1. 27/03/2011 Folha de S.Paulo - Elio Gaspari: A peão…
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São Paulo, domingo, 27 de março de 2011
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ELIO GASPARI
A peãozada deu uma lição aos
comissários
Nutridos pela Viúva, os comissários
acharam que conversa de peão era
coisa de pobre, e acabaram
atropelados
REAPARECEU NO MEIO da mata amazônica, dentro do
canteiro de obras da Camargo Corrêa, o eterno conflito dos
trabalhadores da fronteira econômica com as arbitrariedades e
tungas a que são submetidos por grandes empreiteiros, pequenos
empresários, gatos e vigaristas.
Num só dia, incendiaram-se 45 ônibus e um acampamento na
obra da hidrelétrica de Jirau, em Rondônia. Em poucos dias, a
peãozada zangou-se também nos canteiros de Santo Antônio
(RO), nas obras da Petrobras de Suape (PE) e em Pecém (CE).
Ocorreram problemas até em Campinas (SP). Estima-se que
entraram em greve 80 mil trabalhadores da construção civil. Esse
setor da economia emprega 2,4 milhões de brasileiros.
Do nada (ou do tudo que fica escondido nas relações de trabalho
nos acampamentos), estourou um dos maiores movimentos de
trabalhadores das últimas décadas. Sem articulação, redes
sociais ou ativismo político, apanhou o governo de surpresa.
Assustado, ele mandou a tropa da Força Nacional de Segurança.
Demorou uma semana para que o Planalto acordasse.
Numa época em que os sindicalistas andam de carro oficial, o
representante da CUT foi a Rondônia com um discurso de
patrão, dizendo que os trabalhadores não podiam parar uma
obra do PAC. (Essa mesma central emitiu uma nota condenando
o bombardeio da Líbia.)
Paulo Pereira da Silva, marquês da Força Sindical, disse que
nenhuma das duas grandes centrais está habituada a lidar com
multidões. De fato, nas obras de Jirau e Santo Antônio juntam-se
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2. 27/03/2011
multidões. De fato, nasS.Paulo - Elio Gaspari: A peão…
Folha de
obras de Jirau e Santo Antônio juntam-se
38 mil trabalhadores. Há sindicatos na área, mas eles mal lidam
com as multidões dos associados. Disputam sobretudo o
ervanário de R$ 1 milhão anual que rende a coleta do imposto
sindical da patuleia.
As lideranças políticas e sindicais nascidas no rastro dos
movimento de operários do final dos anos 70, quando pararam
200 mil trabalhadores no ABC por conta de um barbudo
chamado Lula, mudaram de andar. Preocupados com a
distribuição de cargos e de Bolsas Ditadura, esqueceram-se dos
sujeitos que precisam da cesta básica.
Não perceberam que as mudanças sociais ocorridas no país
haveriam de chegar aos alojamentos dos peões das grandes
obras.
Ou as grandes empreiteiras se dão conta de que devem zelar
pela qualidade e pelo cumprimento de seus contratos trabalhistas,
ou marcas como a da Camargo Corrêa, da Odebrecht e da
OAS ficarão marcadas pelas patas dos gatos que entram no
recrutamento de seus trabalhadores.
Entre as reivindicações de Santo Antônio estava a instalação de
banheiros exclusivos para mulheres. Alô, doutora Dilma.
Nenhuma dessas empresas foi fundada por um empreendedor
genial nem tentou um empreendimento de ambição comparável à
Fordlândia. Foi na matas da Amazônia que, no século passado,
Henry Ford atolou seu projeto de extração e industrialização da
borracha.
Maus modos, incompreensão e complexo de superioridade
resultaram numa revolta que destruiu boa parte das instalações
do empreendimento. Isso em dezembro de 1930. (As grandes
empreiteiras deveriam obrigar seu diretores a ler "Fordlândia", do
professor americano Greg Grandin.)
Felizmente os tempos mudaram, e a Força Nacional de
Segurança disparou balas de borracha. Em 1996, diante dos
sem-terra de Eldorado do Carajás, a PM paraense disparou tiros
de verdade e matou 19 pessoas.
FAVELA, ASHWAIYYAT, GECEKONDULAR
Acaba de sair nos Estados Unidos um grande livro. É "Arrival
City" ("Cidade de Chegada - Como a Maior Migração da
História Está Mudando Nossa História"), do jornalista
anglocanadense Douglas Saunders. Ele estudou e acompanhou a
vida de um tipo de comunidade das grandes cidades.
No Brasil, chamam-se favelas; no Egito, ashwaiyyat; na Turquia,
gecekondular, e na China, cun. Nelas aglomeram-se algo como
800 milhões de pessoas que deixaram o campo em busca do
futuro nas grandes cidades, ou descendem de pessoas que
fizeram essa rota.
O trabalho de Saunders vem sendo festejado pela audácia de sua
conclusão: "A periferia é o novo centro do mundo". Seu livro já
foi comparado ao "Morte e Vida de Grandes Cidades", de Jane
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3. 27/03/2011 Folha de S.Paulo - Elio Gaspari: A peão…
foi comparado ao "Morte e Vida de Grandes Cidades", de Jane
Jacobs, que mudou a maneira de pensar as políticas urbanas a
partir dos anos 60.
Descrevendo essas comunidades, Saunders mostra que nelas não
vivem apenas miseráveis marginalizados, mas empreendedores
emergentes de um mundo novo, uma nova classe média global.
O mundo pagou caro por não entender a essência das migrações
dos séculos 19 e 20. Não entendê-las agora seria um desastre. É
emocionante sua narrativa da transformação de Jardim Ângela,
um pedaço do inferno paulistano nos anos 80, na comunidade
que é hoje.
Quando a periferia tem acesso ao crédito, a escolas, empregos e
polícia livre de demofobia, ela decola. E quando seus moradores
são pura e simplesmente transferidos para conjuntos residenciais,
geralmente as iniciativas fracassam.
Como o livro de Jane Jacobs levou 48 anos para ser editado no
Brasil, não custa avisar que a edição do e-book (em inglês) custa
US$ 13,99.
De graça, há um artigo de Saunders no sítio da revista "Foreign
Policy".
VALE X BUFFETT
O comissariado resolveu derrubar Roger Agnelli da presidência
da Vale. Se ele cometeu algum erro, foi o de se aproximar
demais do Planalto.
Quem comprou R$ 1.000 em ações da Vale em 2001, quando
Agnelli assumiu a presidência da empresa, tem hoje R$ 16.830.
Se tivesse entregue a mesma quantia ao mago Warren Buffett,
teria uns R$ 2.000. O trabalhador que aplicou os mesmos R$
1.000 de seu FGTS na Vale em março de 2002 tem agora R$
13.230.
BOBA, NUNCA
Pode-se fazer tudo por Marina Silva, menos acreditar que ela
não soubesse o que havia na clorofila do Partido Verde quando
entrou nele para disputar a Presidência da República.
MARCO MAIA MICOU
Ao vetar o artigo da medida provisória que prorrogava
concessões de estabelecimentos comerciais estabelecidos nos
aeroportos, a doutora Dilma Rousseff mostrou que sua caneta
está cheia de tinta.
Para dizer o mínimo, a coligação de amigos que defendia o mimo
ia do DEM ao PT. O patrono do regalo, deputado Marco Maia
(atual presidente da Câmara), estava tão seguro da força dessa
coalizão que, ao conseguir a aprovação do contrabando, disse o
seguinte: "Garanto que ela não veta". Ao seu lado estava o líder
do governo, deputado Cândido Vaccarezza, que esclareceu:
"Não garanto que ela sancione".
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4. 27/03/2011 Folha de S.Paulo - Elio Gaspari: A peão…
DUAS FRENTES
O ministro Guido Mantega resolveu desafiar a lei da gravidade.
Tem contas a acertar com Antonio Palocci, seu antecessor e
atual chefe da Casa Civil, e resolveu acertar contas com Luciano
Coutinho, presidente do BNDES. É areia demais para seu
caminhão.
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