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Adolescência e identidade


         "Ser adolescente não é fácil e meus pais não percebem isso", disse-me uma garota de 15 anos,
chorando. Concordo com ela, por vários motivos. De largada, eles foram considerados "aborrecentes", uma
expressão que deve ser riscada do vocabulário, já que sugere que os jovens aborrecem os adultos com suas
crises, mudanças de humor, rebeldias etc. Com sua presença, enfim. A quem considera os adolescentes
desagradáveis, lembro que todo adulto já encarnou um, fato que costuma ser convenientemente esquecido. E
lembro, também, que é preciso entender que deixar de ser criança significa, primeiramente, perder muita
coisa.
         A ansiedade que os jovens sentem com as mudanças que ocorrem no corpo deles não é coisa pequena
nesse mundo em que a aparência é tão valorizada, por exemplo. Mas hoje vou conversar sobre o processo de
crise de identidade nessa fase.
         Os pais são o prolongamento da criança, já que tudo o que ela faz passa por eles. Perder esse apoio e
referência tão fortes provoca vulnerabilidade e é trabalhoso porque significa construir e procurar sua
própria identidade. Isso supõe testar capacidades, aprender a reconhecer limites e riscos, organizar sua
relação com o grupo e reconhecer o que quer e o que pensa, entre outros processos.
         Passar por isso com a fragilidade que os adultos vivem nesse tempo só torna as coisas ainda mais
difíceis. Essa é a crise de identidade, uma das passagens inevitáveis desse período. Para saber quem quer ser,
o adolescente precisa saber quem são seus pais. Para chegar a um local desconhecido é preciso estar bem
localizado, saber onde está e de onde veio, não é? O espírito da lei recentemente aprovada no Senado, que
permite aos filhos adotados conhecer dados de seus pais biológicos, é esse. O problema é que esse
conhecimento tem sido complicado porque muitos pais não dão rumo aos filhos.
         "Você escolhe, você é quem sabe, você decide" são expressões que os pais dizem com frequência a
filhos pequenos acreditando que, com isso, lhes dão autonomia. Não. Desse modo, negam aos filhos o
conhecimento de quem são e de onde estão e a própria condição de criança. "Sou praticamente um adulto",
ouvi um garoto de nove anos dizer. Para tornar-se adulto, o adolescente precisa passar por sua crise dentro da
família para conseguir se organizar fora dela. Por isso, os pais precisam "segurar a onda", apoiá-lo e se fazer
presentes não fisicamente sempre que o filho precisar.
         A família precisa ser continente para o filho em crise, mas muitos pais estão "caindo fora", como
dizem os jovens. Ser incapaz para se relacionar com o filho adolescente parece uma epidemia e isso só
agrega dificuldade à já difícil tarefa deles - como reclamou a garota citada -, que só colabora para o
adiamento da aquisição de uma identidade.
         Um adolescente não pode ser como uma criança, assim como um adulto não pode ser como um
adolescente. Precisamos encontrar soluções para esse duplo problema.
                                                                                                  Roseli Saião
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