nervoso (não publicado), 1998.
      CAZABAT, E. H.; COSTA, E. Stress: la sal de la vida? Avances en Medicina Ambula-
          toria. Bs. As/Sociedad Argentina de Medicina, p. 117-125, 2000.
      GONZALEZ, J. L. Psicología del deporte. Madrid: Editorial Biblioteca Nueva, 1997.
      GALLWEY, T. W. O jogo interior de tênis. São Paulo: Texto Novo. The Inner Game
          of Tennis. Nova York: Random House, Inc., 1996.
      HERNANDEZ, J. A. E.; VOSER, R. C.; GOMES, M. M. Coesão grupal, ansiedade pré-
          competitiva e o resultado dos jogos em equipes de futebol. Universidade
          Luterana do Brasil/Grupo de pesquisa em Psicologia do Esporte e de Atividade
          Física, p.1-10, 1999.
      HERNANDEZ, S. Qué son los pensamientos irracionales. Argentina: Mente y
          Deporte, p. 1, 2003.
      MARTIN, G. L. Consultoria em Psicologia do Esporte. Orientações práticas em
          análise do comportamento. Tradução Gallwey, T. W. Campinas: Instituto de
          Análise do Comportamento, 1997. Sport Psychology Consulting: Pratical Guideli-
          nes from Behavior Analysis. United States: Sport Science Press, 2001.
      WILLIAMS, J. M. Psicologia aplicada al deporte. Madrid: Biblioteca Nueva, 1991.




Contato
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Bairro Boqueirão
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CEP 11450-520
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                                                                  Aceito em outubro/2003




 22         Psicologia: Teoria e Prática – 2003, 5(2):13-22

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ANSIEDADE NO ESPORTE

  • 1. Psicologia: Teoria e Prática – 2003, 5(2):13-22 Pensamentos automáticos e ansiedade num grupo de jogadores de futebol de campo Sonia Román Psicóloga do Departamento Amador do Santos Futebol Clube Universidade Unimonte Mariângela Gentil Savoia Coordenadora do Setor de Psicologia do Centro de Atenção Integrada da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo Pesquisadora do Ambulatório de Ansiedade do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo Resumo: O atleta de futebol experiencia situações estressoras que, interpretadas como ameaçadoras, podem desencadear respostas de ansiedade. A ansiedade exacerbada existe nos jogadores com crenças muito rígidas, as quais afetam substancialmente sua percepção das situações esportivas. O presente estudo tem o objetivo de avaliar a ansiedade no esporte em equipes de futebol e identificar as crenças e os pensamentos disfuncionais mais comuns apre- sentados por esses jogadores. Foram investigadas três equipes de futebol amador. Utilizaram- se os instrumentos: Inventário de Depressão de Beck (BDI) e Inventário de Ansiedade de Beck (BAI). Verificaram-se 61% de sintomas de ansiedade e 39% de depressão. Os pensa- mentos automáticos disfuncionais relatados pelos atletas concentram-se nas concepções sobre o erro, perfeccionismo e na estrutura do trabalho. Com um plano de atendimento baseado na abordagem cognitiva comportamental, a Psicologia do Esporte pode ganhar tem- po e dinâmica, auxiliando o atleta a transformar seus pensamentos disfuncionais em pensa- mentos racionais que levem a comportamentos mais satisfatórios a ele, à equipe e à torcida. Palavras-chave: Psicologia do esporte; Pensamentos automáticos; Ansiedade. AUTOMATICS THOUGHTS AND ANXIETY IN SOCCER TEAM Abstract: The athlete of soccer lives many stress situations to perform his function that can be interpreted as a menace to induce to anxiety responses. The interpretations gene- rally can be shown by irrational beliefs and the dysfunctional thoughts. The excess of anxiety exists in many players who has rigid beliefs that modifies the perception of the sportive situations that they live (Barrera, 2000). The aim of this paper is assessment the anxiety in soccer teams, identify these players’ beliefs, verify if the dysfunctional thoughts are present in these situations. Three amateur teams of soccer were studied with Beck Depression Inventory (BDI) and Beck Anxiety Inventory (BAI). 61% of the symptoms were of anxiety and 39% of depression. The core of this thoughts were mistaken, perfectionism and in the work structure. The approach Cognitive Behavioural offers to Psychology of Sport dyna- mism helping the athlete to modify his dysfunctional automatic from thoughts that induced to anxiety to more satisfactory thoughts behaviours to them, to the team and to the cheers. Keywords: Sport Psychology; Automatics thoughts; Anxiety. Introdução e revisão teórica O atleta de futebol passa pelas mais variadas situações estressantes, como, por exem- plo, erros que comete em campo ao jogar, competições acirradas, pressão da torcida, tro- ca de clube, salários atrasados, lesões inesperadas pelo atleta, perdas nas partidas deci- 13
  • 2. Sonia Román, Mariângela Gentil Savoia sivas, cobrança financeira da família, dentre outras. Nessas situações, aqui entendidas como estressoras, ele pode vir a desenvolver respostas de ansiedade, ou seja, uma res- posta física diante de uma situação de ameaça real ou de uma situação interpretada como ameaçadora. Uma certa quantidade de estresse é importante para se ter um bom rendimento em qualquer tarefa, o chamado eutress, que impulsiona e motiva para realizações. Em con- trapartida, o distress, o estresse disfuncional, pode desencadear respostas inadequadas à situação. A ansiedade considerada agradável (CAZABAT e COSTA, 2000) para alguns, como subir numa montanha-russa, praticar pára-quedismo ou esportes mais radicais, pode trazer desconforto para outros. Essas situações eliciam os pensamentos automáticos comuns a todos os indivíduos, atletas ou não, e fazem parte de nossas experiências, pois a ansiedade em alguns mo- mentos é impulsora do desempenho. Os pensamentos automáticos eliciadores de ansie- dade podem traduzir-se em uma vontade normal e funcional de entrar em campo para um combate competitivo, diferentemente de pensamentos automáticos disfuncionais, eliciadores de ansiedade que interferirão no desempenho e tidos como disfuncionais. Segundo Selye (apud BALLONE, 2003), o estresse significa o esforço de adaptação do organismo para enfrentar situações ameaçadoras a sua vida e a seu equilíbrio. A ausên- cia de flexibilidade que o atleta pode ter para responder às situações de estresse torna-o “vulnerável”, o que confirma a ausência de recursos de enfrentamento. Isto pode ativar mecanismos de fuga ou evitação no atleta quando, finalmente, não encontra respostas adaptativas, levando-o, inclusive, à interrupção de habilidades motrizes finas (GUZMÁN, ASMAR e FERRERAS apud HERNANDEZ, VOSER, GOMES, 1999). Os efeitos fisiológicos, cognitivos, emocionais e comportamentais resultantes dessas respostas são descritos a seguir num paralelo com o esporte: a) Dilatação das pupilas – a química do medo faz que as pupilas se dilatem. Isso dimi- nui a capacidade de a pessoa perceber os detalhes que a cercam, mas aumenta o poder de visão geral. Em tempos ancestrais, esse recurso permitia que o homem identificasse no escuro das cavernas um predador e as possíveis rotas de fuga. Segun- do Martin (2001), nesse momento, o jogador com ansiedade teria uma capacidade de ver o todo, mas perderia pequenos lances. É comum ouvirmos dos torcedores expressões do tipo: “por que não passou a bola para o jogador ao lado?”, “fomi- nha... quer fazer o gol sozinho, podia ter passado a bola”, “não tá enxergando não, ganso? (jogador que não joga nada)”, “vai pra casa”. Expressões como essas dão uma alusão de que o jogador não está enxergando direito, o que pode ser verdade, pois pode vir a perder sua capacidade de detalhes, uma vez que tem suas pupilas dilatadas pela ansiedade. b) Estimulação do coração (palpitação ou taquicardia) – a maior irrigação sanguínea faz que o cérebro e os músculos trabalhem mais intensamente, deixando a pessoa alerta e ágil. O fato de o coração bater acelerado exige maior oxigenação tornando a res- piração mais curta, ofegante. Nesse correspondente com o atleta ansioso, com o rit- mo cardíaco acelerado, o atleta sentir-se-á esgotado fisicamente, muitas vezes não 14 Psicologia: Teoria e Prática – 2003, 5(2):13-22
  • 3. Pensamentos automáticos e ansiedade num grupo de jogadores de futebol de campo tendo “pernas” para o jogo todo, no caso do futebol de campo, nos 90 minutos. O futebol é um esporte de resistência (MARTIN, 2001) em que o atleta precisa poupar sua energia. O mesmo não acontece nos esportes de explosão, como uma corrida de 100 metros. E acrescenta: “um nadador que fica nervoso logo antes de uma prova de quatrocentos (400) metros tem possibilidade de morrer durante as últimas viradas”. A precipitação é um fator que o jogador experimenta com o aumento da adrenalina. No caso do futebol, as finalizações sofrerão déficits na qualidade, pela ativação excessi- va; muitas pessoas ligadas ao esporte não entendem por que o atleta vai bem nos trei- nos e no dia do jogo tem uma atuação deficiente. c) Diminuição da produção de saliva (boca seca) – podemos ver alguns atletas rodando os dedos indicadores para o técnico, sinalizando o esgotamento (não provocado por lesão). Há, nesta pesquisa, um atleta que depois de um jogo com muita ansiedade usou o termo “minha língua colou na boca... eu não conseguia mover a língua. Depois do jogo, cheguei a comentar com o meu pai que me levasse ao médico por- que estava assustado com isso”. d) Tensão nos músculos – segundo pesquisa da educadora física Eliana Bois (1998, obra não publicada), o terceiro estágio do aprendizado da destreza é a automatização, conseguida por meio de treinamento repetitivo; por exemplo, o comportamento de chutar até que se torne um hábito. Qualquer movimento tem uma dosagem certa de tensão nos músculos para ser bem executado, ou seja, a precisão técnica (WILLIAMS, 1991). A ansiedade e a tensão deses- truturam a precisão, pois as vias neurais se ocupam com impulsos de alerta do sistema de luta ou fuga, decrescendo ou inibindo os impulsos precisos, para completar a destre- za e o movimento coordenado. Uma ótima execução não sucede quando os atletas pen- sam nela, o que enfatiza que o aprendizado em sintonia com a execução de funções automáticas e inconscientes é algo que está livre de toda interferência do pensamento (GALLWEY, 1996). A tática e a técnica não mudam de uma semana para outra, mas as reações psíquicas sim. e) Cognições – com o sistema límbico acionado, os pensamentos automáticos disfuncio- nais podem invadir a mente do atleta; por exemplo, “tenho que fazer gol”, “não estou conseguindo fazer o gol”, “hoje não é meu dia de sorte”, “estou errando demais”, “se continuar jogando assim vou ser substituído” etc. Tais pensamentos ameaçam o atleta, e se ele não souber responder adequadamente a esses estímulos internos, o sistema límbico continuará acionado. Sem recursos, os sintomas conti- nuam (sudorese, taquicardia, palidez etc.), cortando o estímulo medular (arco refle- xo) para o cérebro, que é quando o jogador começa a pensar. O piloto automático é interrompido e, nesse momento, o atleta experimenta desconcentração, fica confu- so, suas pernas não obedecem, interferindo na performance de seus chutes ou em outros comportamentos, seus músculos tensos, além do limite de ativação ideal, não Psicologia: Teoria e Prática – 2003, 5(2):13-22 15
  • 4. Sonia Román, Mariângela Gentil Savoia respondem ao comando consciente. O atleta perderá seu timing e fluidez. A esse res- peito, Suzuki, na introdução ao livro Zen e a arte de atirar com o arco, afirma: “Assim que refletimos, deliberamos e conceituamos, a inconsciência original é perdida e um pensamento interfere [...] A flecha é disparada, mas não voa diretamente para o alvo, nem o alvo fica onde está. Apa- rece uma conjetura, que é um cálculo inexato [...] O homem é um ser pensante, mas as suas grandes obras são realizadas quando ele não está calculando nem pensando. O “ser criança” deve ser restaurado por meio de longos anos de treino no esquecimento de si mesmo” (SUZUKI apud GALLWEY, 1996, p. 35). As reações psicológicas (GONZÁLEZ, 1997) são: decréscimo da flexibilidade mental, sentimentos de confusão, aumento do número de pensamentos negativos, menor capa- cidade de centrar-se na atuação, atenção inadequada a vivências internas, esquecimen- to de detalhes, recorrência a antigos hábitos inadequados, tendência a precipitar-se na atuação e decréscimo da capacidade de tomar decisões, característica elucidada a seguir. f) Tomar decisões – o atleta não apresenta essa capacidade ao titubear, ou seja, a joga- da específica que ele fará num determinado momento é muitas vezes influenciada pela ansiedade. O titubeio está na indecisão que a ansiedade provoca, pois há o decréscimo da flexibilidade mental; o jogador desconcentra-se da jogada. A terapia cognitiva entende que as emoções e os comportamentos (BECK, 1997) estão intimamente ligados pelas interpretações dos eventos aos quais os indivíduos passam. A interpretação no esporte, se externada, pode aparecer sob a forma de crenças (pensa- mentos ou imagens), como, por exemplo, “não posso errar”, “tenho que marcar um gol de qualquer jeito”, “perdi o jogo e me sinto um fracasso”, ou sob a forma de imagens, “ver a torcida vaiando”, “ver seu nome no jornal como mau atleta” ou “ver a família sem proteção”, dentre outros pensamentos, e provocar ansiedade. Segundo Barrera (2000), a ansiedade exacerbada existe nos jogadores que têm crenças muito rígidas, as quais afetam substancialmente sua percepção das situações esportivas e sociais que os rodeiam. Portanto, por meio da identificação dos pensamentos mais comuns nessa população, pode-se propor uma intervenção eficaz. Fazer uso de um atendimento estru- turado, com medidas padronizadas para detectar rápidos índices de ansiedade, permite trabalhar o atleta, num espaço de tempo compatível com a urgência inerente ao espor- te, no qual o tempo é crucial. Este trabalho tem por objetivos: a) avaliar a ansiedade em equipes de futebol; b) identificar os pensamentos automáticos disfuncionais e as crenças mais comuns que os atletas apresentam; c) fazer um paralelo com a literatura internacional; d) apresentar determinadas hipóteses para as mudanças de alguns conceitos que invia- bilizam a qualidade no esporte. 16 Psicologia: Teoria e Prática – 2003, 5(2):13-22
  • 5. Pensamentos automáticos e ansiedade num grupo de jogadores de futebol de campo Metodologia Realizou-se um estudo de caso em um Clube de Futebol no Departamento Amador que se divide em quatro categorias: 1– Mirim – 13 e 14 anos também chamado de sub 89 e sub 88 (ano de nascimento dos atletas). 2– Infantil – 14 e 15 anos (sub 88, sub 87). 3– Juvenil – 16 e 17 anos (sub 86, sub 85). 4– Juniores – 18 a 20 anos (sub 84, sub 83 e sub e 82). Em cada categoria, avaliaram-se atletas de dois times, o titular e o time reserva, tota- lizando 75 jogadores, e alguns foram atendidos mais de uma vez. Foi utilizado para medir a ansiedade o Inventário de Ansiedade de Beck (BECK et al, 1988), recurso que dá maior ênfase aos aspectos somáticos da ansiedade, o Inventário de Depressão de Beck (BECK, 1961) e o EASD – Escala de Avaliação dos Sintomas Depres- sivos – (BARROS NETO, 2000), este último introduzido no trabalho pela sua objetividade de tempo na execução. Os atletas foram atendidos individualmente de dezembro de 2000 a setembro de 2002. Após a aplicação dos inventários, solicitou-se que relatassem os pensamentos automáticos nas situações de jogo que eliciavam os sintomas de ansie- dade e depressão. Nesse período as equipes passaram por vários campeonatos, e alguns atletas atenderam ao chamado da seleção brasileira na categoria Juvenil. Todos os atle- tas deram consentimento para a utilização de dados na pesquisa, de acordo com a reso- lução 196/96. Os dados não foram tratados estatisticamente, pois se privilegiou a análise qualitati- va, e os dados percentuais são mais um indicativo da qualidade do dado. Discussão de resultados Dos atendimentos realizados, os atletas apresentaram sintomas em 129 deles – 51 referem-se à depressão e 78 à ansiedade, tema deste trabalho. Verificou-se que a ansie- dade está presente em 61% das queixas dos atletas, tendo uma preponderância com relação a queixas de depressão. Os termos seguintes foram extraídos dos atletas quando se referiam ao comporta- mento provocado pela ansiedade: “eu paraliso”, “fico em alerta”, “fico atrapalhado”, “sinto-me preso”, “falta personalidade”, “fico na retranca”, “meu corpo prende”, “fico introspectivo”, “fico pensando o tempo todo”, “retraio”, “paraliso meu jogo”, “o jogo diminui”, “me dá dúvida”, “sinto-me estressado”, “estouro fácil”, “não vou na bola”, “parece que fico tímido”, “fico queimando”. Uma vez desaparecida a ameaça, o orga- nismo volta ao seu funcionamento normal, responde ao enorme gasto de energia físi- ca e emocional. Os pensamentos automáticos disfuncionais dos atletas identificados são apresenta- dos a seguir, por ordem percentual decrescente. As categorias indicadas podem ser rela- cionadas a pensamentos disfuncionais decorrentes da crença “não posso errar”. Várias Psicologia: Teoria e Prática – 2003, 5(2):13-22 17
  • 6. Sonia Román, Mariângela Gentil Savoia interpretações das situações que desencadeiam ansiedade de erro nesses atletas foram identificadas e podem ser descritas. A primeira delas é “não posso errar”, com crenças sobre os passes, como podemos verificar na Figura 1. Se acerto a primeira bola é porque vou bem (4 atletas) Preciso acertar o passe (senão algo ruim acontece (4 atletas) Quando erro uma bola a seguinte tenho que acertar (2 atletas) 22% Dois erros seguidos e estou numa fase ruim (2 atletas) Se eu acertar o próximo passe volto ao ritmo normal (1 atleta) A primeira bola quando erro é falto de concentração (1 atleta) A bola tem que vir para substituir o erro 78% (1 atleta) Quando a gente erra é falta de personalidade (1 atleta) Se erro no treino, no jogo a chance de errar é maior (1 atleta) Figura 1: Pensamento disfuncional “não posso errar” relativo à crença de passe. São 17 pensamentos de um total de 78 = 22%. A segunda maior preocupação dos atletas é “não posso errar” para não perder opor- tunidades (Figura 2). Tenho que ganhar senão me prejudico (3 atletas) Se perdermos não posso ser profissional (2 atletas) Tenho que jogar bem para ser titular (2 atletas) 16% Não posso errar porque perco oportunidades (1 atleta) Não estou rendendo e posso ser mandado embora (1 atleta) Se não jogo bem posso ser dispensado (1 atleta) Quero subir logo, não posso perder a vaga (1 atleta) 84% Se erro comprometo seu futebol (1 atleta) Não posso errar, tenho que mostar serviço (1 atleta) Figura 2: Pensamento disfuncional “não posso errar” relativo à oportunidade. São 13 pensamentos de um total de 78 = 16%. 18 Psicologia: Teoria e Prática – 2003, 5(2):13-22
  • 7. Pensamentos automáticos e ansiedade num grupo de jogadores de futebol de campo Seguida pela “não posso errar” para não prejudicar o time, como podemos observar na Figura 3: Não posso errar para não prejudicar o time (5 atletas) Não posso errar porque tenho que ser 14% melhor que a equipe (2 atletas) Se eu erro tenho que correr atrás para ajudar o time (1 atleta) Será que vou fazer algo errado e prejudicar o time? (1 atleta) Tenho que dar o máximo de mim para ajudar o time (1 atleta) 86% Será que tenho condições de ficar no time? (1 atleta) Figura 3: Pensamento disfuncional “não posso errar” relativo a prejudicar o time. São 11 pensamentos de um total de 78 = 14%. Na Figura 4, estão descritos todos os pensamentos relacionados a “não posso errar” caracterizando: medo das críticas (“não posso errar porque o técnico me tira”); expecta- tiva sobre o próprio desempenho (“tenho que pensar antes do jogo para ir bem”); ava- liação do treinador (“não sei o que o técnico acha do meu jogo”); perfeição (“não posso errar porque tenho que ser o melhor”); culpa (“os erros de treinamento são sempre meus”); lesão (“será que vou dar conta?”); e outros de menor porcentagem. Crença passe – 22% 3% 6% Oportunidade – 16% 3% Prejudicar time – 14% 22% 4% Crítica – 12% Expectativa – 6% 4% Feedback/treinador – 5% 5% Perfeição – 5% Culpa – 4% 5% Lesão – 4% 16% 6% Torcida – 3% Agressividade – 3% Outros – 6% 12% 14% Figura 4: Pensamentos disfuncionais relativos à ansiedade. Psicologia: Teoria e Prática – 2003, 5(2):13-22 19
  • 8. Sonia Román, Mariângela Gentil Savoia Neste estudo, identificaram-se pensamentos disfuncionais relacionados à performan- ce no esporte. Ao comparar os resultados desta investigação com a literatura, verificou- se que pesquisadores como Gauron (GAURON apud WILLIAMS, 1991) relatam distorções cognitivas relacionadas ao esporte, e não pensamentos disfuncionais. Segundo Beck (BECK et al, 1997), os pensamentos disfuncionais levam as pessoas a desenvolver distor- ções cognitivas. Pode ser feito um paralelo com as distorções apresentadas por Gauron (apud WILLIAMS, 1991) e os pensamentos disfuncionais encontrados nesta pesquisa. 1. A perfeição é necessária (os atletas precisam ser perfeitos em tudo o que fazem) – o pensamento, relatado por nossos atletas, “se eu não for perfeito tenho que fazer gol para compensar”, demonstra que o jogador apresenta essa distorção. 2. Catastrofizar (qualquer falha é um desastre) – encontramos os seguintes pensamen- tos catastróficos: “dois erros seguidos e estou numa fase ruim”, “tenho que acertar o passe se não algo ruim acontece”. 3. Valia pessoal depende do êxito – tem-se que ajudar os jogadores a se valorizarem independentemente do desempenho, pois encontramos depoimentos como: “Se per- dermos, não posso ser profissional”. 4. Personalização (responsabilizar a si pelos fracassos) – como exemplo, encontramos: “a responsabilidade de perder é toda minha”. 5. Pensamento polarizado (tudo ou nada) – como exemplo, encontramos: “Não joguei bem, é uma má fase”. 6. Supergeneralizar (concluir sem provas) – como exemplo, encontramos: “Se não jogo bem, posso ser dispensado”. É interessante notar que as duas classificações podem trazer benefícios no tratamen- to desses atletas. A categorização dos pensamentos realizada neste trabalho leva o psi- cólogo do esporte a se deparar com as preocupações relativas ao futebol de campo, podendo apresentar uma atuação com uma grande probabilidade de eficácia, pois os pensamentos automáticos disfuncionais, uma vez encontrados, agilizam o atendimento. Já a categorização de Gauron (apud WILLIAMS, 1991) dilui os pensamentos relativos ao jogo a distorções gerais e pode auxiliar o psicólogo do esporte a estar atento a esse tipo de distorção. Em contrapartida, Hernandez (2003) identifica os pensamentos disfuncionais da mesma forma que o presente estudo: “Serei o melhor se não cometer erros”, “quando começo falhando, é seguro que continuarei atuando mal”, “não se aprende, nem se melhora perdendo as competições”, “a autocrítica antes, durante e depois de uma atua- ção ajuda a render mais”. Importante salientar que a ativação necessária ao organismo obedece a um continuum que vai do repouso à excitação ou, como propõem alguns autores, do coma ao pânico e que caberá ao psicólogo perceber as diferenças individuais e respeitá-las. Portanto, uma das conseqüências de não se investir emocionalmente no atleta pode acarretar o abando- no da carreira, pois seu funcionamento “normal” não se realiza, sua segurança é ameaça- da, sem recursos para desafiar seus pensamentos automáticos disfuncionais. 20 Psicologia: Teoria e Prática – 2003, 5(2):13-22
  • 9. Pensamentos automáticos e ansiedade num grupo de jogadores de futebol de campo Este trabalho teve como base a proposta cognitivista que preconiza a flexibilização dos pensamentos disfuncionais, podendo ser acrescida da comportamental, que propõe a exposição graduada para o enfrentamento da ansiedade, colaborando intensamente para melhorar o rendimento do atleta, com a redução de sua ansiedade. Tais idéias, pelo menos no futebol do Brasil, ainda não foram assimiladas. Diz Martin (2001, p. 58): “[...] o efeito final do excesso de nervosismo é que ele acrescenta estímulos adicionais ao ambiente com- petitivo que, provavelmente, não estavam presentes no ambiente de treinamento, o que interfere com a generalização de estímulos de uma habilidade, do treino para a competição”. Conclusões A crença “não posso errar” foi a tônica dos pensamentos relacionados à ansiedade nos jogadores pesquisados, e a crença “não posso errar” relativa a passes é a de maior porcentagem (22%) encontrada em nossos jogadores. Dentre as indagações que surgem diante desse fato destaca-se o porquê do medo de errar ser tão forte nos jogadores de futebol. Uma das hipóteses a ser enfatizada e inves- tigada em pesquisas futuras é de que a cultura (não generalizada) nesse esporte, seja do técnico, seja da comissão técnica, seja dos dirigentes, seja da mídia, é de que os erros nos passes não podem existir e, principalmente, nas finalizações, como se todos tives- sem de acertar sempre e de ter controle absoluto sobre todos os momentos cruciais e decisivos dos jogos. Outra hipótese diz respeito a quanto a exigência do perfeccionismo acelera o proces- so de ansiedade e/ou o estresse em sua segunda ou terceira fase, quando a ameaça per- siste, uma vez que não é possível acertar 100%. A terapia cognitiva comportamental enfatiza as diferenças individuais dos pensamen- tos automáticos disfuncionais e não há, por este conceito, a possibilidade de tratamento generalizado no esporte, nem quando nos referimos à equipe. Para tanto, pode-se utili- zar o “questionamento socrático” para levar o jogador a perceber a irracionalidade de seus próprios pensamentos, regras e suposições. A psicologia do esporte deve-se valer de instrumentos como o teste de ansiedade de Beck (1988), para mensuração, facilitando a investigação e reduzindo o tempo de aten- dimento, já que o sucesso do futebol é medido por resultados práticos muito rápidos – o tempo entre duas partidas pode ser de horas. Um atendimento estruturado pode coo- perar para que bons atletas tenham tempo suficiente de mostrar o que sabem fazer, que é jogar futebol, não sendo dispensados injustamente do jogo ou do clube, com a ansie- dade interferindo em suas performances. Referências BALLONE, J. G. Revista especial sobre estresse. (Última revisão 2002, Home 21.03.2003). Psiqweb, Psiquiatria Geral caderno Especial, p. 1-11. Psicologia: Teoria e Prática – 2003, 5(2):13-22 21
  • 10. Sonia Román, Mariângela Gentil Savoia BARRERA, E. Evitación y/o escape como mecanismos psicológicos en el ámbito del deporte de competición. Psicologia del Deporte, articulo 4. Espanha, 2000. BARROS NETO, T. P. Sem medo de ter medo. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2000. BECK. A.; WARD, C. H.; MENDELSON, M.; MOCK, J.; ERBAUGH, J. An inventory for measuring depression. Archives of General Psychiatry, v. 4, p. 561-571, 1961. BECK, A.; EPSTEIN, N.; BROWN, G.; STEER, R. A. An inventory for measuring clinical anxiety. Psychometric Properties, Journal of Consulting and Clinical Psychology, v. 56, p. 893-897, 1988. BECK, A.; RUSH, A. J.; SHAW, B. F.; EMERY, G. Terapia cognitiva da depressão. Porto Alegre: Artes Médicas, 1997. BOIS, D. E. R. O sistema nervoso (não publicado), 1998. CAZABAT, E. H.; COSTA, E. Stress: la sal de la vida? Avances en Medicina Ambula- toria. Bs. As/Sociedad Argentina de Medicina, p. 117-125, 2000. GONZALEZ, J. L. Psicología del deporte. Madrid: Editorial Biblioteca Nueva, 1997. GALLWEY, T. W. O jogo interior de tênis. São Paulo: Texto Novo. The Inner Game of Tennis. Nova York: Random House, Inc., 1996. HERNANDEZ, J. A. E.; VOSER, R. C.; GOMES, M. M. Coesão grupal, ansiedade pré- competitiva e o resultado dos jogos em equipes de futebol. Universidade Luterana do Brasil/Grupo de pesquisa em Psicologia do Esporte e de Atividade Física, p.1-10, 1999. HERNANDEZ, S. Qué son los pensamientos irracionales. Argentina: Mente y Deporte, p. 1, 2003. MARTIN, G. L. Consultoria em Psicologia do Esporte. Orientações práticas em análise do comportamento. Tradução Gallwey, T. W. Campinas: Instituto de Análise do Comportamento, 1997. Sport Psychology Consulting: Pratical Guideli- nes from Behavior Analysis. United States: Sport Science Press, 2001. WILLIAMS, J. M. Psicologia aplicada al deporte. Madrid: Biblioteca Nueva, 1991. Contato Rua da Paz, 24/56 Bairro Boqueirão Santos – SP CEP 11450-520 e-mail: soniaroman@atribuna.com.br Tramitação Recebido em agosto/2003 Aceito em outubro/2003 22 Psicologia: Teoria e Prática – 2003, 5(2):13-22