SlideShare uma empresa Scribd logo
1 de 96
1
2
LAURA INGALLS WILDER
À MARGEM DA LAGOA PRATEADA
Copyright, 1941, sobre o texto, by Laura Ingalls Wilder
Copyright, 1953, sobre as ilustrações, by Garth Williams
Capa e ilustrações de Garth Williams
Direitos reservados para a língua portuguesa por
DISTRIBUIDORA RECORD DE SERVIÇOS DE IMPRENSA LTDA.
Avenida Erasmo Braga, 255 – 8.° – Rio de Janeiro (GB) ZC-P
DA AUTORA
Uma Casa na Floresta
Uma Casa na Campina
O Jovem Fazendeiro
à Beira do Riacho
 Margem da Lagoa Prateada
O Longo Inverno
Uma Pequena Cidade na Campina
Anos Felizes
3
Índice
1. Visita inesperada --------------------------------------------------------------------------------------- 1
2. Crescida ------------------------------------------------------------------------------------------------ 3
3. Viajando nas carruagens ------------------------------------------------------------------------------- 5
4. Fim da linha -------------------------------------------------------------------------------------------- 9
5. Acampamento da ferrovia----------------------------------------------------------------------------- 12
6. Os pôneis pretos--------------------------------------------------------------------------------------- 14
7. Começa o Oeste --------------------------------------------------------------------------------------- 18
8. Lagoa Prateada. --------------------------------------------------------------------------------------- 22
9. Ladrões de cavalos ------------------------------------------------------------------------------------ 25
10. A tarde maravilhosa----------------------------------------------------------------------------------- 28
11. Dia de pagamento ------------------------------------------------------------------------------------- 33
12. Asas sobre a Lagoa Prateada-------------------------------------------------------------------------- 38
13. O acampamento é desfeito ---------------------------------------------------------------------------- 40
14. A casa dos agrimensores ------------------------------------------------------------------------------ 44
15. O último homem a partir ------------------------------------------------------------------------------ 47
16. Dias de inverno---------------------------------------------------------------------------------------- 50
17. Lobos na Lagoa Prateada ----------------------------------------------------------------------------- 51
18. Pa encontra a gleba------------------------------------------------------------------------------------ 53
19. Véspera de Natal -------------------------------------------------------------------------------------- 55
20. A noite antes do Natal. -------------------------------------------------------------------------------- 58
21. Feliz Natal--------------------------------------------------------------------------------------------- 60
22. Felizes dias de inverno -------------------------------------------------------------------------------- 64
23. No caminho do peregrino ----------------------------------------------------------------------------- 68
24. A corrida da primavera-------------------------------------------------------------------------------- 71
25. A aposta de Pa ---------------------------------------------------------------------------------------- 74
26. A febre da construção --------------------------------------------------------------------------------- 76
27. Vivendo na cidade ------------------------------------------------------------------------------------ 78
28. Dia de mudança --------------------------------------------------------------------------------------- 82
29. A cabana na gleba------------------------------------------------------------------------------------- 85
30. Onde crescem violetas -------------------------------------------------------------------------------- 89
31. Mosquitos --------------------------------------------------------------------------------------------- 92
32. As sombras do anoitecer ------------------------------------------------------------------------------ 93
1
1. Visita inesperada
UMA MANHÃ, Laura estava lavando a louça quando o velho Jack, deitado ao sol no degrau da porta,
rosnou avisando-a de que vinha alguém. Laura foi ver e viu um buggy atravessando o vau pedregoso do
Riacho das Ameixeiras.
– Ma – avisou -, vem aí uma mulher desconhecida.
A mãe suspirou. Tinha vergonha da casa desarrumada,e Laura também. Mas a mãe estava tão fraca e
Laura tão cansada que não se preocuparam excessivamente.
Mary, Carrie, a pequena Grace e a mãe tinham todas contraído escarlatina. Como os Nelsons, que
viviam do outro lado do ribeiro, também tiveram a doença, não houvera ninguém para ajudar o pai e Laura.
O médico fora à casa todos os dias e o pai não sabia como pagaria a conta. Mas pior do que tudo, muito
pior, era o fato de que a febre ter se concentrado nos olhos de Mary e a ter deixado cega.
Agora ela já conseguia se levantar, embrulhada em mantas, e sentar -se na velha cadeira de balanço de
nogueira da mãe. Não chorara ao longo das semanas e semanas em que ainda conseguia enxergar um
pouco, mas menos de dia para dia. Agora não conseguia ver nem a luz mais forte, mas continuava paciente
e corajosa.
O seu bonito cabelo louro desaparecera. O pai o cortara por causa da febre e a sua pobre cabeça
raspada parecia a de um rapaz. Os seus olhos azuis ainda eram bonitos, mas não viam o que se passava à
frente deles e Mary nunca mais poderia utilizá-los para dizer a Laura, sem proferir uma palavra, o que
estava pensando.
– Quem poderá ser, a esta hora da manhã? – perguntou a mãe, de ouvido atento na direção do buggy.
– É uma mulher desconhecida, sozinha num buggy. Traz um chapéu castanho e conduz um cavalo
baio – disse Laura, a quem o pai dissera que deveria ser os olhos de Mary.
– O que temos para o almoço? – perguntou a mãe, referindo-se ao almoço com uma visita, no caso de
a mulher se demorar até lá.
Havia pão, melaço e batatas. Mais nada. Era primavera, cedo demais para haver vegetais na horta e,
além disso, a vaca estava seca e as galinhas ainda não tinham iniciado a postura do verão. No Riacho das
Ameixeiras só restavam alguns peixes pequenos, e até os coelhinhos de cauda branca foram tão caçados
que rareavam.
O pai não gostava de uma região tão velha e explorada ao ponto de a caça escassear. Queria ir para o
Oeste. Havia dois anos que queria ir para o Oeste e reservar uma gleba, mas a mãe não desejava abandonar
a região já povoada. E, além do mais, não havia dinheiro. Depois da praga dos gafanhotos, o pai tivera
apenas duas fracas colheitas de trigo. Só dificilmente conseguira não se endividar, mas agora havia a conta
do médico.
Laura respondeu, em tom firme, à mãe:
– O que é bom para nós também é bom para qualquer pessoa!
O buggy parou e a desconhecida ficou sentada nele, olhando para Laura e a mãe, paradas à entrada da
porta. Era uma bonita mulher, com um bonito vestido castanho estampado e touca. Laura sentiu-se
envergonhada dos seus pés descalços, do vestido sem graça e das tranças por fazer. Depois a mãe
exclamou, devagar:
– Oh, Dócia!
– Estava curiosa em saber se me reconheceria – observou a mulher. – Aconteceram tantas coisas desde
que vocês partiram do Wisconsin!
Era a bela Tia Dócia, que usara o vestido com botões que pareciam amoras, havia muito tempo, no
Baile do Açúcar de Bordo na casa do Avô, na Grande Floresta do Wisconsin.
Agora era uma senhora casada. Casara com um viúvo com dois filhos, um empreiteiro que trabalhava
na nova estrada de ferro, no Oeste. A Tia Dócia conduzira o buggy sozinha do Wisconsin até ali e dali
seguiria para os acampamentos da estrada de ferro no território de Dakota.
Vinha saber se o pai queria ir com ela. O seu marido, o tio Hi, precisava de um bom homem para
encarregado do armazém, guarda-livros e apontador, e esse emprego estava ao dispor do pai.
– O ordenado é de cinquenta dólares por mês, Charles – informou a Tia Dócia.
A tensão das faces magras do pai diminuiu e os seus olhos azuis iluminaram-se. Disse, devagar:
– Parece que poderei ganhar um bom ordenado e ao mesmo tempo procurar o tal lote, Carolina.
A mãe continuava a não querer ir para o Oeste. Olhou ao redor da cozinha e para Carrie e Laura, que
tinha Grace ao colo.
2
– Não sei, Charles – murmurou. – parece providencial, cinquenta dólares por mês. Mas aqui estamos
instalados. Temos o sítio...
– Dê ouvidos à razão, Carolina – rogou o pai. – podemos obter oitenta hectares no Oeste, pela simples
razão de vivermos neles, e a terra é tão boa como esta, ou melhor. Se o tio Sam está disposto a dar-nos uma
fazenda para substituir aquela de que nos expulsou, no Território Índio, eu só posso dizer que a aceitemos.
A caça é boa no Oeste, um homem pode ter toda a carne que quer.
Laura desejava tanto ir que tinha dificuldade em manter-se calada.
– Como poderíamos ir agora? – perguntou a mãe. – A Mary ainda não está suficientemente forte para
viajar.
– Isso é verdade – admitiu o pai, e perguntou à Tia Dócia: – O emprego não poderia esperar?
– Não. Não, Charles. O Hi precisa de um homem agora, imediatamente. É pegar ou largar.
– São cinquenta dólares por mês, Carolina. – insistiu o pai. – E terra para nos instalarmos.
Pareceu passar muito tempo antes de a mãe responder, suavemente:
– Bem, Charles, deve decidir como achar melhor.
– Aceito, Dócia! – o pai levantou-se e pôs o chapéu. – Quando se quer, tudo se arranja. Vou falar com
o Nelson.
Laura ficou tão agitada que nem conseguia fazer o trabalho da casa como devia ser. A Tia Dócia
ajudou-a e, enquanto trabalhavam, foi dando notícias do Wisconsin: a irmã, a Tia Ruby, casara e tinha dois
meninos e uma bonita menininha chamada Dolly Varden. O Tio Jorge era lenhador, derrubava árvores e
transportava-as no Mississipi. A família do Tio Henrique estava toda bem e Charley revelou-se melhor do
que prometera, considerando o modo como o Tio Henrique o poupara e estragara com mimos. O Avô e a
Avó continuavam a viver no mesmo lugar, na sua grande casa de troncos. Agora já poderiam fazer uma
casa de tábuas, mas o avô dizia que bons e fortes troncos de carvalho davam melhores paredes do que
tábuas finas, serradas. Até a Susana Negrinha, a gata que Laura e Mary abandonaram ao partir da sua
casinha na floresta, lá continuava ainda a viver. A casinha de troncos mudara de dono diversas vezes e
agora era um celeiro de milho, mas nada convencia a gata a ir viver noutro lado. Continuava a viver no
celeiro, gorda e lustrosa dos ratos que apanhava, e praticamente não havia uma família em toda aquela
região que não tivesse um gatinho seu. Eram todos bons caçadores de ratos, de orelhas grandes e cauda
comprida como a Susana Negrinha.
Quando o pai voltou, o almoço estava pronto na casa varrida e arrumada. Vendera o sítio. Nelson
dava-lhe duzentos dólares, em dinheiro, por ela, e o pai estava jubiloso.
– Chega para pagarmos tudo quanto devemos e ainda sobra alguma coisa. – disse – Que acha,
Carolina?
– Espero que seja para o melhor, Charles – respondeu a mãe. – mas como...
– Espere que eu lhe digo. Tenho tudo planejado – interrompeu-a o pai. – parto amanhã de manhã com
a Dócia e você fica aqui com as meninas, até que Mary esteja boa e forte. Digamos, uns dois meses. O
Nelson prometeu levar as nossas coisas à estação e vocês irão todas de trem.
Laura, Carrie e a mãe fitaram-no. Mary perguntou:
– De trem?
Nunca pensaram em viajar de trem. Laura sabia, claro, que as pessoas viajavam de trem, mas era
frequente haver desastres e morrer gente. Não sabia dizer se a ideia a assustava, mas excitava-a. Os olhos
de Carrie, esses, estavam arregalados e medrosos no seu rosto pequeno e pontiagudo. Viram o trem passar
velozmente pela campina, com grandes rolos de fumaça negra a sair da máquina e ficando para trás.
Conheciam o seu rugido e o seu apito assustador e penetrante. Os cavalos disparavam, se o condutor não
conseguia detê-los, quando viam aproximar-se um trem.
A mãe disse, com a serenidade habitual:
– Estou certa de que nos arranjaremos bem, com a Laura e a Carrie a ajudando-me.
3
2. Crescida
HAVIA muito que fazer, pois o pai partiria cedo, na manhã seguinte. O pai colocou os arcos no velho
carroção e estendeu a cobertura de lona por cima; estava muito gasta, mas serviria para a curta viagem. A
Tia Dócia e Carrie ajudaram-no a carregar o carroção, enquanto Laura lavava e passava a ferro e cozia
biscoitos especiais para a viagem.
Jack olhava para tudo aquilo. Andavam todos tão atarefados que não reparavam no velho buldogue,
até que, de súbito, Laura o viu parado entre a casa e o carroção. Não pulava, de cabeça inclinada e rindo,
como era seu costume. Estava parado com as pernas hirtas, pois agora sofria de reumatismo. Tinha o
focinho tristemente franzido e o coto da cauda pendente.
– Meu bom e velho Jack – disse-lhe Laura, mas a cauda não abanou e ele limitou-se a olhá-la
tristemente.
– Pa,olhe para o Jack – disse Laura. Inclinou-se e afagou a cabeça do animal. Os seus pêlos tornaram-
se cinzentos. Primeiro tinham sido os do nariz, depois os das mandíbulas e agora já nem as orelhas eram
castanhas. Jack encostou a cabeça a Laura e suspirou.
Bastou aquele momento para ela compreender que o velho cão estava cansado, tão cansado que não
conseguiria percorrer todo o caminho até o território do Dakota debaixo do carroção. Sentia-se perturbado,
porque via o carroção pronto para viajar de novo e ele estava tão velho e cansado.
– Pa, o Jack não pode andar uma distância tão grande! – exclamou Laura.
– Oh, Pa, não podemos abandoná-lo!
– Lá isso é verdade, ele não aguentaria a viagem a pé. – concordou o pai. – Tinha me esquecido dele.
Mudo o saco da ração para outro lado e arranjo lugar para ele, aqui dentro. Que acha de viajar de carroção,
hein, meu velho?
Jack acenou uma vez com a cauda, delicadamente, e desviou a cabeça. Não queria ir, nem mesmo no
carroção. Laura ajoelhou-se e abraçou-o como costumava fazer quando era pequena.
– Jack, Jack, vamos para o Oeste! Não queres ir outra vez para o Oeste?
Anteriormente, mostrara-se sempre ansioso e brincalhão quando via o pai por a cobertura no carroção.
Ocupara o seu lugar debaixo dele, quando partiam, e percorrera trotando todo o caminho do Wisconsin
para o Território Índio, e de novo para ali, à sombra do veículo e atrás das patas dos cavalos. Atravessara
rios a nado e guardara o carroção todas as noites, enquanto Laura dormia no seu interior. Todas as manhãs,
mesmo quando tinha as patas doloridas de tanto andar, se alegrava com ela ao ver o sol nascer e os cavalos
serem atrelados. Estivera sempre pronto para um novo dia de viagem. Mas, naquele momento, limitou-se a
apoiar a cabeça em Laura e a meter o focinho debaixo da sua mão, a pedir-lhe que o afagasse devagarinho.
Laura afagou-lhe a cabeça grisalha e as orelhas e sentiu o quanto ele estava cansado.
Desde que Mary e Carrie, e depois a mãe, adoeceram com escarlatina, Laura prestara menos atenção a
Jack. Anteriormente, ele ajudara-a sempre em todos os problemas, mas não podia ajudá-la quando havia
doença em casa. Talvez durante todo esse tempo tivesse se sentido solitário e esquecido.
– Não foi por querer, Jack – disse Laura, e ele compreendeu. Sempre se compreenderam.
Jack tomara conta dela quando era pequena e ajudara-a a tomar conta de Carrie quando esta era o bebê
da família. Sempre que o pai se ausentara, Jack ficara com Laura, para tomar conta dela, da mãe e das
irmãs. Jack era, especialmente, o cão de Laura. Não sabia como explicar-lhe, agora, que devia ir no
carroção com o pai e deixá-la. Talvez ele não compreendesse que ela ia depois, no trem. Não pôde ficar
muito tempo com ele, em virtude de haver tanto que fazer. Mas durante toda a tarde foi-lhe dizendo,
sempre que podia: “bom cão, Jack.” deu-lhe um bom jantar e, depois de lavada a louça e posta a mesa para
o café da manhã, que teria de ser muito cedo, fez-lhe a cama.
A cama de Jack era uma velha manta de cavalo, num canto do alpendre, na porta dos fundos. Dormia
ali desde que se mudaram para aquela casa, pois Laura dormia no sótão e ele não podia subir a escada.
Durante cinco anos dormira lá e Laura encarregara-se de arejar-lhe a cama e de mantê-la limpa e
confortável. Mas, ultimamente, ela esquecera-se. Ele tentara endireitá-la com as patas, mas o cobertor
estava cheio de altos e baixos e grumos.
Jack observou-a, enquanto ela o sacudia e o dobrava de modo que ficasse confortável. Sorriu e sacudiu
o rabo, contente por ela estar lhe fazendo a cama. Laura fez uma espécie de ninho redondo e deu-lhe
palmadinhas, mostrando-lhe que estava pronta. Jack entrou no ninho e andou uma vez em círculos. Parou,
para descansar as pernas rígidas e virou-se outra vez, lentamente. Jack sempre dava três voltas antes de se
deitar para dormir, à noite. Fizera-o quando era um jovem cãozinho, na Grande Floresta, e fizera-o na relva
debaixo do carroção, todas as noites. É uma coisa que os cães costumam fazer. Por isso, fatigado, deu uma
4
terceira volta e deixou-se cair, suspirando. Mas conservou a cabeça levantada, a fim de olhar para Laura.
Ela afagou o lugar entre as orelhas, onde os pelos eram mais finos, e pensou que ele fora sempre muito
bom. Ela estivera sempre em segurança, no tocante a lobos ou índios, porque Jack estava presente. E
quantas vezes a ajudara a levar as vacas para o estábulo, à noite! Como foram felizes a brincar ao longo de
Riacho das Ameixeiras e na lagoa onde morara o velho caranguejo feroz! E quando ela andara na escola
encontrara-o sempre à espera, no vau, quando regressara a casa.
– Bom Jack, bom cão – murmurou.
Ele virou a cabeça, para lhe tocar na mão com a ponta da língua. Depois afundou o pescoço nas patas,
suspirou e fechou os olhos. Queria dormir.
De manhã, quando Laura desceu a escada à luz do candeeiro, o pai ia sair, para tratar dos animais.
Falou a Jack, mas o cão não se mexeu. Só o corpo de Jack, hirto e frio, se encontrava enroscado na manta.
Enterraram-no na encosta baixa que ficava acima do campo do trigo, junto da trilha que ele costumava
descer tão alegremente quando ia buscar as vacas com Laura. O pai deitou pazadas de terra por cima da
caixa e alisou o montinho. Cresceria ali relva, depois de terem partido todos para o Oeste. Jack nunca mais
aspiraria o ar da manhã nem saltaria por cima da relva baixa, com as orelhas espetadas e a boca a rir.
Nunca mais meteria o focinho debaixo da mão de Laura,a pedir-lhe festas. Ela poderia tê-lo afagado tantas
vezes sem ele pedir, e não afagara!
– Não chore Laura – disse o pai. – Ele foi para os felizes campos de caça.
– Sério, Pa? – conseguiu Laura perguntar.
– Os bons cães têm a sua recompensa, Laura.
Talvez, nos felizes campos de caça, Jack andasse a correr alegremente ao vento, em alguma alta
campina, como costumava correr nas bonitas campinas selvagens do território índio. Talvez conseguisse,
finalmente, apanhar uma lebre. Tentara tantas vezes apanhar uma daquelas lebres de orelhas e patas
compridas, sem o conseguir!
Nessa manhã, o pai partiu no ruidoso e velho carroção, atrás do buggy da Tia Dócia. Jack não estava
ao lado de Laura, a vê-lo partir. Agora só havia vazio onde das outras vezes houvera os olhos de Jack a lhe
dizer que estava ali, para tomar conta dela.
Laura compreendeu, então, que já não era uma menina pequena. Agora estava só e tinha de olhar por
si. Quando tem de se fazer isso, faz-se e já se é crescida. Laura não era muito grande, mas tinha quase treze
anos e não tinha ninguém de quem pudesse depender. O pai e Jack partiram e a mãe precisava de ajuda
para cuidar de Mary e das pequenas e de, fosse como fosse, as levar em segurança para o Oeste.
5
3. Viajando nas carruagens
QUANDO chegou a altura, Laura teve dificuldade em acreditar que fosse verdade. As semanas e os
meses pareceram intermináveis, mas agora, de súbito, tinham passado. Riacho das Ameixeiras, a casa e
todas as encostas e todos os campos que conhecera tão bem ficariam para trás e nunca mais os veria.
Passaram os últimos dias atarefados, em que o tempo fora ocupado a fazer malas, limpar, esfregar, lavar e
passar a ferro, assim como a azáfama dos últimos momentos, de tomarem banho e vestirem–se. Limpas e
com as melhores roupas bem engomadas na manhã de um dia de semana, sentaram-se ao lado umas das
outras no banco da sala de espera, enquanto a mãe comprava os bilhetes.
Dali a uma hora viajariam nos vagões do trem. As duas malas grandes estavam na gare ensolarada,
fora da sala de espera. Laura não as perdia de vista, nem a elas nem a Grace, como a mãe lhe dissera.
Grace estava imóvel, de vestidinho e touca de fino tecido branco engomado, com os pés metidos dentro de
sapatinhos novos, estendidos à sua frente. No guichê dos bilhetes, a mãe tirou o dinheiro da carteira e
contou-o cuidadosamente. Viajar de trem custava dinheiro. Para viajar de carroção nunca precisaram pagar
nada, e aquela manhã estava muito bonita para viajar de carroção ao longo de estradas novas. Estavam em
setembro e no céu corriam, apressadas,pequenas nuvens. Àquela hora, todas as meninas estavam na escola
e veriam o trem passar ruidosamente e saberiam que Laura viajava nele. Os trens andavam mais depressa
do que os cavalos. Andavam tão terrivelmente depressa que às vezes havia desastres. Uma pessoa nunca
sabia o que podia lhe acontecer num trem.
A mãe meteu os bilhetes na carteira de madrepérola e, cuidadosamente, apertou os pequenos fechos de
aço. Estava tão bonita, no seu vestido de lã fina com gola e punhos de renda branca! O seu chapéu de palha
preta tinha uma aba estreita virada para cima e um raminho branco de lírios-do-vale espetado num dos
lados da copa. Sentou-se e passou Grace para o seu colo.
Agora só lhes restava esperar. Foram uma hora mais cedo para terem a certeza de que não perderiam o
trem.
Laura alisou o vestido. Era de tecido castanho salpicado de florzinhas encarnadas. O cabelo pendia-lhe
pelas costas em duas compridas tranças castanhas, presas por um único laço de fita encarnada. O seu
chapéu também tinha, em volta da copa, uma fita encarnada.
O vestido de Mary era de tecido cinzento com raminhos de flores azuis. O seu chapéu de palha de aba
larga tinha uma fita azul. E, debaixo do chapéu, o seu pobre cabelo curto estava afastado da cara por uma
fita azul, atada à volta da cabeça. Os seus lindos olhos azuis não viam nada. Mas isso não a impediu de
dizer:
– Fique quieta, Carrie. Assim vai amarrotar todo o vestido.
Laura estendeu o pescoço para olhar para Carrie,que estava sentada do outro lado de Mary. Pequenina
e magra, Carrie vestia um vestido cor-de-rosa e tinha fitas da mesma cor nas tranças castanhas e no chapéu.
Corou tristemente, por Mary achar que não estava se comportando bem, e Laura quase disse: “venha
para o meu lado, Carrie, e mexa-se à vontade!”.
Mas nesse momento o rosto de Mary iluminou-se de alegria e ela disse:
– Ma, a Laura também está agitada! Sei que está, mesmo sem ver!
– Pois está, Mary – disse a mãe, e Mary sorriu, satisfeita.
Laura envergonhou-se de, mentalmente, ter se irritado com Mary. Por isso, não disse nada. Levantou-
se e ia a passar defronte da mãe sem dizer palavra. A mãe teve de lhe recordar:
– Peça licença, Laura.
– Com licença, Ma. Com licença, Mary – disse Laura, delicadamente, e sentou-se ao lado de Carrie.
Esta se sentiu mais segura entre Laura e Mary. Carrie tinha realmente medo de viajar de trem. Claro que
nunca o confessaria, mas Laura sabia.
– Ma – perguntou Carrie, timidamente –, o Pa vai esperar-nos com certeza, não vai?
– Virá ao nosso encontro – respondeu a mãe. –, terá de vir de carroção do acampamento, o que levará
um dia inteiro, e nós teremos de esperar por ele em Tracy.
– Ele chegará... Ele chegará antes de ser noite, Ma? – insistiu Carrie, e a mãe respondeu esperar que
sim.
Nunca se sabia o que podia acontecer quando se viajava de trem. Não era como partirem todos juntos
num carroção. Por isso, Laura disse, corajosamente:
– Talvez o Pa já tenha escolhido a nossa gleba. Imagina como será, Carrie, e depois imagino eu.
6
Não podiam conversar muito bem, pois estavam sempre à espera e à escuta do trem. Por fim, Mary
disse parecer-lhe que o ouvia. Depois Laura ouviu como que um zumbido tênue e distante. O seu coração
começou a bater tão depressa que mal ouviu a mãe.
A mãe levantou-se com Grace ao colo e com a outra mão apertou bem a de Carrie.
– Laura, venha atrás de mim com a Mary. Mas tem cuidado!
O trem aproximava-se e já se ouvia melhor. Pararam junto das malas, na gare, e viram-no chegar.
Laura não sabia como meteriam as malas no trem. A mãe tinha as duas mãos ocupadas e Laura tinha de
segurar Mary. A janela redonda da frente da máquina brilhou ao sol como um olho enorme, a chaminé
subia e alargava, a lançar golfadas de fumaça preta. Nisto, subiu através do fumaça uma golfada branca e
depois o apito soltou uma espécie de grito longo e penetrante. O monstro rugidor avançou direito a elas,
cada vez maior, enorme, a fazer tremer tudo com o seu barulho.
O pior terminou: o trem não as atingiu: passou, ruidoso, por elas, com as suas grandes rodas. Choques
e entrechoques percorreram toda a extensão dos vagões de carga e dos vagões-plataformas, até pararem. O
trem chegara e elas tinham de embarcar.
– Laura! – disse a mãe, vivamente. – Você e a Mary tenham cuidado!
– Sim, Ma.
Laura conduziu ansiosamente Mary, um passo de cada vez, através das tábuas da gare, logo atrás da
saia da mãe. Quando a saia parou, Laura fez Mary parar. Chegaram à última carruagem, do fim do trem,
para a qual se subia por meio de degraus. Um desconhecido, de terno escuro e boné, ajudou a mãe a subir
com Grace ao colo.
– Upa! – exclamou, e levantou Carrie no ar e colocou-a ao lado da mãe. Depois perguntou: – Aquelas
malas são suas, senhora?
– Sim, por favor – respondeu a mãe. – Venham, Laura e Mary.
– Quem é ele, Ma? – perguntou Carrie, enquanto Laura ajudava Mary a subir os degraus. Estavam
comprimidas num espaço reduzido. O homem passou-lhes alegremente pela frente, com as malas, e abriu a
porta do vagão com o ombro.
Seguiram-no entre duas filas de poltronas de veludo vermelho, cheios de gente. As laterais do vagão
eram quase totalmente compostas por janelas; o vagão era quase tão claro como se estivessem no exterior e
raios de sol atravessavam obliquamente as pessoas e o veludo vermelho.
A mãe sentou-se numa das poltronas de veludo e ajeitou Grace no colo. Disse a Carrie que se sentasse
a seu lado e acrescentou:
– Laura, você e Mary sentem-se nesse banco à minha frente.
Laura conduziu Mary para o banco e sentaram-se. O lugar era fofo e Laura teve vontade de saltar nele,
mas conteve-se, pois devia comportar-se convenientemente. Segredou:
– Mary, as poltronas são de veludo vermelho!
– Sim, estou vendo – respondeu Mary, passando as pontas dos dedos pelo banco. – Que temos à nossa
frente?
– São as costas de outra poltrona, também de veludo vermelho.
A máquina apitou e deram ambas um pulo. O trem preparava-se para partir. Laura ajoelhou-se no
lugar, para ver a mãe. Estava muito calma e muito bonita no seu vestido escuro com gola de renda branca e
com as lindas florzinhas brancas no chapéu.
– Que é, Laura? – perguntou a mãe.
– Quem era aquele homem?
– Era o ajudante do condutor. Agora se sente e...
O trem deu um solavanco que empurrou a mãe para trás. O queixo de Laura bateu com força nas
costas da poltrona e o chapéu escorregou-lhe da cabeça. Novo solavanco, menos violento, e o trem
começou a estremecer e a estação dava a impressão de que andava para trás.
– Está andando! – gritou Carrie.
O estremecimento tornou-se mais rápido e mais ruidoso, a estação ficou para trás e as rodas do trem
começaram a mover-se, ritmadamente:
“Café-com-pão, café-com-pão”–, cada vez mais depressa. A serraria, os fundos da igreja e a frente da
escola também ficaram para trás e não se viu mais nada daquela cidade.
Todo o trem oscilava no compasso do movimento das rodas e a fumaça preta passava pelas janelas, em
rolos que se desintegravam. Viram surgir e desaparecer, do lado de fora da janela, um fio telegráfico, que
pareceu subir e descer. Não subiu e desceu, realmente, mas pareceu fazê-lo porque estava preso entre os
postes. Encontrava-se preso a uma espécie de maçanetas de vidro verde que brilhavam ao sol e escureciam
quando os rolos de fumaça passavam por cima deles. Para lá do fio, desfilavam pastagens, campos e casas
de lavoura e celeiros.
7
Iam tão depressa que Laura praticamente não tinha tempo de ver essas coisas, que mal surgiam logo
desapareciam. Numa hora, o trem percorreria mais de trinta quilômetros – tanto quanto os cavalos num dia
inteiro.
A porta abriu-se e entrou um homem alto. Usava um terno azul com botões de latão e um boné onde se
lia: “condutor”. Parou em todos os lugares e pediu os bilhetes. Abriu pequenos buraquinhos redondos nos
bilhetes, com uma máquina que tinha na mão. A mãe entregou-lhe três bilhetes: Carrie e Grace eram tão
pequeninas que podiam viajar no trem sem pagar.
O condutor seguiu e Laura disse, em voz baixa:
– Oh, Mary, tem tantos botões de latão brilhantes no casaco! E na frente do boné lê-se: condutor!
– E é alto – observou Mary. – A sua voz soou lá muito de cima.
Laura tentou explicar à irmã a que velocidade desfilavam os postes telegráficos:
– O fio balança entre eles e depois sobe. – e contou-os: – Um... Upa! Dois... Upa! Três! É assim, com
esta rapidez.
– Eu percebo que é rápido, sinto-o – disse Mary, contente.
Na terrível manhã em que Mary deixara de ver o sol a bater-lhe em cheio nos olhos, o pai dissera que
Laura deveria ver por ela: “os teus dois olhos e a tua língua são muito rápidos, poderás usá-los para a
Mary.” E Laura prometera que o faria. Por isso, tentava ser os olhos da irmã e raramente Mary precisava
de lhe pedir: “veja em voz alta para mim, Laura, por favor.”
– Ambos os lados do vagão têm janelas, muito próximas umas das outras. – prosseguiu Laura. – Cada
janela é uma grande chapa de vidro e até as tábuas de madeira entre elas brilham como vidro, de tão
polidas.
– Sim, eu vejo – disse Mary, e apalpou o vidro e passou as pontas dos dedos pela madeira brilhante.
– O sol entra obliquamente pelas janelas do lado sul, em faixas largas que se refletem nos lugares de
veludo vermelho e nas pessoas. Também batem no chão pontas de sol, as quais ora se estendem, ora se
retraem. Por cima das janelas, a madeira reluzente encurva a partir das paredes de ambos os lados, e ao
longo de todo o meio do teto há um lugar mais alto, feito de paredes pequenas de janelinhas minúsculas,
compridas e baixas, através das quais se vê o céu azul. Do lado de fora das janelas grandes, de ambos os
lados, a região desfila, rápida. Os campos de feno estão amarelos, há medas de feno junto dos estábulos e
arvorezinhas amarelas e vermelhas, em pequenos maciços, à volta das casas.
“Agora vou ver as pessoas – continuou Laura a murmurar. – À nossa frente vai uma cabeça com uma
careca em cima e com suíças. O homem lê um jornal e não olha pelas janelas. Mais adiante vão dois
homens novos, de chapéu na cabeça. Seguram um grande mapa branco, olham para ele e falam a seu
respeito. Creio que também vão reservar um lote de terreno. Tem as mãos ásperas e calejadas, sinal de que
são bons trabalhadores. Mais adiante, ainda, vai uma mulher de cabelo muito loiro e, oh, Mary, um
berrantíssimo chapéu de veludo escarlate com rosas cor-de-rosa...
Nesse momento passou alguém e Laura levantou a cabeça. Depois prosseguiu:
– Passou mesmo agora um homem magro, de sobrancelhas farfalhudas, bigode comprido e pomo-de-
adão. O trem vai tão depressa que ele não consegue caminhar direito. Pergunto a mim mesma... Oh, Mary,
está girando uma pequena manivela, no fundo do vagão, e fez sair água! A água cai direitinho numa caneca
de folha. Agora está bebendo e seu pomo-de-adão sobe e desce. Está outra vez enchendo a caneca. Basta-
lhe girar a manivela e a água sai. Como acha que... Mary! Pôs a caneca numa prateleirinha e vem aí de
novo.
Depois de o homem passar,Laura tomou uma decisão: perguntou à mãe se podia ir beber água e a mãe
disse que sim. Pôs-se, por isso, a caminho.
Não conseguiu caminhar reto. O movimento do trem obrigou-a a oscilar e a agarrar-se às costas das
poltronas, durante todo o caminho. Mas chegou ao fim do vagão e olhou para a reluzente manivela, para a
torneira e para a prateleira que ficava por baixo e onde se encontrava a brilhante caneca de folha. Girou a
manivela só um bocadinho e saiu água pela torneira. Girou a manivela em sentido contrário e a água
deixou de correr. Debaixo da caneca havia um pequeno buraco, destinado a esgotar qualquer água que
entornasse. Laura nunca vira nada tão fascinante. Era tudo tão perfeito e maravilhoso que teve vontade de
encher e tornar a encher a caneca. Mas seria um desperdício de água. Por isso, depois de beber, encheu a
caneca apenas parcialmente e levou-o à mãe, com muito cuidado.
Carrie e Grace beberam e não quiseram mais, e a mãe e Mary não tinham sede. Laura foi, pois, repor a
caneca no seu lugar. Entretanto, o trem ia avançando velozmente e a região ficando para trás. O vagão
continuava balançando, mas desta vez Laura não precisou tocar em nenhum banco, ao passar. Era capaz de
andar quase tão bem quanto o condutor. Com certeza, ninguém desconfiava de que nunca pusera,
anteriormente, os pés num trem.
8
Depois passou um rapaz no corredor com um cesto no braço. Parava e mostrava o cesto a toda a gente
e algumas pessoas tiravam certas coisas e davam-lhe dinheiro em troca. Quando chegou junto de Laura, ela
viu que o cesto estava cheio de caixas de confeitos e de compridos paus de alcaçuz. O rapaz mostrou as
guloseimas à mãe e ofereceu:
– Deliciosos confeitos, senhora? Alcaçuz?
A mãe abanou a cabeça, mas o rapaz abriu uma caixa e mostrou os confeitos coloridos. A respiração
de Carrie produziu um som sibilante, sem que ela se apercebesse.
O rapaz sacudiu um bocadinho a caixa, mas sem derrubar os confeitos. Eram belos confeitos de Natal,
uns vermelhos, outros amarelos e alguns com listras vermelhas e brancas.
– Só dez centavos, senhora – insistiu o rapaz.
Laura e Carrie, também, sabiam que não podiam ter aquela guloseima.
Estavam só olhando. De súbito, porém, a mãe abriu a bolsa e tirou duas moedas que colocou nas mãos
do rapaz. Depois pegou a caixa e deu-a a Carrie.
Quando o rapaz se afastou, a mãe disse, a justificar-se por ter gasto tanto:
– No final das contas, devemos celebrar a nossa primeira viagem de trem.
Grace dormia e a mãe disse que os bebês não deviam comer doces. Tirou só um pequenininho, para si,
e depois Carrie foi para o banco de Mary e Laura e repartiu o restante. Couberam dois confeitos a cada
uma.
Resolveram comer um e guardar o outro para o dia seguinte; mas, algum tempo depois de comido o
primeiro, Laura resolveu provar o segundo. Depois Carrie provou o dela e, por fim, Mary cedeu, também.
Chuparam-nos todos, pouco a pouco. Ainda estavam a lamber os dedos quando a máquina apitou, ruidosa e
demoradamente. Depois a carruagem começou a andar mais devagar e os fundos das cabanas do caminho
foram ficando para trás, também mais devagar. As pessoas começaram a reunir as suas coisas e a pôr os
chapéus, ouviu-se um grande estrondo e o trem parou. Era meio-dia e tinham chegado a Tracy.
– Espero que não tenham perdido o apetite para o almoço com os confeitos – observou a mãe.
– Nós não trouxemos almoço, Ma – lembrou-lhe Carrie. A mãe respondeu, distraída:
– Vamos almoçar no hotel. Laura, você e Mary tenham cuidado.
9
4. Fim da linha
O PAI não estava naquela estação desconhecida. O ajudante do condutor colocou as malas na gare e
ofereceu:
– Se a senhora esperar um momento, levo-a ao hotel. Também vou para lá.
– Obrigada – agradeceu a mãe, sinceramente.
O ajudante do condutor ajudou a desengatar a máquina do trem. O maquinista, todo vermelho e
mascarrado de fuligem, debruçou-se da máquina, para observar. Depois puxou a corda de uma campainha.
A máquina avançou sozinha, a fazer puf! Puf! E chug! Chug! Enquanto a sineta tocava. A distância que
percorreu foi curta. Em seguida parou e Laura não pôde acreditar no que via. Os trilhos de aço, debaixo da
máquina, e as dormentes de madeira, entre os trilhos, deram uma volta completa. Descreveram um círculo,
ali no chão, até as extremidades dos trilhos se ajustarem de novo, desta vez com a frente da máquina virada
para trás.
Laura estava tão estupefata que nem sabia explicar a Mary o que se passava. A máquina voltou ao puf!
Puf! Chug! Chug.', mas noutra linha, ao lado da do trem. Passou pelo trem e ultrapassou-o um bocadinho.
A sineta tocou, homens gritaram e fizeram gestos com os braços, a máquina recuou e, bump!, Chocou com
a retaguarda do trem. Todos os vagões se entrechocaram. E pronto, o trem e a máquina estavam voltados
para leste.
Carrie estava boquiaberta de espanto. O ajudante do condutor sorriu-lhe amigavelmente e explicou:
– Aquilo é a plataforma giratória. Como aqui é o fim da linha, temos de virar a máquina ao contrário,
para ela poder levar o trem em sentido inverso.
Claro, tinha de ser mesmo assim, mas Laura nem pensara nisso. Compreendia agora o que o pai queria
dizer quando falava dos tempos maravilhosos que estavam vivendo. Nunca existiram tais maravilhas na
história do mundo, afirmava. Agora, numa manhã, fizeram uma viagem que de outro modo duraria uma
semana inteira e Laura vira a locomotiva virar-se (para percorrer o mesmo caminho, em sentido contrário,
numa única tarde).
Por momentos, fugazes momentos, apenas, quase desejou que o pai fosse ferroviário. Não havia nada
tão maravilhoso como os trens e os ferroviários eram grandes homens, capazes de conduzir as grandes
locomotivas de ferro e os trens velozes e perigosos. Mas, claro, nem mesmo os ferroviários eram maiores
ou melhores do que o pai e, na realidade, ela não queria que ele fosse diferente do que era.
Havia uma comprida composição de vagões de carga noutra via, para lá da estação, e homens estavam
a descarregá-los para carroções. Nisto, pararam todos e saltaram dos carroções. Alguns gritaram e um
homem novo e forte começou a cantar o hino preferido da mãe, mas com palavras diferentes:
Há uma pensão
Não muito longe
Onde servem presunto com ovos
Três vezes por dia.
Oh, como os pensionistas gritam
Quando ouvem a sineta do almoço!
Ah, que bem os ovos cheiram
Três vezes por dia!
O jovem estava a cantar estas palavras profanas, e com ele outros homens, quando viram a mãe e se
calaram. A mãe seguiu calmamente o seu caminho, com Grace ao colo e a dar a mão a Carrie. O ajudante
do condutor, embaraçado, disse muito depressa:
– É melhor apressarmo-nos, senhora. A sineta do almoço está tocando.
O hotel ficava ao fundo de uma pequena rua, depois de alguns armazéns e terrenos desocupados. Um
letreiro, na calçada, anunciava: “hotel”. Debaixo do letreiro, um homem agitava uma sineta manual. A
sineta não parava de tocar e as botas dos homens faziam um barulho sincopado na rua poeirenta e na
calçada de tábuas.
– Oh, Laura, o que se vê é o mesmo que se ouve? – perguntou Mary, a tremer.
– Não – respondeu-lhe a irmã. – O aspecto não é mau. Trata-se apenas de uma cidade e eles são
apenas homens.
– Parece tudo tão grosseiro – insistiu Mary.
– Chegamos à porta do hotel – disse-lhe Laura.
10
O ajudante de condutor entrou à frente e pousou as malas. O chão precisava ser varrido. As paredes
estavam forradas de papel marrom e numa delas via-se um calendário com o retrato grande e reluzente de
uma bonita moça num trigal maduro. Os homens entraram todos e dirigiram-se para uma grande sala onde
se encontrava uma mesa comprida com uma toalha branca e posta para o almoço.
O homem que tocara a sineta disse à mãe:
– Sim, senhora, temos um quarto reservado para a senhora. – Arrumou as malas na portaria e
perguntou: – Talvez desejem lavar-se antes de comer?
Num quartinho pequeno havia um lavatório: um grande jarro de louça estava dentro de uma grande
bacia de louça e da parede pendia uma toalha sem fim. A mãe molhou um lenço limpo e lavou a cara e as
mãos de Grace e as suas próprias. Depois despejou a bacia num balde que estava ao lado do lavatório e
voltou a despejar água para Mary e de novo para Laura. A água fria causou-lhes uma sensação agradável
na cara suja de poeira e fuligem e, depois de se lavarem, ficou preta. Só dispuseram de uma pouca de água
para cada uma e o jarro ficou vazio. A mãe voltou a pô-lo com cuidado na bacia, quando Laura acabou.
Limparam-se todas na toalha sem fim. Uma toalha sem fim era muito prática: as suas extremidades
estavam cosidas uma à outra e girava num rolo, de forma que todos encontravam um espaço seco para se
limparem.
Chegara a hora de irem para a sala de jantar. Laura receava esse momento e sabia que Mary sentia o
mesmo. Era difícil encarar tantos desconhecidos.
– Estão todas com um ar lavado e agradável. – disse a mãe. – Não se esqueçam de ter maneiras à
mesa.
A mãe entrou primeiro, com Grace ao colo, depois seguiu-se Carrie e por fim Laura, conduzindo
Mary. O ruído de comer abrandou, quando entraram na sala de jantar, mas praticamente nenhum homem
levantou a cabeça.
Havia cadeiras vagas e puderam sentar-se todas em fila, à grande mesa.
Espalhados por toda a mesa, por cima da toalha branca, havia cúpulas de rede fina e debaixo de cada
uma delas uma travessa de carne ou um prato de vegetais. Havia pratos de pão com manteiga e de picles,
jarros de melaço e de creme e açucareiros. Ao lado de cada prato encontrava-se uma grande fatia de torta,
num prato menor. As moscas passeavam e zumbiam por cima das cúpulas de rede, mas não conseguiam
chegar à comida que se encontrava em baixo.
Foram todos amáveis e estenderam os pratos de comida à mãe, de uma ponta e outra da mesa.
Ninguém falava, a não ser para murmurar um “não tem de quê, senhora”, em resposta ao “obrigada” da
mãe. Uma moça trouxe-lhe uma xícara de café. Laura cortou a carne de Mary em pedacinhos e passou-lhe
manteiga no pão. Os dedos sensitivos de Mary permitiram-lhe servir-se do garfo e da faca perfeitamente,
sem entornar nada.
Era uma pena que a excitação lhes tirasse o apetite. O almoço custava vinte e cinco centavos e
poderiam comer o que quisessem; a comida era abundante. Mas comeram pouco. Passados instantes, os
homens acabaram todos de comer a torta e foram-se embora, e a moça que trouxera o café começou a
empilhar os pratos e a levá-los para a cozinha. Era forte e bem-humorada e tinha cara larga e cabelo loiro.
– Creio que vêm reservar uma gleba? – perguntou à mãe.
– Viemos – respondeu a mãe.
– O seu marido trabalha na ferrovia?
– Trabalha. Vem aqui ao nosso encontro, esta tarde.
– Foi o que imaginei – disse a moça. – É engraçado que tenham vindo para cá nesta época do ano,
quando a maioria das pessoas vêm na primavera. A sua menina mais velha é cega, não é? Que pena! Bem,
a sala fica do outro lado do escritório. Podem sentar-se lá, se quiserem, até o seu marido chegar.
A sala tinha um tapete no chão e papel florido nas paredes. As cadeiras eram estofadas de pelúcia
púrpura. A mãe deixou-se cair numa cadeira de balanço, suspirarando de alívio.
– A Grace está ficando pesada. Sentem-se, meninas, e fiquem quietas.
Carrie subiu para uma grande cadeira, ao lado da mãe, e Mary e Laura sentaram-se no sofá. Ficaram
todas quietas e caladas, para que Grace adormecesse e dormisse a sua sesta da tarde.
Em cima da mesa do centro estava um candeeiro com a parte de baixo de latão. As pernas curvas da
mesa terminavam em bolas de vidro, no tapete. A janela tinha cortinas de renda, presas nos lados, e através
dela Laura podia ver a campina e uma estrada que a atravessava. Talvez o pai viesse por essa estrada. Se
viesse, partiriam todos também por ela e algures, muito para lá do fim da estrada que Laura distinguia, um
dia viveriam todos no novo lote de terra. Laura preferiria não parar em lado nenhum, preferiria seguir para
a frente, até ao fim da estrada, fosse ele onde fosse.
Passaram a tarde toda sentadas, quietas, na sala, enquanto Grace dormia. Carrie também dormiu um
bocadinho e até a mãe cochilou.
11
O sol estava quase se pondo quando uma pequena parelha e um carroção surgiram na estrada e foram
se tornando, pouco a pouco, maiores. Grace já estava acordada e foram todas espreitar pela janela. O
carroção adquiriu o tamanho normal e viram que era o do pai, que o conduzia.
Como estavam num hotel, não puderam ir a correr ao seu encontro. Mas um momento depois ele
entrou e exclamou:
– Viva, cá estão as minhas meninas!
12
5. Acampamento da ferrovia
NA MANHÃ SEGUINTE, cedinho, iam todos no carroção, para oeste. Grace ia sentada entre a mãe e o
pai, no banco, e Carrie e Laura sentavam-se com Mary atrás deles, numa tábua que atravessava a caixa do
carroção.
Viajar de trem era cômodo e rápido, mas Laura preferia o carroção. Como a viagem seria só de um
dia, o pai não pusera a cobertura de lona. Cobria-os o céu todo e a campina estendia-se para todos os lados,
com fazendas aqui e ali. O carroção ia devagar e, por isso, havia tempo para verem tudo. E também podiam
conversar naturalmente uns com os outros.
Os únicos ruídos eram o clip-clop dos cavalos e os pequenos estalidos do carroção.
O pai disse que o tio Hi acabara o seu primeiro contrato e ia para um acampamento novo, mais para
oeste. E acrescentou:
– Os homens já foram embora, só ficaram dois carroceiros ao lado da família da Dócia. Terão de
derrubar as últimas barracas e de levar a madeira, daqui a uns dias.
– Então também vamos partir? – perguntou a mãe.
– Sim, daqui a uns dias.
O pai ainda não procurara uma gleba; arranjaria uma mais para oeste.
Laura não encontrou muitas coisas que valesse a pena ver para Mary. Os cavalos percorriam a estrada
que atravessava a campina. Ao lado da estrada ficava sempre o aterro da ferrovia, de terra nua e solta. A
norte, os campos e as casas eram como as de onde vinham, com a diferença de serem mais novas e
menores.
O frescor da manhã passou. Sentiam constantemente através da tábua onde estavam sentadas os
pequenos solavancos do carroção parecia que o sol nunca subira tão devagar. Carrie suspirou. A sua
carinha pontiaguda estava pálida. Mas Laura não podia fazer nada por ela. Laura e Carrie tinham de ir
sentadas nas extremidades da tábua dura, onde se sentiam mais os solavancos, porque Mary tinha de ir no
meio.
Por fim, o sol ficou a pino e o pai parou os cavalos junto de um riacho. Lhes fez sentirem-se paradas.
O riacho falava sozinho, os cavalos mastigavam a sua aveia na manjedoura, atrás do carroção, e a mãe
estendeu uma toalha na relva quente e abriu a caixa do almoço. Havia pão com manteiga, bons ovos
cozidos e um papel com sal e pimenta, para mergulharem os ovos à medida que os comiam.
O meio-dia passou muito depressa. O pai levou os cavalos a beber no riacho, enquanto a mãe e Laura
apanhavam as cascas dos ovos e os bocados de papel, para deixarem tudo limpo. O pai voltou a atrelar os
cavalos e gritou:
– Vamos!
Laura e Carrie gostariam de ir um trecho a pé, mas não o disseram. Sabiam que Mary não conseguia
acompanhar o carroção e elas não podiam deixá-la sozinha e cega. Ajudaram-na, por isso, a subir e
sentaram-se na tábua, uma de cada lado.
A tarde foi mais comprida do que a manhã. A certa altura, Laura disse:
– Julgava que íamos para oeste.
– E estamos indo para oeste, Laura – confirmou o pai, surpreendido.
– Pensei que fosse diferente – explicou Laura.
– Espera que passemos a região povoada e verá! – replicou o pai.
A certa altura, Carrie suspirou:
– Estou cansada. – mas endireitou-se logo e acrescentou: – não muito. – Carrie não queria queixar-se.
Uma sacudidela não era nada. Elas quase não reparam os cinco quilômetros de sacudidelas quando
iam de Riacho das Ameixeiras à cidade. Mas todas as sacudidelas do nascer do sol ao meio-dia, mais todas
as sacudidelas do meio-dia ao pôr do sol eram estafantes.
Escureceu, mas os cavalos continuaram a andar, e as rodas a girar e a tábua dura a absorver e a
comunicar-lhes os solavancos do carroção.
Nasceram as estrelas. O vento arrefeceu. Se não fosse a tábua sempre a saltar, teriam adormecido
todas. Durante muito tempo ninguém falou. Depois o pai disse:
– Lá está a luz da cabana.
Muito ao longe, via-se um pequeno piscar de luz na terra escura. As estrelas eram maiores, mas a sua
luz era fria, ao contrário da do pequeno piscar.
– É uma centelhazinha amarela, Mary – disse Laura. – Brilha muito ao longe, na escuridão, e diz-nos
que continuemos a avançar, que nos esperam lá uma casa e gente.
13
– E jantar – disse Mary. – a Tia Dócia conserva o jantar quente para nós.
A luz foi-se tornando maior, mas muito devagarzinho. Depois começou a brilhar firmemente e
redonda. Passado muito tempo, viu-se que formava ângulos retos.
– Agora vê-se que é uma janela – disse Laura a Mary. – É uma casa comprida e baixa. Na escuridão há
duas outras casas compridas e baixas. É tudo quanto consigo ver.
– É tudo quanto resta do acampamento – disse o pai, e depois gritou aos cavalos: – Aí-ô!
Os cavalos pararam imediatamente, sem darem outro passo sequer. E os solavancos e as sacudidelas
pararam também. Parou tudo; só se via o escuro parado e frio. Depois saiu luz de uma porta e a Tia Dócia
disse:
– Entrem, Carolina e meninas! E você, rápido com os cavalos, Charles. O jantar está à espera!
A escuridão gelada infiltrara-se nos ossos de Laura. Mary e Carrie também andavam todas hirtas,
tropeçando e bocejando. Na sala comprida, o candeeiro iluminava uma longa mesa, bancos e paredes de
tábuas não lixadas. Estava quente, ali dentro, e cheirava ao jantar que esperava no forno. A Tia Dócia
perguntou:
– Então, Lena e Johnny, não dizem nada às primas?
– Como estão? – cumprimentou Lena, e Laura, Mary e Carrie perguntaram o mesmo.
Johnny era um rapazinho de onze anos, mas Lena tinha um ano a mais do que Laura. Os seus olhos
eram pretos e vivos e o seu cabelo era o mais preto possível e naturalmente ondulado. As madeixas curtas
encaracolavam-se à volta da testa, o alto da cabeça era ondulado e as pontas das tranças também eram
formadas por caracóis. Laura gostou dela.
– Você gosta de andar a cavalo? – perguntou Lena a Laura. – Temos dois pôneis pretos e andamos
neles. Eu também os sei conduzir. O Johnny não sabe, ainda é muito pequeno. O pai não o deixa sair com o
buggy. Mas a mim deixa e amanhã vou buscar a roupa lavada. Se quiser, pode ir comigo. Quer?
– Quero! Se a mãe me deixar.
Tinha tanto sono que nem lhe perguntou para que era preciso ir buscar a roupa de buggy; até lhe
custou se manter acordada para jantar.
O tio Hi era gordo e bonacheirão. A Tia Dócia falava muito depressa. O tio Hi tentava acalmá-la, mas
as suas tentativas só serviam para que ela falasse ainda mais depressa. Estava zangada porque ele
trabalhara duramente todo o verão e não recebera nada, como recompensa.
– Trabalhou como um burro de carga todo o verão! – afirmava ela. – Até conduziu as suas próprias
parelhas no aterro e passamos o tempo todo a poupar e a economizar, para termos alguma coisa quando o
trabalho acabasse, e agora que chegou ao fim a companhia diz que lhe devemos dinheiro! Estamos em
dívida com ela pelo nosso trabalho duro de todo o verão! E, ainda por cima, querem que aceitemos outro
contrato, e o Hi vai aceitar! É isso que ele vai fazer: aceitar!
O tio Hi tentou de novo acalmá-la e Laura tentou manter-se acordada. Os rostos tornavam-se vagos e a
voz distante, até que, num sobressalto, o pescoço a fazia levantar a cabeça. Quando o jantar acabou,
levantou-se, mal segura nas pernas, para ajudar a lavar a louça, mas a Tia Dócia disse a ela e a Lena que
fossem deitar-se.
Nas camas da Tia Dócia não havia espaço para Laura e Lena nem para Johnny. Ele ia ficar no barracão
com os homens e Lena disse:
– Anda, Laura! Vamos dormir na tenda do escritório!
Lá fora era tudo muito grande, escuro e frio. O barracão estendia-se, baixo e escuro, debaixo do céu
vasto, e a pequena tenda do escritório parecia fantasmagórica, à luz das estrelas. E muito longe da cabana
iluminada.
A tenda estava vazia. Só havia relva, no chão, e paredes de lona que subiam, inclinadas, até se
juntarem em cima, em bico. Laura sentiu-se perdida e solitária. Não se importaria de dormir no carroção,
mas não gostava de dormir no chão num lugar desconhecido, e que o pai e a mãe estivessem ali. Lena
achava muito divertido dormir na tenda. Deixou-se logo cair num cobertor aberto no chão.
– Não nos despimos? – perguntou Laura, sonolenta.
– Para quê? Só para termos de nos vestir outra vez de manhã? Alem disso, não temos com que nos
cobrir.
Por isso, Laura deitou-se no cobertor e não tardou a adormecer profundamente. De súbito, acordou
muito assustada. Da imensa escuridão da noite erguia-se uma espécie de uivo selvagem e agudo. Não era
um índio. Também não era um lobo. Laura não sabia o que era. O seu coração parou de bater.
– Ora, não nos assusta! – gritou Lena, e depois explicou a Laura: – É o Johnny, tentando nos assustar.
Johnny gritou de novo, mas Lena volveu:
– Vai embora, rapazinho! Não fui criada na floresta para me deixar assustar por uma coruja!
Johnny voltou a gritar, mas Laura tornou-se menos tensa e o sono voltou.
14
6. Os pôneis pretos
O SOL que entrava pela lona bateu na cara de Laura e acordou-a. Abriu os olhos ao mesmo tempo que
Lena abria os seus, olharam uma para a outra e riram-se.
– Vamos, temos de ir buscar a roupa lavada! – disse Lena, enquanto se levantava de um pulo.
Como não se despiram, não precisaram de se vestir. Dobraram o cobertor e a arrumação do quarto
ficou pronta. Saltaram para o exterior, para a manhã clara e alegre.
As cabanas eram pequenas, sob o céu cheio de sol. A leste e a oeste corriam o aterro da estrada de
ferro e a estrada; para norte, a relva agitava plumas de sementes acastanhadas. Homens derrubavam uma
das cabanas, com um ruído alegre de tábuas caindo. Na relva ondulada pelo vento pastavam os dois pôneis
pretos, de crina e cauda pretas ao vento.
– Primeiro temos de tomar o café da manhã – disse Lena. – Anda, Laura! Depressa!
Todos estava à mesa – menos a Tia Dócia – que fritava panquecas.
– Lavem-se e penteiem-se, dorminhocas! O desjejum está na mesa, mas não é graças a você, menina
preguiçosa.
Rindo, Tia Dócia deu uma palmada em Lena, quando esta passou. Naquela manhã estava tão bem-
humorada quanto o tio Hi. O café da manhã foi agradável. A grande gargalhada do pai vibrou como
música. Mas depois, que montanhas de pratos para lavar! Lena disse que aqueles pratos não eram nada
comparados com o que tinham sido: pratos de 46 homens três vezes por dia e, nos intervalos, cozinhar. Ela
e a Tia Dócia não paravam do nascer do sol até alta noite, e mesmo assim não conseguiam deixar o
trabalho em dia. Fora por isso que a Tia Dócia mandara lavar a roupa fora. Era a primeira vez que Laura
ouvia falar em semelhante coisa. A mulher de um colono lavava a roupa da Tia Dócia, mas como morava a
cinco quilômetros de distância representava uma viagem de dez quilômetros, ida e volta.
Laura ajudou Lena a levar os arreios para o buggy e a ir tirar os pacatos pôneis das cordas. Ajudou a
pôr-lhes os arreios, o freio na boca, e a coelheira no pescoço quente e preto, e a passar-lhes o rabicho por
baixo da cauda. Depois, as duas, empurraram-nos para trás, com o varal do buggy no meio, e prenderam os
tirantes de couro rígido aos balancins. Subiram para o buggy e Lena pegou nas rédeas.
O pai nunca deixara Laura conduzir os seus cavalos. Dizia que ela não era suficientemente forte para
contê-los, se eles se espantassem.
Assim que Lena pegou nas rédeas, os pôneis pretos começaram a trotar alegremente. As rodas do
buggy giravam, velozes, e soprava um vento fresco. Adejavam e cantavam pássaros por cima da relva
agitada pelo vento. Os pôneis iam cada vez mais depressa, e mais velozes as rodas. Laura e Lena riam de
contentamento. Os pôneis trotadores tocavam com o focinho um no outro, soltavam um pequeno relincho e
lá iam.
O buggy ia tão depressa que Laura tinha a impressão de que o banco ia saltar de baixo dela. A sua
touca voava, atrás, presa ao pescoço pelas fitas tensas, ela agarrava-se à borda do banco. Os pôneis
esticavam-se todos, a correr quanto podiam.
– Dispararam! – gritou Laura.
– Deixe-os correr! – gritou Lena, a bater-lhes com as rédeas. – não podem se chocar com coisa
nenhuma, a não ser com o mato – e gritou aos animais.
As compridas crinas e caudas pretas ondulavam ao vento, os cascos martelavam o chão e o buggy ia
de vento em popa. Passava tudo tão depressa que não se via nada. Lena começou a cantar:
Conheço um bonito moço amável,
Toma cuidado, oh, toma cuidado!
Capaz de ser muito prestável.
Toma cuidado, oh, toma cuidado!
Laura nunca ouvira a cantiga, mas em breve cantava o estribilho com todas as forças.
Cuidado, linda pequena, ele anda de má-fé! Toma cuidado, oh, toma cuidado!
Não confies, pois verás, sincero não é.
Toma cuidado, oh, toma cuidado!
– ih-iipi! Iipi! – gritavam, mas os pôneis não podiam ir mais depressa do que já iam.
15
Com um lavrador não casaria, pois anda na terra sempre a mexer.
Casar com um ferroviário preferiria, de camisa às riscas, como deve ser!
Oh, um ferroviário, um ferroviário, um ferroviário para mim, já sei!
Vou casar com um ferroviário. De um ferroviário noiva serei!
– Acho que é melhor deixá-los tomar fôlego – disse Lena, e puxou as rédeas até os pôneis passarem do
galope ao trote e depois ao passo.
Pareceu tudo sereno e lento.
– Quem me dera saber conduzir! – disse Laura. – Sempre desejei, mas o meu pai não deixa.
– Você pode conduzir um pouco – ofereceu Lena, generosamente. Nesse exato momento, os pôneis
tocaram de novo os focinhos um no outro, relincharam e partiram outra vez disparados.
– Você conduz na volta para casa – prometeu Lena.
Cantando e gritando, foram galopando através da campina. Todas as vezes que Lena puxava as rédeas
para os pôneis tomarem fôlego, eles abrandavam um pouco e depois se lançavam outra vez a toda à
velocidade.
Assim, chegaram num instante à cabana do colono, no lote por ele reservado.
Era uma casinha pequena, de tábuas na horizontal e com o telhado inclinado só de um lado, de modo
que parecia apenas metade de uma casinha. Era menor que as medas de trigo que alguns homens estavam
debulhando mais adiante, com uma debulhadora ruidosa. A mulher do colono dirigiu-se para o buggy
carregada com o cesto da roupa. A sua cara,os seus braços e os seus pés descalços estavam queimados, da
cor de couro, do sol. Estava despenteada e usava um vestido desalinhado e pouco limpo.
– Desculpem o meu aspecto. A minha filha casou-se ontem, os debulhadores vieram esta manhã e eu
com esta roupa para lavar. Não paro desde antes do nascer do sol, ainda mal comecei o trabalho do dia e já
não tenho a minha pequena para me ajudar.
– O quê, a Lizzie se casou? – perguntou Lena.
– Sim, casou-se ontem – respondeu a mãe de Lizzie, toda orgulhosa. – O pai dela disse que com treze
anos era muito nova, mas ela arranjou um bom homem e eu respondi-lhe que era melhor arrumar-se cedo.
Eu também casei nova.
Laura e Lena entreolharam-se. No regresso, não disseram nada durante algum tempo. Depois falaram
simultaneamente:
– Ela era apenas um pouco mais velha do que eu – disse Laura.
– Eu sou um ano mais velha do que ela – disse Lena.
Entreolharam-se de novo, com uma expressão quase assustada. Depois Lena sacudiu a cabeça morena
e encaracolada e declarou:
– Foi uma idiota! Agora nunca mais poderá se divertir.
Laura concordou, muito séria:
– Pois não, agora já não pode brincar.
Até os pôneis trotavam gravemente. Passado um bocado, Lena disse que, de qualquer modo, Lizzie
não devia ter de trabalhar mais do que trabalhava antes.
– Pelo menos agora fará o seu próprio trabalho, na sua própria casa, e terá crianças.
– Bem – observou Laura -, eu gostaria de ter a minha própria casa, gosto de crinaças e não me
importaria de trabalhar, mas não quero tanta responsabilidade. Prefiro que a responsabilidade seja da
minha mãe, durante ainda muito tempo.
– Além disso – declarou Lena -, eu não me quero arrumar. Nem sequer casarei, nunca, ou então será
com um ferroviário e passarei a vida toda a viajar mais para o Oeste.
– Posso conduzir agora? – perguntou Laura, que queria esquecer os problemas de ser crescida.
Lena deu-lhe as rédeas e explicou:
– Tem apenas que segurá-las. Os pôneis sabem o caminho.
Nesse momento, os pôneis tocaram com o focinho um no outro e relincharam.
– Agarre bem, Laura! Agarre bem! – gritou Lena, esganiçadamente.
Laura apoiou bem os pés e agarrou as rédeas com toda a sua força. Sentia que os pôneis não faziam
aquilo por mal. Galopavam porque lhes apetecia galopar ao vento; e fariam o que lhes apetecia e mais
nada. Laura segurou bem as rédeas e gritou:
– ih! Ih! Iipi!
Tanto ela como Lena se esqueceram do cesto da roupa. Foram todo o caminho de regresso gritando e
cantanado pela campina afora, enquanto os pôneis galopavam, trotavam e galopavam de novo. Quando
pararam junto das cabanas a fim de desatrelarem os animais e de os prenderem às cordas, repararam que as
camadas superiores da roupa lavada estavam no chão do buggy, debaixo dos bancos. Com ar culpado,
16
apanharam-na e endireitaram-na e levaram o cesto pesado para a cabana, onde a Tia Dócia e a mãe
estavam a pôr o almoço nos pratos.
– Vêm com um ar de quem não quebra um prato – observou a Tia Dócia. – Que andaram a fazer, hein?
– Nada, só fomos buscar a roupa no buggy.
A tarde foi ainda mais emocionante do que a manhã. Assim que a louça foi lavada, Lena e Laura
voltaram a correr para junto dos pôneis.
Johnny montara um deles e atravessava velozmente a campina.
– Não é justo! – gritou Lena.
O outro pônei galopava num círculo, preso pela corda. Lena agarrou-lhe na crina, soltou a corda e
saltou do chão para a garupa do animal.
Laura ficou a ver Lena e Johnny correrem em círculos e gritarem como índios. Cavalgavam
estendidos, com o cabelo ao vento, e as mãos bem presas à crina esvoaçante dos animais e as pernas
queimadas de sol a apertarem os flancos dos cavalos. Os pôneis curvavam e desviavam-se, a galopar um
atrás do outro na campina como pássaros a voar no céu. Laura nunca se teria cansado de observá-los.
Os pôneis regressaram a galope, pararam perto dela e Lena e Johnny saltaram para o chão.
– Anda, Laura – disse Lena, generosamente. – Pode montar o pônei do Johnny.
– Quem disse? – perguntou o rapaz. – Deixe-a montar o teu!
– É melhor você se portar bem, se não quiser que eu conte que tentou nos assustar a noite passada –
aconselhou-lhe a irmã.
Laura agarrou a crina do pônei, mas o animal era muito maior do que ela, era forte e tinha a garupa
alta.
– Não sei se sou capaz – disse. – Nunca andei a cavalo.
– Eu te ajudo a subir – prontificou-se Lena, e, com uma das mãos, agarrou-se ao topete do pônei, ao
mesmo tempo em que se baixava e estendia a outra mão para servir de apoio a Laura.
O pônei de Johnny parecia maior de minuto a minuto. Era suficientemente grande e forte para matar
Laura, se quisesse, e tão alto que ela quebraria os ossos se caísse dele. Tinha tanto medo de montá-lo que
não podia deixar de tentar.
Apoiou o pé na mão de Lena, subiu pela massa quente e escorregadia do animal, enquanto Lena
empurrava-a para cima, e depois passou uma perna por cima da garupa do pônei e começou tudo a mover-
se rapidamente. Ouviu Lena dizer, vagamente:
– Agarre-se à crina!
Estava agarrada à crina do pônei, estava agarrada com toda a força a grandes punhados de crina. Ao
mesmo tempo, os seus cotovelos e os seus joelhos fincavam-se no pônei, o que não a impedia de saltar de
tal maneira que não conseguia pensar. O chão estava tão lá em baixo que nem se atrevia a olhar. Tinha a
todos os instantes a impressão de que estava a cair, mas antes de cair realmente parecia-lhe que ia cair do
outro lado e os solavancos faziam-lhe entrechocar os dentes. Muito ao longe, ouvia Lena gritar:
– Agarre-se, Laura!
Depois tudo se acalmou no mais suave dos movimentos ondulantes, num movimento que se transmitia
do pônei a Laura e os mantinha como que a navegar sobre ondas de ar fustigante. Os olhos fechados de
Laura abriram-se e ela viu, debaixo de si, a relva que o vento puxava para trás. Viu a crina preta ondulante
do animal e as suas mãos ferradas nela. Iam demasiado depressa, ela e o pônei, mas iam como música e
nada lhe poderia acontecer enquanto a música não parasse.
O pônei de Lena apareceu ao lado dela. Laura quis perguntar como se parava em segurança, mas não
conseguiu falar. Viu as cabanas, muito ao longe, e compreendeu que, não sabia como, os animais se tinham
voltado na direção do acampamento. Depois os solavancos recomeçaram. Pararam de repente, com ela
sentada na garupa do pônei.
– Eu não te disse que era divertido? – perguntou-lhe Lena.
– Porque dá tantos solavancos?
– É o trote. Não é trotar que te interessa,o que te interessa é fazer o teu pônei galopar. Basta gritar-lhe,
como eu gritei. Anda, vamos andar muito tempo, desta vez, queres?
– Quero – respondeu Laura.
– Bem, agarre-se. Agora grita!
Foi uma tarde maravilhosa. Laura caiu duas vezes e de outra a cabeça do pônei bateu-lhe no nariz e fê-
lo sangrar, mas ela nunca largou a crina.
As suas tranças desfizeram-se, enrouqueceu de tanto rir e gritar e ficou com as pernas arranhadas de
correr através da relva áspera, tentando saltar para a garupa enquanto o pônei corria. Quase o conseguia,
mas não totalmente, e isso enfurecia o animal. Lena e Johnny punham sempre os pôneis a correr e só
17
depois saltavam. Apostavam corridas, para ver qual dos dois conseguia montar mais depressa e chegar a
certo local.
Não ouviram a Tia Dócia chamá-los para jantar. O pai veio à porta e gritou:
– Jantar!
Quando entraram em casa, a mãe olhou para Laura, cheia de espanto, e disse:
– Francamente, Dócia, não me lembro de a Laura se parecer tanto com um índio selvagem!
– Ela e a Lena formam um grande par – redarguiu a Tia Dócia. – E enfim, a Lena não tinha uma tarde
livre, para fazer o que quisesse, desde que viemos para aqui, e não terá outra antes de acabar o verão.
18
7. Começa o Oeste
NO DIA SEGUINTE, de manhã muito cedo, estavam de novo todos no carroção. Este não fora
descarregado e, por isso, estava tudo pronto para partirem.
Não ficou nada no acampamento além da cabana da Tia Dócia. Na relva amassada e nos lugares de
terra à vista, onde existiram cabanas,agrimensores cravavam estacas e faziam medições, para a construção
de uma nova cidade.
– Partiremos assim que o Hi resolver os seus assuntos – disse a Tia Dócia.
– Voltaremos a nos ver na Lagoa Prateada! – gritou Lena a Laura, enquanto o pai gritava aos cavalos
para partirem e as rodas começavam a girar.
O sol batia forte no carroção descoberto, mas o vento estava frio e era agradável viajar daquele modo.
Aqui e ali, homens trabalhavam nos seus campos e de vez em quando passava um carroção puxado por
uma parelha.
Pouco depois, a estrada se curvou para baixo, através de terra ondulada, e o pai disse:
– Em frente fica o grande Rio Sioux.
Laura começou a “ver em voz alta” para Mary:
– A estrada desce por um aterro baixo para o rio, mas não há árvores. Só se vê o céu enorme, terra
coberta de relva e um riachinho baixo. Às vezes é um rio grande, mas agora está tão seco que não é maior
do que Riacho das Ameixeiras. Corre num fio de lagoa em lagoa, através de extensões de saibro seco e
planícies lodosas secas e gretadas. Os cavalos vão parar para beber.
– Bebam o mais que puderem.– disse o pai aos cavalos – Não haverá mais água numa distância de uns
cinquenta quilômetros para lá do rio.
A terra relvosa era constituída por curva baixa atrás de curva baixa e a estrada parecia um promontório
curto.
– A estrada empurra a terra relvosa e acaba a pouca distância. Termina – disse Laura.
– Não pode ser. – discordou Mary. – A estrada prolonga-se até à Lagoa Prateada.
– Bem sei – concordou Laura.
– Então acho que não devia dizer coisas assim. – observou Mary, brandamente. – Devemos ter sempre
o cuidado de dizer exatamente o que pretendemos.
– Eu estava dizendo o que pretendia dizer. – protestou Laura, embora não fosse capaz de se explicar;
havia tantas maneiras de ver as coisas e tantas maneiras de dizê-las!
Para lá do Grande Sioux não voltaram a ver mais campos, nem casas, nem pessoas. Na realidade, não
havia nenhuma estrada, mas sim, apenas, uma vaga trilha aberta pelos carroções. E também não havia
aterro ferroviário. Aqui e ali, Laura vislumbrava uma pequena estaca de madeira, quase oculta pela relva.
O pai disse que eram estacas colocadas pelos agrimensores, para o aterro ferroviário que ainda não fora
iniciado.
– Esta campina é como um enorme prado – disse Laura a Mary – estende-se numa grande distância em
todas as direções, mesmo até à beira do mundo.
As ondas infindáveis de relva florida, sob o céu sem nuvens, causavam lhe uma estranha sensação,que
não sabia explicar. Todos que iam no carroção, o próprio carroção e a parelha, e até o pai, pareciam
pequenos.
O pai guiou toda a manhã ao longo da trilha quase invisível sem que nada mudasse. Quanto mais
penetravam no Oeste, menores pareciam e menos impressão tinham de estarem se dirigindo para qualquer
lado. O vento imprimia sempre a mesma ondulação interminável à relva e os cascos dos cavalos e as rodas
faziam sempre o mesmo som ao passarem por cima da relva. As sacudidelas da tábua que servia de banco
também eram sempre as mesmas. Laura pensou que podiam continuar assim eternamente, sem nunca
saírem daquele lugar imutável, que nem sequer saberia da sua presença.
Só o sol se movia. Sem parecer, o sol subia firmemente no céu. Quando estava a pino, pararam para
dar de comer aos cavalos e comerem também um almoço de piquenique na grama limpa.
Era bom descansar no chão depois de viajarem toda a manhã no carroção. Laura pensou nas muitas
vezes que comeram debaixo do céu, durante a longa viagem do Wisconsin para o Território Índio e depois
de novo para trás, para o Minnesota. Agora estavam no território do Dakota e viajavam mais para oeste.
Mas esta vez era diferente de todas as outras, não só porque o carroção não tinha cobertura nem camas,
mas também por qualquer outra razão. Laura não saberia dizer como, mas aquela campina era diversa.
– Pa, quando encontrar o lote para nos instalarmos será como o que tivemos no território índio? –
perguntou ao pai.
19
Ele pensou, antes de responder:
– Não. Esta região é diferente. Não te sei dizer exatamente em quê, mas esta campina é diferente.
Causa uma sensação diferente.
– Eu a acho muito semelhante, – disse a mãe, sensatamente. – estamos a oeste do Minnesota e a norte
do Território Índio e, por isso, naturalmente, as ervas e as flores não são as mesmas.
Mas não era a isso que o pai e Laura se referiam. Na realidade, não existia quase diferença nenhuma
nas flores e nas plantas. No entanto, ali havia mais qualquer coisa que não existia em nenhum outro lugar.
Era um silêncio enorme, que os fazia sentirem-se silenciosos. E quando estavam silenciosos sentiam o
grande silêncio aproximar-se mais. Todos os pequenos ruídos das ervas agitadas pelo vento e dos cavalos a
mastigar, atrás do carroção, e até os ruídos de todos eles a comer e a falar, não conseguiam perturbar o
enorme silêncio daquela campina.
O pai falou do seu novo trabalho. Seria o gerente do armazém e o apontador da companhia no
acampamento da Lagoa Prateada. Dirigiria o armazém e escrituraria nos livros a conta de cada homem do
acampamento, e saberia ao certo quanto dinheiro era devido a cada um deles pelo seu trabalho, depois de
subtraídas as despesas de alojamento e a conta no armazém. E quando o tesoureiro levasse o dinheiro, nos
dias de pagamento, o pai pagaria a cada um dos homens. Seria tudo quanto teria a fazer e por esse trabalho
receberia cinquenta dólares todos os meses.
– E o melhor de tudo, Carolina, será que nos contaremos entre os primeiros a virem para aqui! –
acrescentou o pai. – Poderemos escolher à vontade o nosso lote de terra. Felizmente a nossa sorte mudou,
enfim! Oportunidade de primeira escolha numa terra nova e, ainda por cima, cinquenta dólares por mês
durante todo o verão!
– É maravilhoso, Charles – concordou a mãe.
Mas toda a conversa deles não significava nada perante o enorme silêncio daquela campina.
Continuaram a viajar durante toda a tarde, quilômetro atrás de quilômetro, sem nunca verem uma casa ou
qualquer sinal de gente, sem verem mais do que relva e céu. A trilha que seguiam estava assinalada apenas
por relva dobrada e partida.
Laura viu antigos caminhos índios e trilhas de búfalos, abertos bem fundo no solo e agora cobertos de
relva. viu estranhas depressões, grandes, de lados retos e fundo plano, que foram charcos de chafurdo de
búfalos e onde agora também crescia a relva. Laura nunca tinha visto um búfalo e o pai disse ser
improvável que viesse a ver algum. Não havia ainda muito tempo, pastaram naquela região imensas
manadas de milhares de búfalos. Eram o gado dos índios e os brancos tinham abatido todos.
De todos os lados, a campina estendia-se, deserta, para o horizonte distante e límpido. O vento nunca
parava de soprar e de tornar onduladas as ervas da campina, que o sol acastanhara. Durante toda a tarde,
enquanto conduzia, o pai foi cantando ou assobiando. A cantiga que mais vezes cantou foi:
Oh, venham para esta terra e não tenham medo nenhum,
Que o tio Sam é tão rico que dará uma fazenda a cada um!
Até Grace se juntava ao coro, embora não se importasse em nada com a melodia:
Oh, venham-se embora, venham-se embora!
Sou eu que lhes digo, venham-se embora!
Oh, venham-se embora, venham-se embora!
Venham-se já, já embora!
Venham para esta terra
E não tenham medo nenhum.
Que o nosso tio Sam é tão rico
Que dará uma fazenda a cada um!
O sol baixava a ocidente, quando apareceu um cavaleiro na campina, atrás do carroção. Seguiu-os não
muito depressa, mas a aproximar-se mais, quilômetro após quilômetro, enquanto o sol descia lentamente.
– A que distância estamos da Lagoa Prateada, Charles? – perguntou a mãe.
– Cerca de quinze quilômetros – respondeu o pai.
– Não vive ninguém mais perto?
– Não, Carolina.
A mãe não disse mais nada. Nem ninguém disse mais nada. Olhavam constantemente para trás, para o
cavaleiro que os seguia, e todas as vezes que olhavam ele estava um pouco mais perto. Seguia-os, com
20
certeza, e não tencionava alcançá-los enquanto o sol se não pusesse. O sol já descera tanto que cada curva
baixa, entre as ondas da campina, estava cheia de sombras.
A cada vez que o pai olhava para trás, a sua mão fazia um pequeno movimento e batia nos cavalos
com as rédeas, para apressá-los. Mas nenhuma parelha poderia puxar um carroção carregado tão depressa
quanto um homem podia cavalgar.
O homem já se encontrava tão perto que Laura lhe podia ver duas pistolas em coldres de couro, nos
quadris. Tinha o chapéu puxado para os olhos e um lenço encarnado frouxamente atado ao pescoço.
O pai trouxera a espingarda para o oeste, mas não a levava no carroção. Laura sentiu curiosidade em
saber onde estaria, mas não perguntou ao pai.
Olhou outra vez para trás e viu outro cavaleiro aproximar-se, montado num cavalo branco e de camisa
encarnada. Ele e o cavalo branco ainda estavam muito longe e pareciam muito pequenos, mas vinham
depressa, a galope. Alcançou o primeiro cavaleiro e avançaram os dois juntos.
A mãe disse, em voz baixa:
– Agora são dois, Charles.
– O que é? – perguntou Mary, assustada. – Que está acontecendo, Laura?
O pai olhou rapidamente para trás e depois pareceu tranquilo.
– Agora já está tudo bem. – afirmou. – Aquele é o Big Jerry.
– Quem é o Big Jerry? – perguntou a mãe.
– É um mestiço, francês e índio, – respondeu o pai, despreocupadamente. – jogador e, segundo alguns,
ladrão de cavalos, mas um tipo excelente. Big Jerry não deixará ninguém nos assaltar.
A mãe olhou-o, estupefata. Abriu a boca para falar, mas depois fechou-a e não disse nada.
Os cavaleiros alcançaram o carroção e o pai levantou a mão e saudou:
– Olá, Jerry!
– Olá, Ingalls! – respondeu Big Jerry.
O outro homem envolveu todos num olhar furioso e continuou a galopar, mas Big Jerry ficou ao lado
do carroção. Parecia índio. Era alto e forte, mas sem ponta de gordura, e tinha o seu rosto magro
acastanhado. A sua camisa era de um vermelho flamejante e o cabelo preto e escorrido caía-lhe nos
zigomas salientes, enquanto cavalgava, pois não usava chapéu. E o seu cavalo, branco como a neve, não
tinha sela nem rédeas. O cavalo era livre, podia ir para onde quisesse, e queria ir com Big Jerry aonde quer
que este desejasse. O cavalo e o homem movimentavam-se como se fossem um só.
Permaneceram ao lado do carroção apenas um momento. Depois afastaram-se num belo e suave
galope para um pequeno vale, do qual emergiram de novo como se fossem direitos ao ofuscante sol
redondo, no horizonte longínquo. A flamejante camisa vermelha e o cavalo branco desapareceram na forte
luz dourada.
Laura respirou fundo.
– Oh, Mary! – exclamou. – O cavalo branco como a neve e o homem alto e moreno, com um cabelo
tão preto e uma camisa tão vermelha! A campina castanha a toda a volta e eles cavalgando para o sol
mesmo quando ele se afundava no ocaso! Cavalgarão no sol, à volta do mundo!
Mary pensou um momento, antes de dizer:
– Laura, sabe que ele não poderia cavalgar para o sol. Cavalga no chão, como toda a gente.
Mas Laura não achou que tivesse mentido. O que dissera era verdade. Não sabia por que, mas aquele
momento em que o belo cavalo livre e o homem selvagem mergulharam no sol duraria eternamente.
A mãe receava que o outro homem estivesse emboscado, para roubá-los, mas o pai tranquilizou-a:
– Não se preocupe! O Big Jerry foi à frente para encontrá-lo e ficar com ele até chegarmos ao
acampamento. O Jerry se encarregará de evitar que alguém nos moleste.
A mãe olhou para trás para ver se as filhas estavam bem e aconchegou Grace no colo. Não disse nada,
porque nada do que pudesse dizer faria alguma diferença. Mas Laura sabia que a mãe nunca quisera sair de
Riacho das Ameixeiras e não gostava de se encontrar ali, onde estavam. Não gostava de viajar naquela
região erma com a noite se aproximando e homens como os que passaram a cavalgar na campina.
Do céu que esmorrecia vinham chamados selvagens de aves. Eram cada vez em maior número as
linhas escuras que riscavam o ar azul claro, por cima deles – formações perfeitas de patos selvagens e
compridas cunhas de gansos selvagens. Os que voavam na frente chamavam os bandos que os seguiam e
cada ave respondia por seu turno. Todo o céu vibrava. “Honk? Honk! Honk!” “Quank? Quank! Quank!”
– Estão voando baixo, – disse o pai. – preparam-se para pousar e passar a noite nos lagos.
Havia lagos, em frente. Uma fina linha prateada, junto à linha do céu era a Lagoa Prateada e as
cintilações que se viam a sul dele eram os Lagos Gêmeos, Henry e Thompson. Um pontinho escuro, entre
eles, era a Árvore Solitária. O pai disse que era um grande choupo-do-canadá, a única árvore existente
21
entre o grande Rio Sioux e o Rio Jim. Erguia-se numa pequena elevação de terreno que não era larga do
que uma estrada, entre os Lagos Gêmeos, e tornara-se grande porque as suas raízes chegavam à água.
– Arranjaremos algumas sementes dela para pôr na nossa terra. – disse o pai. – O Lago Spirit não se vê
daqui; fica quinze quilômetros a noroeste da Lagoa Prateada. Percebe como essa região é boa para a caça,
Carolina? Abundância de água e bom solo para alimentar aves selvagens.
– Sim, Charles, estou vendo – respondeu a mãe.
O sol se pôs. Transformado numa bola de luz líquida e latejante, desapareceu em nuvens escarlates e
prateadas. Ergueram-se no oriente frias sombras purpúreas que alastraram lentamente através da campina e
depois se transformaram em alturas e alturas de trevas, das quais as estrelas pendiam, baixas e brilhantes.
O vento, que durante todo o dia soprara com força, amainou com o desaparecer do sol e passou a
murmurar entre a vegetação alta. A terra parecia estar deitada, a respirar suavemente, sob a noite estival.
O pai continuou a conduzir debaixo das estrelas. Os cascos dos cavalos batiam suavemente no solo
relvoso. Muito, muito ao longe algumas luzinhas minúsculas furavam a escuridão. Eram as luzes do
acampamento da Lagoa Prateada.
– Não preciso ver a trilha nos próximos treze quilômetros – disse o pai à mãe. – basta um homem
conduzir sempre na direção das luzes.
Entre nós e o acampamento não há nada, a não ser campina plana e ar.
Laura estava cansada e sentia frio. As luzes estavam muito longe. No fim de contas, até podiam ser
estrelas. A noite toda era uma cintilação de estrelas. Por cima deles, baixas e por todos os lados, cintilavam
grandes estrelas que pareciam fazer desenhos no escuro. A relva alta roçava contra as rodas em
movimento, roçava, roçava sem parar contra as rodas que também não paravam.
De súbito, Laura abriu os olhos, sobressaltada. Viu uma porta aberta, da qual jorrava luz. Na
ofuscação da luz do candeeiro, o Tio Henrique aproximava-se a rir. Aquela devia ser, portanto, a casa do
Tio Henrique na floresta grande, onde Laura fora quando era pequena, pois era lá que o Tio Henrique
morava.
– Henrique! – exclamou a mãe.
– É uma surpresa, Carolina. – disse o pai, todo contente. – Achei melhor não te dizer que o Henrique
estava aqui.
– Palavra, a surpresa foi tão grande que me tirou a respiração! – exclamou a mãe.
Depois um homem forte riu-se... E era o primo Charley! Tratava-se do rapaz que atormentara o Tio
Henrique e o pai no campo de aveia e fora picado por milhares de vespas.
– Olá, Meia Canequinha! Olá, Mary! E esta é a bebê Carrie, agora uma menina crescida! Deixou de
ser a neném, hein? – o primo Charley ajudou-as a descer do carroção, enquanto o Tio Henrique pegava em
Grace e o pai ajudava a mãe a descer pela roda; depois apareceu a prima Luísa, toda azafamada, a falar e a
convidá-los todos a entrar.
A prima Luísa e Charley já eram ambos adultos. Tomavam conta do refeitório e cozinhavam para os
homens que trabalhavam no nivelamento. Mas os homens tinham jantado havia muito tempo e estavam
todos dormindo no barracão-dormitório. A prima Luísa falou de tudo isso enquanto servia o jantar que
mantivera quente no fogão.
Depois do jantar, o Tio Henrique acendeu uma lanterna e levou-os à cabana que os homens tinham
construído para o pai.
– É toda de madeira nova, Carolina, fresca e limpinha – disse o Tio Henrique, a levantar a lanterna
para que pudessem ver as paredes de madeira nova e os beliches feitos encostados a elas. De um lado,
havia um beliche para o pai e para a mãe e do outro dois beliches estreitos, um por cima do outro, para
Mary, Laura, Carrie e Grace. As camas já estavam feitas nos beliches; a prima Luísa encarregara-se disso.
Num abrir e fechar de olhos, Laura e Mary ficaram aconchegadas no colchão de palha nova e ruidosa,
com o lençol e as mantas puxados para o nariz, e o pai apagou a lanterna.
22
8. Lagoa Prateada.
O SOL ainda não nascera, na manhã seguinte, quando Laura meteu o balde no poço pouco fundo, junto
da Lagoa Prateada. Para lá da margem oriental do lago, o céu pálido parecia debruado de faixas carmesim
e ouro. O brilho dessas faixas estendia-se à volta da margem sul e brilhava na margem alta, que se erguia
da água dos lados leste e norte. No noroeste ainda persistiam sombras da noite, mas a Lagoa Prateada
estendia-se como um lençol de prata na sua moldura de vegetação alta e bravia.
Ouviam-se patos entre a relva densa do lado sudoeste, onde começava o Grande Pântano. Gaivotas
voavam, aos gritos, sobre o lago, a bater as asas contra o vento do alvorecer. Um ganso selvagem ergueu-
se da água, com um grito vibrante, e uma após outra as aves do seu bando responderam-lhe, levantaram
voo e seguiram-no, o grande triângulo de gansos selvagens ergueu-se, com um enorme molho de asas
fortes a bater, na majestade do nascer do sol.
Faixas de luz dourada subiam cada vez mais alto no céu oriental, em que a sua luminosidade tocou na
água e se refletiu nela. Depois a bola dourada do sol surgiu por cima do horizonte oriental do mundo.
Laura respirou fundo, demoradamente. Depois encheu o balde, apressada, e levou-o correndo para a
cabana. A nova cabana erguia-se isolada junto da margem do lago, a sul do aglomerado de cabanas que
constituíam o acampamento dos niveladores. Brilhava, amarela, ao sol, era uma casinha quase perdida no
meio da relva, e o seu pequeno telhado descia só para um lado, como se fosse só meio telhado.
– Estávamos esperando a água, Laura – disse a mãe, quando chegou.
– Oh, Ma, o nascer do sol! Só queria que visse! – exclamou Laura. – Tive de ficar vendo-o.
Começou apressadamente a ajudar a mãe a preparar o café da manhã e, enquanto trabalhava, foi
dizendo como o sol subia do outro lado da Lagoa Prateada e inundava o céu de cores maravilhosas,
enquanto os bandos de gansos selvagens voavam recortados nelas, milhares de patos selvagens quase
cobriam a água e gaivotas voavam, a gritar, contra o vento, por cima do lago.
– Eu ouvi. – disse Mary. – Era tal clamor de aves que parecia um manicômio. E agora estou vendo
tudo. Você faz quadros quando fala, Laura.
A mãe sorriu a Laura, mas disse simplesmente:
– Bem, filhas, temos um dia atarefado à nossa frente – e destinou-lhes o trabalho.
Tinham que desembalar tudo e arrumar a cabana antes do meio-dia. Os colchões da prima Luísa
tinham de ser arejados e devolvidos e os da mãe cheios de palha seca e nova. Entretanto, a mãe comprou
no armazém da companhia uma quantidade de metros de tecido estampado alegre, para cortinas. Fez uma
cortina e penduraram-na atravessada na cabana, a ocultar os beliches. Depois fez outra e penduraram-na
entre os beliches, a fim de formar dois quartos: um dela e do pai e outro das filhas. A cabana era tão
pequena que as cortinas tocavam nos beliches, mas quando estes ficaram prontos com os colchões de palha
e de penas da mãe, e com as mantas, pareceu tudo fresco, bonito e acolhedor.
O espaço à frente da cortina passou a ser a sala de estar. Era muito pequena, com o fogão de cozinhar
junto da porta. A mãe e Laura colocaram a mesa de abas encostada à parede lateral, defronte da porta
aberta, e puseram do outro lado da sala a cadeira de balanço da mãe e a de Mary. O chão era de terra nua,
com tocos de raízes de relva obstinada, mas varreram-no muito bem. O vento fraco entrava pela porta
aberta e a cabana da ferrovia tinha um ar muito agradável e acolhedor.
– Esta é outra espécie de casinha só com meio telhado e sem janela – observou a mãe. Mas o telhado é
estanque e nós não precisamos de janela, pois pela porta entra muito ar e muita luz.
Quando chegou para almoçar, o pai ficou satisfeito ao ver tudo tão bem arrumado e arranjado. Deu um
beliscãozinho na orelha de Carrie e levantou Grace no ar – não a podia atirar ao ar, debaixo daquele
telhado tão baixo.
– Onde está a pastora de porcelana, Carolina? – perguntou.
– Não desembrulhei a pastora, Charles. – respondeu a mãe. – Não vamos ficar vivendo aqui, estamos
só de passagem, até conseguires o lote de terra.
O pai riu-se.
– Disponho de muito tempo para escolher o que mais me agradar! Olha para esta grande campina, sem
ninguém a não ser os niveladores dos trilhos, que partirão antes de o inverno chegar. Poderemos escolher o
melhor.
– Depois do almoço, a Mary e eu vamos dar um passeio e ver o acampamento, o lago e tudo – disse
Laura, ao mesmo tempo em que pegava no balde e ia, com a cabeça descoberta, buscar água fresca no
poço, para o almoço.
23
O vento soprava, constante e forte. Não havia nem uma nuvem no céu imenso e numa grande
distância, na vasta planura, só se via luz trêmula passar sobre a relva. E o vento trazia o som de muitas
vozes de homens, cantando.
As parelhas estavam chegando ao acampamento. Os cavalos vinham lado a lado pela campina, numa
fila comprida, escura e serpenteante, e os homens caminhavam de cabeça e braços nus, queimados do sol e
de camisas às riscas azuis e brancas, cinzentas ou simplesmente azuis, todos a cantar a mesma cantiga.
Pareciam um pequeno exército a atravessar a terra imensa,debaixo do céu vasto e deserto, e a cantiga era a
sua bandeira, Laura parou, batida pelo vento forte, a olhar e a escutar, até o fim da coluna se reunir à
multidão que alastrava à volta das cabanas baixas e a cantiga se confundir com o som vago das suas vozes
fortes. Depois se lembrou do balde que tinha na mão. Encheu-o no poço o mais depressa que pôde e
regressou correndo, entornando água pelas pernas nuas abaixo.
– Tive... de ver... as parelhas chegarem ao campo. – explicou, ofegante. – São tantas, Pa! E os homens
todos a cantar!
– Recupere o fôlego, Canarinho! – disse o pai, a rir. – Cinquenta parelhas e setenta e cinco ou oitenta
homens constituem apenas um pequeno acampamento. Devia ter visto o acampamento de Stebbins, a oeste
daqui! Duzentos homens e parelhas a condizer.
– Charles – disse a mãe.
Geralmente todos sabiam o que a mãe pretendia quando dizia, no seu modo sereno: “Charles.”, mas
desta vez Laura, Carrie e o pai olharam-na, curiosos. A mãe abanou só um bocadinho a cabeça ao pai, mais
nada.
Então o pai olhou bem para Laura e disse:
– Afastem-se do acampamento. Quando forem passear, não se aproximem dos lugares onde estiverem
homens trabalhando e não se esqueçam de voltar sempre antes de eles virem para passar a noite. Há toda a
espécie de homens grosseiros a trabalhar na estrada de ferro, e usando linguagem imprópria, e quanto
menos os virem e ouvirem, tanto melhor. Não se esqueça, Laura. E você também, Carrie – frisou o pai,
com uma cara muito séria.
– Sim, Pa – prometeu Laura e Carrie repetiu, quase num murmúrio:
– Sim, Pa.
Os olhos de Carrie estavam muito abertos e assustados. Não queria ouvir linguagem imprópria,
embora não soubesse bem o que isso era. Laura teria gostado de ouvir alguma, ao menos uma vez, mas,
claro, tinha de obedecer ao pai.
Por isso, quando nessa tarde saíram para passear, mantiveram-se afastadas das cabanas. Partiram ao
longo da margem do lago, na direção do Grande Pântano.
O lago ficava à sua esquerda, luzindo ao sol. À medida que o vento soprava na água azul, pequenas
ondas prateadas subiam e desciam e desfaziam-se na margem, esta era baixa, mas firme e seca, com relva
curta até à beira-d’água. Através do lago cintilante, Laura via a margem oriental e a margem sul, que
subiam até à sua altura. Um pequeno pântano desembocava no lago, vindo do nordeste, e o Grande
Pântano seguia para sudoeste, numa extensa curva de vegetação alta e bravia. Sentiam a relva quente e
macia nos pés. O vento batia-lhes nas saias, que lhas comprimia contra as pernas nuas, e despenteava
Laura. Mary e Carrie tinham as toucas bem apertadas debaixo do queixo, mas a de Laura estava caída,
suspensa pelas fitas. Milhões de sussurantes folhas de relva produziam um som murmurante e milhares de
patos e gansos selvagens, garças, grous e pelicanos tagarelavam viva e ruidosamente no vento.
Todas aquelas aves se alimentavam entre a relva dos pântanos. Levantavam voo, a bater as asas, e
pousavam de novo, gritando novidades umas às outras, conversando entre a relva e a comer
azafamadamente raízes, tenras plantas aquáticas e peixinhos.
A margem do lago tornava-se cada vez mais baixa na direção do Grande Pântano, até não haver,
realmente, margem nenhuma. O lago fundia-se com o pântano e formava pequenos charcos rodeados pela
relva áspera e viçosa do pântano, que se erguia a metro e meio e um metro e oitenta de altura. Brilhavam
pequenas poças entre a relva e na água abundavam as aves selvagens.
À medida que Laura e Carrie avançavam através da relva do pântano, asas ríspidas batiam subitamente
e olhos redondos cintilavam. Todo o ar explodia numa confusão de grasnidos, cuás e quonks. Com as patas
espalmadas esticadas debaixo da cauda, patos e gansos passavam velozmente sobre a relva e descreviam
uma curva para descerem para o charco seguinte.
Laura e Carrie estavam imóveis. A vegetação do pântano, de hastes ásperas, erguia-se acima das suas
cabeças e produzia um som áspero, ao vento. Os seus pés descalços mergulhavam lentamente no lodo.
– Oh, o chão é todo mole! – exclamou Mary, e virou-se muito depressa para trás, pois não gostava de
ter lama nos pés.
– Volte para trás, Carrie! – gritou Laura. – Vai afundar! O lago está aqui, entre a relva!
24
A lama macia e fria parecia aspirar-lhe os pés, à volta dos tornozelos, e à sua frente brilhavam
charcozinhos entre a vegetação alta. Desejava avançar mais e mais pelo pântano, entre as aves selvagens,
mas não podia deixar Mary e Carrie. Por isso, voltou com elas para trás, para a campina mais dura e mais
alta, onde o mato lhe chegava à cintura, agitada e dobrada pelo vento, e cresciam manchas de erva-búfalo,
curta e anelada.
Apanharam lírios rajados, de um vermelho flamejante, ao longo da beira do pântano e em terreno mais
alto colheram longos caules bifurcados de vagens de cor púrpura. Gafanhotos levantavam voo, em chusma,
diante dos seus pés, na relva, e toda a espécie de passarinhos pequenos esvoaçavam, piavam e
equilibravam-se nos caules da vegetação alta e dobrada pelo vento.
Por toda a parte se viam galinhas da campina, às corridinhas.
– Oh, que bela campina selvagem! – exclamou Mary, feliz. – Laura, você está com a touca na cabeça?
Com ar culpado, Laura puxou a touca, que pendia pelas fitas.
– Estou sim, Mary.
Mary riu-se.
– Você a pos agora mesmo, que eu ouvi!
A tarde findava quando regressaram. A pequena cabana, com o telhado inclinado só para um lado
erguia-se isolada e minúscula, na margem da Lagoa Prateada. No portal, pequenina devido à distância, a
mãe protegia os olhos com a palma da mão e olhava, para ver se as via. Acenaram-lhe.
Viam todo o acampamento, estendendo-se ao longo da margem do lago, a norte da casa. Primeiro
ficava o armazém onde o pai trabalhava, com o grande depósito de forragens atrás. Seguia-se o estábulo
para as parelhas de trabalho.
Fora construído numa dobra da campina e o seu telhado era de erva do pântano. Depois dele ficava o
barracão-dormitório, comprido e baixo, onde os homens dormiam, e mais longe ainda ficava a comprida
barraca do refeitório da prima Luísa, com o fumaça do jantar já subindo pela chaminé.
Foi então que, pela primeira vez, Laura viu uma casa, uma casa verdadeira, isolada na margem norte
do lago.
– Que poderá ser aquela casa e quem morará lá? – perguntou. – Não é nenhuma fazenda, porque não
tem estábulo nem nenhuma terra lavrada.
Dissera a Mary tudo quanto vira e a irmã exclamou:
– Que lugar tão bonito, com as cabanas limpas e novas, a relva e a água! Não vale a pena ficar
pensando na casa; podemos perguntar ao Pa o que é. Vem aí outro bando de patos selvagens.
Bandos e bandos de patos e de gansos selvagens desciam do céu e preparavam-se para passar a noite
no lago. E os homens também faziam muito barulho, ao regressarem do trabalho. De novo à porta da
cabana, a mãe esperou que elas chegassem, batidas pelo vento e cheias de ar fresco e sol, com as suas
braçadas de lírios rajados e vagens cor de púrpura.
Depois Carrie pôs o grande ramo num jarro de água, enquanto Laura punha a mesa para o jantar. Mary
sentou-se na cadeira de balanço com Grace ao colo e falou-lhe dos patos que grasnavam no Grande
Pântano e dos enormes bandos de gansos selvagens que iam dormir no lago.
Uma Visita Inesperada Traz Novas Esperanças para o Oeste
Uma Visita Inesperada Traz Novas Esperanças para o Oeste
Uma Visita Inesperada Traz Novas Esperanças para o Oeste
Uma Visita Inesperada Traz Novas Esperanças para o Oeste
Uma Visita Inesperada Traz Novas Esperanças para o Oeste
Uma Visita Inesperada Traz Novas Esperanças para o Oeste
Uma Visita Inesperada Traz Novas Esperanças para o Oeste
Uma Visita Inesperada Traz Novas Esperanças para o Oeste
Uma Visita Inesperada Traz Novas Esperanças para o Oeste
Uma Visita Inesperada Traz Novas Esperanças para o Oeste
Uma Visita Inesperada Traz Novas Esperanças para o Oeste
Uma Visita Inesperada Traz Novas Esperanças para o Oeste
Uma Visita Inesperada Traz Novas Esperanças para o Oeste
Uma Visita Inesperada Traz Novas Esperanças para o Oeste
Uma Visita Inesperada Traz Novas Esperanças para o Oeste
Uma Visita Inesperada Traz Novas Esperanças para o Oeste
Uma Visita Inesperada Traz Novas Esperanças para o Oeste
Uma Visita Inesperada Traz Novas Esperanças para o Oeste
Uma Visita Inesperada Traz Novas Esperanças para o Oeste
Uma Visita Inesperada Traz Novas Esperanças para o Oeste
Uma Visita Inesperada Traz Novas Esperanças para o Oeste
Uma Visita Inesperada Traz Novas Esperanças para o Oeste
Uma Visita Inesperada Traz Novas Esperanças para o Oeste
Uma Visita Inesperada Traz Novas Esperanças para o Oeste
Uma Visita Inesperada Traz Novas Esperanças para o Oeste
Uma Visita Inesperada Traz Novas Esperanças para o Oeste
Uma Visita Inesperada Traz Novas Esperanças para o Oeste
Uma Visita Inesperada Traz Novas Esperanças para o Oeste
Uma Visita Inesperada Traz Novas Esperanças para o Oeste
Uma Visita Inesperada Traz Novas Esperanças para o Oeste
Uma Visita Inesperada Traz Novas Esperanças para o Oeste
Uma Visita Inesperada Traz Novas Esperanças para o Oeste
Uma Visita Inesperada Traz Novas Esperanças para o Oeste
Uma Visita Inesperada Traz Novas Esperanças para o Oeste
Uma Visita Inesperada Traz Novas Esperanças para o Oeste
Uma Visita Inesperada Traz Novas Esperanças para o Oeste
Uma Visita Inesperada Traz Novas Esperanças para o Oeste
Uma Visita Inesperada Traz Novas Esperanças para o Oeste
Uma Visita Inesperada Traz Novas Esperanças para o Oeste
Uma Visita Inesperada Traz Novas Esperanças para o Oeste
Uma Visita Inesperada Traz Novas Esperanças para o Oeste
Uma Visita Inesperada Traz Novas Esperanças para o Oeste
Uma Visita Inesperada Traz Novas Esperanças para o Oeste
Uma Visita Inesperada Traz Novas Esperanças para o Oeste
Uma Visita Inesperada Traz Novas Esperanças para o Oeste
Uma Visita Inesperada Traz Novas Esperanças para o Oeste
Uma Visita Inesperada Traz Novas Esperanças para o Oeste
Uma Visita Inesperada Traz Novas Esperanças para o Oeste
Uma Visita Inesperada Traz Novas Esperanças para o Oeste
Uma Visita Inesperada Traz Novas Esperanças para o Oeste
Uma Visita Inesperada Traz Novas Esperanças para o Oeste
Uma Visita Inesperada Traz Novas Esperanças para o Oeste
Uma Visita Inesperada Traz Novas Esperanças para o Oeste
Uma Visita Inesperada Traz Novas Esperanças para o Oeste
Uma Visita Inesperada Traz Novas Esperanças para o Oeste
Uma Visita Inesperada Traz Novas Esperanças para o Oeste
Uma Visita Inesperada Traz Novas Esperanças para o Oeste
Uma Visita Inesperada Traz Novas Esperanças para o Oeste
Uma Visita Inesperada Traz Novas Esperanças para o Oeste
Uma Visita Inesperada Traz Novas Esperanças para o Oeste
Uma Visita Inesperada Traz Novas Esperanças para o Oeste
Uma Visita Inesperada Traz Novas Esperanças para o Oeste
Uma Visita Inesperada Traz Novas Esperanças para o Oeste
Uma Visita Inesperada Traz Novas Esperanças para o Oeste
Uma Visita Inesperada Traz Novas Esperanças para o Oeste
Uma Visita Inesperada Traz Novas Esperanças para o Oeste
Uma Visita Inesperada Traz Novas Esperanças para o Oeste
Uma Visita Inesperada Traz Novas Esperanças para o Oeste
Uma Visita Inesperada Traz Novas Esperanças para o Oeste

Mais conteúdo relacionado

Mais procurados

Literatura Brasileira: Livro A Carne
Literatura Brasileira: Livro A CarneLiteratura Brasileira: Livro A Carne
Literatura Brasileira: Livro A CarneEzequias Guimaraes
 
São bernardo especial
São bernardo especialSão bernardo especial
São bernardo especialAna Batista
 
Memórias Póstumas de Brás Cubas
Memórias Póstumas de Brás  Cubas Memórias Póstumas de Brás  Cubas
Memórias Póstumas de Brás Cubas Cláudia Heloísa
 
Análise de o burrinho pedrês, de guimarães rosa
Análise de o burrinho pedrês, de guimarães rosaAnálise de o burrinho pedrês, de guimarães rosa
Análise de o burrinho pedrês, de guimarães rosama.no.el.ne.ves
 
Graciliano Ramos - Vidas Secas (1938).pdf
Graciliano Ramos - Vidas Secas (1938).pdfGraciliano Ramos - Vidas Secas (1938).pdf
Graciliano Ramos - Vidas Secas (1938).pdfCEIP
 
Biografia do professor
Biografia do professorBiografia do professor
Biografia do professorJeca Tatu
 
SEMANA 03 - LÍNGUA PORTUGUESA – 1ª SÉRIE – RECURSOS LINGUÍSTICOS E MULTISSEMI...
SEMANA 03 - LÍNGUA PORTUGUESA – 1ª SÉRIE – RECURSOS LINGUÍSTICOS E MULTISSEMI...SEMANA 03 - LÍNGUA PORTUGUESA – 1ª SÉRIE – RECURSOS LINGUÍSTICOS E MULTISSEMI...
SEMANA 03 - LÍNGUA PORTUGUESA – 1ª SÉRIE – RECURSOS LINGUÍSTICOS E MULTISSEMI...GernciadeProduodeMat
 
Níveis de linguagem formalidade e informalidade da língua portuguesa no Brasi...
Níveis de linguagem formalidade e informalidade da língua portuguesa no Brasi...Níveis de linguagem formalidade e informalidade da língua portuguesa no Brasi...
Níveis de linguagem formalidade e informalidade da língua portuguesa no Brasi...JohnJeffersonAlves1
 
CAROLINA MARIA DE JESUS ATUAL.pdf
CAROLINA MARIA DE JESUS ATUAL.pdfCAROLINA MARIA DE JESUS ATUAL.pdf
CAROLINA MARIA DE JESUS ATUAL.pdfureaPenicheMartins1
 
Carta Pessoal
Carta PessoalCarta Pessoal
Carta Pessoalflicts
 

Mais procurados (20)

São Bernardo
São BernardoSão Bernardo
São Bernardo
 
Angústia 01 (1)
Angústia 01 (1)Angústia 01 (1)
Angústia 01 (1)
 
Literatura Brasileira: Livro A Carne
Literatura Brasileira: Livro A CarneLiteratura Brasileira: Livro A Carne
Literatura Brasileira: Livro A Carne
 
São bernardo especial
São bernardo especialSão bernardo especial
São bernardo especial
 
Memórias Póstumas de Brás Cubas
Memórias Póstumas de Brás  Cubas Memórias Póstumas de Brás  Cubas
Memórias Póstumas de Brás Cubas
 
Análise de o burrinho pedrês, de guimarães rosa
Análise de o burrinho pedrês, de guimarães rosaAnálise de o burrinho pedrês, de guimarães rosa
Análise de o burrinho pedrês, de guimarães rosa
 
Graciliano Ramos - Vidas Secas (1938).pdf
Graciliano Ramos - Vidas Secas (1938).pdfGraciliano Ramos - Vidas Secas (1938).pdf
Graciliano Ramos - Vidas Secas (1938).pdf
 
Biografia do professor
Biografia do professorBiografia do professor
Biografia do professor
 
SEMANA 03 - LÍNGUA PORTUGUESA – 1ª SÉRIE – RECURSOS LINGUÍSTICOS E MULTISSEMI...
SEMANA 03 - LÍNGUA PORTUGUESA – 1ª SÉRIE – RECURSOS LINGUÍSTICOS E MULTISSEMI...SEMANA 03 - LÍNGUA PORTUGUESA – 1ª SÉRIE – RECURSOS LINGUÍSTICOS E MULTISSEMI...
SEMANA 03 - LÍNGUA PORTUGUESA – 1ª SÉRIE – RECURSOS LINGUÍSTICOS E MULTISSEMI...
 
Rosa Parks
Rosa ParksRosa Parks
Rosa Parks
 
Níveis de linguagem formalidade e informalidade da língua portuguesa no Brasi...
Níveis de linguagem formalidade e informalidade da língua portuguesa no Brasi...Níveis de linguagem formalidade e informalidade da língua portuguesa no Brasi...
Níveis de linguagem formalidade e informalidade da língua portuguesa no Brasi...
 
Arcadismo
ArcadismoArcadismo
Arcadismo
 
Vestido de noiva
Vestido de noivaVestido de noiva
Vestido de noiva
 
CAROLINA MARIA DE JESUS ATUAL.pdf
CAROLINA MARIA DE JESUS ATUAL.pdfCAROLINA MARIA DE JESUS ATUAL.pdf
CAROLINA MARIA DE JESUS ATUAL.pdf
 
A carta
A cartaA carta
A carta
 
Carta Pessoal
Carta PessoalCarta Pessoal
Carta Pessoal
 
Romantismo - Mapa Mental
Romantismo - Mapa MentalRomantismo - Mapa Mental
Romantismo - Mapa Mental
 
Vidas secas
Vidas secas Vidas secas
Vidas secas
 
Os miseráveis
Os miseráveisOs miseráveis
Os miseráveis
 
Mikrofonok
MikrofonokMikrofonok
Mikrofonok
 

Semelhante a Uma Visita Inesperada Traz Novas Esperanças para o Oeste

Semelhante a Uma Visita Inesperada Traz Novas Esperanças para o Oeste (20)

113083841 laura-iingalls-wilder-6-o-longo-inverno
113083841 laura-iingalls-wilder-6-o-longo-inverno113083841 laura-iingalls-wilder-6-o-longo-inverno
113083841 laura-iingalls-wilder-6-o-longo-inverno
 
Anne mather -_prisioneira_da_desonra
Anne mather -_prisioneira_da_desonraAnne mather -_prisioneira_da_desonra
Anne mather -_prisioneira_da_desonra
 
A FamíLia Feliz
A FamíLia FelizA FamíLia Feliz
A FamíLia Feliz
 
Artur azevedo na horta
Artur azevedo   na hortaArtur azevedo   na horta
Artur azevedo na horta
 
aula trovad.
aula trovad.aula trovad.
aula trovad.
 
Bela
BelaBela
Bela
 
Histórias de Natal
Histórias de NatalHistórias de Natal
Histórias de Natal
 
Letras com rugas
Letras com rugasLetras com rugas
Letras com rugas
 
Barbara cartland a prisão dourada
Barbara cartland   a prisão douradaBarbara cartland   a prisão dourada
Barbara cartland a prisão dourada
 
Barbara cartland a cruz do amor
Barbara cartland   a cruz do amorBarbara cartland   a cruz do amor
Barbara cartland a cruz do amor
 
A borboleta que dançou de mestra 1º
A borboleta que dançou de mestra   1ºA borboleta que dançou de mestra   1º
A borboleta que dançou de mestra 1º
 
O Conto da bela e a fera
O Conto da bela e a feraO Conto da bela e a fera
O Conto da bela e a fera
 
O pequeno polegar
O pequeno polegarO pequeno polegar
O pequeno polegar
 
Capítulo 1
Capítulo 1Capítulo 1
Capítulo 1
 
Contos Tradicionais
Contos TradicionaisContos Tradicionais
Contos Tradicionais
 
Maria castanha(história)
Maria castanha(história)Maria castanha(história)
Maria castanha(história)
 
Barbara cartland a luz da grecia
Barbara cartland   a luz da greciaBarbara cartland   a luz da grecia
Barbara cartland a luz da grecia
 
Conto-meu tio jules
Conto-meu tio julesConto-meu tio jules
Conto-meu tio jules
 
154 o caminho de damasco
154   o caminho de damasco154   o caminho de damasco
154 o caminho de damasco
 
O Erro - 3 primeiros capítulos
O Erro - 3 primeiros capítulosO Erro - 3 primeiros capítulos
O Erro - 3 primeiros capítulos
 

Mais de MariGiopato

MATERNAL - BLOCO 5.pdf
MATERNAL - BLOCO 5.pdfMATERNAL - BLOCO 5.pdf
MATERNAL - BLOCO 5.pdfMariGiopato
 
Algodão Doce vol 1 Maternal.pdf
Algodão Doce vol 1 Maternal.pdfAlgodão Doce vol 1 Maternal.pdf
Algodão Doce vol 1 Maternal.pdfMariGiopato
 
269022819-Mini-Prontuario-Gramatical-1.pdf
269022819-Mini-Prontuario-Gramatical-1.pdf269022819-Mini-Prontuario-Gramatical-1.pdf
269022819-Mini-Prontuario-Gramatical-1.pdfMariGiopato
 
MATERNAL - BLOCO 8.pdf
MATERNAL - BLOCO 8.pdfMATERNAL - BLOCO 8.pdf
MATERNAL - BLOCO 8.pdfMariGiopato
 
81642200-Atividades-Pre-escolares.pdf
81642200-Atividades-Pre-escolares.pdf81642200-Atividades-Pre-escolares.pdf
81642200-Atividades-Pre-escolares.pdfMariGiopato
 
19958313-Natureza-e-sociedade.pdf
19958313-Natureza-e-sociedade.pdf19958313-Natureza-e-sociedade.pdf
19958313-Natureza-e-sociedade.pdfMariGiopato
 
28487128-Dente-de-Leite-Educacao-Infantil-Livro-1.pdf
28487128-Dente-de-Leite-Educacao-Infantil-Livro-1.pdf28487128-Dente-de-Leite-Educacao-Infantil-Livro-1.pdf
28487128-Dente-de-Leite-Educacao-Infantil-Livro-1.pdfMariGiopato
 
Apostila Maternal 3 anos-3.pdf
Apostila Maternal 3 anos-3.pdfApostila Maternal 3 anos-3.pdf
Apostila Maternal 3 anos-3.pdfMariGiopato
 
1000 Useful Words - Build Vocabulary and Literacy Skills by Dawn Sirett (z-li...
1000 Useful Words - Build Vocabulary and Literacy Skills by Dawn Sirett (z-li...1000 Useful Words - Build Vocabulary and Literacy Skills by Dawn Sirett (z-li...
1000 Useful Words - Build Vocabulary and Literacy Skills by Dawn Sirett (z-li...MariGiopato
 
Sequences Picture Stories for ESL by John Chabot (z-lib.org).pdf
Sequences Picture Stories for ESL by John Chabot (z-lib.org).pdfSequences Picture Stories for ESL by John Chabot (z-lib.org).pdf
Sequences Picture Stories for ESL by John Chabot (z-lib.org).pdfMariGiopato
 
48 Math + Phonics worksheets Kindergarten by Kimberly Sullivan (z-lib.org).pdf
48 Math + Phonics worksheets Kindergarten by Kimberly Sullivan (z-lib.org).pdf48 Math + Phonics worksheets Kindergarten by Kimberly Sullivan (z-lib.org).pdf
48 Math + Phonics worksheets Kindergarten by Kimberly Sullivan (z-lib.org).pdfMariGiopato
 
ESL Worksheets and Activities for Kids by Pitts Miryung. (z-lib.org).pdf
ESL Worksheets and Activities for Kids by Pitts Miryung. (z-lib.org).pdfESL Worksheets and Activities for Kids by Pitts Miryung. (z-lib.org).pdf
ESL Worksheets and Activities for Kids by Pitts Miryung. (z-lib.org).pdfMariGiopato
 
329029066-Historias-Da-Biblia-e-Atividades-Para-Criancas.pdf
329029066-Historias-Da-Biblia-e-Atividades-Para-Criancas.pdf329029066-Historias-Da-Biblia-e-Atividades-Para-Criancas.pdf
329029066-Historias-Da-Biblia-e-Atividades-Para-Criancas.pdfMariGiopato
 
Cortar formas maternal.pdf
Cortar formas maternal.pdfCortar formas maternal.pdf
Cortar formas maternal.pdfMariGiopato
 
Romano_Milagres da Hóstia Santa.pdf
Romano_Milagres da Hóstia Santa.pdfRomano_Milagres da Hóstia Santa.pdf
Romano_Milagres da Hóstia Santa.pdfMariGiopato
 
COMPLETO-CUADERNO-DE-APRESTAMIENTO-TRABAJAMOS-LA-GRAFOMOTRICIDAD-DIFICULTAD-A...
COMPLETO-CUADERNO-DE-APRESTAMIENTO-TRABAJAMOS-LA-GRAFOMOTRICIDAD-DIFICULTAD-A...COMPLETO-CUADERNO-DE-APRESTAMIENTO-TRABAJAMOS-LA-GRAFOMOTRICIDAD-DIFICULTAD-A...
COMPLETO-CUADERNO-DE-APRESTAMIENTO-TRABAJAMOS-LA-GRAFOMOTRICIDAD-DIFICULTAD-A...MariGiopato
 
2 3-4 anos meu livro de labirintos fáceis
2 3-4 anos meu livro de labirintos fáceis2 3-4 anos meu livro de labirintos fáceis
2 3-4 anos meu livro de labirintos fáceisMariGiopato
 
Esl worksheets and activities for kids by pitts miryung. (z lib.org)
Esl worksheets and activities for kids by pitts miryung. (z lib.org)Esl worksheets and activities for kids by pitts miryung. (z lib.org)
Esl worksheets and activities for kids by pitts miryung. (z lib.org)MariGiopato
 
329029066 historias-da-biblia-e-atividades-para-criancas
329029066 historias-da-biblia-e-atividades-para-criancas329029066 historias-da-biblia-e-atividades-para-criancas
329029066 historias-da-biblia-e-atividades-para-criancasMariGiopato
 
On the road through kindergarten the most complete book of skill review for ...
On the road through kindergarten  the most complete book of skill review for ...On the road through kindergarten  the most complete book of skill review for ...
On the road through kindergarten the most complete book of skill review for ...MariGiopato
 

Mais de MariGiopato (20)

MATERNAL - BLOCO 5.pdf
MATERNAL - BLOCO 5.pdfMATERNAL - BLOCO 5.pdf
MATERNAL - BLOCO 5.pdf
 
Algodão Doce vol 1 Maternal.pdf
Algodão Doce vol 1 Maternal.pdfAlgodão Doce vol 1 Maternal.pdf
Algodão Doce vol 1 Maternal.pdf
 
269022819-Mini-Prontuario-Gramatical-1.pdf
269022819-Mini-Prontuario-Gramatical-1.pdf269022819-Mini-Prontuario-Gramatical-1.pdf
269022819-Mini-Prontuario-Gramatical-1.pdf
 
MATERNAL - BLOCO 8.pdf
MATERNAL - BLOCO 8.pdfMATERNAL - BLOCO 8.pdf
MATERNAL - BLOCO 8.pdf
 
81642200-Atividades-Pre-escolares.pdf
81642200-Atividades-Pre-escolares.pdf81642200-Atividades-Pre-escolares.pdf
81642200-Atividades-Pre-escolares.pdf
 
19958313-Natureza-e-sociedade.pdf
19958313-Natureza-e-sociedade.pdf19958313-Natureza-e-sociedade.pdf
19958313-Natureza-e-sociedade.pdf
 
28487128-Dente-de-Leite-Educacao-Infantil-Livro-1.pdf
28487128-Dente-de-Leite-Educacao-Infantil-Livro-1.pdf28487128-Dente-de-Leite-Educacao-Infantil-Livro-1.pdf
28487128-Dente-de-Leite-Educacao-Infantil-Livro-1.pdf
 
Apostila Maternal 3 anos-3.pdf
Apostila Maternal 3 anos-3.pdfApostila Maternal 3 anos-3.pdf
Apostila Maternal 3 anos-3.pdf
 
1000 Useful Words - Build Vocabulary and Literacy Skills by Dawn Sirett (z-li...
1000 Useful Words - Build Vocabulary and Literacy Skills by Dawn Sirett (z-li...1000 Useful Words - Build Vocabulary and Literacy Skills by Dawn Sirett (z-li...
1000 Useful Words - Build Vocabulary and Literacy Skills by Dawn Sirett (z-li...
 
Sequences Picture Stories for ESL by John Chabot (z-lib.org).pdf
Sequences Picture Stories for ESL by John Chabot (z-lib.org).pdfSequences Picture Stories for ESL by John Chabot (z-lib.org).pdf
Sequences Picture Stories for ESL by John Chabot (z-lib.org).pdf
 
48 Math + Phonics worksheets Kindergarten by Kimberly Sullivan (z-lib.org).pdf
48 Math + Phonics worksheets Kindergarten by Kimberly Sullivan (z-lib.org).pdf48 Math + Phonics worksheets Kindergarten by Kimberly Sullivan (z-lib.org).pdf
48 Math + Phonics worksheets Kindergarten by Kimberly Sullivan (z-lib.org).pdf
 
ESL Worksheets and Activities for Kids by Pitts Miryung. (z-lib.org).pdf
ESL Worksheets and Activities for Kids by Pitts Miryung. (z-lib.org).pdfESL Worksheets and Activities for Kids by Pitts Miryung. (z-lib.org).pdf
ESL Worksheets and Activities for Kids by Pitts Miryung. (z-lib.org).pdf
 
329029066-Historias-Da-Biblia-e-Atividades-Para-Criancas.pdf
329029066-Historias-Da-Biblia-e-Atividades-Para-Criancas.pdf329029066-Historias-Da-Biblia-e-Atividades-Para-Criancas.pdf
329029066-Historias-Da-Biblia-e-Atividades-Para-Criancas.pdf
 
Cortar formas maternal.pdf
Cortar formas maternal.pdfCortar formas maternal.pdf
Cortar formas maternal.pdf
 
Romano_Milagres da Hóstia Santa.pdf
Romano_Milagres da Hóstia Santa.pdfRomano_Milagres da Hóstia Santa.pdf
Romano_Milagres da Hóstia Santa.pdf
 
COMPLETO-CUADERNO-DE-APRESTAMIENTO-TRABAJAMOS-LA-GRAFOMOTRICIDAD-DIFICULTAD-A...
COMPLETO-CUADERNO-DE-APRESTAMIENTO-TRABAJAMOS-LA-GRAFOMOTRICIDAD-DIFICULTAD-A...COMPLETO-CUADERNO-DE-APRESTAMIENTO-TRABAJAMOS-LA-GRAFOMOTRICIDAD-DIFICULTAD-A...
COMPLETO-CUADERNO-DE-APRESTAMIENTO-TRABAJAMOS-LA-GRAFOMOTRICIDAD-DIFICULTAD-A...
 
2 3-4 anos meu livro de labirintos fáceis
2 3-4 anos meu livro de labirintos fáceis2 3-4 anos meu livro de labirintos fáceis
2 3-4 anos meu livro de labirintos fáceis
 
Esl worksheets and activities for kids by pitts miryung. (z lib.org)
Esl worksheets and activities for kids by pitts miryung. (z lib.org)Esl worksheets and activities for kids by pitts miryung. (z lib.org)
Esl worksheets and activities for kids by pitts miryung. (z lib.org)
 
329029066 historias-da-biblia-e-atividades-para-criancas
329029066 historias-da-biblia-e-atividades-para-criancas329029066 historias-da-biblia-e-atividades-para-criancas
329029066 historias-da-biblia-e-atividades-para-criancas
 
On the road through kindergarten the most complete book of skill review for ...
On the road through kindergarten  the most complete book of skill review for ...On the road through kindergarten  the most complete book of skill review for ...
On the road through kindergarten the most complete book of skill review for ...
 

Último

COMPETÊNCIA 2 da redação do enem prodção textual professora vanessa cavalcante
COMPETÊNCIA 2 da redação do enem prodção textual professora vanessa cavalcanteCOMPETÊNCIA 2 da redação do enem prodção textual professora vanessa cavalcante
COMPETÊNCIA 2 da redação do enem prodção textual professora vanessa cavalcanteVanessaCavalcante37
 
Urso Castanho, Urso Castanho, o que vês aqui?
Urso Castanho, Urso Castanho, o que vês aqui?Urso Castanho, Urso Castanho, o que vês aqui?
Urso Castanho, Urso Castanho, o que vês aqui?AnabelaGuerreiro7
 
Libras Jogo da memória em LIBRAS Memoria
Libras Jogo da memória em LIBRAS MemoriaLibras Jogo da memória em LIBRAS Memoria
Libras Jogo da memória em LIBRAS Memorialgrecchi
 
Noções de Farmacologia - Flávia Soares.pdf
Noções de Farmacologia - Flávia Soares.pdfNoções de Farmacologia - Flávia Soares.pdf
Noções de Farmacologia - Flávia Soares.pdflucassilva721057
 
COMPETÊNCIA 4 NO ENEM: O TEXTO E SUAS AMARRACÕES
COMPETÊNCIA 4 NO ENEM: O TEXTO E SUAS AMARRACÕESCOMPETÊNCIA 4 NO ENEM: O TEXTO E SUAS AMARRACÕES
COMPETÊNCIA 4 NO ENEM: O TEXTO E SUAS AMARRACÕESEduardaReis50
 
JOGO FATO OU FAKE - ATIVIDADE LUDICA(1).pptx
JOGO FATO OU FAKE - ATIVIDADE LUDICA(1).pptxJOGO FATO OU FAKE - ATIVIDADE LUDICA(1).pptx
JOGO FATO OU FAKE - ATIVIDADE LUDICA(1).pptxTainTorres4
 
PROVA - ESTUDO CONTEMPORÂNEO E TRANSVERSAL: COMUNICAÇÃO ASSERTIVA E INTERPESS...
PROVA - ESTUDO CONTEMPORÂNEO E TRANSVERSAL: COMUNICAÇÃO ASSERTIVA E INTERPESS...PROVA - ESTUDO CONTEMPORÂNEO E TRANSVERSAL: COMUNICAÇÃO ASSERTIVA E INTERPESS...
PROVA - ESTUDO CONTEMPORÂNEO E TRANSVERSAL: COMUNICAÇÃO ASSERTIVA E INTERPESS...azulassessoria9
 
Construção (C)erta - Nós Propomos! Sertã
Construção (C)erta - Nós Propomos! SertãConstrução (C)erta - Nós Propomos! Sertã
Construção (C)erta - Nós Propomos! SertãIlda Bicacro
 
Ficha de trabalho com palavras- simples e complexas.pdf
Ficha de trabalho com palavras- simples e complexas.pdfFicha de trabalho com palavras- simples e complexas.pdf
Ficha de trabalho com palavras- simples e complexas.pdfFtimaMoreira35
 
Mapa mental - Classificação dos seres vivos .docx
Mapa mental - Classificação dos seres vivos .docxMapa mental - Classificação dos seres vivos .docx
Mapa mental - Classificação dos seres vivos .docxBeatrizLittig1
 
Considere a seguinte situação fictícia: Durante uma reunião de equipe em uma...
Considere a seguinte situação fictícia:  Durante uma reunião de equipe em uma...Considere a seguinte situação fictícia:  Durante uma reunião de equipe em uma...
Considere a seguinte situação fictícia: Durante uma reunião de equipe em uma...azulassessoria9
 
PROVA - ESTUDO CONTEMPORÂNEO E TRANSVERSAL: LEITURA DE IMAGENS, GRÁFICOS E MA...
PROVA - ESTUDO CONTEMPORÂNEO E TRANSVERSAL: LEITURA DE IMAGENS, GRÁFICOS E MA...PROVA - ESTUDO CONTEMPORÂNEO E TRANSVERSAL: LEITURA DE IMAGENS, GRÁFICOS E MA...
PROVA - ESTUDO CONTEMPORÂNEO E TRANSVERSAL: LEITURA DE IMAGENS, GRÁFICOS E MA...azulassessoria9
 
PROVA - ESTUDO CONTEMPORÂNEO E TRANSVERSAL: COMUNICAÇÃO ASSERTIVA E INTERPESS...
PROVA - ESTUDO CONTEMPORÂNEO E TRANSVERSAL: COMUNICAÇÃO ASSERTIVA E INTERPESS...PROVA - ESTUDO CONTEMPORÂNEO E TRANSVERSAL: COMUNICAÇÃO ASSERTIVA E INTERPESS...
PROVA - ESTUDO CONTEMPORÂNEO E TRANSVERSAL: COMUNICAÇÃO ASSERTIVA E INTERPESS...azulassessoria9
 
Revista-Palavra-Viva-Profetas-Menores (1).pdf
Revista-Palavra-Viva-Profetas-Menores (1).pdfRevista-Palavra-Viva-Profetas-Menores (1).pdf
Revista-Palavra-Viva-Profetas-Menores (1).pdfMárcio Azevedo
 
Bullying - Atividade com caça- palavras
Bullying   - Atividade com  caça- palavrasBullying   - Atividade com  caça- palavras
Bullying - Atividade com caça- palavrasMary Alvarenga
 
ENSINO RELIGIOSO 7º ANO INOVE NA ESCOLA.pdf
ENSINO RELIGIOSO 7º ANO INOVE NA ESCOLA.pdfENSINO RELIGIOSO 7º ANO INOVE NA ESCOLA.pdf
ENSINO RELIGIOSO 7º ANO INOVE NA ESCOLA.pdfLeloIurk1
 
PRÉDIOS HISTÓRICOS DE ASSARÉ Prof. Francisco Leite.pdf
PRÉDIOS HISTÓRICOS DE ASSARÉ Prof. Francisco Leite.pdfPRÉDIOS HISTÓRICOS DE ASSARÉ Prof. Francisco Leite.pdf
PRÉDIOS HISTÓRICOS DE ASSARÉ Prof. Francisco Leite.pdfprofesfrancleite
 
Rotas Transaarianas como o desrto prouz riqueza
Rotas Transaarianas como o desrto prouz riquezaRotas Transaarianas como o desrto prouz riqueza
Rotas Transaarianas como o desrto prouz riquezaronaldojacademico
 
Nós Propomos! " Pinhais limpos, mundo saudável"
Nós Propomos! " Pinhais limpos, mundo saudável"Nós Propomos! " Pinhais limpos, mundo saudável"
Nós Propomos! " Pinhais limpos, mundo saudável"Ilda Bicacro
 
CRUZADINHA - Leitura e escrita dos números
CRUZADINHA   -   Leitura e escrita dos números CRUZADINHA   -   Leitura e escrita dos números
CRUZADINHA - Leitura e escrita dos números Mary Alvarenga
 

Último (20)

COMPETÊNCIA 2 da redação do enem prodção textual professora vanessa cavalcante
COMPETÊNCIA 2 da redação do enem prodção textual professora vanessa cavalcanteCOMPETÊNCIA 2 da redação do enem prodção textual professora vanessa cavalcante
COMPETÊNCIA 2 da redação do enem prodção textual professora vanessa cavalcante
 
Urso Castanho, Urso Castanho, o que vês aqui?
Urso Castanho, Urso Castanho, o que vês aqui?Urso Castanho, Urso Castanho, o que vês aqui?
Urso Castanho, Urso Castanho, o que vês aqui?
 
Libras Jogo da memória em LIBRAS Memoria
Libras Jogo da memória em LIBRAS MemoriaLibras Jogo da memória em LIBRAS Memoria
Libras Jogo da memória em LIBRAS Memoria
 
Noções de Farmacologia - Flávia Soares.pdf
Noções de Farmacologia - Flávia Soares.pdfNoções de Farmacologia - Flávia Soares.pdf
Noções de Farmacologia - Flávia Soares.pdf
 
COMPETÊNCIA 4 NO ENEM: O TEXTO E SUAS AMARRACÕES
COMPETÊNCIA 4 NO ENEM: O TEXTO E SUAS AMARRACÕESCOMPETÊNCIA 4 NO ENEM: O TEXTO E SUAS AMARRACÕES
COMPETÊNCIA 4 NO ENEM: O TEXTO E SUAS AMARRACÕES
 
JOGO FATO OU FAKE - ATIVIDADE LUDICA(1).pptx
JOGO FATO OU FAKE - ATIVIDADE LUDICA(1).pptxJOGO FATO OU FAKE - ATIVIDADE LUDICA(1).pptx
JOGO FATO OU FAKE - ATIVIDADE LUDICA(1).pptx
 
PROVA - ESTUDO CONTEMPORÂNEO E TRANSVERSAL: COMUNICAÇÃO ASSERTIVA E INTERPESS...
PROVA - ESTUDO CONTEMPORÂNEO E TRANSVERSAL: COMUNICAÇÃO ASSERTIVA E INTERPESS...PROVA - ESTUDO CONTEMPORÂNEO E TRANSVERSAL: COMUNICAÇÃO ASSERTIVA E INTERPESS...
PROVA - ESTUDO CONTEMPORÂNEO E TRANSVERSAL: COMUNICAÇÃO ASSERTIVA E INTERPESS...
 
Construção (C)erta - Nós Propomos! Sertã
Construção (C)erta - Nós Propomos! SertãConstrução (C)erta - Nós Propomos! Sertã
Construção (C)erta - Nós Propomos! Sertã
 
Ficha de trabalho com palavras- simples e complexas.pdf
Ficha de trabalho com palavras- simples e complexas.pdfFicha de trabalho com palavras- simples e complexas.pdf
Ficha de trabalho com palavras- simples e complexas.pdf
 
Mapa mental - Classificação dos seres vivos .docx
Mapa mental - Classificação dos seres vivos .docxMapa mental - Classificação dos seres vivos .docx
Mapa mental - Classificação dos seres vivos .docx
 
Considere a seguinte situação fictícia: Durante uma reunião de equipe em uma...
Considere a seguinte situação fictícia:  Durante uma reunião de equipe em uma...Considere a seguinte situação fictícia:  Durante uma reunião de equipe em uma...
Considere a seguinte situação fictícia: Durante uma reunião de equipe em uma...
 
PROVA - ESTUDO CONTEMPORÂNEO E TRANSVERSAL: LEITURA DE IMAGENS, GRÁFICOS E MA...
PROVA - ESTUDO CONTEMPORÂNEO E TRANSVERSAL: LEITURA DE IMAGENS, GRÁFICOS E MA...PROVA - ESTUDO CONTEMPORÂNEO E TRANSVERSAL: LEITURA DE IMAGENS, GRÁFICOS E MA...
PROVA - ESTUDO CONTEMPORÂNEO E TRANSVERSAL: LEITURA DE IMAGENS, GRÁFICOS E MA...
 
PROVA - ESTUDO CONTEMPORÂNEO E TRANSVERSAL: COMUNICAÇÃO ASSERTIVA E INTERPESS...
PROVA - ESTUDO CONTEMPORÂNEO E TRANSVERSAL: COMUNICAÇÃO ASSERTIVA E INTERPESS...PROVA - ESTUDO CONTEMPORÂNEO E TRANSVERSAL: COMUNICAÇÃO ASSERTIVA E INTERPESS...
PROVA - ESTUDO CONTEMPORÂNEO E TRANSVERSAL: COMUNICAÇÃO ASSERTIVA E INTERPESS...
 
Revista-Palavra-Viva-Profetas-Menores (1).pdf
Revista-Palavra-Viva-Profetas-Menores (1).pdfRevista-Palavra-Viva-Profetas-Menores (1).pdf
Revista-Palavra-Viva-Profetas-Menores (1).pdf
 
Bullying - Atividade com caça- palavras
Bullying   - Atividade com  caça- palavrasBullying   - Atividade com  caça- palavras
Bullying - Atividade com caça- palavras
 
ENSINO RELIGIOSO 7º ANO INOVE NA ESCOLA.pdf
ENSINO RELIGIOSO 7º ANO INOVE NA ESCOLA.pdfENSINO RELIGIOSO 7º ANO INOVE NA ESCOLA.pdf
ENSINO RELIGIOSO 7º ANO INOVE NA ESCOLA.pdf
 
PRÉDIOS HISTÓRICOS DE ASSARÉ Prof. Francisco Leite.pdf
PRÉDIOS HISTÓRICOS DE ASSARÉ Prof. Francisco Leite.pdfPRÉDIOS HISTÓRICOS DE ASSARÉ Prof. Francisco Leite.pdf
PRÉDIOS HISTÓRICOS DE ASSARÉ Prof. Francisco Leite.pdf
 
Rotas Transaarianas como o desrto prouz riqueza
Rotas Transaarianas como o desrto prouz riquezaRotas Transaarianas como o desrto prouz riqueza
Rotas Transaarianas como o desrto prouz riqueza
 
Nós Propomos! " Pinhais limpos, mundo saudável"
Nós Propomos! " Pinhais limpos, mundo saudável"Nós Propomos! " Pinhais limpos, mundo saudável"
Nós Propomos! " Pinhais limpos, mundo saudável"
 
CRUZADINHA - Leitura e escrita dos números
CRUZADINHA   -   Leitura e escrita dos números CRUZADINHA   -   Leitura e escrita dos números
CRUZADINHA - Leitura e escrita dos números
 

Uma Visita Inesperada Traz Novas Esperanças para o Oeste

  • 1. 1
  • 2. 2 LAURA INGALLS WILDER À MARGEM DA LAGOA PRATEADA Copyright, 1941, sobre o texto, by Laura Ingalls Wilder Copyright, 1953, sobre as ilustrações, by Garth Williams Capa e ilustrações de Garth Williams Direitos reservados para a língua portuguesa por DISTRIBUIDORA RECORD DE SERVIÇOS DE IMPRENSA LTDA. Avenida Erasmo Braga, 255 – 8.° – Rio de Janeiro (GB) ZC-P DA AUTORA Uma Casa na Floresta Uma Casa na Campina O Jovem Fazendeiro à Beira do Riacho  Margem da Lagoa Prateada O Longo Inverno Uma Pequena Cidade na Campina Anos Felizes
  • 3. 3 Índice 1. Visita inesperada --------------------------------------------------------------------------------------- 1 2. Crescida ------------------------------------------------------------------------------------------------ 3 3. Viajando nas carruagens ------------------------------------------------------------------------------- 5 4. Fim da linha -------------------------------------------------------------------------------------------- 9 5. Acampamento da ferrovia----------------------------------------------------------------------------- 12 6. Os pôneis pretos--------------------------------------------------------------------------------------- 14 7. Começa o Oeste --------------------------------------------------------------------------------------- 18 8. Lagoa Prateada. --------------------------------------------------------------------------------------- 22 9. Ladrões de cavalos ------------------------------------------------------------------------------------ 25 10. A tarde maravilhosa----------------------------------------------------------------------------------- 28 11. Dia de pagamento ------------------------------------------------------------------------------------- 33 12. Asas sobre a Lagoa Prateada-------------------------------------------------------------------------- 38 13. O acampamento é desfeito ---------------------------------------------------------------------------- 40 14. A casa dos agrimensores ------------------------------------------------------------------------------ 44 15. O último homem a partir ------------------------------------------------------------------------------ 47 16. Dias de inverno---------------------------------------------------------------------------------------- 50 17. Lobos na Lagoa Prateada ----------------------------------------------------------------------------- 51 18. Pa encontra a gleba------------------------------------------------------------------------------------ 53 19. Véspera de Natal -------------------------------------------------------------------------------------- 55 20. A noite antes do Natal. -------------------------------------------------------------------------------- 58 21. Feliz Natal--------------------------------------------------------------------------------------------- 60 22. Felizes dias de inverno -------------------------------------------------------------------------------- 64 23. No caminho do peregrino ----------------------------------------------------------------------------- 68 24. A corrida da primavera-------------------------------------------------------------------------------- 71 25. A aposta de Pa ---------------------------------------------------------------------------------------- 74 26. A febre da construção --------------------------------------------------------------------------------- 76 27. Vivendo na cidade ------------------------------------------------------------------------------------ 78 28. Dia de mudança --------------------------------------------------------------------------------------- 82 29. A cabana na gleba------------------------------------------------------------------------------------- 85 30. Onde crescem violetas -------------------------------------------------------------------------------- 89 31. Mosquitos --------------------------------------------------------------------------------------------- 92 32. As sombras do anoitecer ------------------------------------------------------------------------------ 93
  • 4. 1 1. Visita inesperada UMA MANHÃ, Laura estava lavando a louça quando o velho Jack, deitado ao sol no degrau da porta, rosnou avisando-a de que vinha alguém. Laura foi ver e viu um buggy atravessando o vau pedregoso do Riacho das Ameixeiras. – Ma – avisou -, vem aí uma mulher desconhecida. A mãe suspirou. Tinha vergonha da casa desarrumada,e Laura também. Mas a mãe estava tão fraca e Laura tão cansada que não se preocuparam excessivamente. Mary, Carrie, a pequena Grace e a mãe tinham todas contraído escarlatina. Como os Nelsons, que viviam do outro lado do ribeiro, também tiveram a doença, não houvera ninguém para ajudar o pai e Laura. O médico fora à casa todos os dias e o pai não sabia como pagaria a conta. Mas pior do que tudo, muito pior, era o fato de que a febre ter se concentrado nos olhos de Mary e a ter deixado cega. Agora ela já conseguia se levantar, embrulhada em mantas, e sentar -se na velha cadeira de balanço de nogueira da mãe. Não chorara ao longo das semanas e semanas em que ainda conseguia enxergar um pouco, mas menos de dia para dia. Agora não conseguia ver nem a luz mais forte, mas continuava paciente e corajosa. O seu bonito cabelo louro desaparecera. O pai o cortara por causa da febre e a sua pobre cabeça raspada parecia a de um rapaz. Os seus olhos azuis ainda eram bonitos, mas não viam o que se passava à frente deles e Mary nunca mais poderia utilizá-los para dizer a Laura, sem proferir uma palavra, o que estava pensando. – Quem poderá ser, a esta hora da manhã? – perguntou a mãe, de ouvido atento na direção do buggy. – É uma mulher desconhecida, sozinha num buggy. Traz um chapéu castanho e conduz um cavalo baio – disse Laura, a quem o pai dissera que deveria ser os olhos de Mary. – O que temos para o almoço? – perguntou a mãe, referindo-se ao almoço com uma visita, no caso de a mulher se demorar até lá. Havia pão, melaço e batatas. Mais nada. Era primavera, cedo demais para haver vegetais na horta e, além disso, a vaca estava seca e as galinhas ainda não tinham iniciado a postura do verão. No Riacho das Ameixeiras só restavam alguns peixes pequenos, e até os coelhinhos de cauda branca foram tão caçados que rareavam. O pai não gostava de uma região tão velha e explorada ao ponto de a caça escassear. Queria ir para o Oeste. Havia dois anos que queria ir para o Oeste e reservar uma gleba, mas a mãe não desejava abandonar a região já povoada. E, além do mais, não havia dinheiro. Depois da praga dos gafanhotos, o pai tivera apenas duas fracas colheitas de trigo. Só dificilmente conseguira não se endividar, mas agora havia a conta do médico. Laura respondeu, em tom firme, à mãe: – O que é bom para nós também é bom para qualquer pessoa! O buggy parou e a desconhecida ficou sentada nele, olhando para Laura e a mãe, paradas à entrada da porta. Era uma bonita mulher, com um bonito vestido castanho estampado e touca. Laura sentiu-se envergonhada dos seus pés descalços, do vestido sem graça e das tranças por fazer. Depois a mãe exclamou, devagar: – Oh, Dócia! – Estava curiosa em saber se me reconheceria – observou a mulher. – Aconteceram tantas coisas desde que vocês partiram do Wisconsin! Era a bela Tia Dócia, que usara o vestido com botões que pareciam amoras, havia muito tempo, no Baile do Açúcar de Bordo na casa do Avô, na Grande Floresta do Wisconsin. Agora era uma senhora casada. Casara com um viúvo com dois filhos, um empreiteiro que trabalhava na nova estrada de ferro, no Oeste. A Tia Dócia conduzira o buggy sozinha do Wisconsin até ali e dali seguiria para os acampamentos da estrada de ferro no território de Dakota. Vinha saber se o pai queria ir com ela. O seu marido, o tio Hi, precisava de um bom homem para encarregado do armazém, guarda-livros e apontador, e esse emprego estava ao dispor do pai. – O ordenado é de cinquenta dólares por mês, Charles – informou a Tia Dócia. A tensão das faces magras do pai diminuiu e os seus olhos azuis iluminaram-se. Disse, devagar: – Parece que poderei ganhar um bom ordenado e ao mesmo tempo procurar o tal lote, Carolina. A mãe continuava a não querer ir para o Oeste. Olhou ao redor da cozinha e para Carrie e Laura, que tinha Grace ao colo.
  • 5. 2 – Não sei, Charles – murmurou. – parece providencial, cinquenta dólares por mês. Mas aqui estamos instalados. Temos o sítio... – Dê ouvidos à razão, Carolina – rogou o pai. – podemos obter oitenta hectares no Oeste, pela simples razão de vivermos neles, e a terra é tão boa como esta, ou melhor. Se o tio Sam está disposto a dar-nos uma fazenda para substituir aquela de que nos expulsou, no Território Índio, eu só posso dizer que a aceitemos. A caça é boa no Oeste, um homem pode ter toda a carne que quer. Laura desejava tanto ir que tinha dificuldade em manter-se calada. – Como poderíamos ir agora? – perguntou a mãe. – A Mary ainda não está suficientemente forte para viajar. – Isso é verdade – admitiu o pai, e perguntou à Tia Dócia: – O emprego não poderia esperar? – Não. Não, Charles. O Hi precisa de um homem agora, imediatamente. É pegar ou largar. – São cinquenta dólares por mês, Carolina. – insistiu o pai. – E terra para nos instalarmos. Pareceu passar muito tempo antes de a mãe responder, suavemente: – Bem, Charles, deve decidir como achar melhor. – Aceito, Dócia! – o pai levantou-se e pôs o chapéu. – Quando se quer, tudo se arranja. Vou falar com o Nelson. Laura ficou tão agitada que nem conseguia fazer o trabalho da casa como devia ser. A Tia Dócia ajudou-a e, enquanto trabalhavam, foi dando notícias do Wisconsin: a irmã, a Tia Ruby, casara e tinha dois meninos e uma bonita menininha chamada Dolly Varden. O Tio Jorge era lenhador, derrubava árvores e transportava-as no Mississipi. A família do Tio Henrique estava toda bem e Charley revelou-se melhor do que prometera, considerando o modo como o Tio Henrique o poupara e estragara com mimos. O Avô e a Avó continuavam a viver no mesmo lugar, na sua grande casa de troncos. Agora já poderiam fazer uma casa de tábuas, mas o avô dizia que bons e fortes troncos de carvalho davam melhores paredes do que tábuas finas, serradas. Até a Susana Negrinha, a gata que Laura e Mary abandonaram ao partir da sua casinha na floresta, lá continuava ainda a viver. A casinha de troncos mudara de dono diversas vezes e agora era um celeiro de milho, mas nada convencia a gata a ir viver noutro lado. Continuava a viver no celeiro, gorda e lustrosa dos ratos que apanhava, e praticamente não havia uma família em toda aquela região que não tivesse um gatinho seu. Eram todos bons caçadores de ratos, de orelhas grandes e cauda comprida como a Susana Negrinha. Quando o pai voltou, o almoço estava pronto na casa varrida e arrumada. Vendera o sítio. Nelson dava-lhe duzentos dólares, em dinheiro, por ela, e o pai estava jubiloso. – Chega para pagarmos tudo quanto devemos e ainda sobra alguma coisa. – disse – Que acha, Carolina? – Espero que seja para o melhor, Charles – respondeu a mãe. – mas como... – Espere que eu lhe digo. Tenho tudo planejado – interrompeu-a o pai. – parto amanhã de manhã com a Dócia e você fica aqui com as meninas, até que Mary esteja boa e forte. Digamos, uns dois meses. O Nelson prometeu levar as nossas coisas à estação e vocês irão todas de trem. Laura, Carrie e a mãe fitaram-no. Mary perguntou: – De trem? Nunca pensaram em viajar de trem. Laura sabia, claro, que as pessoas viajavam de trem, mas era frequente haver desastres e morrer gente. Não sabia dizer se a ideia a assustava, mas excitava-a. Os olhos de Carrie, esses, estavam arregalados e medrosos no seu rosto pequeno e pontiagudo. Viram o trem passar velozmente pela campina, com grandes rolos de fumaça negra a sair da máquina e ficando para trás. Conheciam o seu rugido e o seu apito assustador e penetrante. Os cavalos disparavam, se o condutor não conseguia detê-los, quando viam aproximar-se um trem. A mãe disse, com a serenidade habitual: – Estou certa de que nos arranjaremos bem, com a Laura e a Carrie a ajudando-me.
  • 6. 3 2. Crescida HAVIA muito que fazer, pois o pai partiria cedo, na manhã seguinte. O pai colocou os arcos no velho carroção e estendeu a cobertura de lona por cima; estava muito gasta, mas serviria para a curta viagem. A Tia Dócia e Carrie ajudaram-no a carregar o carroção, enquanto Laura lavava e passava a ferro e cozia biscoitos especiais para a viagem. Jack olhava para tudo aquilo. Andavam todos tão atarefados que não reparavam no velho buldogue, até que, de súbito, Laura o viu parado entre a casa e o carroção. Não pulava, de cabeça inclinada e rindo, como era seu costume. Estava parado com as pernas hirtas, pois agora sofria de reumatismo. Tinha o focinho tristemente franzido e o coto da cauda pendente. – Meu bom e velho Jack – disse-lhe Laura, mas a cauda não abanou e ele limitou-se a olhá-la tristemente. – Pa,olhe para o Jack – disse Laura. Inclinou-se e afagou a cabeça do animal. Os seus pêlos tornaram- se cinzentos. Primeiro tinham sido os do nariz, depois os das mandíbulas e agora já nem as orelhas eram castanhas. Jack encostou a cabeça a Laura e suspirou. Bastou aquele momento para ela compreender que o velho cão estava cansado, tão cansado que não conseguiria percorrer todo o caminho até o território do Dakota debaixo do carroção. Sentia-se perturbado, porque via o carroção pronto para viajar de novo e ele estava tão velho e cansado. – Pa, o Jack não pode andar uma distância tão grande! – exclamou Laura. – Oh, Pa, não podemos abandoná-lo! – Lá isso é verdade, ele não aguentaria a viagem a pé. – concordou o pai. – Tinha me esquecido dele. Mudo o saco da ração para outro lado e arranjo lugar para ele, aqui dentro. Que acha de viajar de carroção, hein, meu velho? Jack acenou uma vez com a cauda, delicadamente, e desviou a cabeça. Não queria ir, nem mesmo no carroção. Laura ajoelhou-se e abraçou-o como costumava fazer quando era pequena. – Jack, Jack, vamos para o Oeste! Não queres ir outra vez para o Oeste? Anteriormente, mostrara-se sempre ansioso e brincalhão quando via o pai por a cobertura no carroção. Ocupara o seu lugar debaixo dele, quando partiam, e percorrera trotando todo o caminho do Wisconsin para o Território Índio, e de novo para ali, à sombra do veículo e atrás das patas dos cavalos. Atravessara rios a nado e guardara o carroção todas as noites, enquanto Laura dormia no seu interior. Todas as manhãs, mesmo quando tinha as patas doloridas de tanto andar, se alegrava com ela ao ver o sol nascer e os cavalos serem atrelados. Estivera sempre pronto para um novo dia de viagem. Mas, naquele momento, limitou-se a apoiar a cabeça em Laura e a meter o focinho debaixo da sua mão, a pedir-lhe que o afagasse devagarinho. Laura afagou-lhe a cabeça grisalha e as orelhas e sentiu o quanto ele estava cansado. Desde que Mary e Carrie, e depois a mãe, adoeceram com escarlatina, Laura prestara menos atenção a Jack. Anteriormente, ele ajudara-a sempre em todos os problemas, mas não podia ajudá-la quando havia doença em casa. Talvez durante todo esse tempo tivesse se sentido solitário e esquecido. – Não foi por querer, Jack – disse Laura, e ele compreendeu. Sempre se compreenderam. Jack tomara conta dela quando era pequena e ajudara-a a tomar conta de Carrie quando esta era o bebê da família. Sempre que o pai se ausentara, Jack ficara com Laura, para tomar conta dela, da mãe e das irmãs. Jack era, especialmente, o cão de Laura. Não sabia como explicar-lhe, agora, que devia ir no carroção com o pai e deixá-la. Talvez ele não compreendesse que ela ia depois, no trem. Não pôde ficar muito tempo com ele, em virtude de haver tanto que fazer. Mas durante toda a tarde foi-lhe dizendo, sempre que podia: “bom cão, Jack.” deu-lhe um bom jantar e, depois de lavada a louça e posta a mesa para o café da manhã, que teria de ser muito cedo, fez-lhe a cama. A cama de Jack era uma velha manta de cavalo, num canto do alpendre, na porta dos fundos. Dormia ali desde que se mudaram para aquela casa, pois Laura dormia no sótão e ele não podia subir a escada. Durante cinco anos dormira lá e Laura encarregara-se de arejar-lhe a cama e de mantê-la limpa e confortável. Mas, ultimamente, ela esquecera-se. Ele tentara endireitá-la com as patas, mas o cobertor estava cheio de altos e baixos e grumos. Jack observou-a, enquanto ela o sacudia e o dobrava de modo que ficasse confortável. Sorriu e sacudiu o rabo, contente por ela estar lhe fazendo a cama. Laura fez uma espécie de ninho redondo e deu-lhe palmadinhas, mostrando-lhe que estava pronta. Jack entrou no ninho e andou uma vez em círculos. Parou, para descansar as pernas rígidas e virou-se outra vez, lentamente. Jack sempre dava três voltas antes de se deitar para dormir, à noite. Fizera-o quando era um jovem cãozinho, na Grande Floresta, e fizera-o na relva debaixo do carroção, todas as noites. É uma coisa que os cães costumam fazer. Por isso, fatigado, deu uma
  • 7. 4 terceira volta e deixou-se cair, suspirando. Mas conservou a cabeça levantada, a fim de olhar para Laura. Ela afagou o lugar entre as orelhas, onde os pelos eram mais finos, e pensou que ele fora sempre muito bom. Ela estivera sempre em segurança, no tocante a lobos ou índios, porque Jack estava presente. E quantas vezes a ajudara a levar as vacas para o estábulo, à noite! Como foram felizes a brincar ao longo de Riacho das Ameixeiras e na lagoa onde morara o velho caranguejo feroz! E quando ela andara na escola encontrara-o sempre à espera, no vau, quando regressara a casa. – Bom Jack, bom cão – murmurou. Ele virou a cabeça, para lhe tocar na mão com a ponta da língua. Depois afundou o pescoço nas patas, suspirou e fechou os olhos. Queria dormir. De manhã, quando Laura desceu a escada à luz do candeeiro, o pai ia sair, para tratar dos animais. Falou a Jack, mas o cão não se mexeu. Só o corpo de Jack, hirto e frio, se encontrava enroscado na manta. Enterraram-no na encosta baixa que ficava acima do campo do trigo, junto da trilha que ele costumava descer tão alegremente quando ia buscar as vacas com Laura. O pai deitou pazadas de terra por cima da caixa e alisou o montinho. Cresceria ali relva, depois de terem partido todos para o Oeste. Jack nunca mais aspiraria o ar da manhã nem saltaria por cima da relva baixa, com as orelhas espetadas e a boca a rir. Nunca mais meteria o focinho debaixo da mão de Laura,a pedir-lhe festas. Ela poderia tê-lo afagado tantas vezes sem ele pedir, e não afagara! – Não chore Laura – disse o pai. – Ele foi para os felizes campos de caça. – Sério, Pa? – conseguiu Laura perguntar. – Os bons cães têm a sua recompensa, Laura. Talvez, nos felizes campos de caça, Jack andasse a correr alegremente ao vento, em alguma alta campina, como costumava correr nas bonitas campinas selvagens do território índio. Talvez conseguisse, finalmente, apanhar uma lebre. Tentara tantas vezes apanhar uma daquelas lebres de orelhas e patas compridas, sem o conseguir! Nessa manhã, o pai partiu no ruidoso e velho carroção, atrás do buggy da Tia Dócia. Jack não estava ao lado de Laura, a vê-lo partir. Agora só havia vazio onde das outras vezes houvera os olhos de Jack a lhe dizer que estava ali, para tomar conta dela. Laura compreendeu, então, que já não era uma menina pequena. Agora estava só e tinha de olhar por si. Quando tem de se fazer isso, faz-se e já se é crescida. Laura não era muito grande, mas tinha quase treze anos e não tinha ninguém de quem pudesse depender. O pai e Jack partiram e a mãe precisava de ajuda para cuidar de Mary e das pequenas e de, fosse como fosse, as levar em segurança para o Oeste.
  • 8. 5 3. Viajando nas carruagens QUANDO chegou a altura, Laura teve dificuldade em acreditar que fosse verdade. As semanas e os meses pareceram intermináveis, mas agora, de súbito, tinham passado. Riacho das Ameixeiras, a casa e todas as encostas e todos os campos que conhecera tão bem ficariam para trás e nunca mais os veria. Passaram os últimos dias atarefados, em que o tempo fora ocupado a fazer malas, limpar, esfregar, lavar e passar a ferro, assim como a azáfama dos últimos momentos, de tomarem banho e vestirem–se. Limpas e com as melhores roupas bem engomadas na manhã de um dia de semana, sentaram-se ao lado umas das outras no banco da sala de espera, enquanto a mãe comprava os bilhetes. Dali a uma hora viajariam nos vagões do trem. As duas malas grandes estavam na gare ensolarada, fora da sala de espera. Laura não as perdia de vista, nem a elas nem a Grace, como a mãe lhe dissera. Grace estava imóvel, de vestidinho e touca de fino tecido branco engomado, com os pés metidos dentro de sapatinhos novos, estendidos à sua frente. No guichê dos bilhetes, a mãe tirou o dinheiro da carteira e contou-o cuidadosamente. Viajar de trem custava dinheiro. Para viajar de carroção nunca precisaram pagar nada, e aquela manhã estava muito bonita para viajar de carroção ao longo de estradas novas. Estavam em setembro e no céu corriam, apressadas,pequenas nuvens. Àquela hora, todas as meninas estavam na escola e veriam o trem passar ruidosamente e saberiam que Laura viajava nele. Os trens andavam mais depressa do que os cavalos. Andavam tão terrivelmente depressa que às vezes havia desastres. Uma pessoa nunca sabia o que podia lhe acontecer num trem. A mãe meteu os bilhetes na carteira de madrepérola e, cuidadosamente, apertou os pequenos fechos de aço. Estava tão bonita, no seu vestido de lã fina com gola e punhos de renda branca! O seu chapéu de palha preta tinha uma aba estreita virada para cima e um raminho branco de lírios-do-vale espetado num dos lados da copa. Sentou-se e passou Grace para o seu colo. Agora só lhes restava esperar. Foram uma hora mais cedo para terem a certeza de que não perderiam o trem. Laura alisou o vestido. Era de tecido castanho salpicado de florzinhas encarnadas. O cabelo pendia-lhe pelas costas em duas compridas tranças castanhas, presas por um único laço de fita encarnada. O seu chapéu também tinha, em volta da copa, uma fita encarnada. O vestido de Mary era de tecido cinzento com raminhos de flores azuis. O seu chapéu de palha de aba larga tinha uma fita azul. E, debaixo do chapéu, o seu pobre cabelo curto estava afastado da cara por uma fita azul, atada à volta da cabeça. Os seus lindos olhos azuis não viam nada. Mas isso não a impediu de dizer: – Fique quieta, Carrie. Assim vai amarrotar todo o vestido. Laura estendeu o pescoço para olhar para Carrie,que estava sentada do outro lado de Mary. Pequenina e magra, Carrie vestia um vestido cor-de-rosa e tinha fitas da mesma cor nas tranças castanhas e no chapéu. Corou tristemente, por Mary achar que não estava se comportando bem, e Laura quase disse: “venha para o meu lado, Carrie, e mexa-se à vontade!”. Mas nesse momento o rosto de Mary iluminou-se de alegria e ela disse: – Ma, a Laura também está agitada! Sei que está, mesmo sem ver! – Pois está, Mary – disse a mãe, e Mary sorriu, satisfeita. Laura envergonhou-se de, mentalmente, ter se irritado com Mary. Por isso, não disse nada. Levantou- se e ia a passar defronte da mãe sem dizer palavra. A mãe teve de lhe recordar: – Peça licença, Laura. – Com licença, Ma. Com licença, Mary – disse Laura, delicadamente, e sentou-se ao lado de Carrie. Esta se sentiu mais segura entre Laura e Mary. Carrie tinha realmente medo de viajar de trem. Claro que nunca o confessaria, mas Laura sabia. – Ma – perguntou Carrie, timidamente –, o Pa vai esperar-nos com certeza, não vai? – Virá ao nosso encontro – respondeu a mãe. –, terá de vir de carroção do acampamento, o que levará um dia inteiro, e nós teremos de esperar por ele em Tracy. – Ele chegará... Ele chegará antes de ser noite, Ma? – insistiu Carrie, e a mãe respondeu esperar que sim. Nunca se sabia o que podia acontecer quando se viajava de trem. Não era como partirem todos juntos num carroção. Por isso, Laura disse, corajosamente: – Talvez o Pa já tenha escolhido a nossa gleba. Imagina como será, Carrie, e depois imagino eu.
  • 9. 6 Não podiam conversar muito bem, pois estavam sempre à espera e à escuta do trem. Por fim, Mary disse parecer-lhe que o ouvia. Depois Laura ouviu como que um zumbido tênue e distante. O seu coração começou a bater tão depressa que mal ouviu a mãe. A mãe levantou-se com Grace ao colo e com a outra mão apertou bem a de Carrie. – Laura, venha atrás de mim com a Mary. Mas tem cuidado! O trem aproximava-se e já se ouvia melhor. Pararam junto das malas, na gare, e viram-no chegar. Laura não sabia como meteriam as malas no trem. A mãe tinha as duas mãos ocupadas e Laura tinha de segurar Mary. A janela redonda da frente da máquina brilhou ao sol como um olho enorme, a chaminé subia e alargava, a lançar golfadas de fumaça preta. Nisto, subiu através do fumaça uma golfada branca e depois o apito soltou uma espécie de grito longo e penetrante. O monstro rugidor avançou direito a elas, cada vez maior, enorme, a fazer tremer tudo com o seu barulho. O pior terminou: o trem não as atingiu: passou, ruidoso, por elas, com as suas grandes rodas. Choques e entrechoques percorreram toda a extensão dos vagões de carga e dos vagões-plataformas, até pararem. O trem chegara e elas tinham de embarcar. – Laura! – disse a mãe, vivamente. – Você e a Mary tenham cuidado! – Sim, Ma. Laura conduziu ansiosamente Mary, um passo de cada vez, através das tábuas da gare, logo atrás da saia da mãe. Quando a saia parou, Laura fez Mary parar. Chegaram à última carruagem, do fim do trem, para a qual se subia por meio de degraus. Um desconhecido, de terno escuro e boné, ajudou a mãe a subir com Grace ao colo. – Upa! – exclamou, e levantou Carrie no ar e colocou-a ao lado da mãe. Depois perguntou: – Aquelas malas são suas, senhora? – Sim, por favor – respondeu a mãe. – Venham, Laura e Mary. – Quem é ele, Ma? – perguntou Carrie, enquanto Laura ajudava Mary a subir os degraus. Estavam comprimidas num espaço reduzido. O homem passou-lhes alegremente pela frente, com as malas, e abriu a porta do vagão com o ombro. Seguiram-no entre duas filas de poltronas de veludo vermelho, cheios de gente. As laterais do vagão eram quase totalmente compostas por janelas; o vagão era quase tão claro como se estivessem no exterior e raios de sol atravessavam obliquamente as pessoas e o veludo vermelho. A mãe sentou-se numa das poltronas de veludo e ajeitou Grace no colo. Disse a Carrie que se sentasse a seu lado e acrescentou: – Laura, você e Mary sentem-se nesse banco à minha frente. Laura conduziu Mary para o banco e sentaram-se. O lugar era fofo e Laura teve vontade de saltar nele, mas conteve-se, pois devia comportar-se convenientemente. Segredou: – Mary, as poltronas são de veludo vermelho! – Sim, estou vendo – respondeu Mary, passando as pontas dos dedos pelo banco. – Que temos à nossa frente? – São as costas de outra poltrona, também de veludo vermelho. A máquina apitou e deram ambas um pulo. O trem preparava-se para partir. Laura ajoelhou-se no lugar, para ver a mãe. Estava muito calma e muito bonita no seu vestido escuro com gola de renda branca e com as lindas florzinhas brancas no chapéu. – Que é, Laura? – perguntou a mãe. – Quem era aquele homem? – Era o ajudante do condutor. Agora se sente e... O trem deu um solavanco que empurrou a mãe para trás. O queixo de Laura bateu com força nas costas da poltrona e o chapéu escorregou-lhe da cabeça. Novo solavanco, menos violento, e o trem começou a estremecer e a estação dava a impressão de que andava para trás. – Está andando! – gritou Carrie. O estremecimento tornou-se mais rápido e mais ruidoso, a estação ficou para trás e as rodas do trem começaram a mover-se, ritmadamente: “Café-com-pão, café-com-pão”–, cada vez mais depressa. A serraria, os fundos da igreja e a frente da escola também ficaram para trás e não se viu mais nada daquela cidade. Todo o trem oscilava no compasso do movimento das rodas e a fumaça preta passava pelas janelas, em rolos que se desintegravam. Viram surgir e desaparecer, do lado de fora da janela, um fio telegráfico, que pareceu subir e descer. Não subiu e desceu, realmente, mas pareceu fazê-lo porque estava preso entre os postes. Encontrava-se preso a uma espécie de maçanetas de vidro verde que brilhavam ao sol e escureciam quando os rolos de fumaça passavam por cima deles. Para lá do fio, desfilavam pastagens, campos e casas de lavoura e celeiros.
  • 10. 7 Iam tão depressa que Laura praticamente não tinha tempo de ver essas coisas, que mal surgiam logo desapareciam. Numa hora, o trem percorreria mais de trinta quilômetros – tanto quanto os cavalos num dia inteiro. A porta abriu-se e entrou um homem alto. Usava um terno azul com botões de latão e um boné onde se lia: “condutor”. Parou em todos os lugares e pediu os bilhetes. Abriu pequenos buraquinhos redondos nos bilhetes, com uma máquina que tinha na mão. A mãe entregou-lhe três bilhetes: Carrie e Grace eram tão pequeninas que podiam viajar no trem sem pagar. O condutor seguiu e Laura disse, em voz baixa: – Oh, Mary, tem tantos botões de latão brilhantes no casaco! E na frente do boné lê-se: condutor! – E é alto – observou Mary. – A sua voz soou lá muito de cima. Laura tentou explicar à irmã a que velocidade desfilavam os postes telegráficos: – O fio balança entre eles e depois sobe. – e contou-os: – Um... Upa! Dois... Upa! Três! É assim, com esta rapidez. – Eu percebo que é rápido, sinto-o – disse Mary, contente. Na terrível manhã em que Mary deixara de ver o sol a bater-lhe em cheio nos olhos, o pai dissera que Laura deveria ver por ela: “os teus dois olhos e a tua língua são muito rápidos, poderás usá-los para a Mary.” E Laura prometera que o faria. Por isso, tentava ser os olhos da irmã e raramente Mary precisava de lhe pedir: “veja em voz alta para mim, Laura, por favor.” – Ambos os lados do vagão têm janelas, muito próximas umas das outras. – prosseguiu Laura. – Cada janela é uma grande chapa de vidro e até as tábuas de madeira entre elas brilham como vidro, de tão polidas. – Sim, eu vejo – disse Mary, e apalpou o vidro e passou as pontas dos dedos pela madeira brilhante. – O sol entra obliquamente pelas janelas do lado sul, em faixas largas que se refletem nos lugares de veludo vermelho e nas pessoas. Também batem no chão pontas de sol, as quais ora se estendem, ora se retraem. Por cima das janelas, a madeira reluzente encurva a partir das paredes de ambos os lados, e ao longo de todo o meio do teto há um lugar mais alto, feito de paredes pequenas de janelinhas minúsculas, compridas e baixas, através das quais se vê o céu azul. Do lado de fora das janelas grandes, de ambos os lados, a região desfila, rápida. Os campos de feno estão amarelos, há medas de feno junto dos estábulos e arvorezinhas amarelas e vermelhas, em pequenos maciços, à volta das casas. “Agora vou ver as pessoas – continuou Laura a murmurar. – À nossa frente vai uma cabeça com uma careca em cima e com suíças. O homem lê um jornal e não olha pelas janelas. Mais adiante vão dois homens novos, de chapéu na cabeça. Seguram um grande mapa branco, olham para ele e falam a seu respeito. Creio que também vão reservar um lote de terreno. Tem as mãos ásperas e calejadas, sinal de que são bons trabalhadores. Mais adiante, ainda, vai uma mulher de cabelo muito loiro e, oh, Mary, um berrantíssimo chapéu de veludo escarlate com rosas cor-de-rosa... Nesse momento passou alguém e Laura levantou a cabeça. Depois prosseguiu: – Passou mesmo agora um homem magro, de sobrancelhas farfalhudas, bigode comprido e pomo-de- adão. O trem vai tão depressa que ele não consegue caminhar direito. Pergunto a mim mesma... Oh, Mary, está girando uma pequena manivela, no fundo do vagão, e fez sair água! A água cai direitinho numa caneca de folha. Agora está bebendo e seu pomo-de-adão sobe e desce. Está outra vez enchendo a caneca. Basta- lhe girar a manivela e a água sai. Como acha que... Mary! Pôs a caneca numa prateleirinha e vem aí de novo. Depois de o homem passar,Laura tomou uma decisão: perguntou à mãe se podia ir beber água e a mãe disse que sim. Pôs-se, por isso, a caminho. Não conseguiu caminhar reto. O movimento do trem obrigou-a a oscilar e a agarrar-se às costas das poltronas, durante todo o caminho. Mas chegou ao fim do vagão e olhou para a reluzente manivela, para a torneira e para a prateleira que ficava por baixo e onde se encontrava a brilhante caneca de folha. Girou a manivela só um bocadinho e saiu água pela torneira. Girou a manivela em sentido contrário e a água deixou de correr. Debaixo da caneca havia um pequeno buraco, destinado a esgotar qualquer água que entornasse. Laura nunca vira nada tão fascinante. Era tudo tão perfeito e maravilhoso que teve vontade de encher e tornar a encher a caneca. Mas seria um desperdício de água. Por isso, depois de beber, encheu a caneca apenas parcialmente e levou-o à mãe, com muito cuidado. Carrie e Grace beberam e não quiseram mais, e a mãe e Mary não tinham sede. Laura foi, pois, repor a caneca no seu lugar. Entretanto, o trem ia avançando velozmente e a região ficando para trás. O vagão continuava balançando, mas desta vez Laura não precisou tocar em nenhum banco, ao passar. Era capaz de andar quase tão bem quanto o condutor. Com certeza, ninguém desconfiava de que nunca pusera, anteriormente, os pés num trem.
  • 11. 8 Depois passou um rapaz no corredor com um cesto no braço. Parava e mostrava o cesto a toda a gente e algumas pessoas tiravam certas coisas e davam-lhe dinheiro em troca. Quando chegou junto de Laura, ela viu que o cesto estava cheio de caixas de confeitos e de compridos paus de alcaçuz. O rapaz mostrou as guloseimas à mãe e ofereceu: – Deliciosos confeitos, senhora? Alcaçuz? A mãe abanou a cabeça, mas o rapaz abriu uma caixa e mostrou os confeitos coloridos. A respiração de Carrie produziu um som sibilante, sem que ela se apercebesse. O rapaz sacudiu um bocadinho a caixa, mas sem derrubar os confeitos. Eram belos confeitos de Natal, uns vermelhos, outros amarelos e alguns com listras vermelhas e brancas. – Só dez centavos, senhora – insistiu o rapaz. Laura e Carrie, também, sabiam que não podiam ter aquela guloseima. Estavam só olhando. De súbito, porém, a mãe abriu a bolsa e tirou duas moedas que colocou nas mãos do rapaz. Depois pegou a caixa e deu-a a Carrie. Quando o rapaz se afastou, a mãe disse, a justificar-se por ter gasto tanto: – No final das contas, devemos celebrar a nossa primeira viagem de trem. Grace dormia e a mãe disse que os bebês não deviam comer doces. Tirou só um pequenininho, para si, e depois Carrie foi para o banco de Mary e Laura e repartiu o restante. Couberam dois confeitos a cada uma. Resolveram comer um e guardar o outro para o dia seguinte; mas, algum tempo depois de comido o primeiro, Laura resolveu provar o segundo. Depois Carrie provou o dela e, por fim, Mary cedeu, também. Chuparam-nos todos, pouco a pouco. Ainda estavam a lamber os dedos quando a máquina apitou, ruidosa e demoradamente. Depois a carruagem começou a andar mais devagar e os fundos das cabanas do caminho foram ficando para trás, também mais devagar. As pessoas começaram a reunir as suas coisas e a pôr os chapéus, ouviu-se um grande estrondo e o trem parou. Era meio-dia e tinham chegado a Tracy. – Espero que não tenham perdido o apetite para o almoço com os confeitos – observou a mãe. – Nós não trouxemos almoço, Ma – lembrou-lhe Carrie. A mãe respondeu, distraída: – Vamos almoçar no hotel. Laura, você e Mary tenham cuidado.
  • 12. 9 4. Fim da linha O PAI não estava naquela estação desconhecida. O ajudante do condutor colocou as malas na gare e ofereceu: – Se a senhora esperar um momento, levo-a ao hotel. Também vou para lá. – Obrigada – agradeceu a mãe, sinceramente. O ajudante do condutor ajudou a desengatar a máquina do trem. O maquinista, todo vermelho e mascarrado de fuligem, debruçou-se da máquina, para observar. Depois puxou a corda de uma campainha. A máquina avançou sozinha, a fazer puf! Puf! E chug! Chug! Enquanto a sineta tocava. A distância que percorreu foi curta. Em seguida parou e Laura não pôde acreditar no que via. Os trilhos de aço, debaixo da máquina, e as dormentes de madeira, entre os trilhos, deram uma volta completa. Descreveram um círculo, ali no chão, até as extremidades dos trilhos se ajustarem de novo, desta vez com a frente da máquina virada para trás. Laura estava tão estupefata que nem sabia explicar a Mary o que se passava. A máquina voltou ao puf! Puf! Chug! Chug.', mas noutra linha, ao lado da do trem. Passou pelo trem e ultrapassou-o um bocadinho. A sineta tocou, homens gritaram e fizeram gestos com os braços, a máquina recuou e, bump!, Chocou com a retaguarda do trem. Todos os vagões se entrechocaram. E pronto, o trem e a máquina estavam voltados para leste. Carrie estava boquiaberta de espanto. O ajudante do condutor sorriu-lhe amigavelmente e explicou: – Aquilo é a plataforma giratória. Como aqui é o fim da linha, temos de virar a máquina ao contrário, para ela poder levar o trem em sentido inverso. Claro, tinha de ser mesmo assim, mas Laura nem pensara nisso. Compreendia agora o que o pai queria dizer quando falava dos tempos maravilhosos que estavam vivendo. Nunca existiram tais maravilhas na história do mundo, afirmava. Agora, numa manhã, fizeram uma viagem que de outro modo duraria uma semana inteira e Laura vira a locomotiva virar-se (para percorrer o mesmo caminho, em sentido contrário, numa única tarde). Por momentos, fugazes momentos, apenas, quase desejou que o pai fosse ferroviário. Não havia nada tão maravilhoso como os trens e os ferroviários eram grandes homens, capazes de conduzir as grandes locomotivas de ferro e os trens velozes e perigosos. Mas, claro, nem mesmo os ferroviários eram maiores ou melhores do que o pai e, na realidade, ela não queria que ele fosse diferente do que era. Havia uma comprida composição de vagões de carga noutra via, para lá da estação, e homens estavam a descarregá-los para carroções. Nisto, pararam todos e saltaram dos carroções. Alguns gritaram e um homem novo e forte começou a cantar o hino preferido da mãe, mas com palavras diferentes: Há uma pensão Não muito longe Onde servem presunto com ovos Três vezes por dia. Oh, como os pensionistas gritam Quando ouvem a sineta do almoço! Ah, que bem os ovos cheiram Três vezes por dia! O jovem estava a cantar estas palavras profanas, e com ele outros homens, quando viram a mãe e se calaram. A mãe seguiu calmamente o seu caminho, com Grace ao colo e a dar a mão a Carrie. O ajudante do condutor, embaraçado, disse muito depressa: – É melhor apressarmo-nos, senhora. A sineta do almoço está tocando. O hotel ficava ao fundo de uma pequena rua, depois de alguns armazéns e terrenos desocupados. Um letreiro, na calçada, anunciava: “hotel”. Debaixo do letreiro, um homem agitava uma sineta manual. A sineta não parava de tocar e as botas dos homens faziam um barulho sincopado na rua poeirenta e na calçada de tábuas. – Oh, Laura, o que se vê é o mesmo que se ouve? – perguntou Mary, a tremer. – Não – respondeu-lhe a irmã. – O aspecto não é mau. Trata-se apenas de uma cidade e eles são apenas homens. – Parece tudo tão grosseiro – insistiu Mary. – Chegamos à porta do hotel – disse-lhe Laura.
  • 13. 10 O ajudante de condutor entrou à frente e pousou as malas. O chão precisava ser varrido. As paredes estavam forradas de papel marrom e numa delas via-se um calendário com o retrato grande e reluzente de uma bonita moça num trigal maduro. Os homens entraram todos e dirigiram-se para uma grande sala onde se encontrava uma mesa comprida com uma toalha branca e posta para o almoço. O homem que tocara a sineta disse à mãe: – Sim, senhora, temos um quarto reservado para a senhora. – Arrumou as malas na portaria e perguntou: – Talvez desejem lavar-se antes de comer? Num quartinho pequeno havia um lavatório: um grande jarro de louça estava dentro de uma grande bacia de louça e da parede pendia uma toalha sem fim. A mãe molhou um lenço limpo e lavou a cara e as mãos de Grace e as suas próprias. Depois despejou a bacia num balde que estava ao lado do lavatório e voltou a despejar água para Mary e de novo para Laura. A água fria causou-lhes uma sensação agradável na cara suja de poeira e fuligem e, depois de se lavarem, ficou preta. Só dispuseram de uma pouca de água para cada uma e o jarro ficou vazio. A mãe voltou a pô-lo com cuidado na bacia, quando Laura acabou. Limparam-se todas na toalha sem fim. Uma toalha sem fim era muito prática: as suas extremidades estavam cosidas uma à outra e girava num rolo, de forma que todos encontravam um espaço seco para se limparem. Chegara a hora de irem para a sala de jantar. Laura receava esse momento e sabia que Mary sentia o mesmo. Era difícil encarar tantos desconhecidos. – Estão todas com um ar lavado e agradável. – disse a mãe. – Não se esqueçam de ter maneiras à mesa. A mãe entrou primeiro, com Grace ao colo, depois seguiu-se Carrie e por fim Laura, conduzindo Mary. O ruído de comer abrandou, quando entraram na sala de jantar, mas praticamente nenhum homem levantou a cabeça. Havia cadeiras vagas e puderam sentar-se todas em fila, à grande mesa. Espalhados por toda a mesa, por cima da toalha branca, havia cúpulas de rede fina e debaixo de cada uma delas uma travessa de carne ou um prato de vegetais. Havia pratos de pão com manteiga e de picles, jarros de melaço e de creme e açucareiros. Ao lado de cada prato encontrava-se uma grande fatia de torta, num prato menor. As moscas passeavam e zumbiam por cima das cúpulas de rede, mas não conseguiam chegar à comida que se encontrava em baixo. Foram todos amáveis e estenderam os pratos de comida à mãe, de uma ponta e outra da mesa. Ninguém falava, a não ser para murmurar um “não tem de quê, senhora”, em resposta ao “obrigada” da mãe. Uma moça trouxe-lhe uma xícara de café. Laura cortou a carne de Mary em pedacinhos e passou-lhe manteiga no pão. Os dedos sensitivos de Mary permitiram-lhe servir-se do garfo e da faca perfeitamente, sem entornar nada. Era uma pena que a excitação lhes tirasse o apetite. O almoço custava vinte e cinco centavos e poderiam comer o que quisessem; a comida era abundante. Mas comeram pouco. Passados instantes, os homens acabaram todos de comer a torta e foram-se embora, e a moça que trouxera o café começou a empilhar os pratos e a levá-los para a cozinha. Era forte e bem-humorada e tinha cara larga e cabelo loiro. – Creio que vêm reservar uma gleba? – perguntou à mãe. – Viemos – respondeu a mãe. – O seu marido trabalha na ferrovia? – Trabalha. Vem aqui ao nosso encontro, esta tarde. – Foi o que imaginei – disse a moça. – É engraçado que tenham vindo para cá nesta época do ano, quando a maioria das pessoas vêm na primavera. A sua menina mais velha é cega, não é? Que pena! Bem, a sala fica do outro lado do escritório. Podem sentar-se lá, se quiserem, até o seu marido chegar. A sala tinha um tapete no chão e papel florido nas paredes. As cadeiras eram estofadas de pelúcia púrpura. A mãe deixou-se cair numa cadeira de balanço, suspirarando de alívio. – A Grace está ficando pesada. Sentem-se, meninas, e fiquem quietas. Carrie subiu para uma grande cadeira, ao lado da mãe, e Mary e Laura sentaram-se no sofá. Ficaram todas quietas e caladas, para que Grace adormecesse e dormisse a sua sesta da tarde. Em cima da mesa do centro estava um candeeiro com a parte de baixo de latão. As pernas curvas da mesa terminavam em bolas de vidro, no tapete. A janela tinha cortinas de renda, presas nos lados, e através dela Laura podia ver a campina e uma estrada que a atravessava. Talvez o pai viesse por essa estrada. Se viesse, partiriam todos também por ela e algures, muito para lá do fim da estrada que Laura distinguia, um dia viveriam todos no novo lote de terra. Laura preferiria não parar em lado nenhum, preferiria seguir para a frente, até ao fim da estrada, fosse ele onde fosse. Passaram a tarde toda sentadas, quietas, na sala, enquanto Grace dormia. Carrie também dormiu um bocadinho e até a mãe cochilou.
  • 14. 11 O sol estava quase se pondo quando uma pequena parelha e um carroção surgiram na estrada e foram se tornando, pouco a pouco, maiores. Grace já estava acordada e foram todas espreitar pela janela. O carroção adquiriu o tamanho normal e viram que era o do pai, que o conduzia. Como estavam num hotel, não puderam ir a correr ao seu encontro. Mas um momento depois ele entrou e exclamou: – Viva, cá estão as minhas meninas!
  • 15. 12 5. Acampamento da ferrovia NA MANHÃ SEGUINTE, cedinho, iam todos no carroção, para oeste. Grace ia sentada entre a mãe e o pai, no banco, e Carrie e Laura sentavam-se com Mary atrás deles, numa tábua que atravessava a caixa do carroção. Viajar de trem era cômodo e rápido, mas Laura preferia o carroção. Como a viagem seria só de um dia, o pai não pusera a cobertura de lona. Cobria-os o céu todo e a campina estendia-se para todos os lados, com fazendas aqui e ali. O carroção ia devagar e, por isso, havia tempo para verem tudo. E também podiam conversar naturalmente uns com os outros. Os únicos ruídos eram o clip-clop dos cavalos e os pequenos estalidos do carroção. O pai disse que o tio Hi acabara o seu primeiro contrato e ia para um acampamento novo, mais para oeste. E acrescentou: – Os homens já foram embora, só ficaram dois carroceiros ao lado da família da Dócia. Terão de derrubar as últimas barracas e de levar a madeira, daqui a uns dias. – Então também vamos partir? – perguntou a mãe. – Sim, daqui a uns dias. O pai ainda não procurara uma gleba; arranjaria uma mais para oeste. Laura não encontrou muitas coisas que valesse a pena ver para Mary. Os cavalos percorriam a estrada que atravessava a campina. Ao lado da estrada ficava sempre o aterro da ferrovia, de terra nua e solta. A norte, os campos e as casas eram como as de onde vinham, com a diferença de serem mais novas e menores. O frescor da manhã passou. Sentiam constantemente através da tábua onde estavam sentadas os pequenos solavancos do carroção parecia que o sol nunca subira tão devagar. Carrie suspirou. A sua carinha pontiaguda estava pálida. Mas Laura não podia fazer nada por ela. Laura e Carrie tinham de ir sentadas nas extremidades da tábua dura, onde se sentiam mais os solavancos, porque Mary tinha de ir no meio. Por fim, o sol ficou a pino e o pai parou os cavalos junto de um riacho. Lhes fez sentirem-se paradas. O riacho falava sozinho, os cavalos mastigavam a sua aveia na manjedoura, atrás do carroção, e a mãe estendeu uma toalha na relva quente e abriu a caixa do almoço. Havia pão com manteiga, bons ovos cozidos e um papel com sal e pimenta, para mergulharem os ovos à medida que os comiam. O meio-dia passou muito depressa. O pai levou os cavalos a beber no riacho, enquanto a mãe e Laura apanhavam as cascas dos ovos e os bocados de papel, para deixarem tudo limpo. O pai voltou a atrelar os cavalos e gritou: – Vamos! Laura e Carrie gostariam de ir um trecho a pé, mas não o disseram. Sabiam que Mary não conseguia acompanhar o carroção e elas não podiam deixá-la sozinha e cega. Ajudaram-na, por isso, a subir e sentaram-se na tábua, uma de cada lado. A tarde foi mais comprida do que a manhã. A certa altura, Laura disse: – Julgava que íamos para oeste. – E estamos indo para oeste, Laura – confirmou o pai, surpreendido. – Pensei que fosse diferente – explicou Laura. – Espera que passemos a região povoada e verá! – replicou o pai. A certa altura, Carrie suspirou: – Estou cansada. – mas endireitou-se logo e acrescentou: – não muito. – Carrie não queria queixar-se. Uma sacudidela não era nada. Elas quase não reparam os cinco quilômetros de sacudidelas quando iam de Riacho das Ameixeiras à cidade. Mas todas as sacudidelas do nascer do sol ao meio-dia, mais todas as sacudidelas do meio-dia ao pôr do sol eram estafantes. Escureceu, mas os cavalos continuaram a andar, e as rodas a girar e a tábua dura a absorver e a comunicar-lhes os solavancos do carroção. Nasceram as estrelas. O vento arrefeceu. Se não fosse a tábua sempre a saltar, teriam adormecido todas. Durante muito tempo ninguém falou. Depois o pai disse: – Lá está a luz da cabana. Muito ao longe, via-se um pequeno piscar de luz na terra escura. As estrelas eram maiores, mas a sua luz era fria, ao contrário da do pequeno piscar. – É uma centelhazinha amarela, Mary – disse Laura. – Brilha muito ao longe, na escuridão, e diz-nos que continuemos a avançar, que nos esperam lá uma casa e gente.
  • 16. 13 – E jantar – disse Mary. – a Tia Dócia conserva o jantar quente para nós. A luz foi-se tornando maior, mas muito devagarzinho. Depois começou a brilhar firmemente e redonda. Passado muito tempo, viu-se que formava ângulos retos. – Agora vê-se que é uma janela – disse Laura a Mary. – É uma casa comprida e baixa. Na escuridão há duas outras casas compridas e baixas. É tudo quanto consigo ver. – É tudo quanto resta do acampamento – disse o pai, e depois gritou aos cavalos: – Aí-ô! Os cavalos pararam imediatamente, sem darem outro passo sequer. E os solavancos e as sacudidelas pararam também. Parou tudo; só se via o escuro parado e frio. Depois saiu luz de uma porta e a Tia Dócia disse: – Entrem, Carolina e meninas! E você, rápido com os cavalos, Charles. O jantar está à espera! A escuridão gelada infiltrara-se nos ossos de Laura. Mary e Carrie também andavam todas hirtas, tropeçando e bocejando. Na sala comprida, o candeeiro iluminava uma longa mesa, bancos e paredes de tábuas não lixadas. Estava quente, ali dentro, e cheirava ao jantar que esperava no forno. A Tia Dócia perguntou: – Então, Lena e Johnny, não dizem nada às primas? – Como estão? – cumprimentou Lena, e Laura, Mary e Carrie perguntaram o mesmo. Johnny era um rapazinho de onze anos, mas Lena tinha um ano a mais do que Laura. Os seus olhos eram pretos e vivos e o seu cabelo era o mais preto possível e naturalmente ondulado. As madeixas curtas encaracolavam-se à volta da testa, o alto da cabeça era ondulado e as pontas das tranças também eram formadas por caracóis. Laura gostou dela. – Você gosta de andar a cavalo? – perguntou Lena a Laura. – Temos dois pôneis pretos e andamos neles. Eu também os sei conduzir. O Johnny não sabe, ainda é muito pequeno. O pai não o deixa sair com o buggy. Mas a mim deixa e amanhã vou buscar a roupa lavada. Se quiser, pode ir comigo. Quer? – Quero! Se a mãe me deixar. Tinha tanto sono que nem lhe perguntou para que era preciso ir buscar a roupa de buggy; até lhe custou se manter acordada para jantar. O tio Hi era gordo e bonacheirão. A Tia Dócia falava muito depressa. O tio Hi tentava acalmá-la, mas as suas tentativas só serviam para que ela falasse ainda mais depressa. Estava zangada porque ele trabalhara duramente todo o verão e não recebera nada, como recompensa. – Trabalhou como um burro de carga todo o verão! – afirmava ela. – Até conduziu as suas próprias parelhas no aterro e passamos o tempo todo a poupar e a economizar, para termos alguma coisa quando o trabalho acabasse, e agora que chegou ao fim a companhia diz que lhe devemos dinheiro! Estamos em dívida com ela pelo nosso trabalho duro de todo o verão! E, ainda por cima, querem que aceitemos outro contrato, e o Hi vai aceitar! É isso que ele vai fazer: aceitar! O tio Hi tentou de novo acalmá-la e Laura tentou manter-se acordada. Os rostos tornavam-se vagos e a voz distante, até que, num sobressalto, o pescoço a fazia levantar a cabeça. Quando o jantar acabou, levantou-se, mal segura nas pernas, para ajudar a lavar a louça, mas a Tia Dócia disse a ela e a Lena que fossem deitar-se. Nas camas da Tia Dócia não havia espaço para Laura e Lena nem para Johnny. Ele ia ficar no barracão com os homens e Lena disse: – Anda, Laura! Vamos dormir na tenda do escritório! Lá fora era tudo muito grande, escuro e frio. O barracão estendia-se, baixo e escuro, debaixo do céu vasto, e a pequena tenda do escritório parecia fantasmagórica, à luz das estrelas. E muito longe da cabana iluminada. A tenda estava vazia. Só havia relva, no chão, e paredes de lona que subiam, inclinadas, até se juntarem em cima, em bico. Laura sentiu-se perdida e solitária. Não se importaria de dormir no carroção, mas não gostava de dormir no chão num lugar desconhecido, e que o pai e a mãe estivessem ali. Lena achava muito divertido dormir na tenda. Deixou-se logo cair num cobertor aberto no chão. – Não nos despimos? – perguntou Laura, sonolenta. – Para quê? Só para termos de nos vestir outra vez de manhã? Alem disso, não temos com que nos cobrir. Por isso, Laura deitou-se no cobertor e não tardou a adormecer profundamente. De súbito, acordou muito assustada. Da imensa escuridão da noite erguia-se uma espécie de uivo selvagem e agudo. Não era um índio. Também não era um lobo. Laura não sabia o que era. O seu coração parou de bater. – Ora, não nos assusta! – gritou Lena, e depois explicou a Laura: – É o Johnny, tentando nos assustar. Johnny gritou de novo, mas Lena volveu: – Vai embora, rapazinho! Não fui criada na floresta para me deixar assustar por uma coruja! Johnny voltou a gritar, mas Laura tornou-se menos tensa e o sono voltou.
  • 17. 14 6. Os pôneis pretos O SOL que entrava pela lona bateu na cara de Laura e acordou-a. Abriu os olhos ao mesmo tempo que Lena abria os seus, olharam uma para a outra e riram-se. – Vamos, temos de ir buscar a roupa lavada! – disse Lena, enquanto se levantava de um pulo. Como não se despiram, não precisaram de se vestir. Dobraram o cobertor e a arrumação do quarto ficou pronta. Saltaram para o exterior, para a manhã clara e alegre. As cabanas eram pequenas, sob o céu cheio de sol. A leste e a oeste corriam o aterro da estrada de ferro e a estrada; para norte, a relva agitava plumas de sementes acastanhadas. Homens derrubavam uma das cabanas, com um ruído alegre de tábuas caindo. Na relva ondulada pelo vento pastavam os dois pôneis pretos, de crina e cauda pretas ao vento. – Primeiro temos de tomar o café da manhã – disse Lena. – Anda, Laura! Depressa! Todos estava à mesa – menos a Tia Dócia – que fritava panquecas. – Lavem-se e penteiem-se, dorminhocas! O desjejum está na mesa, mas não é graças a você, menina preguiçosa. Rindo, Tia Dócia deu uma palmada em Lena, quando esta passou. Naquela manhã estava tão bem- humorada quanto o tio Hi. O café da manhã foi agradável. A grande gargalhada do pai vibrou como música. Mas depois, que montanhas de pratos para lavar! Lena disse que aqueles pratos não eram nada comparados com o que tinham sido: pratos de 46 homens três vezes por dia e, nos intervalos, cozinhar. Ela e a Tia Dócia não paravam do nascer do sol até alta noite, e mesmo assim não conseguiam deixar o trabalho em dia. Fora por isso que a Tia Dócia mandara lavar a roupa fora. Era a primeira vez que Laura ouvia falar em semelhante coisa. A mulher de um colono lavava a roupa da Tia Dócia, mas como morava a cinco quilômetros de distância representava uma viagem de dez quilômetros, ida e volta. Laura ajudou Lena a levar os arreios para o buggy e a ir tirar os pacatos pôneis das cordas. Ajudou a pôr-lhes os arreios, o freio na boca, e a coelheira no pescoço quente e preto, e a passar-lhes o rabicho por baixo da cauda. Depois, as duas, empurraram-nos para trás, com o varal do buggy no meio, e prenderam os tirantes de couro rígido aos balancins. Subiram para o buggy e Lena pegou nas rédeas. O pai nunca deixara Laura conduzir os seus cavalos. Dizia que ela não era suficientemente forte para contê-los, se eles se espantassem. Assim que Lena pegou nas rédeas, os pôneis pretos começaram a trotar alegremente. As rodas do buggy giravam, velozes, e soprava um vento fresco. Adejavam e cantavam pássaros por cima da relva agitada pelo vento. Os pôneis iam cada vez mais depressa, e mais velozes as rodas. Laura e Lena riam de contentamento. Os pôneis trotadores tocavam com o focinho um no outro, soltavam um pequeno relincho e lá iam. O buggy ia tão depressa que Laura tinha a impressão de que o banco ia saltar de baixo dela. A sua touca voava, atrás, presa ao pescoço pelas fitas tensas, ela agarrava-se à borda do banco. Os pôneis esticavam-se todos, a correr quanto podiam. – Dispararam! – gritou Laura. – Deixe-os correr! – gritou Lena, a bater-lhes com as rédeas. – não podem se chocar com coisa nenhuma, a não ser com o mato – e gritou aos animais. As compridas crinas e caudas pretas ondulavam ao vento, os cascos martelavam o chão e o buggy ia de vento em popa. Passava tudo tão depressa que não se via nada. Lena começou a cantar: Conheço um bonito moço amável, Toma cuidado, oh, toma cuidado! Capaz de ser muito prestável. Toma cuidado, oh, toma cuidado! Laura nunca ouvira a cantiga, mas em breve cantava o estribilho com todas as forças. Cuidado, linda pequena, ele anda de má-fé! Toma cuidado, oh, toma cuidado! Não confies, pois verás, sincero não é. Toma cuidado, oh, toma cuidado! – ih-iipi! Iipi! – gritavam, mas os pôneis não podiam ir mais depressa do que já iam.
  • 18. 15 Com um lavrador não casaria, pois anda na terra sempre a mexer. Casar com um ferroviário preferiria, de camisa às riscas, como deve ser! Oh, um ferroviário, um ferroviário, um ferroviário para mim, já sei! Vou casar com um ferroviário. De um ferroviário noiva serei! – Acho que é melhor deixá-los tomar fôlego – disse Lena, e puxou as rédeas até os pôneis passarem do galope ao trote e depois ao passo. Pareceu tudo sereno e lento. – Quem me dera saber conduzir! – disse Laura. – Sempre desejei, mas o meu pai não deixa. – Você pode conduzir um pouco – ofereceu Lena, generosamente. Nesse exato momento, os pôneis tocaram de novo os focinhos um no outro, relincharam e partiram outra vez disparados. – Você conduz na volta para casa – prometeu Lena. Cantando e gritando, foram galopando através da campina. Todas as vezes que Lena puxava as rédeas para os pôneis tomarem fôlego, eles abrandavam um pouco e depois se lançavam outra vez a toda à velocidade. Assim, chegaram num instante à cabana do colono, no lote por ele reservado. Era uma casinha pequena, de tábuas na horizontal e com o telhado inclinado só de um lado, de modo que parecia apenas metade de uma casinha. Era menor que as medas de trigo que alguns homens estavam debulhando mais adiante, com uma debulhadora ruidosa. A mulher do colono dirigiu-se para o buggy carregada com o cesto da roupa. A sua cara,os seus braços e os seus pés descalços estavam queimados, da cor de couro, do sol. Estava despenteada e usava um vestido desalinhado e pouco limpo. – Desculpem o meu aspecto. A minha filha casou-se ontem, os debulhadores vieram esta manhã e eu com esta roupa para lavar. Não paro desde antes do nascer do sol, ainda mal comecei o trabalho do dia e já não tenho a minha pequena para me ajudar. – O quê, a Lizzie se casou? – perguntou Lena. – Sim, casou-se ontem – respondeu a mãe de Lizzie, toda orgulhosa. – O pai dela disse que com treze anos era muito nova, mas ela arranjou um bom homem e eu respondi-lhe que era melhor arrumar-se cedo. Eu também casei nova. Laura e Lena entreolharam-se. No regresso, não disseram nada durante algum tempo. Depois falaram simultaneamente: – Ela era apenas um pouco mais velha do que eu – disse Laura. – Eu sou um ano mais velha do que ela – disse Lena. Entreolharam-se de novo, com uma expressão quase assustada. Depois Lena sacudiu a cabeça morena e encaracolada e declarou: – Foi uma idiota! Agora nunca mais poderá se divertir. Laura concordou, muito séria: – Pois não, agora já não pode brincar. Até os pôneis trotavam gravemente. Passado um bocado, Lena disse que, de qualquer modo, Lizzie não devia ter de trabalhar mais do que trabalhava antes. – Pelo menos agora fará o seu próprio trabalho, na sua própria casa, e terá crianças. – Bem – observou Laura -, eu gostaria de ter a minha própria casa, gosto de crinaças e não me importaria de trabalhar, mas não quero tanta responsabilidade. Prefiro que a responsabilidade seja da minha mãe, durante ainda muito tempo. – Além disso – declarou Lena -, eu não me quero arrumar. Nem sequer casarei, nunca, ou então será com um ferroviário e passarei a vida toda a viajar mais para o Oeste. – Posso conduzir agora? – perguntou Laura, que queria esquecer os problemas de ser crescida. Lena deu-lhe as rédeas e explicou: – Tem apenas que segurá-las. Os pôneis sabem o caminho. Nesse momento, os pôneis tocaram com o focinho um no outro e relincharam. – Agarre bem, Laura! Agarre bem! – gritou Lena, esganiçadamente. Laura apoiou bem os pés e agarrou as rédeas com toda a sua força. Sentia que os pôneis não faziam aquilo por mal. Galopavam porque lhes apetecia galopar ao vento; e fariam o que lhes apetecia e mais nada. Laura segurou bem as rédeas e gritou: – ih! Ih! Iipi! Tanto ela como Lena se esqueceram do cesto da roupa. Foram todo o caminho de regresso gritando e cantanado pela campina afora, enquanto os pôneis galopavam, trotavam e galopavam de novo. Quando pararam junto das cabanas a fim de desatrelarem os animais e de os prenderem às cordas, repararam que as camadas superiores da roupa lavada estavam no chão do buggy, debaixo dos bancos. Com ar culpado,
  • 19. 16 apanharam-na e endireitaram-na e levaram o cesto pesado para a cabana, onde a Tia Dócia e a mãe estavam a pôr o almoço nos pratos. – Vêm com um ar de quem não quebra um prato – observou a Tia Dócia. – Que andaram a fazer, hein? – Nada, só fomos buscar a roupa no buggy. A tarde foi ainda mais emocionante do que a manhã. Assim que a louça foi lavada, Lena e Laura voltaram a correr para junto dos pôneis. Johnny montara um deles e atravessava velozmente a campina. – Não é justo! – gritou Lena. O outro pônei galopava num círculo, preso pela corda. Lena agarrou-lhe na crina, soltou a corda e saltou do chão para a garupa do animal. Laura ficou a ver Lena e Johnny correrem em círculos e gritarem como índios. Cavalgavam estendidos, com o cabelo ao vento, e as mãos bem presas à crina esvoaçante dos animais e as pernas queimadas de sol a apertarem os flancos dos cavalos. Os pôneis curvavam e desviavam-se, a galopar um atrás do outro na campina como pássaros a voar no céu. Laura nunca se teria cansado de observá-los. Os pôneis regressaram a galope, pararam perto dela e Lena e Johnny saltaram para o chão. – Anda, Laura – disse Lena, generosamente. – Pode montar o pônei do Johnny. – Quem disse? – perguntou o rapaz. – Deixe-a montar o teu! – É melhor você se portar bem, se não quiser que eu conte que tentou nos assustar a noite passada – aconselhou-lhe a irmã. Laura agarrou a crina do pônei, mas o animal era muito maior do que ela, era forte e tinha a garupa alta. – Não sei se sou capaz – disse. – Nunca andei a cavalo. – Eu te ajudo a subir – prontificou-se Lena, e, com uma das mãos, agarrou-se ao topete do pônei, ao mesmo tempo em que se baixava e estendia a outra mão para servir de apoio a Laura. O pônei de Johnny parecia maior de minuto a minuto. Era suficientemente grande e forte para matar Laura, se quisesse, e tão alto que ela quebraria os ossos se caísse dele. Tinha tanto medo de montá-lo que não podia deixar de tentar. Apoiou o pé na mão de Lena, subiu pela massa quente e escorregadia do animal, enquanto Lena empurrava-a para cima, e depois passou uma perna por cima da garupa do pônei e começou tudo a mover- se rapidamente. Ouviu Lena dizer, vagamente: – Agarre-se à crina! Estava agarrada à crina do pônei, estava agarrada com toda a força a grandes punhados de crina. Ao mesmo tempo, os seus cotovelos e os seus joelhos fincavam-se no pônei, o que não a impedia de saltar de tal maneira que não conseguia pensar. O chão estava tão lá em baixo que nem se atrevia a olhar. Tinha a todos os instantes a impressão de que estava a cair, mas antes de cair realmente parecia-lhe que ia cair do outro lado e os solavancos faziam-lhe entrechocar os dentes. Muito ao longe, ouvia Lena gritar: – Agarre-se, Laura! Depois tudo se acalmou no mais suave dos movimentos ondulantes, num movimento que se transmitia do pônei a Laura e os mantinha como que a navegar sobre ondas de ar fustigante. Os olhos fechados de Laura abriram-se e ela viu, debaixo de si, a relva que o vento puxava para trás. Viu a crina preta ondulante do animal e as suas mãos ferradas nela. Iam demasiado depressa, ela e o pônei, mas iam como música e nada lhe poderia acontecer enquanto a música não parasse. O pônei de Lena apareceu ao lado dela. Laura quis perguntar como se parava em segurança, mas não conseguiu falar. Viu as cabanas, muito ao longe, e compreendeu que, não sabia como, os animais se tinham voltado na direção do acampamento. Depois os solavancos recomeçaram. Pararam de repente, com ela sentada na garupa do pônei. – Eu não te disse que era divertido? – perguntou-lhe Lena. – Porque dá tantos solavancos? – É o trote. Não é trotar que te interessa,o que te interessa é fazer o teu pônei galopar. Basta gritar-lhe, como eu gritei. Anda, vamos andar muito tempo, desta vez, queres? – Quero – respondeu Laura. – Bem, agarre-se. Agora grita! Foi uma tarde maravilhosa. Laura caiu duas vezes e de outra a cabeça do pônei bateu-lhe no nariz e fê- lo sangrar, mas ela nunca largou a crina. As suas tranças desfizeram-se, enrouqueceu de tanto rir e gritar e ficou com as pernas arranhadas de correr através da relva áspera, tentando saltar para a garupa enquanto o pônei corria. Quase o conseguia, mas não totalmente, e isso enfurecia o animal. Lena e Johnny punham sempre os pôneis a correr e só
  • 20. 17 depois saltavam. Apostavam corridas, para ver qual dos dois conseguia montar mais depressa e chegar a certo local. Não ouviram a Tia Dócia chamá-los para jantar. O pai veio à porta e gritou: – Jantar! Quando entraram em casa, a mãe olhou para Laura, cheia de espanto, e disse: – Francamente, Dócia, não me lembro de a Laura se parecer tanto com um índio selvagem! – Ela e a Lena formam um grande par – redarguiu a Tia Dócia. – E enfim, a Lena não tinha uma tarde livre, para fazer o que quisesse, desde que viemos para aqui, e não terá outra antes de acabar o verão.
  • 21. 18 7. Começa o Oeste NO DIA SEGUINTE, de manhã muito cedo, estavam de novo todos no carroção. Este não fora descarregado e, por isso, estava tudo pronto para partirem. Não ficou nada no acampamento além da cabana da Tia Dócia. Na relva amassada e nos lugares de terra à vista, onde existiram cabanas,agrimensores cravavam estacas e faziam medições, para a construção de uma nova cidade. – Partiremos assim que o Hi resolver os seus assuntos – disse a Tia Dócia. – Voltaremos a nos ver na Lagoa Prateada! – gritou Lena a Laura, enquanto o pai gritava aos cavalos para partirem e as rodas começavam a girar. O sol batia forte no carroção descoberto, mas o vento estava frio e era agradável viajar daquele modo. Aqui e ali, homens trabalhavam nos seus campos e de vez em quando passava um carroção puxado por uma parelha. Pouco depois, a estrada se curvou para baixo, através de terra ondulada, e o pai disse: – Em frente fica o grande Rio Sioux. Laura começou a “ver em voz alta” para Mary: – A estrada desce por um aterro baixo para o rio, mas não há árvores. Só se vê o céu enorme, terra coberta de relva e um riachinho baixo. Às vezes é um rio grande, mas agora está tão seco que não é maior do que Riacho das Ameixeiras. Corre num fio de lagoa em lagoa, através de extensões de saibro seco e planícies lodosas secas e gretadas. Os cavalos vão parar para beber. – Bebam o mais que puderem.– disse o pai aos cavalos – Não haverá mais água numa distância de uns cinquenta quilômetros para lá do rio. A terra relvosa era constituída por curva baixa atrás de curva baixa e a estrada parecia um promontório curto. – A estrada empurra a terra relvosa e acaba a pouca distância. Termina – disse Laura. – Não pode ser. – discordou Mary. – A estrada prolonga-se até à Lagoa Prateada. – Bem sei – concordou Laura. – Então acho que não devia dizer coisas assim. – observou Mary, brandamente. – Devemos ter sempre o cuidado de dizer exatamente o que pretendemos. – Eu estava dizendo o que pretendia dizer. – protestou Laura, embora não fosse capaz de se explicar; havia tantas maneiras de ver as coisas e tantas maneiras de dizê-las! Para lá do Grande Sioux não voltaram a ver mais campos, nem casas, nem pessoas. Na realidade, não havia nenhuma estrada, mas sim, apenas, uma vaga trilha aberta pelos carroções. E também não havia aterro ferroviário. Aqui e ali, Laura vislumbrava uma pequena estaca de madeira, quase oculta pela relva. O pai disse que eram estacas colocadas pelos agrimensores, para o aterro ferroviário que ainda não fora iniciado. – Esta campina é como um enorme prado – disse Laura a Mary – estende-se numa grande distância em todas as direções, mesmo até à beira do mundo. As ondas infindáveis de relva florida, sob o céu sem nuvens, causavam lhe uma estranha sensação,que não sabia explicar. Todos que iam no carroção, o próprio carroção e a parelha, e até o pai, pareciam pequenos. O pai guiou toda a manhã ao longo da trilha quase invisível sem que nada mudasse. Quanto mais penetravam no Oeste, menores pareciam e menos impressão tinham de estarem se dirigindo para qualquer lado. O vento imprimia sempre a mesma ondulação interminável à relva e os cascos dos cavalos e as rodas faziam sempre o mesmo som ao passarem por cima da relva. As sacudidelas da tábua que servia de banco também eram sempre as mesmas. Laura pensou que podiam continuar assim eternamente, sem nunca saírem daquele lugar imutável, que nem sequer saberia da sua presença. Só o sol se movia. Sem parecer, o sol subia firmemente no céu. Quando estava a pino, pararam para dar de comer aos cavalos e comerem também um almoço de piquenique na grama limpa. Era bom descansar no chão depois de viajarem toda a manhã no carroção. Laura pensou nas muitas vezes que comeram debaixo do céu, durante a longa viagem do Wisconsin para o Território Índio e depois de novo para trás, para o Minnesota. Agora estavam no território do Dakota e viajavam mais para oeste. Mas esta vez era diferente de todas as outras, não só porque o carroção não tinha cobertura nem camas, mas também por qualquer outra razão. Laura não saberia dizer como, mas aquela campina era diversa. – Pa, quando encontrar o lote para nos instalarmos será como o que tivemos no território índio? – perguntou ao pai.
  • 22. 19 Ele pensou, antes de responder: – Não. Esta região é diferente. Não te sei dizer exatamente em quê, mas esta campina é diferente. Causa uma sensação diferente. – Eu a acho muito semelhante, – disse a mãe, sensatamente. – estamos a oeste do Minnesota e a norte do Território Índio e, por isso, naturalmente, as ervas e as flores não são as mesmas. Mas não era a isso que o pai e Laura se referiam. Na realidade, não existia quase diferença nenhuma nas flores e nas plantas. No entanto, ali havia mais qualquer coisa que não existia em nenhum outro lugar. Era um silêncio enorme, que os fazia sentirem-se silenciosos. E quando estavam silenciosos sentiam o grande silêncio aproximar-se mais. Todos os pequenos ruídos das ervas agitadas pelo vento e dos cavalos a mastigar, atrás do carroção, e até os ruídos de todos eles a comer e a falar, não conseguiam perturbar o enorme silêncio daquela campina. O pai falou do seu novo trabalho. Seria o gerente do armazém e o apontador da companhia no acampamento da Lagoa Prateada. Dirigiria o armazém e escrituraria nos livros a conta de cada homem do acampamento, e saberia ao certo quanto dinheiro era devido a cada um deles pelo seu trabalho, depois de subtraídas as despesas de alojamento e a conta no armazém. E quando o tesoureiro levasse o dinheiro, nos dias de pagamento, o pai pagaria a cada um dos homens. Seria tudo quanto teria a fazer e por esse trabalho receberia cinquenta dólares todos os meses. – E o melhor de tudo, Carolina, será que nos contaremos entre os primeiros a virem para aqui! – acrescentou o pai. – Poderemos escolher à vontade o nosso lote de terra. Felizmente a nossa sorte mudou, enfim! Oportunidade de primeira escolha numa terra nova e, ainda por cima, cinquenta dólares por mês durante todo o verão! – É maravilhoso, Charles – concordou a mãe. Mas toda a conversa deles não significava nada perante o enorme silêncio daquela campina. Continuaram a viajar durante toda a tarde, quilômetro atrás de quilômetro, sem nunca verem uma casa ou qualquer sinal de gente, sem verem mais do que relva e céu. A trilha que seguiam estava assinalada apenas por relva dobrada e partida. Laura viu antigos caminhos índios e trilhas de búfalos, abertos bem fundo no solo e agora cobertos de relva. viu estranhas depressões, grandes, de lados retos e fundo plano, que foram charcos de chafurdo de búfalos e onde agora também crescia a relva. Laura nunca tinha visto um búfalo e o pai disse ser improvável que viesse a ver algum. Não havia ainda muito tempo, pastaram naquela região imensas manadas de milhares de búfalos. Eram o gado dos índios e os brancos tinham abatido todos. De todos os lados, a campina estendia-se, deserta, para o horizonte distante e límpido. O vento nunca parava de soprar e de tornar onduladas as ervas da campina, que o sol acastanhara. Durante toda a tarde, enquanto conduzia, o pai foi cantando ou assobiando. A cantiga que mais vezes cantou foi: Oh, venham para esta terra e não tenham medo nenhum, Que o tio Sam é tão rico que dará uma fazenda a cada um! Até Grace se juntava ao coro, embora não se importasse em nada com a melodia: Oh, venham-se embora, venham-se embora! Sou eu que lhes digo, venham-se embora! Oh, venham-se embora, venham-se embora! Venham-se já, já embora! Venham para esta terra E não tenham medo nenhum. Que o nosso tio Sam é tão rico Que dará uma fazenda a cada um! O sol baixava a ocidente, quando apareceu um cavaleiro na campina, atrás do carroção. Seguiu-os não muito depressa, mas a aproximar-se mais, quilômetro após quilômetro, enquanto o sol descia lentamente. – A que distância estamos da Lagoa Prateada, Charles? – perguntou a mãe. – Cerca de quinze quilômetros – respondeu o pai. – Não vive ninguém mais perto? – Não, Carolina. A mãe não disse mais nada. Nem ninguém disse mais nada. Olhavam constantemente para trás, para o cavaleiro que os seguia, e todas as vezes que olhavam ele estava um pouco mais perto. Seguia-os, com
  • 23. 20 certeza, e não tencionava alcançá-los enquanto o sol se não pusesse. O sol já descera tanto que cada curva baixa, entre as ondas da campina, estava cheia de sombras. A cada vez que o pai olhava para trás, a sua mão fazia um pequeno movimento e batia nos cavalos com as rédeas, para apressá-los. Mas nenhuma parelha poderia puxar um carroção carregado tão depressa quanto um homem podia cavalgar. O homem já se encontrava tão perto que Laura lhe podia ver duas pistolas em coldres de couro, nos quadris. Tinha o chapéu puxado para os olhos e um lenço encarnado frouxamente atado ao pescoço. O pai trouxera a espingarda para o oeste, mas não a levava no carroção. Laura sentiu curiosidade em saber onde estaria, mas não perguntou ao pai. Olhou outra vez para trás e viu outro cavaleiro aproximar-se, montado num cavalo branco e de camisa encarnada. Ele e o cavalo branco ainda estavam muito longe e pareciam muito pequenos, mas vinham depressa, a galope. Alcançou o primeiro cavaleiro e avançaram os dois juntos. A mãe disse, em voz baixa: – Agora são dois, Charles. – O que é? – perguntou Mary, assustada. – Que está acontecendo, Laura? O pai olhou rapidamente para trás e depois pareceu tranquilo. – Agora já está tudo bem. – afirmou. – Aquele é o Big Jerry. – Quem é o Big Jerry? – perguntou a mãe. – É um mestiço, francês e índio, – respondeu o pai, despreocupadamente. – jogador e, segundo alguns, ladrão de cavalos, mas um tipo excelente. Big Jerry não deixará ninguém nos assaltar. A mãe olhou-o, estupefata. Abriu a boca para falar, mas depois fechou-a e não disse nada. Os cavaleiros alcançaram o carroção e o pai levantou a mão e saudou: – Olá, Jerry! – Olá, Ingalls! – respondeu Big Jerry. O outro homem envolveu todos num olhar furioso e continuou a galopar, mas Big Jerry ficou ao lado do carroção. Parecia índio. Era alto e forte, mas sem ponta de gordura, e tinha o seu rosto magro acastanhado. A sua camisa era de um vermelho flamejante e o cabelo preto e escorrido caía-lhe nos zigomas salientes, enquanto cavalgava, pois não usava chapéu. E o seu cavalo, branco como a neve, não tinha sela nem rédeas. O cavalo era livre, podia ir para onde quisesse, e queria ir com Big Jerry aonde quer que este desejasse. O cavalo e o homem movimentavam-se como se fossem um só. Permaneceram ao lado do carroção apenas um momento. Depois afastaram-se num belo e suave galope para um pequeno vale, do qual emergiram de novo como se fossem direitos ao ofuscante sol redondo, no horizonte longínquo. A flamejante camisa vermelha e o cavalo branco desapareceram na forte luz dourada. Laura respirou fundo. – Oh, Mary! – exclamou. – O cavalo branco como a neve e o homem alto e moreno, com um cabelo tão preto e uma camisa tão vermelha! A campina castanha a toda a volta e eles cavalgando para o sol mesmo quando ele se afundava no ocaso! Cavalgarão no sol, à volta do mundo! Mary pensou um momento, antes de dizer: – Laura, sabe que ele não poderia cavalgar para o sol. Cavalga no chão, como toda a gente. Mas Laura não achou que tivesse mentido. O que dissera era verdade. Não sabia por que, mas aquele momento em que o belo cavalo livre e o homem selvagem mergulharam no sol duraria eternamente. A mãe receava que o outro homem estivesse emboscado, para roubá-los, mas o pai tranquilizou-a: – Não se preocupe! O Big Jerry foi à frente para encontrá-lo e ficar com ele até chegarmos ao acampamento. O Jerry se encarregará de evitar que alguém nos moleste. A mãe olhou para trás para ver se as filhas estavam bem e aconchegou Grace no colo. Não disse nada, porque nada do que pudesse dizer faria alguma diferença. Mas Laura sabia que a mãe nunca quisera sair de Riacho das Ameixeiras e não gostava de se encontrar ali, onde estavam. Não gostava de viajar naquela região erma com a noite se aproximando e homens como os que passaram a cavalgar na campina. Do céu que esmorrecia vinham chamados selvagens de aves. Eram cada vez em maior número as linhas escuras que riscavam o ar azul claro, por cima deles – formações perfeitas de patos selvagens e compridas cunhas de gansos selvagens. Os que voavam na frente chamavam os bandos que os seguiam e cada ave respondia por seu turno. Todo o céu vibrava. “Honk? Honk! Honk!” “Quank? Quank! Quank!” – Estão voando baixo, – disse o pai. – preparam-se para pousar e passar a noite nos lagos. Havia lagos, em frente. Uma fina linha prateada, junto à linha do céu era a Lagoa Prateada e as cintilações que se viam a sul dele eram os Lagos Gêmeos, Henry e Thompson. Um pontinho escuro, entre eles, era a Árvore Solitária. O pai disse que era um grande choupo-do-canadá, a única árvore existente
  • 24. 21 entre o grande Rio Sioux e o Rio Jim. Erguia-se numa pequena elevação de terreno que não era larga do que uma estrada, entre os Lagos Gêmeos, e tornara-se grande porque as suas raízes chegavam à água. – Arranjaremos algumas sementes dela para pôr na nossa terra. – disse o pai. – O Lago Spirit não se vê daqui; fica quinze quilômetros a noroeste da Lagoa Prateada. Percebe como essa região é boa para a caça, Carolina? Abundância de água e bom solo para alimentar aves selvagens. – Sim, Charles, estou vendo – respondeu a mãe. O sol se pôs. Transformado numa bola de luz líquida e latejante, desapareceu em nuvens escarlates e prateadas. Ergueram-se no oriente frias sombras purpúreas que alastraram lentamente através da campina e depois se transformaram em alturas e alturas de trevas, das quais as estrelas pendiam, baixas e brilhantes. O vento, que durante todo o dia soprara com força, amainou com o desaparecer do sol e passou a murmurar entre a vegetação alta. A terra parecia estar deitada, a respirar suavemente, sob a noite estival. O pai continuou a conduzir debaixo das estrelas. Os cascos dos cavalos batiam suavemente no solo relvoso. Muito, muito ao longe algumas luzinhas minúsculas furavam a escuridão. Eram as luzes do acampamento da Lagoa Prateada. – Não preciso ver a trilha nos próximos treze quilômetros – disse o pai à mãe. – basta um homem conduzir sempre na direção das luzes. Entre nós e o acampamento não há nada, a não ser campina plana e ar. Laura estava cansada e sentia frio. As luzes estavam muito longe. No fim de contas, até podiam ser estrelas. A noite toda era uma cintilação de estrelas. Por cima deles, baixas e por todos os lados, cintilavam grandes estrelas que pareciam fazer desenhos no escuro. A relva alta roçava contra as rodas em movimento, roçava, roçava sem parar contra as rodas que também não paravam. De súbito, Laura abriu os olhos, sobressaltada. Viu uma porta aberta, da qual jorrava luz. Na ofuscação da luz do candeeiro, o Tio Henrique aproximava-se a rir. Aquela devia ser, portanto, a casa do Tio Henrique na floresta grande, onde Laura fora quando era pequena, pois era lá que o Tio Henrique morava. – Henrique! – exclamou a mãe. – É uma surpresa, Carolina. – disse o pai, todo contente. – Achei melhor não te dizer que o Henrique estava aqui. – Palavra, a surpresa foi tão grande que me tirou a respiração! – exclamou a mãe. Depois um homem forte riu-se... E era o primo Charley! Tratava-se do rapaz que atormentara o Tio Henrique e o pai no campo de aveia e fora picado por milhares de vespas. – Olá, Meia Canequinha! Olá, Mary! E esta é a bebê Carrie, agora uma menina crescida! Deixou de ser a neném, hein? – o primo Charley ajudou-as a descer do carroção, enquanto o Tio Henrique pegava em Grace e o pai ajudava a mãe a descer pela roda; depois apareceu a prima Luísa, toda azafamada, a falar e a convidá-los todos a entrar. A prima Luísa e Charley já eram ambos adultos. Tomavam conta do refeitório e cozinhavam para os homens que trabalhavam no nivelamento. Mas os homens tinham jantado havia muito tempo e estavam todos dormindo no barracão-dormitório. A prima Luísa falou de tudo isso enquanto servia o jantar que mantivera quente no fogão. Depois do jantar, o Tio Henrique acendeu uma lanterna e levou-os à cabana que os homens tinham construído para o pai. – É toda de madeira nova, Carolina, fresca e limpinha – disse o Tio Henrique, a levantar a lanterna para que pudessem ver as paredes de madeira nova e os beliches feitos encostados a elas. De um lado, havia um beliche para o pai e para a mãe e do outro dois beliches estreitos, um por cima do outro, para Mary, Laura, Carrie e Grace. As camas já estavam feitas nos beliches; a prima Luísa encarregara-se disso. Num abrir e fechar de olhos, Laura e Mary ficaram aconchegadas no colchão de palha nova e ruidosa, com o lençol e as mantas puxados para o nariz, e o pai apagou a lanterna.
  • 25. 22 8. Lagoa Prateada. O SOL ainda não nascera, na manhã seguinte, quando Laura meteu o balde no poço pouco fundo, junto da Lagoa Prateada. Para lá da margem oriental do lago, o céu pálido parecia debruado de faixas carmesim e ouro. O brilho dessas faixas estendia-se à volta da margem sul e brilhava na margem alta, que se erguia da água dos lados leste e norte. No noroeste ainda persistiam sombras da noite, mas a Lagoa Prateada estendia-se como um lençol de prata na sua moldura de vegetação alta e bravia. Ouviam-se patos entre a relva densa do lado sudoeste, onde começava o Grande Pântano. Gaivotas voavam, aos gritos, sobre o lago, a bater as asas contra o vento do alvorecer. Um ganso selvagem ergueu- se da água, com um grito vibrante, e uma após outra as aves do seu bando responderam-lhe, levantaram voo e seguiram-no, o grande triângulo de gansos selvagens ergueu-se, com um enorme molho de asas fortes a bater, na majestade do nascer do sol. Faixas de luz dourada subiam cada vez mais alto no céu oriental, em que a sua luminosidade tocou na água e se refletiu nela. Depois a bola dourada do sol surgiu por cima do horizonte oriental do mundo. Laura respirou fundo, demoradamente. Depois encheu o balde, apressada, e levou-o correndo para a cabana. A nova cabana erguia-se isolada junto da margem do lago, a sul do aglomerado de cabanas que constituíam o acampamento dos niveladores. Brilhava, amarela, ao sol, era uma casinha quase perdida no meio da relva, e o seu pequeno telhado descia só para um lado, como se fosse só meio telhado. – Estávamos esperando a água, Laura – disse a mãe, quando chegou. – Oh, Ma, o nascer do sol! Só queria que visse! – exclamou Laura. – Tive de ficar vendo-o. Começou apressadamente a ajudar a mãe a preparar o café da manhã e, enquanto trabalhava, foi dizendo como o sol subia do outro lado da Lagoa Prateada e inundava o céu de cores maravilhosas, enquanto os bandos de gansos selvagens voavam recortados nelas, milhares de patos selvagens quase cobriam a água e gaivotas voavam, a gritar, contra o vento, por cima do lago. – Eu ouvi. – disse Mary. – Era tal clamor de aves que parecia um manicômio. E agora estou vendo tudo. Você faz quadros quando fala, Laura. A mãe sorriu a Laura, mas disse simplesmente: – Bem, filhas, temos um dia atarefado à nossa frente – e destinou-lhes o trabalho. Tinham que desembalar tudo e arrumar a cabana antes do meio-dia. Os colchões da prima Luísa tinham de ser arejados e devolvidos e os da mãe cheios de palha seca e nova. Entretanto, a mãe comprou no armazém da companhia uma quantidade de metros de tecido estampado alegre, para cortinas. Fez uma cortina e penduraram-na atravessada na cabana, a ocultar os beliches. Depois fez outra e penduraram-na entre os beliches, a fim de formar dois quartos: um dela e do pai e outro das filhas. A cabana era tão pequena que as cortinas tocavam nos beliches, mas quando estes ficaram prontos com os colchões de palha e de penas da mãe, e com as mantas, pareceu tudo fresco, bonito e acolhedor. O espaço à frente da cortina passou a ser a sala de estar. Era muito pequena, com o fogão de cozinhar junto da porta. A mãe e Laura colocaram a mesa de abas encostada à parede lateral, defronte da porta aberta, e puseram do outro lado da sala a cadeira de balanço da mãe e a de Mary. O chão era de terra nua, com tocos de raízes de relva obstinada, mas varreram-no muito bem. O vento fraco entrava pela porta aberta e a cabana da ferrovia tinha um ar muito agradável e acolhedor. – Esta é outra espécie de casinha só com meio telhado e sem janela – observou a mãe. Mas o telhado é estanque e nós não precisamos de janela, pois pela porta entra muito ar e muita luz. Quando chegou para almoçar, o pai ficou satisfeito ao ver tudo tão bem arrumado e arranjado. Deu um beliscãozinho na orelha de Carrie e levantou Grace no ar – não a podia atirar ao ar, debaixo daquele telhado tão baixo. – Onde está a pastora de porcelana, Carolina? – perguntou. – Não desembrulhei a pastora, Charles. – respondeu a mãe. – Não vamos ficar vivendo aqui, estamos só de passagem, até conseguires o lote de terra. O pai riu-se. – Disponho de muito tempo para escolher o que mais me agradar! Olha para esta grande campina, sem ninguém a não ser os niveladores dos trilhos, que partirão antes de o inverno chegar. Poderemos escolher o melhor. – Depois do almoço, a Mary e eu vamos dar um passeio e ver o acampamento, o lago e tudo – disse Laura, ao mesmo tempo em que pegava no balde e ia, com a cabeça descoberta, buscar água fresca no poço, para o almoço.
  • 26. 23 O vento soprava, constante e forte. Não havia nem uma nuvem no céu imenso e numa grande distância, na vasta planura, só se via luz trêmula passar sobre a relva. E o vento trazia o som de muitas vozes de homens, cantando. As parelhas estavam chegando ao acampamento. Os cavalos vinham lado a lado pela campina, numa fila comprida, escura e serpenteante, e os homens caminhavam de cabeça e braços nus, queimados do sol e de camisas às riscas azuis e brancas, cinzentas ou simplesmente azuis, todos a cantar a mesma cantiga. Pareciam um pequeno exército a atravessar a terra imensa,debaixo do céu vasto e deserto, e a cantiga era a sua bandeira, Laura parou, batida pelo vento forte, a olhar e a escutar, até o fim da coluna se reunir à multidão que alastrava à volta das cabanas baixas e a cantiga se confundir com o som vago das suas vozes fortes. Depois se lembrou do balde que tinha na mão. Encheu-o no poço o mais depressa que pôde e regressou correndo, entornando água pelas pernas nuas abaixo. – Tive... de ver... as parelhas chegarem ao campo. – explicou, ofegante. – São tantas, Pa! E os homens todos a cantar! – Recupere o fôlego, Canarinho! – disse o pai, a rir. – Cinquenta parelhas e setenta e cinco ou oitenta homens constituem apenas um pequeno acampamento. Devia ter visto o acampamento de Stebbins, a oeste daqui! Duzentos homens e parelhas a condizer. – Charles – disse a mãe. Geralmente todos sabiam o que a mãe pretendia quando dizia, no seu modo sereno: “Charles.”, mas desta vez Laura, Carrie e o pai olharam-na, curiosos. A mãe abanou só um bocadinho a cabeça ao pai, mais nada. Então o pai olhou bem para Laura e disse: – Afastem-se do acampamento. Quando forem passear, não se aproximem dos lugares onde estiverem homens trabalhando e não se esqueçam de voltar sempre antes de eles virem para passar a noite. Há toda a espécie de homens grosseiros a trabalhar na estrada de ferro, e usando linguagem imprópria, e quanto menos os virem e ouvirem, tanto melhor. Não se esqueça, Laura. E você também, Carrie – frisou o pai, com uma cara muito séria. – Sim, Pa – prometeu Laura e Carrie repetiu, quase num murmúrio: – Sim, Pa. Os olhos de Carrie estavam muito abertos e assustados. Não queria ouvir linguagem imprópria, embora não soubesse bem o que isso era. Laura teria gostado de ouvir alguma, ao menos uma vez, mas, claro, tinha de obedecer ao pai. Por isso, quando nessa tarde saíram para passear, mantiveram-se afastadas das cabanas. Partiram ao longo da margem do lago, na direção do Grande Pântano. O lago ficava à sua esquerda, luzindo ao sol. À medida que o vento soprava na água azul, pequenas ondas prateadas subiam e desciam e desfaziam-se na margem, esta era baixa, mas firme e seca, com relva curta até à beira-d’água. Através do lago cintilante, Laura via a margem oriental e a margem sul, que subiam até à sua altura. Um pequeno pântano desembocava no lago, vindo do nordeste, e o Grande Pântano seguia para sudoeste, numa extensa curva de vegetação alta e bravia. Sentiam a relva quente e macia nos pés. O vento batia-lhes nas saias, que lhas comprimia contra as pernas nuas, e despenteava Laura. Mary e Carrie tinham as toucas bem apertadas debaixo do queixo, mas a de Laura estava caída, suspensa pelas fitas. Milhões de sussurantes folhas de relva produziam um som murmurante e milhares de patos e gansos selvagens, garças, grous e pelicanos tagarelavam viva e ruidosamente no vento. Todas aquelas aves se alimentavam entre a relva dos pântanos. Levantavam voo, a bater as asas, e pousavam de novo, gritando novidades umas às outras, conversando entre a relva e a comer azafamadamente raízes, tenras plantas aquáticas e peixinhos. A margem do lago tornava-se cada vez mais baixa na direção do Grande Pântano, até não haver, realmente, margem nenhuma. O lago fundia-se com o pântano e formava pequenos charcos rodeados pela relva áspera e viçosa do pântano, que se erguia a metro e meio e um metro e oitenta de altura. Brilhavam pequenas poças entre a relva e na água abundavam as aves selvagens. À medida que Laura e Carrie avançavam através da relva do pântano, asas ríspidas batiam subitamente e olhos redondos cintilavam. Todo o ar explodia numa confusão de grasnidos, cuás e quonks. Com as patas espalmadas esticadas debaixo da cauda, patos e gansos passavam velozmente sobre a relva e descreviam uma curva para descerem para o charco seguinte. Laura e Carrie estavam imóveis. A vegetação do pântano, de hastes ásperas, erguia-se acima das suas cabeças e produzia um som áspero, ao vento. Os seus pés descalços mergulhavam lentamente no lodo. – Oh, o chão é todo mole! – exclamou Mary, e virou-se muito depressa para trás, pois não gostava de ter lama nos pés. – Volte para trás, Carrie! – gritou Laura. – Vai afundar! O lago está aqui, entre a relva!
  • 27. 24 A lama macia e fria parecia aspirar-lhe os pés, à volta dos tornozelos, e à sua frente brilhavam charcozinhos entre a vegetação alta. Desejava avançar mais e mais pelo pântano, entre as aves selvagens, mas não podia deixar Mary e Carrie. Por isso, voltou com elas para trás, para a campina mais dura e mais alta, onde o mato lhe chegava à cintura, agitada e dobrada pelo vento, e cresciam manchas de erva-búfalo, curta e anelada. Apanharam lírios rajados, de um vermelho flamejante, ao longo da beira do pântano e em terreno mais alto colheram longos caules bifurcados de vagens de cor púrpura. Gafanhotos levantavam voo, em chusma, diante dos seus pés, na relva, e toda a espécie de passarinhos pequenos esvoaçavam, piavam e equilibravam-se nos caules da vegetação alta e dobrada pelo vento. Por toda a parte se viam galinhas da campina, às corridinhas. – Oh, que bela campina selvagem! – exclamou Mary, feliz. – Laura, você está com a touca na cabeça? Com ar culpado, Laura puxou a touca, que pendia pelas fitas. – Estou sim, Mary. Mary riu-se. – Você a pos agora mesmo, que eu ouvi! A tarde findava quando regressaram. A pequena cabana, com o telhado inclinado só para um lado erguia-se isolada e minúscula, na margem da Lagoa Prateada. No portal, pequenina devido à distância, a mãe protegia os olhos com a palma da mão e olhava, para ver se as via. Acenaram-lhe. Viam todo o acampamento, estendendo-se ao longo da margem do lago, a norte da casa. Primeiro ficava o armazém onde o pai trabalhava, com o grande depósito de forragens atrás. Seguia-se o estábulo para as parelhas de trabalho. Fora construído numa dobra da campina e o seu telhado era de erva do pântano. Depois dele ficava o barracão-dormitório, comprido e baixo, onde os homens dormiam, e mais longe ainda ficava a comprida barraca do refeitório da prima Luísa, com o fumaça do jantar já subindo pela chaminé. Foi então que, pela primeira vez, Laura viu uma casa, uma casa verdadeira, isolada na margem norte do lago. – Que poderá ser aquela casa e quem morará lá? – perguntou. – Não é nenhuma fazenda, porque não tem estábulo nem nenhuma terra lavrada. Dissera a Mary tudo quanto vira e a irmã exclamou: – Que lugar tão bonito, com as cabanas limpas e novas, a relva e a água! Não vale a pena ficar pensando na casa; podemos perguntar ao Pa o que é. Vem aí outro bando de patos selvagens. Bandos e bandos de patos e de gansos selvagens desciam do céu e preparavam-se para passar a noite no lago. E os homens também faziam muito barulho, ao regressarem do trabalho. De novo à porta da cabana, a mãe esperou que elas chegassem, batidas pelo vento e cheias de ar fresco e sol, com as suas braçadas de lírios rajados e vagens cor de púrpura. Depois Carrie pôs o grande ramo num jarro de água, enquanto Laura punha a mesa para o jantar. Mary sentou-se na cadeira de balanço com Grace ao colo e falou-lhe dos patos que grasnavam no Grande Pântano e dos enormes bandos de gansos selvagens que iam dormir no lago.