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Poder Judiciário da União
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO DISTRITO FEDERAL E DOS TERRITÓRIOS
GDCIABD
Gabinete da Desembargadora CARMELITA BRASIL
679645
CONSELHO ESPECIAL
Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 2012.00.2.023026-9
Requerente : Procurador-Geral de Justiça do Distrito Federal
Requeridos : Governador do Distrito Federal
Presidente da Câmara Legislativa do Distrito Federal
Relatora : Desembargadora Carmelita Brasil
EMENTA
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI
COMPLEMENTAR DISTRITAL N.º 852/2012. ÁREAS
INTERSTICIAIS DAS QUADRAS RESIDENCIAIS DA
CEILÂNDIA: “BECOS”. DESAFETAÇÃO DE ÁREA
PÚBLICA. NÃO OBSERVÂNCIA DOS REQUISITOS
LEGAIS. ARTIGO 56, PARÁGRAFO ÚNICO DO ADT DA
LEI ORGÂNICA DO DF. OFENSA AO PRINCÍPIO DA
ISONOMIA, IMPESSOALIDADE E INTEERSSE PÚBLICO.
Segundo regra constante no parágrafo único do artigo 56 do
Ato das Disposições Transitórias da Lei Orgânica do Distrito
Federal, a desafetação de área pública, enquanto não
aprovada a Lei de Uso e Ocupação do Solo, somente poderá
ocorrer por lei complementar específica de iniciativa do
Governador, motivada por situação de relevante interesse
público e precedidas da participação popular e de estudos
técnicos que avaliem o impacto da alteração, aprovados pelo
órgão competente do Distrito Federal.
A Lei Complementar distrital nº 856/2012 padece de vício de
inconstitucionalidade material, porque sua edição não foi
precedida da necessária participação popular e dos estudos
técnicos.
A realização de uma única audiência pública, cujo
chamamento se deu apenas por meio de edital publicado no
diário oficial e em jornais de grande circulação, com
participação inexpressiva da população interessada, não se
presta para o cumprimento do requisito contido no parágrafo
Poder Judiciário da União
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ADI 2012.00.2.023026-9
679645 ADI 2012.00.2.023026-
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único do artigo 56 do ADT da LODF, referente à prévia
participação popular.
A previsão contida na lei impugnada de doação de imóvel
público para pessoas que pelos próprios cargos exercidos:
policiais e bombeiros, afastam-se da condição de
hipossuficientes econômicos, fere os princípios da isonomia,
impessoalidade e interesse público, pois auferem renda
bastante para aquisição de moradia sem o benefício de
políticas públicas voltadas para este fim.
A C Ó R D Ã O
Acordam os Desembargadores do Conselho Especial deste
Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios, CARMELITA BRASIL,
Relatora, J. J. COSTA CARVALHO, SANDRA DE SANTIS, FLAVIO ROSTIROLA,
JAIR SOARES, VERA ANDRIGHI, MARIO-ZAM BELMIRO, GEORGE LOPES
LEITE, JOÃO TIMÓTEO DE OLIVEIRA, ANTONINHO LOPES, JOÃO EGMONT,
ROMÃO C. OLIVEIRA, LECIR MANOEL DA LUZ, ROMEU GONZAGA NEIVA,
Vogais e SÉRGIO BITTENCOURT, Presidente e Vogal, em JULGAR
PROCEDENTE O PEDIDO PARA DECLARAR A INCONSTITUCIONALIDADE DA
LEI COMPLEMENTAR N.° 852, DE 21 DE SETEMBRO DE 2012, COM EFICÁCIA
ERGA OMNES E EFEITOS EX TUNC. POR MAIORIA, de acordo com a ata de
julgamento e as notas taquigráficas.
Brasília, 14 de maio de 2013.
Desembargadora CARMELITA BRASIL
Relatora
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ADI 2012.00.2.023026-9
679645 ADI 2012.00.2.023026-
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RELATÓRIO
O relatório é, em parte, o constante no i. parecer da d.
Procuradoria de Justiça, que ora transcrevo, in verbis:
“O Procurador-Geral de Justiça do Distrito Federal
e Territórios ajuizou ação direta de inconstitucionalidade
visando à declaração, em tese e com efeitos erga
omnes e ex tunc, da inconstitucionalidade da Lei
Complementar 852, de 21 de setembro de 2012,,
frente aos artigos 19, caput, 26, 47, caput, e § 1º, 49,
51, caput, e parágrafos 1º, 2º e 3º, 314, caput, e seu
parágrafo único e incisos I, II, III, IV, V, VII, IX e XI, 328,
inciso IV, e 56 (ADT), todos da Lei Orgânica do Distrito
Federal, promulgada em 8 de junho de 1993.
A peça vestibular demonstra, em síntese, que a lei
impugnada representa nova tentativa de desafetação
de espaços intersticiais (becos) indeterminados
situados na Região Administrativa de Ceilândia, tendo
em vista que a lei anterior sobre o tema foi julgada
inconstitucional, com efeitos retroativos, tendo sido
legalmente desconstituídas todas as ocupações então
existentes (ADI 2009.00.2.013686-7).
Sustenta o Ministério Público qie a nova lei, a
exemplo da norma anterior (Lei Complementar
775/2008), também não observou os requisitos exigidos
pela Lei Orgânica do Distrito Federal para a
desafetação de áreas públicas, quais sejam, a prévia e
ampla audiência da população interessada, a
comprovação da existência de situação de relevante
interesse público e a realização de estudos técnicos
que avaliem o impacto da alteração, aprovados pelo
órgão competente do Distrito Federal.
Aponta-se que a previsão de doação dos referidos
espaços públicos aos servidores públicos ocupantes
(policiais e bombeiros militares) afronta diversos
princípios da Carta Política distrital, em especial os
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princípio da moralidade, da impessoalidade, da
razoabilidade e do interesse público.
Alega-se, também, que a previsão de
regularização de áreas públicas invadidas até a ‘data
da publicação’ da lei impugnada (art. 1º), mediante a
sua alienação aos atuais ocupantes sem licitação, além
de subverter a lógica de qualquer planejamento urbano
e de não priorizar a população carente inscrita no
cadastro de programas habitacionais de interesse
social, estimula a ocupação desordenada do território,
em afronta a diversas disposições da Lei Orgânica
sobre o tema.
Sustenta-se que a única audiência realizada para
a desafetação das áreas, que contou a presença dos
próprios beneficiários da norma, foi feita sem qualquer
especificação dos espaços a serem desafetados e sem
a prévia elaboração de estudos urbanísticos que
pudessem avaliar o impacto de tal alteração, o que
permitiria a efetiva e ampla análise por parte da
comunidade interessada, ferindo o artigo 56, parágrafo
único, do ADT da LODF.
Aponta-se, por fim, a afronta ao meio ambiente e
à ordem urbanística, bem como insobservância de
diversos Princípios da Política de Desenvolvimento
Urbano do Distrito Federal, previstos na Carta Política
distrital.
Autuado o processo, determinou a Relatora,
Desembargadora Carmelita Brasil, que se
manifestassem o Presidente da Câmara Legislativa do
Distrito Federal e o Governador do Distrito Federal e,
em seguida, que fossem ouvidos o Procurador-Geral de
Justiça do Distrito Federal e Territórios (fls. 72).
O Presidente da Câmara Legislativa do Distrito
Federal defendeu a constitucionalidade da norma
impugnada (fls. 79/82).
O Governador do Distrito Federal, em suas
Informações, sustentou a constitucionalidade da norma
impugnada, tendo juntado aos autos, no entanto,
Parecer Técnico da Secretaria de Desenvolvimento
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Urbano e Habitação (fls. 110/112) que atesta que
algumas das áreas públicas a serem desafetadas estão
totalmente inseridas na Área de Proteção de Manancial
do Córrego Currais ou constituem espaços necessários
ao escoamento alternativo do sistema viário.
O Procurador-Geral do Distrito Federal, atuando
na qualidade de curador do ato normativo impugnado,
reiterou manifestação feita pelo Governador do Distrito
Federal, tendo requerido a improcedência do pedido e,
sucessivamente, a modulação dos efeitos da decisão
(fls. 361/384).”
Acrescento que a d. Procuradoria oficiou pela procedência
dos pedidos veiculados na presente demanda
É o relatório.
V O T O S
A Senhora Desembargadora CARMELITA BRASIL –
Relatora.
Cuida-se de Ação Direta de Inconstitucionalidade ajuizada
pelo Procurador-Geral de Justiça do Distrito Federal, tendo por objeto a Lei
Complementar distrital nº. 852, de 21 de setembro de 2012, cujo escopo seria
regularizar as ocupações promovidas por particulares nas áreas públicas
intersticiais das quadras residenciais da Ceilândia, popularmente conhecidas
como becos, frente às normas contidas nos artigos 19, caput, 26, 47, caput, e §
1º, 49, 51, caput, e §§ 1º, 2º e 3º, 314, caput, parágrafo único, e incisos I, II, III,
IV, V, VII, IX e XI, 328 inciso IV, todos da Lei Orgânica do Distrito Federal, e 56 do
Ato das Disposições Transitórias da referida Lei Orgânica.
A Lei acoimada de inconstitucional tem os seguintes termos:
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LEI COMPLEMENTAR Nº 852, DE 21 DE
SETEMBRO DE 2012.
Dispõe sobre a desafetação e a ocupação das áreas
intersticiais das quadras residenciais da Região
Administrativa de Ceilândia – RA IX e dá outras
providências.
Art. 1º Ficam desafetadas as áreas de uso
comum do povo intersticiais das quadras residenciais
da Região Administrativa de Ceilândia – RA IX que se
encontrem ocupadas e que sejam utilizadas
predominantemente como moradia até a data de
publicação desta Lei Complementar, passando à
categoria de bem dominial, nos termos do art. 51 da Lei
Orgânica do Distrito Federal e do art. 56, parágrafo
único, do Ato das Disposições Transitórias da Lei
Orgânica do Distrito Federal.
Parágrafo único. As áreas intersticiais referidas
no caput que não se encontrem ocupadas e que não
sejam utilizadas predominantemente como moradia até
a data de publicação desta Lei Complementar
permanecem como bens de uso comum do povo.
Art. 2º As áreas públicas desafetadas destinam-
se à criação de unidades imobiliárias residenciais
mediante projeto urbanístico elaborado pelo Poder
Executivo, observados os princípios de
desenvolvimento urbano constantes do art. 314 da Lei
Orgânica do Distrito Federal.
Art. 3º Aplicam-se às unidades imobiliárias
residenciais a serem criadas os mesmos índices
urbanísticos definidos para os lotes lindeiros, na forma
do Plano Diretor Local de Ceilândia, aprovado pela Lei
Complementar nº 314, de 1º de setembro de 2000, e
das demais normas específicas.
Art. 4º As áreas ocupadas podem ser
regularizadas, na forma da Lei federal nº 11.977, de 7
de julho de 2009, desde que utilizadas
predominantemente como moradias.
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§ 1º Fica autorizada a doação aos primeiros
ocupantes que permaneçam nessa condição, desde
que a ocupação tenha sido autorizada pelo Poder
Executivo ou pelo Poder Judiciário.
§ 2º Os ocupantes dos imóveis que não atendam
ao disposto no § 1º têm direito à legalização do imóvel,
mediante o pagamento de valor correspondente à
avaliação, a qual deve ser realizada com base em
critérios específicos para fins de regularização e nas
condições definidas por ato da Secretaria de Estado de
Habitação, Regularização e Desenvolvimento Urbano.
§ 3º Os imóveis que não forem legalizados na
forma dos §§ 1º e 2º devem ser objeto de licitação, na
forma da Lei federal nº 8.666, de 21 de junho de 1993.
§ 4º No caso do § 3º, o valor correspondente às
benfeitorias realizadas pelos ocupantes deve ser
ressarcido pelo vencedor da licitação diretamente ao
ocupante.
Art. 5º A avaliação das áreas referidas no art. 4º,
caput, será feita com base no valor correspondente ao
de terra nua, apurado na data da autorização da
ocupação.
Art. 6º O valor arrecadado com a alienação dos
imóveis é destinado ao Fundo Distrital de Habitação de
Interesse Social – FUNDHIS.
Art. 7º Esta Lei Complementar entra em vigor na
data de sua publicação.
Art. 8º Revogam-se as disposições em contrário.”
Consoante consta no relatório, a inconstitucionalidade
arguida seria de ordem material, ante a não observância dos requisitos contidos
na Lei Orgânica do DF para proceder à desafetação das áreas públicas, em
especial a ausência de ampla discussão da população interessada e de estudos
técnicos para avaliar o impacto da alteração de uso. Ainda, sustenta-se a
ilegalidade da venda dos imóveis sem o devido processo licitatório, bem como
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ofensa aos princípios da isonomia, impessoalidade, moralidade, razoabilidade e
interesse público.
De fato, após detido exame dos autos, bem como das
circunstâncias fáticas que envolvem o objeto da lei ora impugnada, entendo que
razão assiste ao requerente.
O artigo 56 e o seu parágrafo único do Ato das Disposições
Transitórias da Lei Orgânica do Distrito Federal têm a seguinte redação:
“Art. 56. Até a aprovação da Lei de Uso e
Ocupação do Solo, o Governador do Distrito Federal
poderá enviar, precedido de participação popular,
projeto de lei complementar específica que estabeleça
o uso e a ocupação de solo ainda não fixados para
determinada área, com os respectivos índices
urbanísticos. (Artigo e parágrafo com a redação da
Emenda à Lei Orgânica nº 49, de 2007.)
Parágrafo único. A alteração dos índices
urbanísticos, bem como a alteração de uso e
desafetação de área, até a aprovação da Lei de Uso e
Ocupação do Solo, poderão ser efetivadas por leis
complementares específicas de iniciativa do
Governador, motivadas por situação de relevante
interesse público e precedidas da participação popular
e de estudos técnicos que avaliem o impacto da
alteração, aprovados pelo órgão competente do Distrito
Federal.”
Como se vê, são três os requisitos para a desafetação de
área pública, quais sejam: a prévia participação popular na edição da lei; a
existência de estudos técnicos que avaliem o impacto da alteração, os quais
obviamente devem ser aprovados pelos órgãos competentes do Distrito Federal;
e que a modificação pretendida seja motivado por relevante interesse público.
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No caso da lei impugnada, o relevante interesse público é
evidente. Resulta ele da ocupação dos espaços intersticiais das quadras
residenciais da Ceilândia promovida por particulares há muitos anos, alguns com
a anuência do Poder Público.
É certo que tal ocupação, desamparada de instrumentos
legais que a legitimem, revela o interesse público na desafetação, sendo a
transferência da propriedade uma das formas de regularizar a ocupação levada a
efeito pelo particular.
Some-se a isso o fato de que a cidade de Ceilândia, mesmo
após as inúmeras intervenções urbanísticas e benfeitorias realizadas nos últimos
anos pelo Poder Público, foi concebida e construída para abrigar famílias de
baixa renda, tanto é assim que seu próprio nome tem origem no programa
governamental intitulado “Campanha de Erradicação de Invasões” – CEI, sendo a
Ceilândia, portanto, o local onde foram assentadas as famílias retiradas destas
“invasões”.
Ou seja, partindo-se da premissa que o local é destinado às
pessoas economicamente hipossuficientes, a ocupação dos “becos” também
revela interesse público a justificar, em tese, a desafetação da área pública.
Ocorre, entretanto, que somente este requisito para a
desafetação da área foi efetivamente cumprido.
Com efeito, não houve prévia participação popular na edição
da lei, nem tampouco estudos técnicos para avaliar o impacto da alteração.
A participação popular resumiu a uma única audiência
pública, cuja convocação, a teor do que demonstram os documentos de fls. 279 e
seguintes, foi feita por meio de edital publicado no DODF e em dois jornais de
grande circulação no Distrito Federal.
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Ou seja, a Administração, para cumprir o preceito que exige
prévia participação popular para a desafetação de área pública, socorreu-se do
procedimento utilizado em âmbito judicial para a realização de citação ficta.
O resultado disso, como esperado, foi a participação de
cerca de 80 (oitenta pessoas) (fls. 286/292) na audiência, muito menos do que a
própria quantidade de lotes (becos) ocupados por particulares. Disso se conclui
que nem ao menos estas pessoas, que seriam imediatamente as beneficiadas
pela lei a ser debatida, tomaram ciência da audiência.
Deste modo, inconteste que a única audiência realizada,
além de não servir aos propósitos da lei, repita-se, que é prévia participação
popular, por não ter havido a efetiva divulgação, foi acompanhada por parcela
inexpressiva da população.
Oportuno dizer, para reforçar a ineficácia do chamamento à
audiência, que a Administração Pública sempre se vale de todos os meios de
comunicação, incluindo os meios de comunicação de massa como a televisão,
para divulgar os feitos do governante do momento, muito embora inexista lei
obrigando-a a tal. Quando é realmente necessária a divulgação do ato, frente ao
interesse público evidente em face dos relevantes valores envolvidos, quais
sejam, a ordem urbanística e a própria moradia das famílias e, por isso mesmo, a
dignidade da pessoa humana, publica-se um simples edital no Diário Oficial e em
classificados de jornal.
Ora, tal proceder, a toda evidencia, afasta-se da escopo da
lei, visando tornar efetivamente democrática a eventual decisão desafetando
determinada área pública, inserindo todos os interessados no debate acerca das
necessidades e consequências da escolha tomada, bem como da melhor forma
de agir no caso específico.
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Mas não é só isso. Também não houve estudos técnicos
para avaliar o impacto da alteração pretendida. Pelo que dos autos consta, o que
mais se aproximou de um estudo técnico foi a indicação dos “becos” ocupados e
ofícios expedidos por concessionárias de serviços públicos dando conta de
eventual existência de ramais de água, esgoto, telefone, energia ou previsão para
acesso de veículos.
Nada mais há.
Além disso, é importante ressaltar que toda essa informação
data do longínquo ano de 2000, ou seja, mesmo considerado essa documentação
como estudo, o que obviamente não é porque tais informações apenas
subsidiariam o estudo, a antiguidade as torna absolutamente inócuas, ante a
razoável probabilidade de mudanças ocorridas ao longo destes 12 anos.
Por essas constatações, afigura-se-me evidente a eiva de
inconstitucionalidade material a macular o diploma legislativo ora impugnado.
Não bastasse, consigno que a presente questão já foi objeto
de exame em oportunidade anterior, por ocasião do julgamento da ADI
2009.00.2.013686-7, da relatoria do e. Desembargador Edson Alfredo Smaniotto,
que versava sobre a Lei Complementar distrital nº. 775/2008 de objeto idêntico à
Lei impugnada por nesta Ação Direta.
Naquele momento, muito embora a procedência dos pedidos
tivesse por fundamento um vício de inconstitucionalidade formal, um dos aspectos
formais não observados era exatamente o procedimento imposto pela Lei
Orgânica do DF para a desafetação de áreas públicas.
Com efeito, assim consignou o e. Desembargador Relator:
“(...) a elaboração da lei não observou a
exigência normativa da LODF no tocante à prévia
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participação popular e realização de estudos técnicos
para avaliação do impacto da alteração das áreas
públicas. Foi realizada tão-somente uma audiência
pública para consulta da população interessada acerca
da desafetação, com divulgação precária e modesta
participação.
Este desrespeito às imposições legais para a
edição da lei contamina o processo legislativo
manchando de inconstitucionalidade formal a norma
criada.”
Verifica-se, portanto, que não obstante tenha-se interpretado
os temas arguidos como vícios formais na edição da lei, o fato é que a causa de
pedir é a mesma da presente ação.
No caso, como dito em linhas volvidas, os vícios que
impuseram a declaração de inconstitucionalidade daquela lei persistem na que é
objeto desta ADI, sendo certo que a permanência da lei impugnada no mundo
jurídico importa não só ofensa à Lei Orgânica do DF, como também da própria
autoridade do Poder Judiciário, que pelo mesmo motivo declarou a
inconstitucionalidade do anterior diploma.
Por último, mas não menos relevante, é o fato de a Lei
Complementar questionada permitir a doação das áreas intersticiais aos
ocupantes primitivos sem aferir a efetiva necessidade e olvidando-se do
necessário procedimento licitatório para a alienação do bem público.
Com efeito, é certo que para garantir moradia às camadas
sociais economicamente hipossuficientes, o Estado deve, até mesmo por
imperativo Constitucional, já que se trata de direito decorrente do próprio
postulado da dignidade da pessoa humana, promover medidas a assegurar tal
direito, mediante a adoção de programas sociais com este desiderato.
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Ocorre que, como é de todos sabido, os primitivos
ocupantes, a quem serão doadas as áreas desafetadas caso a Lei Complementar
nº 852/2012 permaneça vigente, são policiais civis e militares e bombeiros desta
unidade da federação.
Digo isso porque, se por um lado a remuneração percebida
pelas categorias em questão não se afigura suficiente para aquisição de imóvel
em bairro nobre desta capital, de outro é inquestionável que tais servidores
públicos estão longe da condição de hipossuficientes a justificar a adoção de
política pública tendente a lhes garantir tal direito, pois podem valer-se de
recursos próprios para tanto.
O favorecimento destes servidores públicos em detrimento
de outros e da própria sociedade configura nefasta ofensa aos princípios da
isonomia, impessoalidade e interesse público, os quais constituem pilares da
organização do Estado.
Sobre esse aspecto, os fundamentos contidos no i. parecer
da d. Procuradoria de Justiça são de tudo pertinentes, in verbis:
“Por fim, cumpre ressaltar, também, que a
instituição de tais privilégios de forma isolada e
descontextualizada de estudos urbanísticos também se
mostra em flagrante descompasso com os princípios
norteadores da Política de Desenvolvimento Urbano do
Distrito Federal previstos na Lei Orgânica distrital, além
de estimular a ocupação desordenada do território.
Assim, objetivos como a ‘adequada distribuição
espacial das atividades sócio-econômicas e dos
equipamentos urbanos e comunitários’ (art. 312, inc. I)
são esquecidos e importantes princípios norteadores da
política de desenvolvimento urbano não são
observados, como o que trata da ‘justa distribuição dos
benefícios e ônus decorrentes do processo de
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urbanização’ (art. 314, inc. III) e da ‘prevalência do
interesse coletivo sobre o individual e do interesse
público sobre o privado’ (inc. V).
Enfim, a previsão de regularização de áreas
públicas invadidas até a ‘data de publicação’ da lei
impugnada (art. 1º), via alienação direta aos ocupantes
(art. 4º, §2º), além de subverter a lógica de qualquer
planejamento urbano e desconsiderar os poucos
estudos realizados, estimula a ocupação desordenada
do território, em manifesta afronta ao princípio da
moralidade, da impessoalidade, da razoabilidade e do
interesse público.”
Por último, quanto ao requerimento de modulação dos
efeitos da decisão que declara a inconstitucionalidade, não vejo tal necessidade.
A lei impugnada de forma alguma pode servir de fundamento
para a ocupação das áreas intersticiais. Não se está a dizer com isso que os
ocupantes não têm fundamentos legítimos para permanecerem nas áreas. Apenas
que, em razão da diversidade de fundamentos para a ocupação, cada caso há de
ser examinado separadamente.
Ante o exposto, JULGO PROCEDENTE O PEDIDO para
declarar, com efeitos ex tunc e erga omnes, a inconstitucionalidade da Lei
Complementar distrital nº. 852, de 21 de setembro de 2012.
É como voto.
O Senhor Desembargador J. J. COSTA CARVALHO –
Vogal.
Eminente Presidente, todos os pontos foram abordados com
a prudência e clarividência peculiares à eminente Relatora. Nada tenho a
acrescentar ao seu douto voto que escandiu toda a matéria objeto da presente
ADI. Acompanho Sua Excelência na integralidade de seu douto voto.
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A Senhora Desembargadora SANDRA DE SANTIS –
Vogal.
Também acompanho a eminente Relatora.
O Senhor Desembargador FLAVIO ROSTIROLA – Vogal.
Senhor Presidente, examinei essa questão e não vislumbrei,
com a devida vênia do posicionamento da eminente Relatora, vício de iniciativa;
não vislumbro nem inconstitucionalidade formal e material.
In casu, Excelências, há notícia de que houve uma prévia
consulta popular. Não posso, aqui, dimensionar se a consulta foi ampla, diminuta
ou não. A verdade é que houve um edital, houve publicação, e nessa consulta
popular, ao que consta, foi expressiva e com ampla a participação da população.
Há também uma análise técnica dos órgãos, se não me engano, da própria
Companhia de Desenvolvimento Habitacional do Distrito Federal (CODHAB), que
já se manifestou com relação a essa necessidade de ocupação.
O interesse público também é relevante. E, in casu, trata-se
de regularização de uma situação preexistente, ocupações de mais de 17 anos, e
nesse tocante deve ser regularizado, sob a hipótese de se jamais dar uma
solução a esse caso de ocupação consolidada.
Vejam bem, o próprio Supremo Tribunal Federal apreciando
matéria semelhante sobre ocupação de imóveis no DF, afirmou: ..." que se
reveste de razoabilidade aquilo que venha a solucionar situação excepcional.
Trata-se de problema social crônico e notório vivido no Distrito Federal de
ocupação sem controle dessas áreas." E, inclusive, consta da decisão também, a
matéria relativa a necessária dispensa ou, inexigibilidade de licitação, fulcrada no
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art. 24 da Lei 8.666, de 21 de junho de 1993.
Dessa forma, Excelências, vislumbro aqui interesse social,
regularidade e a inexigibilidade de licitação; não vislumbro violação aos preceitos
constitucionais.
O Senhor Desembargador SÉRGIO BITTENCOURT –
Presidente e Vogal.
Permita-me um aparte, Desembargador Flavio Rostirola?
O Senhor Desembargador FLAVIO ROSTIROLA – Vogal.
Perfeitamente.
O Senhor Desembargador SÉRGIO BITTENCOURT –
Presidente e Vogal.
Há no meu voto uma observação quanto ao parecer técnico
da própria Secretaria de Habitação, Regularização e Desenvolvimento Urbano
(SEDHAB), assentando que, dos becos existentes no projeto original, restariam
459 lotes a serem criados, dos quais 193 se encontram em quadras totalmente ou
parcialmente inseridas na Área de Proteção de Manancial do Córrego Currais;
dos 266 lotes que sobejam, nem todos poderiam ser destinados ao fim colimado,
havendo previsão de que os becos localizados em zona central venham a servir
para escoamento alternativo de sistema viário.
É um parecer técnico, aquilo que V. Ex.asustentou que seria
favorável, mas, pelo que vejo, o parecer técnico ...
O Senhor Desembargador FLAVIO ROSTIROLA – Vogal.
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Excelência, creio que o parecer que estou mencionando é
sobre aqueles becos já ocupados; os que estão mencionados como em áreas de
reserva não são objeto de ocupação, que, aliás, estão excepcionados, parece-me
que não estão contemplados na Legislação em comento. Somente esses lotes de
longa data ocupados, é que são objeto de na norma legal impugnada. Portanto,
ao que se depreende se trata de norma para regularização de uma situação de
ocupação preexistente.
Então, no meu entender, estão excepcionados esses que
estão mencionados nesse parecer técnico. Estamos tratando aqui dos que já
estão ocupados. Trata-se de norma que objetiva tão somente regularizar uma
situação preexistente.
Por isso, Excelência, com a devida vênia, não vislumbro que
haja violação formal e material. Portanto, o meu voto é pela improcedência do
pedido.
O Senhor Desembargador JAIR SOARES – Vogal.
Senhor Presidente, peço vênia ao eminente Desembargador
Flávio Rostirola para acompanhar a eminente Relatora.
De fato, vício de iniciativa não há. E nem vício formal. A lei é
complementar, que é a exigida.
Ocorre que lei que visa à desafetação de uso de área
pública há de ser precedida de ampla discussão com a comunidade, sobretudo
porque, quando se ocupam tais áreas (em especial os chamados becos), acaba-
se prejudicando os moradores que são confrontantes.
Várias são as ações de pessoa que, morando há anos no
local, de repente, é surpreendida com a construção de casa no beco ao lado da
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sua, situação que lhe causa prejuízos e incômodos.
E poucos são os que foram contemplados com tais imóveis.
Quem os recebeu foi categoria determinada de servidores -- bombeiros e policiais
militares. Não que eles não mereçam, merecem até demais. Mas a lei não pode
contemplar uns e deixar de lado os demais cidadãos.
Rogando vênia, acompanho a eminente Relatora.
A Senhora Desembargadora VERA ANDRIGHI – Vogal.
Senhor Presidente, também rogo vênia ao eminente
Desembargador Flavio Rostirola para acompanhar a Relatora.
O Senhor Desembargador MÁRIO-ZAM BELMIRO – Vogal.
Senhor Presidente, também rogando vênia ao eminente
Desembargador Flavio Rostirola, acompanho a eminente Relatora.
O Senhor Desembargador GEORGE LOPES LEITE –
Vogal.
Embora louvando o voto do eminente Desembargador Flavio
Rostirola, que nos aponta um caminho diferenciado e antenado quanto a uma
questão momentosa e angustiosa no Distrito Federal, ainda não tenho elementos
suficientes para contrariar os argumentos da ilustre Relatora, a quem acompanho.
O Senhor Desembargador JOÃO TIMÓTEO – Vogal.
Acompanho a eminente Relatora, Senhor Presidente.
O Senhor Desembargador ANTONINHO LOPES – Vogal.
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Senhor Presidente, acompanho a eminente Relatora,
pedindo vênia.
O Senhor Desembargador JOÃO EGMONT – Vogal.
Acompanho a eminente Relatora.
O Senhor Desembargador ROMÃO C. OLIVEIRA – Vogal.
Senhor Presidente, peço vênia para acompanhar a eminente
Relatora.
O Senhor Desembargador LECIR MANOEL DA LUZ –
Vogal.
Senhor Presidente, peço respeitosas vênias para
acompanhar a eminente Relatora.
Conforme relatado pela eminente Desembargadora
CARMELITA BRASIL, trata-se de Ação Direta de Inconstitucionalidadade proposta
pelo Procurador-Geral de Justiça do Distrito Federal e Territórios contra a Lei
Complementar distrital n.º 852, de 21 de setembro de 2012, que dispõe sobre a
desafetação e a ocupação das áreas intersticiais das quadras residenciais da
Região Administrativa de Ceilândia – RA IX e dá outras providências.
Sustenta que a norma impugnada não observou os
requisitos para desafetação de áreas públicas, como as exigências de efetiva
participação da população interessada, de estudos técnicos para avaliar o
impacto da alteração de uso e de realização do devido processo licitatório, nos
termos dos artigos 19, caput, 26, 47, caput e § 1º, 49, 51, caput e §§1º, 2º e 3º,
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314, caput, parágrafo único e incisos I, II, III, IV, V, VII, IX e XI, 328, inciso IV,
todos da Lei Orgânica do Distrito Federal, e 56 do Ato das Disposições
Transitórias da referida Lei Orgânica.
Narra a inobservância aos princípios da isonomia, da
impessoalidade, da moralidade, da razoabilidade e do interesse público.
Distribuída a ação à eminente Desembargadora Relatora,
determinou-se a prestação de informações pelo Presidente da Câmara Legislativa
do Distrito Federal e pelo Governador do Distrito Federal, bem como a
manifestação do Procurador-Geral do Distrito Federal e do Procurador-Geral de
Justiça do Distrito Federal e Territórios.
Informações e manifestações às fls. 79-82, 84-359, 361-384
e 386-398, respectivamente pela Mesa Diretora da Câmara Distrital, pelo
Governador do Distrito Federal, pelo Procurador Geral do Distrito Federal e pelo
Ministério Público do Distrito Federal e Territórios.
É o breve Relatório.
A Lei Complementar distrital arguida como inconstitucional
encontra-se redigida nos seguintes termos:
“LEI COMPLEMENTAR Nº 852, DE 21 DE
SETEMBRO DE 2012.
(Autoria do Projeto: Poder Executivo)
Dispõe sobre a desafetação e a ocupação das
áreas intersticiais das quadras residenciais da Região
Administrativa de Ceilândia – RA IX e dá outras
providências.
O GOVERNADOR DO DISTRITO FEDERAL,
FAÇO SABER QUE A CÂMARA LEGISLATIVA DO
DISTRITO FEDERAL DECRETA E EU SANCIONO A
SEGUINTE LEI:
Art. 1º Ficam desafetadas as áreas de uso comum
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do povo intersticiais das quadras residenciais da Região
Administrativa de Ceilândia – RA IX que se encontrem
ocupadas e que sejam utilizadas predominantemente
como moradia até a data de publicação desta Lei
Complementar, passando à categoria de bem dominial,
nos termos do art. 51 da Lei Orgânica do Distrito
Federal e do art. 56, parágrafo único, do Ato das
Disposições Transitórias da Lei Orgânica do Distrito
Federal.
Parágrafo único. As áreas intersticiais referidas no
caput que não se encontrem ocupadas e que não
sejam utilizadas predominantemente como moradia até
a data de publicação desta Lei Complementar
permanecem como bens de uso comum do povo.
Art. 2º As áreas públicas desafetadas destinam-se
à criação de unidades imobiliárias residenciais
mediante projeto urbanístico elaborado pelo Poder
Executivo, observados os princípios de
desenvolvimento urbano constantes do art. 314 da Lei
Orgânica do Distrito Federal.
Art. 3º Aplicam-se às unidades imobiliárias
residenciais a serem criadas os mesmos índices
urbanísticos definidos para os lotes lindeiros, na forma
do Plano Diretor Local de Ceilândia, aprovado pela Lei
Complementar nº 314, de 1º de setembro de 2000, e
das demais normas específicas.
Art. 4º As áreas ocupadas podem ser
regularizadas, na forma da Lei federal nº 11.977, de 7
de julho de 2009, desde que utilizadas
predominantemente como moradias.
§ 1º Fica autorizada a doação aos primeiros
ocupantes que permaneçam nessa condição, desde
que a ocupação tenha sido autorizada pelo Poder
Executivo ou pelo Poder Judiciário.
§ 2º Os ocupantes dos imóveis que não atendam
ao disposto no § 1º têm direito à legalização do imóvel,
mediante o pagamento de valor correspondente à
avaliação, a qual deve ser realizada com base em
critérios específicos para fins de regularização e nas
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condições definidas por ato da Secretaria de Estado de
Habitação, Regularização e Desenvolvimento Urbano.
§ 3º Os imóveis que não forem legalizados na
forma dos §§ 1º e 2º devem ser objeto de licitação, na
forma da Lei federal nº 8.666, de 21 de junho de 1993.
§ 4º No caso do § 3º, o valor correspondente às
benfeitorias realizadas pelos ocupantes deve ser
ressarcido pelo vencedor da licitação diretamente ao
ocupante.
Art. 5º A avaliação das áreas referidas no art. 4º,
caput, será feita com base no valor correspondente ao
de terra nua, apurado na data da autorização da
ocupação.
Art. 6º O valor arrecadado com a alienação dos
imóveis é destinado ao Fundo Distrital de
Habitação de Interesse Social – FUNDHIS.
Art. 7º Esta Lei Complementar entra em vigor na
data de sua publicação.
Art. 8º Revogam-se as disposições em contrário.
Brasília, 21 de setembro de 2012.”
O Requerente aduz que não foram observados os requisitos
legais e constitucionais para desafetação de áreas públicas, como as exigências
de efetiva participação da população interessada, de estudos técnicos para
avaliar o impacto da alteração de uso e de realização do devido processo
licitatório, ocorrendo ofensa aos princípios da isonomia, da impessoalidade, da
moralidade, da razoabilidade e do interesse público.
Entendo assistir razão ao requerente.
Nada obstante o inconteste interesse público na
regularização de áreas públicas ocupadas, há anos, por particulares, é de se ver
que a forma por que se dá a transferência de propriedade pública deve obedecer
aos requisitos estabelecidos em lei.
Com efeito, embora o parágrafo único do art. 56 do ADT da
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Lei Orgânica do Distrito Federal não especifique a profundidade e o procedimento
de consulta popular, é certo que uma única audiência pública, pouco divulgada, a
que sequer compareceram todos os donatários dos lotes afetados pela norma,
não atende ao escopo da lei.
A norma objurgada foi editada sem que houvesse efetiva
participação da população interessada, em descompasso, pois, com o art. 51, §2º
da Lei Orgânica, verbis:
“Art. 51. Os bens do Distrito Federal destinar-se-
ão prioritariamente ao uso público, respeitadas as
normas de proteção ao meio ambiente, ao patrimônio
histórico, cultural, arquitetônico e paisagístico, e
garantido o interesse social.
(...)
§ 2º A desafetação, por lei específica, só será
admitida em caso de comprovado interesse público,
após ampla audiência à população interessada.”
De igual maneira, o requisito atinente à necessidade de
estudos prévios não foi atendido. Como bem ressaltaram o il. Promotor de Justiça
oficiante, Dr. Antonio Henrique Graciano Suxberger, e a il. Vice-Procuradora-Geral
de Justiça, Dra. Zenaide Souto Martins, in verbis:
“A exigência de estudos técnicos que avaliem o
impacto da desafetação e de ampla audiência da
população interessada, bem como de licitação pública
para a alienação de imóveis públicos, constituem
limitações necessárias, que devem ser observadas pelo
legislador ordinário de modo a efetivar o interesse
público.
Nesse particular, vale ressaltar que os poucos
estudos técnicos realizados revelaram que a
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desafetação de vários dos espaços públicos objeto da
lei ora impugnada é legalmente ou urbanisticamente
inviável, constituindo afronta à ordem urbanística e ao
meio ambiente da região.
A título exemplificativo, vale destacar o Parecer
Técnico nº 003/2012 – GEPRO/DITEC-CODHAB, da
própria Secretaria de Desenvolvimento Urbano e
Habitação – SEDUH, juntado aos autos (fls. 110/112),
que atesta que algumas das áreas públicas a serem
desafetadas estão totalmente inseridas na Área de
Proteção de Manancial do Córrego Currais ou
constituem espaços necessários ao escoamento
alternativo do sistema viário, o que torna evidente o
dano irreparável a ser gerado com a pretendida
privatização dos referidos espaços públicos.”
De notório conhecimento, os estudos técnicos que embasam
um diploma normativo, além de atualizados, devem demonstrar a viabilidade de
aplicação do regulamento, sem que haja descompasso em relação à Política de
Desenvolvimento Urbano local.
Ademais, o procedimento licitatório é o meio pelo qual o
Estado garante a isonomia, a impessoalidade e a moralidade ao alienar bens
públicos, podendo ser dispensado apenas nas hipóteses previstas em lei.
No caso em tela, revelou-se que as áreas intersticiais a
serem doadas encontram-se ocupadas por policiais civis e militares e bombeiros
do Distrito Federal, transformando-se em verdadeira remuneração indireta, em
desfavor de grupos sociais economicamente mais carentes.
Com tais considerações, diante da inconstitucionalidade
material a contaminar todo o texto da lei impugnada, julgo procedente a presente
ação e declaro a inconstitucionalidade da Lei Complementar distrital n.º 852, de
21 de setembro de 2012, em sua totalidade, com efeitos ex tunc e eficácia erga
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omnes, afastando definitivamente a eficácia e a vigência da norma atacada.
É como voto.
O Senhor Desembargador ROMEU GONZAGA NEIVA –
Vogal.
Senhor Presidente, por igual, peço vênia para acompanhar a
eminente Relatora.
Conforme relatado, cuida-se de ação direta de
inconstitucionalidade, com pedido liminar, proposta pela Procuradoria-Geral de
Justiça do Distrito Federal e Territórios, impugnando a Lei Complementar Distrital
nº 852/2012.
Alega o autor que o referida diploma legal viola os artigos
19, caput, 26, 47 caput, e §1º, 49, 51, caput e §§ 1º, 2º, 3º, 314 caput e seu
parágrafo único e incisos I, II, III, IV, V, VII, IX e XI, 328, inc. IV e 56 do ADCT,
todos da Lei Orgânica do Distrito Federal.
Afirma que a lei impugnada transfigura reiteração de
tentativa de desafetação de espaços públicos intersticiais (beco), na Região
Administrativa de Ceilândia, tendo em vista que a lei complementar anterior sobre
a matéria foi julgada inconstitucional com efeitos ex tunc, desconstituindo todas
as ocupações existentes até então (ADI 2009.00.2.013686-7).
Sustenta que a lei complementar impugnada, assim como a
norma anterior – Lei Complementar nº 775/2008 – não observou a ampla
audiência da população interessada, a comprovação de existência de situação de
relevante interesse público e realização de estudos técnicos que avaliem o
impacto de alteração, aprovados pelo órgão competente do Distrito Federal.
Ressalta que a previsão de doação dos espaços públicos
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aos servidores ocupantes (policiais e bombeiros militares), afronta os princípios
da moralidade, impessoalidade, razoabilidade e do interesse público, previstos na
Lei Orgânica.
Aduz que os artigos 2º e 3º, da referida lei distrital,
respectivamente, contrariam os objetivos do legislador constituinte sobre o
assunto e afronta o regime de contratação da Administração Pública, que exige a
realização de licitação.
Traz precedentes sobre a matéria.
Requer, assim, a declaração de inconstitucionalidade das
referidas disposições legais, com eficácia erga omnes e efeitos ex tunc.
É o breve relato.
No mérito, tenho que a ação merece ser julgada procedente.
Inicialmente, destaco que a questão não é nova nesta Corte
de Justiça, que já decidiu, nas vezes em que se defrontou com matéria idêntica,
no sentido de que é materialmente inconstitucional lei que autoriza a alienação
de imóveis públicos, através de doação, nos termos do art. 4º, §1º da Lei
Complementar nº 852/2012, sem licitação, eis que fere os artigos 19, 26, 51,
caput e §2º da Lei Orgânica do Distrito Federal. A dispensa de licitação somente
pode ser admitida quando os beneficiários são pessoas carentes, isto é, sem
condições de adquirir um imóvel, nos termos dos programas habitacionais
levados a efeito pelo Poder Público.
A propósito, o seguinte aresto deste e. Conselho Especial.
“Ação direta de inconstitucionalidade. Lei distrital.
Inadequação da via eleita. Preliminar rejeitada. Imóveis
públicos. Doação com encargos. Dispensa de licitação.
Desafetação. Alienação. Interesse público não-
demonstrado.
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1. A ação direta de inconstitucionalidade é adequada
para impugnar lei emanada do Poder Executivo do
Distrito Federal que viola sua Lei Orgânica.
2. A Lei Distrital nº 2.926, de 6 de março de 2002, que
autoriza a doação, com encargos, de imóveis públicos a
igrejas e entidades filantrópicas, é materialmente
inconstitucional por disciplinar matéria de desafetação e
alienação desses bens com inobservância das normas
de licitação pública, bem como a inexistência de
comprovação de interesse público e expressa violação
a dispositivos da Lei Orgânica do Distrito Federal.
3. Ação direta de inconstitucionalidade julgada
procedente.”
(Acórdão n.231952, 20040020081931ADI, Relator:
GETULIO PINHEIRO, Conselho Especial, Data de
Julgamento: 11/10/2005, Publicado no DJU SECAO 3:
26/01/2006. Pág.: 54)
Ademais, a referida Lei impugnada acabam por cria hipótese
de dispensa de licitação, ao arrepio da Lei Fundamental local que impõe a
observância da Lei 8.666/93, que traz regramento geral sobre o tema.
Quanto ao pedido de modulação dos efeitos da decisão, é
cediço que tal providência tem por escopo fixar limites à retroação, normalmente
ex tunc da declaração de inconstitucionalidade, considerando aspectos de
segurança jurídica e excepcional interesse social, porquanto, apesar de
incompatíveis com a Carta Política, as normas terminam por gerar expectativas de
direito, eis que portadoras de presunção estatal de legitimidade.
Contudo, no caso sob exame, não se vislumbra de
possibilidade de ofensa à segurança jurídica ou excepcional interesse social,
sobretudo porque promulgada a norma objeto do presente controle em 21 de
setembro de 2012 e, assim, presume-se que a ocupação dos becos não seja um
fato consolidado, além de que os direitos conferidos se referem a pequena
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parcela da população local. Daí o descabimento de se modular os efeitos da
declaração de inconstitucionalidade.
Fortes nestas razões, julgo procedente o pedido, declarando
inconstitucional a Lei Complementar nº 852 de 21 de setembro de 2012, com
eficácia erga omnes e efeitos ex tunc.
É como voto.
O Senhor Desembargador SÉRGIO BITTENCOURT –
Presidente e Vogal.
Cuida-se de ação direta de inconstitucionalidade proposta
pelo Procurador-Geral de Justiça do Distrito Federal e Territórios, tendo por
objeto a Lei Complementar nº 852/2012, que dispõe sobre a desafetação e
ocupação de áreas intersticiais (becos) das quadras residenciais da Região
Administrativa de Ceilândia – RA IX que estejam ocupadas até a data da sua
publicação e sejam usadas “preponderantemente como moradias”, estabelecendo
a doação aos primeiros ocupantes que permaneceram nessa condição, desde
que autorizados pelo Poder Público, a venda direta aos demais ocupantes, ainda
que recentes, e a venda por licitação dos imóveis que não forem legalizados nos
moldes anteriores.
Em apertada síntese, sustentou que a Lei combatida tem por
escopo beneficiar primordialmente integrantes da Polícia Militar e do Corpo de
Bombeiros, enquadrando-os artificialmente como integrantes de programas
habitacionais de interesse social, e que o Tribunal já declarou a
inconstitucionalidade de normas de conteúdo semelhante, acrescentando que a
alienação de imóveis públicos a certos servidores públicos distritais, sem a
realização de prévia licitação, consubstancia-se injustificado privilégio a
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determinada categoria em detrimento da população carente, além de contrariar os
princípios da legalidade, isonomia, impessoalidade, razoabilidade, motivação e
interesse público, violando, assim, os arts. 19; 26; 47, caput e §1º; 49; 51, caput e
§§ 1º, 2º e 3º; 314, caput e parágrafo único, incs. I, II, III, IV, V, VI, IX e XI, e 328,
inc. IV, bem como o art. 56 do ADT, todos da Lei Orgânica do Distrito Federal.
Aduziu que o Diploma vergastado é quase idêntico à Lei
Complementar nº 755/20081
, declarada inconstitucional pelo TJDFT, e que,
novamente, não houve a ampla e efetiva participação popular, pois uma única
audiência pública fora realizada, com a presença dos próprios beneficiários.
Arguiu que a Norma visa desafetar todos os espaços
ocupados, mas sem a identificação precisa de cada um deles e sem a prévia
elaboração de estudos urbanísticos que pudessem avaliar o impacto de tal
alteração, sendo certo que a previsão de abarcar os imóveis ocupados até a data
da sua publicação, por si só, já inviabiliza essa análise, além de fomentar a
ocupação de novas áreas públicas.
Requereu, pois, a declaração de inconstitucionalidade da Lei
Complementar nº 852/2012, com efeitos ex tunc e eficácia erga omnes.
Informações da Mesa Diretora da Câmara Legislativa às fls.
79/82, afirmando que a Norma objurgada encontra-se em perfeita harmonia com a
LODF e com o sistema constitucional pátrio, pois que foi realizada ampla
audiência pública e ela própria faz menção, como requisito, a estudos
urbanísticos, arrematando que se busca “regularizar situação historicamente
estabelecida em área pública, sem gerar caos ou desordem social”, do que resulta
inexigível a licitação.
Informações do Governador do Distrito Federal às fls.
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84/109, aduzindo que as diretrizes expostas na indigitada Lei Complementar
tomam como base as Leis Federais 8.666/1993, que trata de Licitações e
Contratos Públicos, e 11.977/2009, que dispõe sobre o Programa Minha Casa,
Minha Vida – PMCMV e a regularização fundiária de assentamentos localizados
em áreas urbanas, valendo-se delas para regularizar situações consolidadas.
Alegou que “foram realizadas várias reuniões públicas com a
comunidade para tratar da regularização das áreas citadas, assim como uma
audiência pública, que contou com a participação massiva da população, que
aceitou as propostas de forma praticamente unânime” (sic – fl. 88), sustentando
que a LODF não exige necessariamente mais de uma audiência popular.
Disse que, como a alienação é prevista apenas para os
atuais ocupantes, que “são pessoas de baixa renda notória”, não há possibilidade
de concorrência, pelo que o Diploma impugnado encontra guarida no próprio art.
26 da LODF, que remete à observância da Lei nº 8.666/93, que, em seu art. 17, I,
“f”, autoriza a dispensa de licitação de imóveis residenciais destinados ou
efetivamente utilizados no âmbito de programas habitacionais de interesse social,
tendo destacado, ainda, que os ocupantes edificaram suas moradias confiantes
no Poder Público e a Norma inquinada de inconstitucional visa “sanar uma
situação que foi provocada pela Administração Pública”.
Afirmou que foram realizados os estudos técnicos
pertinentes e que a destinação habitacional das áreas em questão já era prevista
na Lei Complementar nº 314/2000, que aprovou o Plano Diretor Local da
Ceilândia, em seu art. 109, II.
Asseverou que a Lei Complementar vergastada representa
lídimo cumprimento das determinações da Lei Federal 11.977/2009, vez que no
seu bojo “estão inseridas medidas jurídicas, urbanísticas e ambientais que visam
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a regularização dos assentamentos irregulares e dos seus ocupantes, de modo a
garantir o direito social à moradia”, que é uma garantia fundamental, sendo certo
que a regularização dos becos de Ceilândia visa reduzir o defict de moradias no
Distrito Federal.
Por fim, com base no princípio da eventualidade, pugnou
que a declaração de inconstitucionalidade se desse com efeitos ex nunc, de forma
a proteger situações de fato já consolidadas com o decurso do tempo, ao menos
quanto às construções levadas a efeito com força de alvarás, vez que “foram
edificadas várias unidades imobiliárias unifamiliares, possivelmente já hoje
habitadas e destinadas às famílias dos servidores públicos destinatários das
normas, as quais até então se presumiam válidas do ponto de vista jurídico-
constitucional”.
Manifestação do Procurador-Geral do Distrito Federal às fls.
361/384, repetindo, in ipsis literis, as informações do Governador.
Parecer Ministerial às fls. 386/398, opinando pela
procedência do pedido.
Relatado o essencial, decido.
Para melhor compreensão da questão em exame, trago à
colação o inteiro teor da norma impugnada:
LEI COMPLEMENTAR Nº 852, DE 21 DE
SETEMBRO DE 2012
(Autoria do Projeto: Poder Executivo)
Dispõe sobre a desafetação e a ocupação das
áreas intersticiais das quadras residenciais da
Região Administrativa de Ceilândia – RA IX e dá
outras providências.
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O GOVERNADOR DO DISTRITO FEDERAL,
Faço saber que a Câmara Legislativa do Distrito
Federal decreta e eu sanciono a seguinte Lei
Complementar:
Art. 1ºFicam desafetadas as áreas de uso comum
do povo intersticiais das quadras residenciais da Região
Administrativa de Ceilândia – RA IX que se encontrem
ocupadas e que sejam utilizadas predominantemente
como moradia até a data de publicação desta Lei
Complementar, passando à categoria de bem dominial,
nos termos do art. 51 da Lei Orgânica do Distrito
Federal e do art. 56, parágrafo único, do Ato das
Disposições transitórias da Lei Orgânica do Distrito
Federal.
Parágrafo único. As áreas intersticiais referidas no
caput que não se encontrem ocupadas e que não
sejam utilizadas predominantemente como moradia até
a data de publicação desta Lei Complementar
permanecem como bens de uso comum do povo.
Art. 2ºAs áreas públicas desafetadas destinam-se
à criação de unidades imobiliárias residenciais
mediante projeto urbanístico elaborado pelo Poder
Executivo, observados os princípios de
desenvolvimento urbano constantes do art. 314 da Lei
Orgânica do Distrito Federal.
Art. 3ºAplicam-se às unidades imobiliárias
residenciais a serem criadas os mesmos índices
urbanísticos definidos para os lotes lindeiros, na forma
do Plano Diretor Local de Ceilândia, aprovado pela Lei
Complementar nº 314, de 1º de setembro de 2000, e
das demais normas específicas.
Art. 4ºAs áreas ocupadas podem ser
regularizadas, na forma da Lei federal nº 11.977, de 7
de julho de 2009, desde que utilizadas
predominantemente como moradias.
§ 1º Fica autorizada a doação aos primeiros
ocupantes que permaneçam nessa condição, desde
que a ocupação tenha sido autorizada pelo Poder
Executivo ou pelo Poder Judiciário.
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§ 2º Os ocupantes dos imóveis que não atendam
ao disposto no § 1º têm direito à legalização do imóvel,
mediante o pagamento de valor correspondente à
avaliação, a qual deve ser realizada com base em
critérios específicos para fins de regularização e nas
condições definidas por ato da Secretaria de Estado de
Habitação, Regularização e Desenvolvimento Urbano.
§ 3º Os imóveis que não forem legalizados na
forma dos §§ 1º e 2º devem ser objeto de licitação, na
forma da Lei federal nº 8.666, de 21 de junho de 1993.
§ 4º No caso do § 3º, o valor correspondente às
benfeitorias realizadas pelos ocupantes deve ser
ressarcido pelo vencedor da licitação diretamente ao
ocupante.
Art. 5ºA avaliação das áreas referidas no art. 4º,
caput, será feita com base no valor correspondente ao
de terra nua, apurado na data da autorização da
ocupação.
Art. 6ºO valor arrecadado com a alienação dos
imóveis é destinado ao Fundo Distrital de Habitação de
Interesse Social – FUNDHIS.
Art. 7ºEsta Lei Complementar entra em vigor na
data de sua publicação.
Art. 8ºRevogam-se as disposições em contrário.
Prima facie, cumpre anotar que a edição de nova norma com
objeto similar a outra anteriormente declarada inconstitucional por esta Corte
encontra assento na liberdade de legislar, o que, ao contrário do afirmado nos
autos, não tem o condão de esvaziar o provimento jurisdicional anterior, que
extirpou do ordenamento jurídico a lei viciada.
Ao Judiciário cabe a obrigatoriedade de analisar, sempre
que provocado, o conteúdo de todas normas.
Quanto ao mérito, aduziu-se que os critérios para a
desafetação, previstos nos arts. 51 da LODF e 56, parágrafo único, do Ato das
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Disposições Transitórias, não foram observados, vez que levada a efeito sem a
identificação precisa dos espaços a serem desafetados e sem a prévia
elaboração de estudos urbanísticos que pudessem avaliar o impacto de tal
alteração, o que permitiria a efetiva e larga análise por parte da comunidade
interessada, evidenciando, assim, que não foi dada ampla audiência à população
interessada.
Sobre o tema, dispõe a Lei Orgânica, in verbis:
Art. 51. Os bens do Distrito Federal destinar-se-ão
prioritariamente ao uso público, respeitadas as normas
de proteção ao meio ambiente, ao patrimônio histórico,
cultural, arquitetônico e paisagístico, e garantido o
interesse social.
... omissis ...
§ 2º A desafetação, por lei específica, só será
admitida em caso de comprovado interesse público,
após ampla audiência à população interessada (grifo
nosso).
Art. 56 (ADT). Até a aprovação da Lei de Uso e
Ocupação do Solo, o Governador do Distrito Federal
poderá enviar, precedido de participação popular,
projeto de lei complementar específica que estabeleça
o uso e a ocupação de solo ainda não fixados para
determinada área, com os respectivos índices
urbanísticos. (Artigo e parágrafo com a redação da
Emenda à Lei Orgânica nº 49, de 2007.)
Parágrafo único. A alteração dos índices
urbanísticos, bem como a alteração de uso e
desafetação de área, até a aprovação da Lei de Uso e
Ocupação do Solo, poderão ser efetivadas por leis
complementares específicas de iniciativa do
Governador, motivadas por situação de relevante
interesse público e precedidas da participação
popular e de estudos técnicos que avaliem o impacto
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da alteração, aprovados pelo órgão competente do
Distrito Federal (grifo nosso).
As autoridades responsáveis pela edição da Lei
Complementar nº 852/2012 aduziram que não há incompatibilidade com os
aludidos dispositivos, diante da realização estudos técnicos “pertinentes”, bem
como de reuniões e de uma audiência pública, asseverando, inclusive, que a
LODF não exige necessariamente mais de uma audiência popular.
Ocorre que, conforme consta dos autos, a desafetação das
áreas intersticiais de Ceilândia, que, a teor do art. 1º da Lei em exame, passaram
à categoria de bem dominial, de fato, não foi precedida do estudo técnico devido,
tanto é que não houve individualização das áreas a serem desafetadas pela
Norma e o dispositivo referido supra estabelece a possibilidade de desafetação,
inclusive, de áreas ocupadas até sua publicação.
Ora, se a própria Norma prevê que seu comando alcance
áreas que sequer estavam ocupadas quando da apresentação do projeto de lei,
ressai evidente que nem mesmo o Poder Executivo, autor do projeto, sabe, com a
exatidão que a seriedade da questão requer, quais são essas áreas, fato que, por
si só, já inviabiliza qualquer estudo técnico.
A par disso, observa-se do Parecer Técnico da própria
Secretaria de Desenvolvimento Urbano e Habitação – SEDUH2
que, dos mais de
3000 becos existentes no projeto original, restariam 459 lotes para serem criados.
Ocorre que 193 deles se encontram em quadras que estão totalmente ou
parcialmente inseridas na área de proteção de Manancial do Córrego Currais e,
dos 266 lotes que sobejam, nem todos poderiam ser destinados ao fim colimado,
vez que alguns estão localizados em áreas centrais, onde o adensamento é
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Parecer Técnico nº 003/2012 – GEPRO/DITEC – CODHAB (fls. 110/112)
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diretriz prevista no PDL/Ceilândia, bem como o impacto futuro disso no tráfego de
veículos, havendo previsão de que os “becos” venham a servir para escoamento
alternativo do sistema viário, no caso de estrangulamento.
Assim, de acordo com o Parecer, apenas 182 lotes poderiam
ser, em tese, disponibilizados para transformação em novas unidades imobiliárias,
impondo-se, antes, que seja feita prévia consulta às concessionárias de serviços
públicos, a fim de verificar se suas redes não representariam óbice à empreitada.
Ressai evidente, portanto, que somente depois de feitos
todos esses levantamentos, de tomadas todas essas precauções e definidas
quais áreas intersticiais estariam, efetivamente, aptas a serem destinadas a
abarcar unidades imobiliárias, de forma individualizada, clara, transparente, é que
a população interessada poderia opinar.
Emerge inquestionável, no entanto, que todo esse
procedimento é inviável, se não impossível, quando a própria Lei vergastada
prevê, no parágrafo único do art. 1º, a desafetação de áreas ocupadas até a
publicação dela própria!
Quanto à participação popular, verifica-se dos autos que
houve apenas uma audiência pública, sendo certo que, muito embora a Lei
Orgânica não exija necessariamente mais de uma, é indubitável que o
procedimento adotado nem de longe atendeu à “ampla audiência” preconizada no
§ 2º do art. 51 da Lei Orgânica.
Note-se que, além de as áreas intersticiais não estarem
claramente definidas e individualizadas, o que, por si só, já tornaria inócua
qualquer participação popular, a divulgação da única audiência pública foi feita,
afora o Diário Oficial, uma única vez – dia 08/11/2011 – e apenas na seção de
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classificados de dois jornais comerciais3
, o que, obviamente, não atende ao fim
colimado, pois, embora se trate de veículos de comunicação de grande circulação
na cidade, é inquestionável que a convocação, nesse contexto, careceu da
visibilidade necessária.
Para que haja ampla audiência, por óbvio, faz-se
imprescindível quorum, com a participação maciça da população, e, para tanto,
urge que se proceda à convocação de forma ostensiva, largamente visível, com o
propósito de dar real publicidade ao evento.
É de conhecimento público que o Poder Executivo mantém
contratos milionários com meios de comunicação de massa, de grande
penetração, como rádio e televisão, inclusive, veiculando rotineiramente
propagandas institucionais em horário nobre, pelo que causa espécie a escolha
da seção de classificados para levar a efeito, e uma única vez, a convocação do
povo para tratar de questão de tal envergadura.
Note-se que a única audiência pública, além de convocada
de forma tão camuflada, aconteceu no dia 05 de dezembro de 2011, uma
segunda-feira, às 19h, ou seja, em dia útil, de trabalho para a grande maioria dos
interessados, e em horário em que pouquíssimas pessoas poderiam estar
presentes.
Ora, se a opção da Administração Pública for pela realização
de uma única audiência, que seja ela em dia e hora mais acessível à população
interessada e precedida de divulgação efetiva, eficiente e eficaz. Somente assim
o ato estará em consonância com os princípios da publicidade, do interesse
público, da isonomia, da impessoalidade, da razoabilidade e, principalmente, da
moralidade.
3
Correio Braziliense e Jornal de Brasília.
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Não se tratou aqui de decidir se áreas indeterminadas
seriam destinadas a erigir escolas, creches ou postos de saúde, parquinhos
infantis, espaços de convivência ou quadras de esportes. A proposta tampouco
era de desafetação para licitação, nos moldes estritos da legislação de regência,
mas sim para doação e venda direta de patrimônio público a pessoas específicas,
sem sequer considerar as regras dos programas sociais de habitação.
Destarte, ainda que a LODF não tenha detalhado as formas
de participação popular em tais casos, é inquestionável que a audiência
pública realizada não se prestou ao fim colimado, pois emerge claro que, a
par de ser um dever da Administração Pública, a população tem o direito de ser
devidamente cientificada da intenção de se promover a desafetação, mormente
nos moldes propostos, e de lhe ser facultada a ampla possibilidade de
manifestação, vício que, no caso, por si só, contamina toda a Norma vergastada.
Apenas a título de ilustração, já que, nesta sede, dá-se a
análise apenas em face da Constituição local, vale lembrar que a convocação da
população em geral não atentou também para os ditames da Lei Complementar nº
314/2000, que aprovou o Plano Diretor Local da Região Administrativa de
Ceilândia – RA IX, conforme o disposto no art. 316 da Lei Orgânica do Distrito
Federal, que prevê a convocação obrigatória dos proprietários dos lotes das
quadras envolvidas. Confira-se:
Art. 108.As passagens de pedestre existentes
entre os lotes dos conjuntos de todas as quadras
serão objeto de projeto paisagístico ou urbanístico
especial, facultadas as seguintes alternativas de
ocupação:
I – criação, em caráter prioritário, de unidades
imobiliárias;
... omissis ... (grifo nosso).
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Art. 119.Os projetos urbanísticos e
paisagísticos especiais terão garantida a
participação da comunidade mediante audiência
pública, nos termos do ordenamento legal vigente.
§ 1º Para a audiência pública relativa aos
projetos urbanísticos especiais especificados nos
arts. 103, 106, 107, 108, 110 e 111 desta Lei
Complementar, será obrigatória a convocação dos
proprietários dos lotes das quadras
envolvidas(grifo nosso).
Preclara a impossibilidade, no caso, de convocação dos
proprietários dos lotes das quadras envolvidas, já que as áreas intersticiais a
serem desafetadas não foram identificadas na Norma.
Em que pese igualmente despiciendo para o desate da
celeuma, vale registrar que não escapou à acuidade deste Magistrado o fato de
que, quando da edição da Lei Complementar nº 755/2008, essa convocação fora
veiculada única e exclusivamente mediante a publicação no Diário Oficial do
Distrito Federal do dia 14/04/2008, sendo certo que, apesar do seu caráter oficial,
o cidadão comum não acompanha esse tipo periódico, sendo bastante provável
que os moradores de Ceilândia sequer tiveram ciência da realização daquela
audiência.
Não há como olvidar, pois, a flagrante e renitente desídia da
Administração Pública em promover, nos dois casos, de forma efetiva e eficiente,
a divulgação da realização da audiência pública para discutir o tema, atendendo à
exigência constitucional e possibilitando a ampla e prévia manifestação da
população interessada acerca da desafetação das áreas em comento.
Não bastasse a inconstitucionalidade acima constatada,
verifica-se que as disposições insertas no art. 1º, caput, e no art. 4º, §§ 1º e 2º,
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ofendem, de forma flagrante, os princípios da isonomia, da moralidade, da
impessoalidade, da razoabilidade e do interesse público, todos previstos no art.
19 da Lei Orgânica, na medida em que, iniludivelmente, instituem injustificado
privilégio a servidores públicos, especialmente aos integrantes da Polícia Militar e
do Corpo de Bombeiros Militar do Distrito Federal.
É certo que a Lei Complementar nº 852/2012, ora em
apreço, diferentemente da Lei Complementar nº 755/2008, declarada
inconstitucional por esta Corte, não fez menção expressa a servidores públicos
tampouco a policiais militares e bombeiros militares. No entanto, ao referir, no § 1º
do art. 4º, que a doação seria feita aos primeiros ocupantes, que permaneceram
no local, cuja ocupação tenha sido autorizada pelo Poder Público, ressai clara a
destinação do comando normativo, haja vista o quanto estabelecido na já
fulminada norma antecessora.
Além do quê, o próprio Governador, em suas informações,
ao argumentar que “não se pode desconsiderar a chamada força normativa dos
fatos”, afirmou que, “na espécie, foram edificadas várias unidades imobiliárias
unifamiliares, possivelmente já hoje habitadas e destinadas às famílias dos
servidores públicos destinatários das normas” (sic, grifo nosso – fl. 108).
Destarte, é inegável que a doação dos bens públicos objetos
do Diploma vergastado destina-se a servidores estáveis, que percebem salários
fixos provavelmente superiores aos parâmetros considerados pelos programas
sociais de moradia, sendo certo que os demais requisitos, a exemplo de não ter
outro imóvel no Distrito Federal, como dispõe o inc. II do art. 329 da LODF,
também não foram considerados.
Nada há, destarte, que justifique essa transferência graciosa
de bens públicos a esses particulares.
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Da mesma forma, a venda direta, sem licitação, aos
ocupantes que não se enquadrem nas qualificações supra não encontra
sustentação na legislação de regência.
Ainda que o art. 17, inc. I, alínea “f”, da Lei 8.666/93
dispense a realização de procedimento licitatório nos casos de imóveis
residenciais destinados ou efetivamente utilizados no âmbito de programas
habitacionais de interesse social, o que ocorre na espécie é a concessão de
benefício, sem qualquer justificativa, a determinadas categorias de servidores
públicos e a pessoas que os sucederam na posse, em detrimento de todos os
demais cidadãos inscritos nos programas habitacionais do Governo do Distrito
Federal, que podem ser tão ou até mais carentes do que os beneficiários das
Normas em questão.
Oportuno ressaltar que, no exame das ADI’s nºs
2009.00.2.001562-7 e 2009.00.2.004905-6, que tratavam da desafetação de
áreas intersticiais das quadras residenciais do Gama e sua distribuição,
preferencialmente, aos integrantes da Polícia Militar e Corpo de Bombeiros Militar
do Distrito Federal, este Conselho Especial julgou-as procedentes, devendo, até
mesmo por questão de segurança jurídica, aplicar-se o mesmo entendimento à
Norma em comento.
Emerge inquestionável, outrossim, o descompasso da Lei
Complementar sub examine com os princípios norteadores da Política de
Desenvolvimento Urbano do Distrito Federal, estabelecidos nos arts. 314, caput e
parágrafo único, incisos I, II, III, IV, V, VII, IX e XI, e 328, IV, todos da Lei Orgânica
do Distrito Federal.
Com efeito, a proposta não prevê uso socialmente justo
dessas áreas, com escorreita distribuição de benefícios e ônus decorrentes do
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processo de urbanização, já que, como dito, a doação e a alienação de imóveis
públicos a certos servidores públicos distritais, sem a realização de prévia
licitação, consubstancia-se injustificado privilégio a determinada categoria em
detrimento da população carente, regularmente inscrita nos programas sociais de
habitação do Governo.
Por sua vez, a falta de prévio – e sério – estudo técnico viola
o dever de manutenção, segurança e preservação do patrimônio urbanístico, bem
como o controle do uso e da ocupação do solo urbano, sendo certo que também
não se vislumbra qualquer adequação do direito de construir aos interesses
sociais e públicos, tampouco às normas urbanísticas e ambientais previstas em
lei, notadamente o art. 108, caput, inc. I e § 2º, da Lei Complementar nº 314/2000,
que dispõe:
Art. 108.As passagens de pedestre existentes
entre os lotes dos conjuntos de todas as quadras serão
objeto de projeto paisagístico ou urbanístico especial,
facultadas as seguintes alternativas de ocupação:
I – criação, em caráter prioritário, de unidades
imobiliárias;
... omissis ...
§ 2º Nas áreas inseridas na Área de Proteção
de Manancial do Córrego Currais, não se aplica a
alternativa prevista no inciso I deste artigo (grifo
nosso).
Como visto retro, o Parecer Técnico da própria Secretaria de
Desenvolvimento Urbano e Habitação – SEDUH4
assenta que, dos becos
existentes no projeto original, restariam 459 lotes a serem criados, dos quais 193
se encontram em quadras totalmente ou parcialmente inseridas na área de
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Parecer Técnico nº 003/2012 – GEPRO/DITEC – CODHAB (fls. 110/112)
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proteção de Manancial do Córrego Currais e, dos 266 lotes que sobejam, nem
todos poderiam ser destinados ao fim colimado, havendo previsão de que os
“becos” localizados em zona central venham a servir para escoamento alternativo
do sistema viário, no caso de estrangulamento, mas nada disso foi excepcionado
em estudo técnico preliminar.
A inobservância ao PDL/Ceilândia afronta, ainda, aos arts.
316, caput, 318, caput, e 326, caput e inc. IV, da Lei Orgânica do Distrito Federal.
É latente, portanto, que o Diploma fustigado inverteu a
ordem do comando do inc. V do art. 314, pois fez prevalecer o interesse individual
sobre o coletivo e o interesse privado sobre o público, pois inexiste o
planejamento devido para a expansão das áreas urbanas de que trata, não tendo
por escopo promover o uso devido dos bens públicos, a ocupação ordenada do
território e muito menos a melhoria da qualidade de vida da população da Região
Administrativa de Ceilândia, mas pura e simplesmente privilegiar graciosamente
um grupo específico de servidores públicos e premiar, com a venda direta,
cidadãos que se apropriaram indevidamente de áreas de uso comum do povo.
Por fim, cumpre registrar que os ditames da Lei Federal
11.977/2009, que dispõe sobre o Programa Minha Casa, Minha Vida – PMCMV e
a regularização fundiária de assentamentos localizados em áreas urbanas, de
forma alguma dirimem as inconstitucionalidades aqui constatadas, mostrando-se
de todo oportuno gizar, apenas a título ilustrativo, que, embora a Lei
Complementar combatida reporte-se à referida Norma federal, prevendo que as
regularizações seriam feitas na sua esteira, na verdade, passa ao lardo desta,
não atentando sequer para os requisitos que devem ser atendidos pelos
beneficiários do programa (art. 3º), que, aliás, guardam grande similitude com os
previstos nos programas de habitação do Distrito Federal.
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Forte em tais razões, JULGO PROCEDENTE o pedido,
para declarar a inconstitucionalidade da Lei Complementar nº 852, de 21 de
setembro de 2012, em face dos arts. 19; 26; 47, caput e §1º; 49; 51, caput e §§
1º, 2º e 3º; 314, caput e parágrafo único, incs. I, II, III, IV, V, VI, IX e XI, e 328, inc.
IV, bem como o art. 56 do ADT, todos da Lei Orgânica do Distrito Federal, com
eficácia erga omnes e efeitos ex tunc.
É como voto.
DECISÃO
JULGOU-SE PROCEDENTE O PEDIDO PARA DECLARAR
A INCONSTITUCIONALIDADE LEI COMPLEMENTAR N.°
852, DE 21 DE SETEMBRO DE 2012, COM EFICÁCIA
ERGA OMNES E EFEITOS EX TUNC. POR MAIORIA.
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  • 1. Poder Judiciário da União TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO DISTRITO FEDERAL E DOS TERRITÓRIOS GDCIABD Gabinete da Desembargadora CARMELITA BRASIL 679645 CONSELHO ESPECIAL Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 2012.00.2.023026-9 Requerente : Procurador-Geral de Justiça do Distrito Federal Requeridos : Governador do Distrito Federal Presidente da Câmara Legislativa do Distrito Federal Relatora : Desembargadora Carmelita Brasil EMENTA AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI COMPLEMENTAR DISTRITAL N.º 852/2012. ÁREAS INTERSTICIAIS DAS QUADRAS RESIDENCIAIS DA CEILÂNDIA: “BECOS”. DESAFETAÇÃO DE ÁREA PÚBLICA. NÃO OBSERVÂNCIA DOS REQUISITOS LEGAIS. ARTIGO 56, PARÁGRAFO ÚNICO DO ADT DA LEI ORGÂNICA DO DF. OFENSA AO PRINCÍPIO DA ISONOMIA, IMPESSOALIDADE E INTEERSSE PÚBLICO. Segundo regra constante no parágrafo único do artigo 56 do Ato das Disposições Transitórias da Lei Orgânica do Distrito Federal, a desafetação de área pública, enquanto não aprovada a Lei de Uso e Ocupação do Solo, somente poderá ocorrer por lei complementar específica de iniciativa do Governador, motivada por situação de relevante interesse público e precedidas da participação popular e de estudos técnicos que avaliem o impacto da alteração, aprovados pelo órgão competente do Distrito Federal. A Lei Complementar distrital nº 856/2012 padece de vício de inconstitucionalidade material, porque sua edição não foi precedida da necessária participação popular e dos estudos técnicos. A realização de uma única audiência pública, cujo chamamento se deu apenas por meio de edital publicado no diário oficial e em jornais de grande circulação, com participação inexpressiva da população interessada, não se presta para o cumprimento do requisito contido no parágrafo
  • 2. Poder Judiciário da União TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO DISTRITO FEDERAL E DOS TERRITÓRIOS GDCIABD Gabinete da Desembargadora CARMELITA BRASIL ADI 2012.00.2.023026-9 679645 ADI 2012.00.2.023026- 9 único do artigo 56 do ADT da LODF, referente à prévia participação popular. A previsão contida na lei impugnada de doação de imóvel público para pessoas que pelos próprios cargos exercidos: policiais e bombeiros, afastam-se da condição de hipossuficientes econômicos, fere os princípios da isonomia, impessoalidade e interesse público, pois auferem renda bastante para aquisição de moradia sem o benefício de políticas públicas voltadas para este fim. A C Ó R D Ã O Acordam os Desembargadores do Conselho Especial deste Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios, CARMELITA BRASIL, Relatora, J. J. COSTA CARVALHO, SANDRA DE SANTIS, FLAVIO ROSTIROLA, JAIR SOARES, VERA ANDRIGHI, MARIO-ZAM BELMIRO, GEORGE LOPES LEITE, JOÃO TIMÓTEO DE OLIVEIRA, ANTONINHO LOPES, JOÃO EGMONT, ROMÃO C. OLIVEIRA, LECIR MANOEL DA LUZ, ROMEU GONZAGA NEIVA, Vogais e SÉRGIO BITTENCOURT, Presidente e Vogal, em JULGAR PROCEDENTE O PEDIDO PARA DECLARAR A INCONSTITUCIONALIDADE DA LEI COMPLEMENTAR N.° 852, DE 21 DE SETEMBRO DE 2012, COM EFICÁCIA ERGA OMNES E EFEITOS EX TUNC. POR MAIORIA, de acordo com a ata de julgamento e as notas taquigráficas. Brasília, 14 de maio de 2013. Desembargadora CARMELITA BRASIL Relatora 2
  • 3. Poder Judiciário da União TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO DISTRITO FEDERAL E DOS TERRITÓRIOS GDCIABD Gabinete da Desembargadora CARMELITA BRASIL ADI 2012.00.2.023026-9 679645 ADI 2012.00.2.023026- 9 RELATÓRIO O relatório é, em parte, o constante no i. parecer da d. Procuradoria de Justiça, que ora transcrevo, in verbis: “O Procurador-Geral de Justiça do Distrito Federal e Territórios ajuizou ação direta de inconstitucionalidade visando à declaração, em tese e com efeitos erga omnes e ex tunc, da inconstitucionalidade da Lei Complementar 852, de 21 de setembro de 2012,, frente aos artigos 19, caput, 26, 47, caput, e § 1º, 49, 51, caput, e parágrafos 1º, 2º e 3º, 314, caput, e seu parágrafo único e incisos I, II, III, IV, V, VII, IX e XI, 328, inciso IV, e 56 (ADT), todos da Lei Orgânica do Distrito Federal, promulgada em 8 de junho de 1993. A peça vestibular demonstra, em síntese, que a lei impugnada representa nova tentativa de desafetação de espaços intersticiais (becos) indeterminados situados na Região Administrativa de Ceilândia, tendo em vista que a lei anterior sobre o tema foi julgada inconstitucional, com efeitos retroativos, tendo sido legalmente desconstituídas todas as ocupações então existentes (ADI 2009.00.2.013686-7). Sustenta o Ministério Público qie a nova lei, a exemplo da norma anterior (Lei Complementar 775/2008), também não observou os requisitos exigidos pela Lei Orgânica do Distrito Federal para a desafetação de áreas públicas, quais sejam, a prévia e ampla audiência da população interessada, a comprovação da existência de situação de relevante interesse público e a realização de estudos técnicos que avaliem o impacto da alteração, aprovados pelo órgão competente do Distrito Federal. Aponta-se que a previsão de doação dos referidos espaços públicos aos servidores públicos ocupantes (policiais e bombeiros militares) afronta diversos princípios da Carta Política distrital, em especial os 3
  • 4. Poder Judiciário da União TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO DISTRITO FEDERAL E DOS TERRITÓRIOS GDCIABD Gabinete da Desembargadora CARMELITA BRASIL ADI 2012.00.2.023026-9 679645 ADI 2012.00.2.023026- 9 princípio da moralidade, da impessoalidade, da razoabilidade e do interesse público. Alega-se, também, que a previsão de regularização de áreas públicas invadidas até a ‘data da publicação’ da lei impugnada (art. 1º), mediante a sua alienação aos atuais ocupantes sem licitação, além de subverter a lógica de qualquer planejamento urbano e de não priorizar a população carente inscrita no cadastro de programas habitacionais de interesse social, estimula a ocupação desordenada do território, em afronta a diversas disposições da Lei Orgânica sobre o tema. Sustenta-se que a única audiência realizada para a desafetação das áreas, que contou a presença dos próprios beneficiários da norma, foi feita sem qualquer especificação dos espaços a serem desafetados e sem a prévia elaboração de estudos urbanísticos que pudessem avaliar o impacto de tal alteração, o que permitiria a efetiva e ampla análise por parte da comunidade interessada, ferindo o artigo 56, parágrafo único, do ADT da LODF. Aponta-se, por fim, a afronta ao meio ambiente e à ordem urbanística, bem como insobservância de diversos Princípios da Política de Desenvolvimento Urbano do Distrito Federal, previstos na Carta Política distrital. Autuado o processo, determinou a Relatora, Desembargadora Carmelita Brasil, que se manifestassem o Presidente da Câmara Legislativa do Distrito Federal e o Governador do Distrito Federal e, em seguida, que fossem ouvidos o Procurador-Geral de Justiça do Distrito Federal e Territórios (fls. 72). O Presidente da Câmara Legislativa do Distrito Federal defendeu a constitucionalidade da norma impugnada (fls. 79/82). O Governador do Distrito Federal, em suas Informações, sustentou a constitucionalidade da norma impugnada, tendo juntado aos autos, no entanto, Parecer Técnico da Secretaria de Desenvolvimento 4
  • 5. Poder Judiciário da União TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO DISTRITO FEDERAL E DOS TERRITÓRIOS GDCIABD Gabinete da Desembargadora CARMELITA BRASIL ADI 2012.00.2.023026-9 679645 ADI 2012.00.2.023026- 9 Urbano e Habitação (fls. 110/112) que atesta que algumas das áreas públicas a serem desafetadas estão totalmente inseridas na Área de Proteção de Manancial do Córrego Currais ou constituem espaços necessários ao escoamento alternativo do sistema viário. O Procurador-Geral do Distrito Federal, atuando na qualidade de curador do ato normativo impugnado, reiterou manifestação feita pelo Governador do Distrito Federal, tendo requerido a improcedência do pedido e, sucessivamente, a modulação dos efeitos da decisão (fls. 361/384).” Acrescento que a d. Procuradoria oficiou pela procedência dos pedidos veiculados na presente demanda É o relatório. V O T O S A Senhora Desembargadora CARMELITA BRASIL – Relatora. Cuida-se de Ação Direta de Inconstitucionalidade ajuizada pelo Procurador-Geral de Justiça do Distrito Federal, tendo por objeto a Lei Complementar distrital nº. 852, de 21 de setembro de 2012, cujo escopo seria regularizar as ocupações promovidas por particulares nas áreas públicas intersticiais das quadras residenciais da Ceilândia, popularmente conhecidas como becos, frente às normas contidas nos artigos 19, caput, 26, 47, caput, e § 1º, 49, 51, caput, e §§ 1º, 2º e 3º, 314, caput, parágrafo único, e incisos I, II, III, IV, V, VII, IX e XI, 328 inciso IV, todos da Lei Orgânica do Distrito Federal, e 56 do Ato das Disposições Transitórias da referida Lei Orgânica. A Lei acoimada de inconstitucional tem os seguintes termos: 5
  • 6. Poder Judiciário da União TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO DISTRITO FEDERAL E DOS TERRITÓRIOS GDCIABD Gabinete da Desembargadora CARMELITA BRASIL ADI 2012.00.2.023026-9 679645 ADI 2012.00.2.023026- 9 LEI COMPLEMENTAR Nº 852, DE 21 DE SETEMBRO DE 2012. Dispõe sobre a desafetação e a ocupação das áreas intersticiais das quadras residenciais da Região Administrativa de Ceilândia – RA IX e dá outras providências. Art. 1º Ficam desafetadas as áreas de uso comum do povo intersticiais das quadras residenciais da Região Administrativa de Ceilândia – RA IX que se encontrem ocupadas e que sejam utilizadas predominantemente como moradia até a data de publicação desta Lei Complementar, passando à categoria de bem dominial, nos termos do art. 51 da Lei Orgânica do Distrito Federal e do art. 56, parágrafo único, do Ato das Disposições Transitórias da Lei Orgânica do Distrito Federal. Parágrafo único. As áreas intersticiais referidas no caput que não se encontrem ocupadas e que não sejam utilizadas predominantemente como moradia até a data de publicação desta Lei Complementar permanecem como bens de uso comum do povo. Art. 2º As áreas públicas desafetadas destinam- se à criação de unidades imobiliárias residenciais mediante projeto urbanístico elaborado pelo Poder Executivo, observados os princípios de desenvolvimento urbano constantes do art. 314 da Lei Orgânica do Distrito Federal. Art. 3º Aplicam-se às unidades imobiliárias residenciais a serem criadas os mesmos índices urbanísticos definidos para os lotes lindeiros, na forma do Plano Diretor Local de Ceilândia, aprovado pela Lei Complementar nº 314, de 1º de setembro de 2000, e das demais normas específicas. Art. 4º As áreas ocupadas podem ser regularizadas, na forma da Lei federal nº 11.977, de 7 de julho de 2009, desde que utilizadas predominantemente como moradias. 6
  • 7. Poder Judiciário da União TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO DISTRITO FEDERAL E DOS TERRITÓRIOS GDCIABD Gabinete da Desembargadora CARMELITA BRASIL ADI 2012.00.2.023026-9 679645 ADI 2012.00.2.023026- 9 § 1º Fica autorizada a doação aos primeiros ocupantes que permaneçam nessa condição, desde que a ocupação tenha sido autorizada pelo Poder Executivo ou pelo Poder Judiciário. § 2º Os ocupantes dos imóveis que não atendam ao disposto no § 1º têm direito à legalização do imóvel, mediante o pagamento de valor correspondente à avaliação, a qual deve ser realizada com base em critérios específicos para fins de regularização e nas condições definidas por ato da Secretaria de Estado de Habitação, Regularização e Desenvolvimento Urbano. § 3º Os imóveis que não forem legalizados na forma dos §§ 1º e 2º devem ser objeto de licitação, na forma da Lei federal nº 8.666, de 21 de junho de 1993. § 4º No caso do § 3º, o valor correspondente às benfeitorias realizadas pelos ocupantes deve ser ressarcido pelo vencedor da licitação diretamente ao ocupante. Art. 5º A avaliação das áreas referidas no art. 4º, caput, será feita com base no valor correspondente ao de terra nua, apurado na data da autorização da ocupação. Art. 6º O valor arrecadado com a alienação dos imóveis é destinado ao Fundo Distrital de Habitação de Interesse Social – FUNDHIS. Art. 7º Esta Lei Complementar entra em vigor na data de sua publicação. Art. 8º Revogam-se as disposições em contrário.” Consoante consta no relatório, a inconstitucionalidade arguida seria de ordem material, ante a não observância dos requisitos contidos na Lei Orgânica do DF para proceder à desafetação das áreas públicas, em especial a ausência de ampla discussão da população interessada e de estudos técnicos para avaliar o impacto da alteração de uso. Ainda, sustenta-se a ilegalidade da venda dos imóveis sem o devido processo licitatório, bem como 7
  • 8. Poder Judiciário da União TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO DISTRITO FEDERAL E DOS TERRITÓRIOS GDCIABD Gabinete da Desembargadora CARMELITA BRASIL ADI 2012.00.2.023026-9 679645 ADI 2012.00.2.023026- 9 ofensa aos princípios da isonomia, impessoalidade, moralidade, razoabilidade e interesse público. De fato, após detido exame dos autos, bem como das circunstâncias fáticas que envolvem o objeto da lei ora impugnada, entendo que razão assiste ao requerente. O artigo 56 e o seu parágrafo único do Ato das Disposições Transitórias da Lei Orgânica do Distrito Federal têm a seguinte redação: “Art. 56. Até a aprovação da Lei de Uso e Ocupação do Solo, o Governador do Distrito Federal poderá enviar, precedido de participação popular, projeto de lei complementar específica que estabeleça o uso e a ocupação de solo ainda não fixados para determinada área, com os respectivos índices urbanísticos. (Artigo e parágrafo com a redação da Emenda à Lei Orgânica nº 49, de 2007.) Parágrafo único. A alteração dos índices urbanísticos, bem como a alteração de uso e desafetação de área, até a aprovação da Lei de Uso e Ocupação do Solo, poderão ser efetivadas por leis complementares específicas de iniciativa do Governador, motivadas por situação de relevante interesse público e precedidas da participação popular e de estudos técnicos que avaliem o impacto da alteração, aprovados pelo órgão competente do Distrito Federal.” Como se vê, são três os requisitos para a desafetação de área pública, quais sejam: a prévia participação popular na edição da lei; a existência de estudos técnicos que avaliem o impacto da alteração, os quais obviamente devem ser aprovados pelos órgãos competentes do Distrito Federal; e que a modificação pretendida seja motivado por relevante interesse público. 8
  • 9. Poder Judiciário da União TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO DISTRITO FEDERAL E DOS TERRITÓRIOS GDCIABD Gabinete da Desembargadora CARMELITA BRASIL ADI 2012.00.2.023026-9 679645 ADI 2012.00.2.023026- 9 No caso da lei impugnada, o relevante interesse público é evidente. Resulta ele da ocupação dos espaços intersticiais das quadras residenciais da Ceilândia promovida por particulares há muitos anos, alguns com a anuência do Poder Público. É certo que tal ocupação, desamparada de instrumentos legais que a legitimem, revela o interesse público na desafetação, sendo a transferência da propriedade uma das formas de regularizar a ocupação levada a efeito pelo particular. Some-se a isso o fato de que a cidade de Ceilândia, mesmo após as inúmeras intervenções urbanísticas e benfeitorias realizadas nos últimos anos pelo Poder Público, foi concebida e construída para abrigar famílias de baixa renda, tanto é assim que seu próprio nome tem origem no programa governamental intitulado “Campanha de Erradicação de Invasões” – CEI, sendo a Ceilândia, portanto, o local onde foram assentadas as famílias retiradas destas “invasões”. Ou seja, partindo-se da premissa que o local é destinado às pessoas economicamente hipossuficientes, a ocupação dos “becos” também revela interesse público a justificar, em tese, a desafetação da área pública. Ocorre, entretanto, que somente este requisito para a desafetação da área foi efetivamente cumprido. Com efeito, não houve prévia participação popular na edição da lei, nem tampouco estudos técnicos para avaliar o impacto da alteração. A participação popular resumiu a uma única audiência pública, cuja convocação, a teor do que demonstram os documentos de fls. 279 e seguintes, foi feita por meio de edital publicado no DODF e em dois jornais de grande circulação no Distrito Federal. 9
  • 10. Poder Judiciário da União TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO DISTRITO FEDERAL E DOS TERRITÓRIOS GDCIABD Gabinete da Desembargadora CARMELITA BRASIL ADI 2012.00.2.023026-9 679645 ADI 2012.00.2.023026- 9 Ou seja, a Administração, para cumprir o preceito que exige prévia participação popular para a desafetação de área pública, socorreu-se do procedimento utilizado em âmbito judicial para a realização de citação ficta. O resultado disso, como esperado, foi a participação de cerca de 80 (oitenta pessoas) (fls. 286/292) na audiência, muito menos do que a própria quantidade de lotes (becos) ocupados por particulares. Disso se conclui que nem ao menos estas pessoas, que seriam imediatamente as beneficiadas pela lei a ser debatida, tomaram ciência da audiência. Deste modo, inconteste que a única audiência realizada, além de não servir aos propósitos da lei, repita-se, que é prévia participação popular, por não ter havido a efetiva divulgação, foi acompanhada por parcela inexpressiva da população. Oportuno dizer, para reforçar a ineficácia do chamamento à audiência, que a Administração Pública sempre se vale de todos os meios de comunicação, incluindo os meios de comunicação de massa como a televisão, para divulgar os feitos do governante do momento, muito embora inexista lei obrigando-a a tal. Quando é realmente necessária a divulgação do ato, frente ao interesse público evidente em face dos relevantes valores envolvidos, quais sejam, a ordem urbanística e a própria moradia das famílias e, por isso mesmo, a dignidade da pessoa humana, publica-se um simples edital no Diário Oficial e em classificados de jornal. Ora, tal proceder, a toda evidencia, afasta-se da escopo da lei, visando tornar efetivamente democrática a eventual decisão desafetando determinada área pública, inserindo todos os interessados no debate acerca das necessidades e consequências da escolha tomada, bem como da melhor forma de agir no caso específico. 10
  • 11. Poder Judiciário da União TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO DISTRITO FEDERAL E DOS TERRITÓRIOS GDCIABD Gabinete da Desembargadora CARMELITA BRASIL ADI 2012.00.2.023026-9 679645 ADI 2012.00.2.023026- 9 Mas não é só isso. Também não houve estudos técnicos para avaliar o impacto da alteração pretendida. Pelo que dos autos consta, o que mais se aproximou de um estudo técnico foi a indicação dos “becos” ocupados e ofícios expedidos por concessionárias de serviços públicos dando conta de eventual existência de ramais de água, esgoto, telefone, energia ou previsão para acesso de veículos. Nada mais há. Além disso, é importante ressaltar que toda essa informação data do longínquo ano de 2000, ou seja, mesmo considerado essa documentação como estudo, o que obviamente não é porque tais informações apenas subsidiariam o estudo, a antiguidade as torna absolutamente inócuas, ante a razoável probabilidade de mudanças ocorridas ao longo destes 12 anos. Por essas constatações, afigura-se-me evidente a eiva de inconstitucionalidade material a macular o diploma legislativo ora impugnado. Não bastasse, consigno que a presente questão já foi objeto de exame em oportunidade anterior, por ocasião do julgamento da ADI 2009.00.2.013686-7, da relatoria do e. Desembargador Edson Alfredo Smaniotto, que versava sobre a Lei Complementar distrital nº. 775/2008 de objeto idêntico à Lei impugnada por nesta Ação Direta. Naquele momento, muito embora a procedência dos pedidos tivesse por fundamento um vício de inconstitucionalidade formal, um dos aspectos formais não observados era exatamente o procedimento imposto pela Lei Orgânica do DF para a desafetação de áreas públicas. Com efeito, assim consignou o e. Desembargador Relator: “(...) a elaboração da lei não observou a exigência normativa da LODF no tocante à prévia 11
  • 12. Poder Judiciário da União TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO DISTRITO FEDERAL E DOS TERRITÓRIOS GDCIABD Gabinete da Desembargadora CARMELITA BRASIL ADI 2012.00.2.023026-9 679645 ADI 2012.00.2.023026- 9 participação popular e realização de estudos técnicos para avaliação do impacto da alteração das áreas públicas. Foi realizada tão-somente uma audiência pública para consulta da população interessada acerca da desafetação, com divulgação precária e modesta participação. Este desrespeito às imposições legais para a edição da lei contamina o processo legislativo manchando de inconstitucionalidade formal a norma criada.” Verifica-se, portanto, que não obstante tenha-se interpretado os temas arguidos como vícios formais na edição da lei, o fato é que a causa de pedir é a mesma da presente ação. No caso, como dito em linhas volvidas, os vícios que impuseram a declaração de inconstitucionalidade daquela lei persistem na que é objeto desta ADI, sendo certo que a permanência da lei impugnada no mundo jurídico importa não só ofensa à Lei Orgânica do DF, como também da própria autoridade do Poder Judiciário, que pelo mesmo motivo declarou a inconstitucionalidade do anterior diploma. Por último, mas não menos relevante, é o fato de a Lei Complementar questionada permitir a doação das áreas intersticiais aos ocupantes primitivos sem aferir a efetiva necessidade e olvidando-se do necessário procedimento licitatório para a alienação do bem público. Com efeito, é certo que para garantir moradia às camadas sociais economicamente hipossuficientes, o Estado deve, até mesmo por imperativo Constitucional, já que se trata de direito decorrente do próprio postulado da dignidade da pessoa humana, promover medidas a assegurar tal direito, mediante a adoção de programas sociais com este desiderato. 12
  • 13. Poder Judiciário da União TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO DISTRITO FEDERAL E DOS TERRITÓRIOS GDCIABD Gabinete da Desembargadora CARMELITA BRASIL ADI 2012.00.2.023026-9 679645 ADI 2012.00.2.023026- 9 Ocorre que, como é de todos sabido, os primitivos ocupantes, a quem serão doadas as áreas desafetadas caso a Lei Complementar nº 852/2012 permaneça vigente, são policiais civis e militares e bombeiros desta unidade da federação. Digo isso porque, se por um lado a remuneração percebida pelas categorias em questão não se afigura suficiente para aquisição de imóvel em bairro nobre desta capital, de outro é inquestionável que tais servidores públicos estão longe da condição de hipossuficientes a justificar a adoção de política pública tendente a lhes garantir tal direito, pois podem valer-se de recursos próprios para tanto. O favorecimento destes servidores públicos em detrimento de outros e da própria sociedade configura nefasta ofensa aos princípios da isonomia, impessoalidade e interesse público, os quais constituem pilares da organização do Estado. Sobre esse aspecto, os fundamentos contidos no i. parecer da d. Procuradoria de Justiça são de tudo pertinentes, in verbis: “Por fim, cumpre ressaltar, também, que a instituição de tais privilégios de forma isolada e descontextualizada de estudos urbanísticos também se mostra em flagrante descompasso com os princípios norteadores da Política de Desenvolvimento Urbano do Distrito Federal previstos na Lei Orgânica distrital, além de estimular a ocupação desordenada do território. Assim, objetivos como a ‘adequada distribuição espacial das atividades sócio-econômicas e dos equipamentos urbanos e comunitários’ (art. 312, inc. I) são esquecidos e importantes princípios norteadores da política de desenvolvimento urbano não são observados, como o que trata da ‘justa distribuição dos benefícios e ônus decorrentes do processo de 13
  • 14. Poder Judiciário da União TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO DISTRITO FEDERAL E DOS TERRITÓRIOS GDCIABD Gabinete da Desembargadora CARMELITA BRASIL ADI 2012.00.2.023026-9 679645 ADI 2012.00.2.023026- 9 urbanização’ (art. 314, inc. III) e da ‘prevalência do interesse coletivo sobre o individual e do interesse público sobre o privado’ (inc. V). Enfim, a previsão de regularização de áreas públicas invadidas até a ‘data de publicação’ da lei impugnada (art. 1º), via alienação direta aos ocupantes (art. 4º, §2º), além de subverter a lógica de qualquer planejamento urbano e desconsiderar os poucos estudos realizados, estimula a ocupação desordenada do território, em manifesta afronta ao princípio da moralidade, da impessoalidade, da razoabilidade e do interesse público.” Por último, quanto ao requerimento de modulação dos efeitos da decisão que declara a inconstitucionalidade, não vejo tal necessidade. A lei impugnada de forma alguma pode servir de fundamento para a ocupação das áreas intersticiais. Não se está a dizer com isso que os ocupantes não têm fundamentos legítimos para permanecerem nas áreas. Apenas que, em razão da diversidade de fundamentos para a ocupação, cada caso há de ser examinado separadamente. Ante o exposto, JULGO PROCEDENTE O PEDIDO para declarar, com efeitos ex tunc e erga omnes, a inconstitucionalidade da Lei Complementar distrital nº. 852, de 21 de setembro de 2012. É como voto. O Senhor Desembargador J. J. COSTA CARVALHO – Vogal. Eminente Presidente, todos os pontos foram abordados com a prudência e clarividência peculiares à eminente Relatora. Nada tenho a acrescentar ao seu douto voto que escandiu toda a matéria objeto da presente ADI. Acompanho Sua Excelência na integralidade de seu douto voto. 14
  • 15. Poder Judiciário da União TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO DISTRITO FEDERAL E DOS TERRITÓRIOS GDCIABD Gabinete da Desembargadora CARMELITA BRASIL ADI 2012.00.2.023026-9 679645 ADI 2012.00.2.023026- 9 A Senhora Desembargadora SANDRA DE SANTIS – Vogal. Também acompanho a eminente Relatora. O Senhor Desembargador FLAVIO ROSTIROLA – Vogal. Senhor Presidente, examinei essa questão e não vislumbrei, com a devida vênia do posicionamento da eminente Relatora, vício de iniciativa; não vislumbro nem inconstitucionalidade formal e material. In casu, Excelências, há notícia de que houve uma prévia consulta popular. Não posso, aqui, dimensionar se a consulta foi ampla, diminuta ou não. A verdade é que houve um edital, houve publicação, e nessa consulta popular, ao que consta, foi expressiva e com ampla a participação da população. Há também uma análise técnica dos órgãos, se não me engano, da própria Companhia de Desenvolvimento Habitacional do Distrito Federal (CODHAB), que já se manifestou com relação a essa necessidade de ocupação. O interesse público também é relevante. E, in casu, trata-se de regularização de uma situação preexistente, ocupações de mais de 17 anos, e nesse tocante deve ser regularizado, sob a hipótese de se jamais dar uma solução a esse caso de ocupação consolidada. Vejam bem, o próprio Supremo Tribunal Federal apreciando matéria semelhante sobre ocupação de imóveis no DF, afirmou: ..." que se reveste de razoabilidade aquilo que venha a solucionar situação excepcional. Trata-se de problema social crônico e notório vivido no Distrito Federal de ocupação sem controle dessas áreas." E, inclusive, consta da decisão também, a matéria relativa a necessária dispensa ou, inexigibilidade de licitação, fulcrada no 15
  • 16. Poder Judiciário da União TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO DISTRITO FEDERAL E DOS TERRITÓRIOS GDCIABD Gabinete da Desembargadora CARMELITA BRASIL ADI 2012.00.2.023026-9 679645 ADI 2012.00.2.023026- 9 art. 24 da Lei 8.666, de 21 de junho de 1993. Dessa forma, Excelências, vislumbro aqui interesse social, regularidade e a inexigibilidade de licitação; não vislumbro violação aos preceitos constitucionais. O Senhor Desembargador SÉRGIO BITTENCOURT – Presidente e Vogal. Permita-me um aparte, Desembargador Flavio Rostirola? O Senhor Desembargador FLAVIO ROSTIROLA – Vogal. Perfeitamente. O Senhor Desembargador SÉRGIO BITTENCOURT – Presidente e Vogal. Há no meu voto uma observação quanto ao parecer técnico da própria Secretaria de Habitação, Regularização e Desenvolvimento Urbano (SEDHAB), assentando que, dos becos existentes no projeto original, restariam 459 lotes a serem criados, dos quais 193 se encontram em quadras totalmente ou parcialmente inseridas na Área de Proteção de Manancial do Córrego Currais; dos 266 lotes que sobejam, nem todos poderiam ser destinados ao fim colimado, havendo previsão de que os becos localizados em zona central venham a servir para escoamento alternativo de sistema viário. É um parecer técnico, aquilo que V. Ex.asustentou que seria favorável, mas, pelo que vejo, o parecer técnico ... O Senhor Desembargador FLAVIO ROSTIROLA – Vogal. 16
  • 17. Poder Judiciário da União TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO DISTRITO FEDERAL E DOS TERRITÓRIOS GDCIABD Gabinete da Desembargadora CARMELITA BRASIL ADI 2012.00.2.023026-9 679645 ADI 2012.00.2.023026- 9 Excelência, creio que o parecer que estou mencionando é sobre aqueles becos já ocupados; os que estão mencionados como em áreas de reserva não são objeto de ocupação, que, aliás, estão excepcionados, parece-me que não estão contemplados na Legislação em comento. Somente esses lotes de longa data ocupados, é que são objeto de na norma legal impugnada. Portanto, ao que se depreende se trata de norma para regularização de uma situação de ocupação preexistente. Então, no meu entender, estão excepcionados esses que estão mencionados nesse parecer técnico. Estamos tratando aqui dos que já estão ocupados. Trata-se de norma que objetiva tão somente regularizar uma situação preexistente. Por isso, Excelência, com a devida vênia, não vislumbro que haja violação formal e material. Portanto, o meu voto é pela improcedência do pedido. O Senhor Desembargador JAIR SOARES – Vogal. Senhor Presidente, peço vênia ao eminente Desembargador Flávio Rostirola para acompanhar a eminente Relatora. De fato, vício de iniciativa não há. E nem vício formal. A lei é complementar, que é a exigida. Ocorre que lei que visa à desafetação de uso de área pública há de ser precedida de ampla discussão com a comunidade, sobretudo porque, quando se ocupam tais áreas (em especial os chamados becos), acaba- se prejudicando os moradores que são confrontantes. Várias são as ações de pessoa que, morando há anos no local, de repente, é surpreendida com a construção de casa no beco ao lado da 17
  • 18. Poder Judiciário da União TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO DISTRITO FEDERAL E DOS TERRITÓRIOS GDCIABD Gabinete da Desembargadora CARMELITA BRASIL ADI 2012.00.2.023026-9 679645 ADI 2012.00.2.023026- 9 sua, situação que lhe causa prejuízos e incômodos. E poucos são os que foram contemplados com tais imóveis. Quem os recebeu foi categoria determinada de servidores -- bombeiros e policiais militares. Não que eles não mereçam, merecem até demais. Mas a lei não pode contemplar uns e deixar de lado os demais cidadãos. Rogando vênia, acompanho a eminente Relatora. A Senhora Desembargadora VERA ANDRIGHI – Vogal. Senhor Presidente, também rogo vênia ao eminente Desembargador Flavio Rostirola para acompanhar a Relatora. O Senhor Desembargador MÁRIO-ZAM BELMIRO – Vogal. Senhor Presidente, também rogando vênia ao eminente Desembargador Flavio Rostirola, acompanho a eminente Relatora. O Senhor Desembargador GEORGE LOPES LEITE – Vogal. Embora louvando o voto do eminente Desembargador Flavio Rostirola, que nos aponta um caminho diferenciado e antenado quanto a uma questão momentosa e angustiosa no Distrito Federal, ainda não tenho elementos suficientes para contrariar os argumentos da ilustre Relatora, a quem acompanho. O Senhor Desembargador JOÃO TIMÓTEO – Vogal. Acompanho a eminente Relatora, Senhor Presidente. O Senhor Desembargador ANTONINHO LOPES – Vogal. 18
  • 19. Poder Judiciário da União TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO DISTRITO FEDERAL E DOS TERRITÓRIOS GDCIABD Gabinete da Desembargadora CARMELITA BRASIL ADI 2012.00.2.023026-9 679645 ADI 2012.00.2.023026- 9 Senhor Presidente, acompanho a eminente Relatora, pedindo vênia. O Senhor Desembargador JOÃO EGMONT – Vogal. Acompanho a eminente Relatora. O Senhor Desembargador ROMÃO C. OLIVEIRA – Vogal. Senhor Presidente, peço vênia para acompanhar a eminente Relatora. O Senhor Desembargador LECIR MANOEL DA LUZ – Vogal. Senhor Presidente, peço respeitosas vênias para acompanhar a eminente Relatora. Conforme relatado pela eminente Desembargadora CARMELITA BRASIL, trata-se de Ação Direta de Inconstitucionalidadade proposta pelo Procurador-Geral de Justiça do Distrito Federal e Territórios contra a Lei Complementar distrital n.º 852, de 21 de setembro de 2012, que dispõe sobre a desafetação e a ocupação das áreas intersticiais das quadras residenciais da Região Administrativa de Ceilândia – RA IX e dá outras providências. Sustenta que a norma impugnada não observou os requisitos para desafetação de áreas públicas, como as exigências de efetiva participação da população interessada, de estudos técnicos para avaliar o impacto da alteração de uso e de realização do devido processo licitatório, nos termos dos artigos 19, caput, 26, 47, caput e § 1º, 49, 51, caput e §§1º, 2º e 3º, 19
  • 20. Poder Judiciário da União TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO DISTRITO FEDERAL E DOS TERRITÓRIOS GDCIABD Gabinete da Desembargadora CARMELITA BRASIL ADI 2012.00.2.023026-9 679645 ADI 2012.00.2.023026- 9 314, caput, parágrafo único e incisos I, II, III, IV, V, VII, IX e XI, 328, inciso IV, todos da Lei Orgânica do Distrito Federal, e 56 do Ato das Disposições Transitórias da referida Lei Orgânica. Narra a inobservância aos princípios da isonomia, da impessoalidade, da moralidade, da razoabilidade e do interesse público. Distribuída a ação à eminente Desembargadora Relatora, determinou-se a prestação de informações pelo Presidente da Câmara Legislativa do Distrito Federal e pelo Governador do Distrito Federal, bem como a manifestação do Procurador-Geral do Distrito Federal e do Procurador-Geral de Justiça do Distrito Federal e Territórios. Informações e manifestações às fls. 79-82, 84-359, 361-384 e 386-398, respectivamente pela Mesa Diretora da Câmara Distrital, pelo Governador do Distrito Federal, pelo Procurador Geral do Distrito Federal e pelo Ministério Público do Distrito Federal e Territórios. É o breve Relatório. A Lei Complementar distrital arguida como inconstitucional encontra-se redigida nos seguintes termos: “LEI COMPLEMENTAR Nº 852, DE 21 DE SETEMBRO DE 2012. (Autoria do Projeto: Poder Executivo) Dispõe sobre a desafetação e a ocupação das áreas intersticiais das quadras residenciais da Região Administrativa de Ceilândia – RA IX e dá outras providências. O GOVERNADOR DO DISTRITO FEDERAL, FAÇO SABER QUE A CÂMARA LEGISLATIVA DO DISTRITO FEDERAL DECRETA E EU SANCIONO A SEGUINTE LEI: Art. 1º Ficam desafetadas as áreas de uso comum 20
  • 21. Poder Judiciário da União TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO DISTRITO FEDERAL E DOS TERRITÓRIOS GDCIABD Gabinete da Desembargadora CARMELITA BRASIL ADI 2012.00.2.023026-9 679645 ADI 2012.00.2.023026- 9 do povo intersticiais das quadras residenciais da Região Administrativa de Ceilândia – RA IX que se encontrem ocupadas e que sejam utilizadas predominantemente como moradia até a data de publicação desta Lei Complementar, passando à categoria de bem dominial, nos termos do art. 51 da Lei Orgânica do Distrito Federal e do art. 56, parágrafo único, do Ato das Disposições Transitórias da Lei Orgânica do Distrito Federal. Parágrafo único. As áreas intersticiais referidas no caput que não se encontrem ocupadas e que não sejam utilizadas predominantemente como moradia até a data de publicação desta Lei Complementar permanecem como bens de uso comum do povo. Art. 2º As áreas públicas desafetadas destinam-se à criação de unidades imobiliárias residenciais mediante projeto urbanístico elaborado pelo Poder Executivo, observados os princípios de desenvolvimento urbano constantes do art. 314 da Lei Orgânica do Distrito Federal. Art. 3º Aplicam-se às unidades imobiliárias residenciais a serem criadas os mesmos índices urbanísticos definidos para os lotes lindeiros, na forma do Plano Diretor Local de Ceilândia, aprovado pela Lei Complementar nº 314, de 1º de setembro de 2000, e das demais normas específicas. Art. 4º As áreas ocupadas podem ser regularizadas, na forma da Lei federal nº 11.977, de 7 de julho de 2009, desde que utilizadas predominantemente como moradias. § 1º Fica autorizada a doação aos primeiros ocupantes que permaneçam nessa condição, desde que a ocupação tenha sido autorizada pelo Poder Executivo ou pelo Poder Judiciário. § 2º Os ocupantes dos imóveis que não atendam ao disposto no § 1º têm direito à legalização do imóvel, mediante o pagamento de valor correspondente à avaliação, a qual deve ser realizada com base em critérios específicos para fins de regularização e nas 21
  • 22. Poder Judiciário da União TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO DISTRITO FEDERAL E DOS TERRITÓRIOS GDCIABD Gabinete da Desembargadora CARMELITA BRASIL ADI 2012.00.2.023026-9 679645 ADI 2012.00.2.023026- 9 condições definidas por ato da Secretaria de Estado de Habitação, Regularização e Desenvolvimento Urbano. § 3º Os imóveis que não forem legalizados na forma dos §§ 1º e 2º devem ser objeto de licitação, na forma da Lei federal nº 8.666, de 21 de junho de 1993. § 4º No caso do § 3º, o valor correspondente às benfeitorias realizadas pelos ocupantes deve ser ressarcido pelo vencedor da licitação diretamente ao ocupante. Art. 5º A avaliação das áreas referidas no art. 4º, caput, será feita com base no valor correspondente ao de terra nua, apurado na data da autorização da ocupação. Art. 6º O valor arrecadado com a alienação dos imóveis é destinado ao Fundo Distrital de Habitação de Interesse Social – FUNDHIS. Art. 7º Esta Lei Complementar entra em vigor na data de sua publicação. Art. 8º Revogam-se as disposições em contrário. Brasília, 21 de setembro de 2012.” O Requerente aduz que não foram observados os requisitos legais e constitucionais para desafetação de áreas públicas, como as exigências de efetiva participação da população interessada, de estudos técnicos para avaliar o impacto da alteração de uso e de realização do devido processo licitatório, ocorrendo ofensa aos princípios da isonomia, da impessoalidade, da moralidade, da razoabilidade e do interesse público. Entendo assistir razão ao requerente. Nada obstante o inconteste interesse público na regularização de áreas públicas ocupadas, há anos, por particulares, é de se ver que a forma por que se dá a transferência de propriedade pública deve obedecer aos requisitos estabelecidos em lei. Com efeito, embora o parágrafo único do art. 56 do ADT da 22
  • 23. Poder Judiciário da União TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO DISTRITO FEDERAL E DOS TERRITÓRIOS GDCIABD Gabinete da Desembargadora CARMELITA BRASIL ADI 2012.00.2.023026-9 679645 ADI 2012.00.2.023026- 9 Lei Orgânica do Distrito Federal não especifique a profundidade e o procedimento de consulta popular, é certo que uma única audiência pública, pouco divulgada, a que sequer compareceram todos os donatários dos lotes afetados pela norma, não atende ao escopo da lei. A norma objurgada foi editada sem que houvesse efetiva participação da população interessada, em descompasso, pois, com o art. 51, §2º da Lei Orgânica, verbis: “Art. 51. Os bens do Distrito Federal destinar-se- ão prioritariamente ao uso público, respeitadas as normas de proteção ao meio ambiente, ao patrimônio histórico, cultural, arquitetônico e paisagístico, e garantido o interesse social. (...) § 2º A desafetação, por lei específica, só será admitida em caso de comprovado interesse público, após ampla audiência à população interessada.” De igual maneira, o requisito atinente à necessidade de estudos prévios não foi atendido. Como bem ressaltaram o il. Promotor de Justiça oficiante, Dr. Antonio Henrique Graciano Suxberger, e a il. Vice-Procuradora-Geral de Justiça, Dra. Zenaide Souto Martins, in verbis: “A exigência de estudos técnicos que avaliem o impacto da desafetação e de ampla audiência da população interessada, bem como de licitação pública para a alienação de imóveis públicos, constituem limitações necessárias, que devem ser observadas pelo legislador ordinário de modo a efetivar o interesse público. Nesse particular, vale ressaltar que os poucos estudos técnicos realizados revelaram que a 23
  • 24. Poder Judiciário da União TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO DISTRITO FEDERAL E DOS TERRITÓRIOS GDCIABD Gabinete da Desembargadora CARMELITA BRASIL ADI 2012.00.2.023026-9 679645 ADI 2012.00.2.023026- 9 desafetação de vários dos espaços públicos objeto da lei ora impugnada é legalmente ou urbanisticamente inviável, constituindo afronta à ordem urbanística e ao meio ambiente da região. A título exemplificativo, vale destacar o Parecer Técnico nº 003/2012 – GEPRO/DITEC-CODHAB, da própria Secretaria de Desenvolvimento Urbano e Habitação – SEDUH, juntado aos autos (fls. 110/112), que atesta que algumas das áreas públicas a serem desafetadas estão totalmente inseridas na Área de Proteção de Manancial do Córrego Currais ou constituem espaços necessários ao escoamento alternativo do sistema viário, o que torna evidente o dano irreparável a ser gerado com a pretendida privatização dos referidos espaços públicos.” De notório conhecimento, os estudos técnicos que embasam um diploma normativo, além de atualizados, devem demonstrar a viabilidade de aplicação do regulamento, sem que haja descompasso em relação à Política de Desenvolvimento Urbano local. Ademais, o procedimento licitatório é o meio pelo qual o Estado garante a isonomia, a impessoalidade e a moralidade ao alienar bens públicos, podendo ser dispensado apenas nas hipóteses previstas em lei. No caso em tela, revelou-se que as áreas intersticiais a serem doadas encontram-se ocupadas por policiais civis e militares e bombeiros do Distrito Federal, transformando-se em verdadeira remuneração indireta, em desfavor de grupos sociais economicamente mais carentes. Com tais considerações, diante da inconstitucionalidade material a contaminar todo o texto da lei impugnada, julgo procedente a presente ação e declaro a inconstitucionalidade da Lei Complementar distrital n.º 852, de 21 de setembro de 2012, em sua totalidade, com efeitos ex tunc e eficácia erga 24
  • 25. Poder Judiciário da União TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO DISTRITO FEDERAL E DOS TERRITÓRIOS GDCIABD Gabinete da Desembargadora CARMELITA BRASIL ADI 2012.00.2.023026-9 679645 ADI 2012.00.2.023026- 9 omnes, afastando definitivamente a eficácia e a vigência da norma atacada. É como voto. O Senhor Desembargador ROMEU GONZAGA NEIVA – Vogal. Senhor Presidente, por igual, peço vênia para acompanhar a eminente Relatora. Conforme relatado, cuida-se de ação direta de inconstitucionalidade, com pedido liminar, proposta pela Procuradoria-Geral de Justiça do Distrito Federal e Territórios, impugnando a Lei Complementar Distrital nº 852/2012. Alega o autor que o referida diploma legal viola os artigos 19, caput, 26, 47 caput, e §1º, 49, 51, caput e §§ 1º, 2º, 3º, 314 caput e seu parágrafo único e incisos I, II, III, IV, V, VII, IX e XI, 328, inc. IV e 56 do ADCT, todos da Lei Orgânica do Distrito Federal. Afirma que a lei impugnada transfigura reiteração de tentativa de desafetação de espaços públicos intersticiais (beco), na Região Administrativa de Ceilândia, tendo em vista que a lei complementar anterior sobre a matéria foi julgada inconstitucional com efeitos ex tunc, desconstituindo todas as ocupações existentes até então (ADI 2009.00.2.013686-7). Sustenta que a lei complementar impugnada, assim como a norma anterior – Lei Complementar nº 775/2008 – não observou a ampla audiência da população interessada, a comprovação de existência de situação de relevante interesse público e realização de estudos técnicos que avaliem o impacto de alteração, aprovados pelo órgão competente do Distrito Federal. Ressalta que a previsão de doação dos espaços públicos 25
  • 26. Poder Judiciário da União TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO DISTRITO FEDERAL E DOS TERRITÓRIOS GDCIABD Gabinete da Desembargadora CARMELITA BRASIL ADI 2012.00.2.023026-9 679645 ADI 2012.00.2.023026- 9 aos servidores ocupantes (policiais e bombeiros militares), afronta os princípios da moralidade, impessoalidade, razoabilidade e do interesse público, previstos na Lei Orgânica. Aduz que os artigos 2º e 3º, da referida lei distrital, respectivamente, contrariam os objetivos do legislador constituinte sobre o assunto e afronta o regime de contratação da Administração Pública, que exige a realização de licitação. Traz precedentes sobre a matéria. Requer, assim, a declaração de inconstitucionalidade das referidas disposições legais, com eficácia erga omnes e efeitos ex tunc. É o breve relato. No mérito, tenho que a ação merece ser julgada procedente. Inicialmente, destaco que a questão não é nova nesta Corte de Justiça, que já decidiu, nas vezes em que se defrontou com matéria idêntica, no sentido de que é materialmente inconstitucional lei que autoriza a alienação de imóveis públicos, através de doação, nos termos do art. 4º, §1º da Lei Complementar nº 852/2012, sem licitação, eis que fere os artigos 19, 26, 51, caput e §2º da Lei Orgânica do Distrito Federal. A dispensa de licitação somente pode ser admitida quando os beneficiários são pessoas carentes, isto é, sem condições de adquirir um imóvel, nos termos dos programas habitacionais levados a efeito pelo Poder Público. A propósito, o seguinte aresto deste e. Conselho Especial. “Ação direta de inconstitucionalidade. Lei distrital. Inadequação da via eleita. Preliminar rejeitada. Imóveis públicos. Doação com encargos. Dispensa de licitação. Desafetação. Alienação. Interesse público não- demonstrado. 26
  • 27. Poder Judiciário da União TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO DISTRITO FEDERAL E DOS TERRITÓRIOS GDCIABD Gabinete da Desembargadora CARMELITA BRASIL ADI 2012.00.2.023026-9 679645 ADI 2012.00.2.023026- 9 1. A ação direta de inconstitucionalidade é adequada para impugnar lei emanada do Poder Executivo do Distrito Federal que viola sua Lei Orgânica. 2. A Lei Distrital nº 2.926, de 6 de março de 2002, que autoriza a doação, com encargos, de imóveis públicos a igrejas e entidades filantrópicas, é materialmente inconstitucional por disciplinar matéria de desafetação e alienação desses bens com inobservância das normas de licitação pública, bem como a inexistência de comprovação de interesse público e expressa violação a dispositivos da Lei Orgânica do Distrito Federal. 3. Ação direta de inconstitucionalidade julgada procedente.” (Acórdão n.231952, 20040020081931ADI, Relator: GETULIO PINHEIRO, Conselho Especial, Data de Julgamento: 11/10/2005, Publicado no DJU SECAO 3: 26/01/2006. Pág.: 54) Ademais, a referida Lei impugnada acabam por cria hipótese de dispensa de licitação, ao arrepio da Lei Fundamental local que impõe a observância da Lei 8.666/93, que traz regramento geral sobre o tema. Quanto ao pedido de modulação dos efeitos da decisão, é cediço que tal providência tem por escopo fixar limites à retroação, normalmente ex tunc da declaração de inconstitucionalidade, considerando aspectos de segurança jurídica e excepcional interesse social, porquanto, apesar de incompatíveis com a Carta Política, as normas terminam por gerar expectativas de direito, eis que portadoras de presunção estatal de legitimidade. Contudo, no caso sob exame, não se vislumbra de possibilidade de ofensa à segurança jurídica ou excepcional interesse social, sobretudo porque promulgada a norma objeto do presente controle em 21 de setembro de 2012 e, assim, presume-se que a ocupação dos becos não seja um fato consolidado, além de que os direitos conferidos se referem a pequena 27
  • 28. Poder Judiciário da União TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO DISTRITO FEDERAL E DOS TERRITÓRIOS GDCIABD Gabinete da Desembargadora CARMELITA BRASIL ADI 2012.00.2.023026-9 679645 ADI 2012.00.2.023026- 9 parcela da população local. Daí o descabimento de se modular os efeitos da declaração de inconstitucionalidade. Fortes nestas razões, julgo procedente o pedido, declarando inconstitucional a Lei Complementar nº 852 de 21 de setembro de 2012, com eficácia erga omnes e efeitos ex tunc. É como voto. O Senhor Desembargador SÉRGIO BITTENCOURT – Presidente e Vogal. Cuida-se de ação direta de inconstitucionalidade proposta pelo Procurador-Geral de Justiça do Distrito Federal e Territórios, tendo por objeto a Lei Complementar nº 852/2012, que dispõe sobre a desafetação e ocupação de áreas intersticiais (becos) das quadras residenciais da Região Administrativa de Ceilândia – RA IX que estejam ocupadas até a data da sua publicação e sejam usadas “preponderantemente como moradias”, estabelecendo a doação aos primeiros ocupantes que permaneceram nessa condição, desde que autorizados pelo Poder Público, a venda direta aos demais ocupantes, ainda que recentes, e a venda por licitação dos imóveis que não forem legalizados nos moldes anteriores. Em apertada síntese, sustentou que a Lei combatida tem por escopo beneficiar primordialmente integrantes da Polícia Militar e do Corpo de Bombeiros, enquadrando-os artificialmente como integrantes de programas habitacionais de interesse social, e que o Tribunal já declarou a inconstitucionalidade de normas de conteúdo semelhante, acrescentando que a alienação de imóveis públicos a certos servidores públicos distritais, sem a realização de prévia licitação, consubstancia-se injustificado privilégio a 28
  • 29. Poder Judiciário da União TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO DISTRITO FEDERAL E DOS TERRITÓRIOS GDCIABD Gabinete da Desembargadora CARMELITA BRASIL ADI 2012.00.2.023026-9 679645 ADI 2012.00.2.023026- 9 determinada categoria em detrimento da população carente, além de contrariar os princípios da legalidade, isonomia, impessoalidade, razoabilidade, motivação e interesse público, violando, assim, os arts. 19; 26; 47, caput e §1º; 49; 51, caput e §§ 1º, 2º e 3º; 314, caput e parágrafo único, incs. I, II, III, IV, V, VI, IX e XI, e 328, inc. IV, bem como o art. 56 do ADT, todos da Lei Orgânica do Distrito Federal. Aduziu que o Diploma vergastado é quase idêntico à Lei Complementar nº 755/20081 , declarada inconstitucional pelo TJDFT, e que, novamente, não houve a ampla e efetiva participação popular, pois uma única audiência pública fora realizada, com a presença dos próprios beneficiários. Arguiu que a Norma visa desafetar todos os espaços ocupados, mas sem a identificação precisa de cada um deles e sem a prévia elaboração de estudos urbanísticos que pudessem avaliar o impacto de tal alteração, sendo certo que a previsão de abarcar os imóveis ocupados até a data da sua publicação, por si só, já inviabiliza essa análise, além de fomentar a ocupação de novas áreas públicas. Requereu, pois, a declaração de inconstitucionalidade da Lei Complementar nº 852/2012, com efeitos ex tunc e eficácia erga omnes. Informações da Mesa Diretora da Câmara Legislativa às fls. 79/82, afirmando que a Norma objurgada encontra-se em perfeita harmonia com a LODF e com o sistema constitucional pátrio, pois que foi realizada ampla audiência pública e ela própria faz menção, como requisito, a estudos urbanísticos, arrematando que se busca “regularizar situação historicamente estabelecida em área pública, sem gerar caos ou desordem social”, do que resulta inexigível a licitação. Informações do Governador do Distrito Federal às fls. 1 ADI 2009.00.2.013686-7 29
  • 30. Poder Judiciário da União TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO DISTRITO FEDERAL E DOS TERRITÓRIOS GDCIABD Gabinete da Desembargadora CARMELITA BRASIL ADI 2012.00.2.023026-9 679645 ADI 2012.00.2.023026- 9 84/109, aduzindo que as diretrizes expostas na indigitada Lei Complementar tomam como base as Leis Federais 8.666/1993, que trata de Licitações e Contratos Públicos, e 11.977/2009, que dispõe sobre o Programa Minha Casa, Minha Vida – PMCMV e a regularização fundiária de assentamentos localizados em áreas urbanas, valendo-se delas para regularizar situações consolidadas. Alegou que “foram realizadas várias reuniões públicas com a comunidade para tratar da regularização das áreas citadas, assim como uma audiência pública, que contou com a participação massiva da população, que aceitou as propostas de forma praticamente unânime” (sic – fl. 88), sustentando que a LODF não exige necessariamente mais de uma audiência popular. Disse que, como a alienação é prevista apenas para os atuais ocupantes, que “são pessoas de baixa renda notória”, não há possibilidade de concorrência, pelo que o Diploma impugnado encontra guarida no próprio art. 26 da LODF, que remete à observância da Lei nº 8.666/93, que, em seu art. 17, I, “f”, autoriza a dispensa de licitação de imóveis residenciais destinados ou efetivamente utilizados no âmbito de programas habitacionais de interesse social, tendo destacado, ainda, que os ocupantes edificaram suas moradias confiantes no Poder Público e a Norma inquinada de inconstitucional visa “sanar uma situação que foi provocada pela Administração Pública”. Afirmou que foram realizados os estudos técnicos pertinentes e que a destinação habitacional das áreas em questão já era prevista na Lei Complementar nº 314/2000, que aprovou o Plano Diretor Local da Ceilândia, em seu art. 109, II. Asseverou que a Lei Complementar vergastada representa lídimo cumprimento das determinações da Lei Federal 11.977/2009, vez que no seu bojo “estão inseridas medidas jurídicas, urbanísticas e ambientais que visam 30
  • 31. Poder Judiciário da União TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO DISTRITO FEDERAL E DOS TERRITÓRIOS GDCIABD Gabinete da Desembargadora CARMELITA BRASIL ADI 2012.00.2.023026-9 679645 ADI 2012.00.2.023026- 9 a regularização dos assentamentos irregulares e dos seus ocupantes, de modo a garantir o direito social à moradia”, que é uma garantia fundamental, sendo certo que a regularização dos becos de Ceilândia visa reduzir o defict de moradias no Distrito Federal. Por fim, com base no princípio da eventualidade, pugnou que a declaração de inconstitucionalidade se desse com efeitos ex nunc, de forma a proteger situações de fato já consolidadas com o decurso do tempo, ao menos quanto às construções levadas a efeito com força de alvarás, vez que “foram edificadas várias unidades imobiliárias unifamiliares, possivelmente já hoje habitadas e destinadas às famílias dos servidores públicos destinatários das normas, as quais até então se presumiam válidas do ponto de vista jurídico- constitucional”. Manifestação do Procurador-Geral do Distrito Federal às fls. 361/384, repetindo, in ipsis literis, as informações do Governador. Parecer Ministerial às fls. 386/398, opinando pela procedência do pedido. Relatado o essencial, decido. Para melhor compreensão da questão em exame, trago à colação o inteiro teor da norma impugnada: LEI COMPLEMENTAR Nº 852, DE 21 DE SETEMBRO DE 2012 (Autoria do Projeto: Poder Executivo) Dispõe sobre a desafetação e a ocupação das áreas intersticiais das quadras residenciais da Região Administrativa de Ceilândia – RA IX e dá outras providências. 31
  • 32. Poder Judiciário da União TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO DISTRITO FEDERAL E DOS TERRITÓRIOS GDCIABD Gabinete da Desembargadora CARMELITA BRASIL ADI 2012.00.2.023026-9 679645 ADI 2012.00.2.023026- 9 O GOVERNADOR DO DISTRITO FEDERAL, Faço saber que a Câmara Legislativa do Distrito Federal decreta e eu sanciono a seguinte Lei Complementar: Art. 1ºFicam desafetadas as áreas de uso comum do povo intersticiais das quadras residenciais da Região Administrativa de Ceilândia – RA IX que se encontrem ocupadas e que sejam utilizadas predominantemente como moradia até a data de publicação desta Lei Complementar, passando à categoria de bem dominial, nos termos do art. 51 da Lei Orgânica do Distrito Federal e do art. 56, parágrafo único, do Ato das Disposições transitórias da Lei Orgânica do Distrito Federal. Parágrafo único. As áreas intersticiais referidas no caput que não se encontrem ocupadas e que não sejam utilizadas predominantemente como moradia até a data de publicação desta Lei Complementar permanecem como bens de uso comum do povo. Art. 2ºAs áreas públicas desafetadas destinam-se à criação de unidades imobiliárias residenciais mediante projeto urbanístico elaborado pelo Poder Executivo, observados os princípios de desenvolvimento urbano constantes do art. 314 da Lei Orgânica do Distrito Federal. Art. 3ºAplicam-se às unidades imobiliárias residenciais a serem criadas os mesmos índices urbanísticos definidos para os lotes lindeiros, na forma do Plano Diretor Local de Ceilândia, aprovado pela Lei Complementar nº 314, de 1º de setembro de 2000, e das demais normas específicas. Art. 4ºAs áreas ocupadas podem ser regularizadas, na forma da Lei federal nº 11.977, de 7 de julho de 2009, desde que utilizadas predominantemente como moradias. § 1º Fica autorizada a doação aos primeiros ocupantes que permaneçam nessa condição, desde que a ocupação tenha sido autorizada pelo Poder Executivo ou pelo Poder Judiciário. 32
  • 33. Poder Judiciário da União TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO DISTRITO FEDERAL E DOS TERRITÓRIOS GDCIABD Gabinete da Desembargadora CARMELITA BRASIL ADI 2012.00.2.023026-9 679645 ADI 2012.00.2.023026- 9 § 2º Os ocupantes dos imóveis que não atendam ao disposto no § 1º têm direito à legalização do imóvel, mediante o pagamento de valor correspondente à avaliação, a qual deve ser realizada com base em critérios específicos para fins de regularização e nas condições definidas por ato da Secretaria de Estado de Habitação, Regularização e Desenvolvimento Urbano. § 3º Os imóveis que não forem legalizados na forma dos §§ 1º e 2º devem ser objeto de licitação, na forma da Lei federal nº 8.666, de 21 de junho de 1993. § 4º No caso do § 3º, o valor correspondente às benfeitorias realizadas pelos ocupantes deve ser ressarcido pelo vencedor da licitação diretamente ao ocupante. Art. 5ºA avaliação das áreas referidas no art. 4º, caput, será feita com base no valor correspondente ao de terra nua, apurado na data da autorização da ocupação. Art. 6ºO valor arrecadado com a alienação dos imóveis é destinado ao Fundo Distrital de Habitação de Interesse Social – FUNDHIS. Art. 7ºEsta Lei Complementar entra em vigor na data de sua publicação. Art. 8ºRevogam-se as disposições em contrário. Prima facie, cumpre anotar que a edição de nova norma com objeto similar a outra anteriormente declarada inconstitucional por esta Corte encontra assento na liberdade de legislar, o que, ao contrário do afirmado nos autos, não tem o condão de esvaziar o provimento jurisdicional anterior, que extirpou do ordenamento jurídico a lei viciada. Ao Judiciário cabe a obrigatoriedade de analisar, sempre que provocado, o conteúdo de todas normas. Quanto ao mérito, aduziu-se que os critérios para a desafetação, previstos nos arts. 51 da LODF e 56, parágrafo único, do Ato das 33
  • 34. Poder Judiciário da União TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO DISTRITO FEDERAL E DOS TERRITÓRIOS GDCIABD Gabinete da Desembargadora CARMELITA BRASIL ADI 2012.00.2.023026-9 679645 ADI 2012.00.2.023026- 9 Disposições Transitórias, não foram observados, vez que levada a efeito sem a identificação precisa dos espaços a serem desafetados e sem a prévia elaboração de estudos urbanísticos que pudessem avaliar o impacto de tal alteração, o que permitiria a efetiva e larga análise por parte da comunidade interessada, evidenciando, assim, que não foi dada ampla audiência à população interessada. Sobre o tema, dispõe a Lei Orgânica, in verbis: Art. 51. Os bens do Distrito Federal destinar-se-ão prioritariamente ao uso público, respeitadas as normas de proteção ao meio ambiente, ao patrimônio histórico, cultural, arquitetônico e paisagístico, e garantido o interesse social. ... omissis ... § 2º A desafetação, por lei específica, só será admitida em caso de comprovado interesse público, após ampla audiência à população interessada (grifo nosso). Art. 56 (ADT). Até a aprovação da Lei de Uso e Ocupação do Solo, o Governador do Distrito Federal poderá enviar, precedido de participação popular, projeto de lei complementar específica que estabeleça o uso e a ocupação de solo ainda não fixados para determinada área, com os respectivos índices urbanísticos. (Artigo e parágrafo com a redação da Emenda à Lei Orgânica nº 49, de 2007.) Parágrafo único. A alteração dos índices urbanísticos, bem como a alteração de uso e desafetação de área, até a aprovação da Lei de Uso e Ocupação do Solo, poderão ser efetivadas por leis complementares específicas de iniciativa do Governador, motivadas por situação de relevante interesse público e precedidas da participação popular e de estudos técnicos que avaliem o impacto 34
  • 35. Poder Judiciário da União TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO DISTRITO FEDERAL E DOS TERRITÓRIOS GDCIABD Gabinete da Desembargadora CARMELITA BRASIL ADI 2012.00.2.023026-9 679645 ADI 2012.00.2.023026- 9 da alteração, aprovados pelo órgão competente do Distrito Federal (grifo nosso). As autoridades responsáveis pela edição da Lei Complementar nº 852/2012 aduziram que não há incompatibilidade com os aludidos dispositivos, diante da realização estudos técnicos “pertinentes”, bem como de reuniões e de uma audiência pública, asseverando, inclusive, que a LODF não exige necessariamente mais de uma audiência popular. Ocorre que, conforme consta dos autos, a desafetação das áreas intersticiais de Ceilândia, que, a teor do art. 1º da Lei em exame, passaram à categoria de bem dominial, de fato, não foi precedida do estudo técnico devido, tanto é que não houve individualização das áreas a serem desafetadas pela Norma e o dispositivo referido supra estabelece a possibilidade de desafetação, inclusive, de áreas ocupadas até sua publicação. Ora, se a própria Norma prevê que seu comando alcance áreas que sequer estavam ocupadas quando da apresentação do projeto de lei, ressai evidente que nem mesmo o Poder Executivo, autor do projeto, sabe, com a exatidão que a seriedade da questão requer, quais são essas áreas, fato que, por si só, já inviabiliza qualquer estudo técnico. A par disso, observa-se do Parecer Técnico da própria Secretaria de Desenvolvimento Urbano e Habitação – SEDUH2 que, dos mais de 3000 becos existentes no projeto original, restariam 459 lotes para serem criados. Ocorre que 193 deles se encontram em quadras que estão totalmente ou parcialmente inseridas na área de proteção de Manancial do Córrego Currais e, dos 266 lotes que sobejam, nem todos poderiam ser destinados ao fim colimado, vez que alguns estão localizados em áreas centrais, onde o adensamento é 2 Parecer Técnico nº 003/2012 – GEPRO/DITEC – CODHAB (fls. 110/112) 35
  • 36. Poder Judiciário da União TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO DISTRITO FEDERAL E DOS TERRITÓRIOS GDCIABD Gabinete da Desembargadora CARMELITA BRASIL ADI 2012.00.2.023026-9 679645 ADI 2012.00.2.023026- 9 diretriz prevista no PDL/Ceilândia, bem como o impacto futuro disso no tráfego de veículos, havendo previsão de que os “becos” venham a servir para escoamento alternativo do sistema viário, no caso de estrangulamento. Assim, de acordo com o Parecer, apenas 182 lotes poderiam ser, em tese, disponibilizados para transformação em novas unidades imobiliárias, impondo-se, antes, que seja feita prévia consulta às concessionárias de serviços públicos, a fim de verificar se suas redes não representariam óbice à empreitada. Ressai evidente, portanto, que somente depois de feitos todos esses levantamentos, de tomadas todas essas precauções e definidas quais áreas intersticiais estariam, efetivamente, aptas a serem destinadas a abarcar unidades imobiliárias, de forma individualizada, clara, transparente, é que a população interessada poderia opinar. Emerge inquestionável, no entanto, que todo esse procedimento é inviável, se não impossível, quando a própria Lei vergastada prevê, no parágrafo único do art. 1º, a desafetação de áreas ocupadas até a publicação dela própria! Quanto à participação popular, verifica-se dos autos que houve apenas uma audiência pública, sendo certo que, muito embora a Lei Orgânica não exija necessariamente mais de uma, é indubitável que o procedimento adotado nem de longe atendeu à “ampla audiência” preconizada no § 2º do art. 51 da Lei Orgânica. Note-se que, além de as áreas intersticiais não estarem claramente definidas e individualizadas, o que, por si só, já tornaria inócua qualquer participação popular, a divulgação da única audiência pública foi feita, afora o Diário Oficial, uma única vez – dia 08/11/2011 – e apenas na seção de 36
  • 37. Poder Judiciário da União TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO DISTRITO FEDERAL E DOS TERRITÓRIOS GDCIABD Gabinete da Desembargadora CARMELITA BRASIL ADI 2012.00.2.023026-9 679645 ADI 2012.00.2.023026- 9 classificados de dois jornais comerciais3 , o que, obviamente, não atende ao fim colimado, pois, embora se trate de veículos de comunicação de grande circulação na cidade, é inquestionável que a convocação, nesse contexto, careceu da visibilidade necessária. Para que haja ampla audiência, por óbvio, faz-se imprescindível quorum, com a participação maciça da população, e, para tanto, urge que se proceda à convocação de forma ostensiva, largamente visível, com o propósito de dar real publicidade ao evento. É de conhecimento público que o Poder Executivo mantém contratos milionários com meios de comunicação de massa, de grande penetração, como rádio e televisão, inclusive, veiculando rotineiramente propagandas institucionais em horário nobre, pelo que causa espécie a escolha da seção de classificados para levar a efeito, e uma única vez, a convocação do povo para tratar de questão de tal envergadura. Note-se que a única audiência pública, além de convocada de forma tão camuflada, aconteceu no dia 05 de dezembro de 2011, uma segunda-feira, às 19h, ou seja, em dia útil, de trabalho para a grande maioria dos interessados, e em horário em que pouquíssimas pessoas poderiam estar presentes. Ora, se a opção da Administração Pública for pela realização de uma única audiência, que seja ela em dia e hora mais acessível à população interessada e precedida de divulgação efetiva, eficiente e eficaz. Somente assim o ato estará em consonância com os princípios da publicidade, do interesse público, da isonomia, da impessoalidade, da razoabilidade e, principalmente, da moralidade. 3 Correio Braziliense e Jornal de Brasília. 37
  • 38. Poder Judiciário da União TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO DISTRITO FEDERAL E DOS TERRITÓRIOS GDCIABD Gabinete da Desembargadora CARMELITA BRASIL ADI 2012.00.2.023026-9 679645 ADI 2012.00.2.023026- 9 Não se tratou aqui de decidir se áreas indeterminadas seriam destinadas a erigir escolas, creches ou postos de saúde, parquinhos infantis, espaços de convivência ou quadras de esportes. A proposta tampouco era de desafetação para licitação, nos moldes estritos da legislação de regência, mas sim para doação e venda direta de patrimônio público a pessoas específicas, sem sequer considerar as regras dos programas sociais de habitação. Destarte, ainda que a LODF não tenha detalhado as formas de participação popular em tais casos, é inquestionável que a audiência pública realizada não se prestou ao fim colimado, pois emerge claro que, a par de ser um dever da Administração Pública, a população tem o direito de ser devidamente cientificada da intenção de se promover a desafetação, mormente nos moldes propostos, e de lhe ser facultada a ampla possibilidade de manifestação, vício que, no caso, por si só, contamina toda a Norma vergastada. Apenas a título de ilustração, já que, nesta sede, dá-se a análise apenas em face da Constituição local, vale lembrar que a convocação da população em geral não atentou também para os ditames da Lei Complementar nº 314/2000, que aprovou o Plano Diretor Local da Região Administrativa de Ceilândia – RA IX, conforme o disposto no art. 316 da Lei Orgânica do Distrito Federal, que prevê a convocação obrigatória dos proprietários dos lotes das quadras envolvidas. Confira-se: Art. 108.As passagens de pedestre existentes entre os lotes dos conjuntos de todas as quadras serão objeto de projeto paisagístico ou urbanístico especial, facultadas as seguintes alternativas de ocupação: I – criação, em caráter prioritário, de unidades imobiliárias; ... omissis ... (grifo nosso). 38
  • 39. Poder Judiciário da União TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO DISTRITO FEDERAL E DOS TERRITÓRIOS GDCIABD Gabinete da Desembargadora CARMELITA BRASIL ADI 2012.00.2.023026-9 679645 ADI 2012.00.2.023026- 9 Art. 119.Os projetos urbanísticos e paisagísticos especiais terão garantida a participação da comunidade mediante audiência pública, nos termos do ordenamento legal vigente. § 1º Para a audiência pública relativa aos projetos urbanísticos especiais especificados nos arts. 103, 106, 107, 108, 110 e 111 desta Lei Complementar, será obrigatória a convocação dos proprietários dos lotes das quadras envolvidas(grifo nosso). Preclara a impossibilidade, no caso, de convocação dos proprietários dos lotes das quadras envolvidas, já que as áreas intersticiais a serem desafetadas não foram identificadas na Norma. Em que pese igualmente despiciendo para o desate da celeuma, vale registrar que não escapou à acuidade deste Magistrado o fato de que, quando da edição da Lei Complementar nº 755/2008, essa convocação fora veiculada única e exclusivamente mediante a publicação no Diário Oficial do Distrito Federal do dia 14/04/2008, sendo certo que, apesar do seu caráter oficial, o cidadão comum não acompanha esse tipo periódico, sendo bastante provável que os moradores de Ceilândia sequer tiveram ciência da realização daquela audiência. Não há como olvidar, pois, a flagrante e renitente desídia da Administração Pública em promover, nos dois casos, de forma efetiva e eficiente, a divulgação da realização da audiência pública para discutir o tema, atendendo à exigência constitucional e possibilitando a ampla e prévia manifestação da população interessada acerca da desafetação das áreas em comento. Não bastasse a inconstitucionalidade acima constatada, verifica-se que as disposições insertas no art. 1º, caput, e no art. 4º, §§ 1º e 2º, 39
  • 40. Poder Judiciário da União TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO DISTRITO FEDERAL E DOS TERRITÓRIOS GDCIABD Gabinete da Desembargadora CARMELITA BRASIL ADI 2012.00.2.023026-9 679645 ADI 2012.00.2.023026- 9 ofendem, de forma flagrante, os princípios da isonomia, da moralidade, da impessoalidade, da razoabilidade e do interesse público, todos previstos no art. 19 da Lei Orgânica, na medida em que, iniludivelmente, instituem injustificado privilégio a servidores públicos, especialmente aos integrantes da Polícia Militar e do Corpo de Bombeiros Militar do Distrito Federal. É certo que a Lei Complementar nº 852/2012, ora em apreço, diferentemente da Lei Complementar nº 755/2008, declarada inconstitucional por esta Corte, não fez menção expressa a servidores públicos tampouco a policiais militares e bombeiros militares. No entanto, ao referir, no § 1º do art. 4º, que a doação seria feita aos primeiros ocupantes, que permaneceram no local, cuja ocupação tenha sido autorizada pelo Poder Público, ressai clara a destinação do comando normativo, haja vista o quanto estabelecido na já fulminada norma antecessora. Além do quê, o próprio Governador, em suas informações, ao argumentar que “não se pode desconsiderar a chamada força normativa dos fatos”, afirmou que, “na espécie, foram edificadas várias unidades imobiliárias unifamiliares, possivelmente já hoje habitadas e destinadas às famílias dos servidores públicos destinatários das normas” (sic, grifo nosso – fl. 108). Destarte, é inegável que a doação dos bens públicos objetos do Diploma vergastado destina-se a servidores estáveis, que percebem salários fixos provavelmente superiores aos parâmetros considerados pelos programas sociais de moradia, sendo certo que os demais requisitos, a exemplo de não ter outro imóvel no Distrito Federal, como dispõe o inc. II do art. 329 da LODF, também não foram considerados. Nada há, destarte, que justifique essa transferência graciosa de bens públicos a esses particulares. 40
  • 41. Poder Judiciário da União TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO DISTRITO FEDERAL E DOS TERRITÓRIOS GDCIABD Gabinete da Desembargadora CARMELITA BRASIL ADI 2012.00.2.023026-9 679645 ADI 2012.00.2.023026- 9 Da mesma forma, a venda direta, sem licitação, aos ocupantes que não se enquadrem nas qualificações supra não encontra sustentação na legislação de regência. Ainda que o art. 17, inc. I, alínea “f”, da Lei 8.666/93 dispense a realização de procedimento licitatório nos casos de imóveis residenciais destinados ou efetivamente utilizados no âmbito de programas habitacionais de interesse social, o que ocorre na espécie é a concessão de benefício, sem qualquer justificativa, a determinadas categorias de servidores públicos e a pessoas que os sucederam na posse, em detrimento de todos os demais cidadãos inscritos nos programas habitacionais do Governo do Distrito Federal, que podem ser tão ou até mais carentes do que os beneficiários das Normas em questão. Oportuno ressaltar que, no exame das ADI’s nºs 2009.00.2.001562-7 e 2009.00.2.004905-6, que tratavam da desafetação de áreas intersticiais das quadras residenciais do Gama e sua distribuição, preferencialmente, aos integrantes da Polícia Militar e Corpo de Bombeiros Militar do Distrito Federal, este Conselho Especial julgou-as procedentes, devendo, até mesmo por questão de segurança jurídica, aplicar-se o mesmo entendimento à Norma em comento. Emerge inquestionável, outrossim, o descompasso da Lei Complementar sub examine com os princípios norteadores da Política de Desenvolvimento Urbano do Distrito Federal, estabelecidos nos arts. 314, caput e parágrafo único, incisos I, II, III, IV, V, VII, IX e XI, e 328, IV, todos da Lei Orgânica do Distrito Federal. Com efeito, a proposta não prevê uso socialmente justo dessas áreas, com escorreita distribuição de benefícios e ônus decorrentes do 41
  • 42. Poder Judiciário da União TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO DISTRITO FEDERAL E DOS TERRITÓRIOS GDCIABD Gabinete da Desembargadora CARMELITA BRASIL ADI 2012.00.2.023026-9 679645 ADI 2012.00.2.023026- 9 processo de urbanização, já que, como dito, a doação e a alienação de imóveis públicos a certos servidores públicos distritais, sem a realização de prévia licitação, consubstancia-se injustificado privilégio a determinada categoria em detrimento da população carente, regularmente inscrita nos programas sociais de habitação do Governo. Por sua vez, a falta de prévio – e sério – estudo técnico viola o dever de manutenção, segurança e preservação do patrimônio urbanístico, bem como o controle do uso e da ocupação do solo urbano, sendo certo que também não se vislumbra qualquer adequação do direito de construir aos interesses sociais e públicos, tampouco às normas urbanísticas e ambientais previstas em lei, notadamente o art. 108, caput, inc. I e § 2º, da Lei Complementar nº 314/2000, que dispõe: Art. 108.As passagens de pedestre existentes entre os lotes dos conjuntos de todas as quadras serão objeto de projeto paisagístico ou urbanístico especial, facultadas as seguintes alternativas de ocupação: I – criação, em caráter prioritário, de unidades imobiliárias; ... omissis ... § 2º Nas áreas inseridas na Área de Proteção de Manancial do Córrego Currais, não se aplica a alternativa prevista no inciso I deste artigo (grifo nosso). Como visto retro, o Parecer Técnico da própria Secretaria de Desenvolvimento Urbano e Habitação – SEDUH4 assenta que, dos becos existentes no projeto original, restariam 459 lotes a serem criados, dos quais 193 se encontram em quadras totalmente ou parcialmente inseridas na área de 4 Parecer Técnico nº 003/2012 – GEPRO/DITEC – CODHAB (fls. 110/112) 42
  • 43. Poder Judiciário da União TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO DISTRITO FEDERAL E DOS TERRITÓRIOS GDCIABD Gabinete da Desembargadora CARMELITA BRASIL ADI 2012.00.2.023026-9 679645 ADI 2012.00.2.023026- 9 proteção de Manancial do Córrego Currais e, dos 266 lotes que sobejam, nem todos poderiam ser destinados ao fim colimado, havendo previsão de que os “becos” localizados em zona central venham a servir para escoamento alternativo do sistema viário, no caso de estrangulamento, mas nada disso foi excepcionado em estudo técnico preliminar. A inobservância ao PDL/Ceilândia afronta, ainda, aos arts. 316, caput, 318, caput, e 326, caput e inc. IV, da Lei Orgânica do Distrito Federal. É latente, portanto, que o Diploma fustigado inverteu a ordem do comando do inc. V do art. 314, pois fez prevalecer o interesse individual sobre o coletivo e o interesse privado sobre o público, pois inexiste o planejamento devido para a expansão das áreas urbanas de que trata, não tendo por escopo promover o uso devido dos bens públicos, a ocupação ordenada do território e muito menos a melhoria da qualidade de vida da população da Região Administrativa de Ceilândia, mas pura e simplesmente privilegiar graciosamente um grupo específico de servidores públicos e premiar, com a venda direta, cidadãos que se apropriaram indevidamente de áreas de uso comum do povo. Por fim, cumpre registrar que os ditames da Lei Federal 11.977/2009, que dispõe sobre o Programa Minha Casa, Minha Vida – PMCMV e a regularização fundiária de assentamentos localizados em áreas urbanas, de forma alguma dirimem as inconstitucionalidades aqui constatadas, mostrando-se de todo oportuno gizar, apenas a título ilustrativo, que, embora a Lei Complementar combatida reporte-se à referida Norma federal, prevendo que as regularizações seriam feitas na sua esteira, na verdade, passa ao lardo desta, não atentando sequer para os requisitos que devem ser atendidos pelos beneficiários do programa (art. 3º), que, aliás, guardam grande similitude com os previstos nos programas de habitação do Distrito Federal. 43
  • 44. Poder Judiciário da União TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO DISTRITO FEDERAL E DOS TERRITÓRIOS GDCIABD Gabinete da Desembargadora CARMELITA BRASIL ADI 2012.00.2.023026-9 679645 ADI 2012.00.2.023026- 9 Forte em tais razões, JULGO PROCEDENTE o pedido, para declarar a inconstitucionalidade da Lei Complementar nº 852, de 21 de setembro de 2012, em face dos arts. 19; 26; 47, caput e §1º; 49; 51, caput e §§ 1º, 2º e 3º; 314, caput e parágrafo único, incs. I, II, III, IV, V, VI, IX e XI, e 328, inc. IV, bem como o art. 56 do ADT, todos da Lei Orgânica do Distrito Federal, com eficácia erga omnes e efeitos ex tunc. É como voto. DECISÃO JULGOU-SE PROCEDENTE O PEDIDO PARA DECLARAR A INCONSTITUCIONALIDADE LEI COMPLEMENTAR N.° 852, DE 21 DE SETEMBRO DE 2012, COM EFICÁCIA ERGA OMNES E EFEITOS EX TUNC. POR MAIORIA. 44