O documento discute a importância da acentuação e pontuação na língua portuguesa. Em seguida, apresenta uma história sobre um homem que deixou um testamento ambíguo devido à falta de pontuação adequada. Finalmente, destaca que os recursos de pontuação são fundamentais para clarificar o significado de um texto.
1. Jornal
O Bandeirante
Ano XIX - no 213 - Agosto de 2010
Publicação Mensal da Sociedade Brasileira de Médicos Escritores - Regional do Estado de São Paulo - SOBRAMES-SP
Sutilezas da Acentuação
e da Pontuação
“Viver é pontuar as frases que o tempo escreve. (Os melhores momentos
não o suspendem, mas ao menos parecem deixá-lo entre parênteses)”.
Daniel Piza, jornalista e escritor contemporâneo.
Helio Begliomini
Médico urologista
Presidente da SOBRAMES-SP (2009-2010).
Os acentos gráficos dão às vogais, implementada, no Brasil, em janeiro meus bens a minha irmã não a meu sobri-
sílabas e palavras não somente a ma- de 2009. nho jamais será paga a conta do padeiro
neira correta como devem ser pro- 4.1- Til: Além de indicar nasala- nada dou aos pobres”. Com sua morte,
nunciadas, mas também o seu res- ção da vogal sobre a qual é colocado apareceram quatro reivindicantes de
pectivo significado. Entre os acentos (patrão, caramanchão, Maracanã, sua herança: o sobrinho, a irmã, o
têm-se: Butantã) pode mudar o significado padeiro e os pobres. A quem deveria
1. Agudo: Serve para marcar de vocábulos: manha (a. habilidade; ser destinada sua fortuna?
a vogal tônica, o timbre aberto da b. choro, lamento; c. hábito, costu- 1. O sobrinho fez a seguinte
pronúncia, além de diferenciar vo- me) e manhã (parte inicial do dia). pontuação: “Deixo meus bens à minha
cábulos. Exemplos: óbvio (adjetivo) (...) irmã? Não! A meu sobrinho. Jamais será
e eu obvio (evitar, remediar, verbo). 4.2- Cedilha: Colocada embaixo paga a conta do padeiro. Nada dou aos
(...) da letra “c” e antecedendo as letras pobres”.
2. Grave: Indica fusão de vogais “a” e “u” – jamais iniciando uma pa- 2. A irmã chegou em seguida e
idênticas. Exemplos: ir à escola, ir à lavra – além de indicar a pronúncia assim pontuou o testamento: “Dei-
missa (aglutinação do artigo “a” com surda e sibilante do “ç”, som indis- xo meus bens à minha irmã. Não a meu
a preposição “a”), significando, res- tinto do “s” e “ss” (moção, Moçam- sobrinho. Jamais será paga a conta do
pectivamente, “ir para a escola” ou bique, açúcar, açude), serve também padeiro. Nada dou aos pobres”.
“ir na escola” e “ir para a missa” ou para modificar significados de vocá- 3. O padeiro entendeu que era
“ir na missa”.(...) bulos: buco (a. casco do navio; b. tipo dele o benefício, pois assim pontuou:
3. Circunflexo: Indica a sílaba de arbusto) e buço (penugem, lanu- “Deixo meus bens à minha irmã? Não! A
tônica associada ao timbre fechado gem), (...) meu sobrinho? Jamais! Será paga a con-
das vogais “ê” e “ô” (capô, pôster, Por sua vez, a pontuação através ta do padeiro. Nada dou aos pobres”.
você, dossiê), ou a tonicidade da sí- dos sinais de interrogação, exclama- 4. Por fim chegaram os pobres.
laba com “â” seguida de consoante ção, aspas, reticência, travessão, vír- Entretanto, um deles tinha um pa-
nasal (lâmpada, Mônica; mnemôni- gula, parêntesis, dois pontos, ponto rente advogado e assim entendeu o
co, peritônio). Serve também para e vírgula e ponto sinaliza a maneira testamento: “Deixo meus bens à minha
diferenciar vocábulos: ele tem ou ele correta como o texto deve ser lido, irmã? Não! A meu sobrinho? Jamais!
vem, e eles têm ou eles vêm (...) entoado e cadenciado, facilitando Será paga a conta do padeiro? Nada!
4. Diacríticos são sinais gráfi- sua clareza e interpretação. (...) Dou aos pobres”.
cos que, acrescentados numa letra, Dentre os vários exemplos da im- Assim, os artifícios da pontuação
conferem-lhe novo valor fonético. portância da pontuação, cita-se esta constituem-se verdadeiros temperos
No vernáculo português são três: a pequena história: Um homem abas- nas iguarias literárias. Eles fazem
cedilha, o til e o trema, este, aboli- tado e moribundo gostaria de deixar toda a diferença num texto, assim
do com a nova Reforma Ortográfica sua herança e assim escreveu num como colaboram na evidenciação do
ratificada pelos países lusófonos e papel pouco antes de falecer: “Deixo estilo do escritor.
2. 2 O BANDEIRANTE - Agosto de 2010
Nossa Pizza Literária tem se tornado mais do que uma
EXPEDIENTE
reunião dos sobramistas de São Paulo. Tem se convertido
Jornal O Bandeirante
ANO XIX - no 213 - Agosto 2010
num verdadeiro ponto de encontro de amizades e de
colegas de outras regionais. Raras são as Pizzas Literárias
Publicação mensal da Sociedade Brasileira de Médicos
em que não conversamos com colegas de outras cidades e
Escritores - Regional do Estado de São Paulo SOBRAMES-SP . Estados, raras são as ocasiões em que não há boas notícias
Sede: Rua Alves Guimarães, 251 - CEP 05410-000 - Pinheiros
- São Paulo - SP Telefax: (11) 3062-9887 / 3062-3604
de outras Sobrames. Sentimos orgulho desses encontros:
Editores: Carlos A. F. Galvão, Roberto A. Aniche. Jornalista nossos colegas de outras regionais enriquecem cada vez
Responsável e revisora: Ligia Terezinha Pezzuto (MTb
17.671 - SP). Colaboradores desta edição: Carlos Augusto F.
mais o conteúdo literário de nossas Pizzas que não são
Galvão, Helio Begliomini, Roberto Antonio Aniche, Rodolpho apenas da Sobrames São Paulo, mas das Sobrames de
Civile e Walter Whitton Harris.Tiragem desta edição:
300 exemplares (papel) e mais de 1.000 exemplares PDF
todo o nosso país.
enviados por e-mail. Carlos Augusto F. Galvão
Diretoria - Gestão 2009/2010 - Presidente: Helio Roberto Antonio Aniche
Begliomini. Vice-Presidente: Josyanne Rita de Arruda
Franco. Primeiro-Secretário: Ligia Terezinha Pezzuto.
Segundo-Secretário: Maria do Céu Coutinho Louzã.
Primeiro-Tesoureiro: Marcos Gimenes Salun. Segundo-
Tesoureiro: Roberto Antonio Aniche. Conselho Fiscal
Efetivos: Flerts Nebó, Carlos Augusto Ferreira Galvão, Luiz
Jorge Ferreira. Conselho Fiscal Suplentes: Geovah Paulo
O Malho
da Cruz; Rodolpho Civile; Helmut Adolf Mataré.
Esbanjou charme. Uma lareira crepitante, o clima “fashion” de Sampa, visitas
de Pernambuco (que me desculpe o Valdênio, mas a Fátima Calife já é paulista
Matérias assinadas são de responsabilidade de seus e até corintiana). Os textos bons, curtos, densos, lindos e enxutos empolgaram a
autores e não representam, necessariamente, a
opinião da Sobrames-SP todos. Uma Pizza Sobramista típica de São Paulo com tempero pernambucano.
Outras virão...
Editores de O Bandeirante
Flerts Nebó – novembro a dezembro de 1992
Nota de falecimento
Flerts Nebó e Walter Whitton Harris – 1993-1994
Carlos Luiz Campana e Hélio Celso Ferraz Najar – 1995-1996
Flerts Nebó e Walter Whitton Harris – 1996-2000
Flerts Nebó e Marcos Gimenes Salun – 2001 a abril de 2009
Helio Begliomini – maio a dezembro de 2009 Luiz Cocozza Sobrinho, ex-sócio da Sobrames-SP, era enge-
Roberto A. Aniche e Carlos A. F. Galvão - janeiro 2010 -
nheiro civil formado pela Faculdade de Engenharia da Universi-
Presidentes da Sobrames – SP
dade Presbiteriana Mackenzie, enxadrista, associado ao Instituto
1o Flerts Nebó (1988-1990;1990-1992 e out/2005 a dez/2006)
2o Helio Begliomini (1992-1994; 2007-2008 e 2009-2010)
de Engenharia desde 1947 e falecido em 24 de agosto, aos 88
3o Carlos Luiz Campana (1994-1996) anos.
4o Paulo Adolpho Leierer (1996-1998)
5o Walter Whitton Harris (1999-2000)
6o Carlos Augusto Ferreira Galvão (2001-2002)
7o Luiz Giovani (2003-2004)
8o Karin Schmidt Rodrigues Massaro (jan a out de 2005)
Walter Whitton Harris
Cirurgia do Pé e Tornozelo
Ortopedia e Traumatologia Geral
Editores: Carlos A. F. Galvão, Roberto A. Aniche
CRM 18317
Revisão: Ligia Terezinha Pezzuto Av. República do Líbano, 344 Rua Luverci Pereira de Souza, 1797 - Sala 3
Diagramação: Mateus Marins Cardoso 04502-000 - São Paulo - SP Cidade Universitária - Campinas (19) 3579-3833
Impressão e Acabamento: Expressão e Arte Gráfica Tel. 3885 8535 www.veridistec.com.br
Cel. 9932 5098
CUPOM DE ASSINATURAS* longevità
Preço de 12 exemplares impressos: R$ 36,00 (11) 3531-6675
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Massagem * Drenagem * Bronze Spray *
End.completo: (Rua/Av./etc.) _______________________________________ Nutricionista * RPG
Rua Maria Amélia L. de Azevedo, 147 - 1o. andar
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Cidade:_____________ Estado:_____ E-mail:___________________________
Clínica Benatti
Grátis: Além da edição impressa que será enviada por correio, o assinante Ginecologia
receberá por e-mail 12 edições coloridas em arquivo digital (PDF)
Obstetrícia
*Disponível para o público em geral e para não sócios da SOBRAMES-SP
Preencha este cupom, recorte e envie juntamente com cheque nominal à SOBRAMES-SP para REDAÇÃO
Mastologia
“O Bandeirante” R. Costa Rego, 29 - V. Guilhermina - CEP 03542-030 - São Paulo - SP
Dê uma assinatura de “O BANDEIRANTE” de presente para um colega (11) 2215-2951
3. SUPLEMENTO LITERÁRIO
O BANDEIRANTE - Agosto de 2010 3
Notícias
DR.HELIO BEGLIOMINI DISTRIBUI LIVRO
Todos os presentes na 240a Pizza Literária receberam uma cópia do livro Entressafra, lançado na ocasião pelo
presidente da entidade, Helio Begliomini.
Lançamentos na Bienal do Livro de São Paulo
Márcia Etelli Coelho
Editora Scortecci
OS APÓSTOLOS DO ZODÍACO e CORPO ESPELHO D´ALMA
O primeiro conta a história envolvente de um dos restauradores do mural “A Última Ceia”, que se encanta ao saber
que Leonardo Da Vinci pintou cada apóstolo representando um signo astrológico.
O Dr. José Medeiros publicou, no Jornal Gazeta de Alagoas, principal órgão de imprensa do Estado, brilhante
texto enaltecendo o trabalho de nossa confreira Etelli sobre o livro “Os Apóstolos do Zodíaco”.
Luiz Jorge
Editora Scortecci
O AVESSO DO ESPANTALHO – Livro de poemas cuja temática é o “Eu” e sua relação com o meio ambiente.
Lançado na Livraria da Vila
Psicodrama – O Forro e o Avesso
Sérgio Perazzo
A Editora Ágora e a Livraria da Vila (Vila Madalena) promoveram, em São Paulo, no dia 29 de julho, quinta-feira,
das 18h30 às 21h30, a noite de autógrafos do livro Psicodrama – O forro e o avesso, de Sergio Perazzo. Com ideias
originais e inovadoras, Perazzo subverte os conceitos já consagrados do psicodrama e os renova. O resultado dessa
“costura” de teoria e prática é um rico mosaico do psicodrama brasileiro contemporâneo.
http://www.gruposummus.com.br/detalhes_livro.php?produto_id=1220
Nova Associada
Grazielly Peixoto, jovem médica residente de oftalmologia, mas já uma veterana das letras, tendo participado das
atividades da Sobrames-GO, prometendo ser mais um destaque aqui nas nossas Pizzas Literárias. Bem-vinda!
Concurso Literário da Sociedade Brasileira de Médicos
Escritores-RJ, Sobrames-RJ, 2010
Categorias: Conto, Crônica, Poesia, Trova e Ensaio.
Tema: livre.
O escritor pode se inscrever em todas as categorias, mas com diferentes pseudônimos para cada uma. Maiores infor-
mações no site da Abrames em:
www.abrames.com.br/sobrames.rj.
Iv Concurso de Poesia do Cea Hfse/ MS 2010 - Prêmio
Onorina Monteiro de Abreu
As inscrições irão até 15 de outubro de 2010. Para maiores detalhes, consulte o site:
www.hse.rj.saude.gov.br ou com Juçara Valverde, jucarvalverde@gmail.com/ cel.: 21 9955-5835
4. 4 O BANDEIRANTE - Agosto de 2010
SUPLEMENTO LITERÁRIO
Hino da Sobrames–SP
(Sociedade Brasileira de Médicos Escritores)
Letra: Nelson Jacintho
Música: Silvana P. Jacintho Marques
e Branca M. M. de Oliveira
A Sobrames de São Paulo
É o orgulho dos paulistas,
Estribilho
Ela exalta seus poetas,
Trovadores e contistas.
O contista tem seu conto,
O poeta tem seu verso,
O romance e o romancista
Completam seu universo.
Estribilho
Quando eu canto a Sobrames
Querendo mostrar seu jeito,
Sinto a força de um gigante,
Estourando no meu peito.
Estribilho
Sobrames, Sobrames, Sobrames,
Teu voo é o do condor,
Sobrames, Sobrames, Sobrames,
És uma fonte de amor...
Foi realizada no último dia 15 de julho a 240a Pizza Literária da Sobrames – SP na Pizzaria Bonde Pau-
lista, exatamente no mês em que se comemora o “Dia da Pizza”.
Em celebração a essa significativa efeméride, foi tocado pela primeira vez em nossas tertúlias o Hino da
Sobrames – SP, cuja letra é de autoria do nosso confrade de Ribeirão Preto, Nelson Jacintho, e a música de
autoria de Silvana P. Jacintho Marques e de Branca M. M. de Oliveira.
Todos os presentes receberam graciosamente uma cópia da música em CD, carinhosamente acondicio-
nada, assim como uma cópia da letra do Hino.
5. SUPLEMENTO LITERÁRIO
O BANDEIRANTE - Agosto de 2010 5
A Cantina do Ciccio Capuano no Bexiga
Rodolpho Civile
Pretendo uma coisa e acabo fazendo
outra... Deve ser a “vecchiaia”. Já estou
falando em italiano. É perdoável: sou filho
de calabrês. Um pouco de história... As
grandes emigrações italianas aconteceram
de 1890 até 1920. Depois a proibição por
Mussolini. Os países escolhidos: Estados
Unidos, Argentina e Brasil. No Brasil, os
napolitanos ficaram na Mooca e Brás, os
bareses na rua Oriente e os calabreses de
Rossano no Bexiga. Os do norte da Itália,
no Rio Grande do Sul.
Tenho em particular um grande afeto
pelo Bexiga, bairro onde nasci, criei meus
filhos, vivi e mediquei durante 25 anos.
Tornou-se uma obsessão. É caso para terapia... Peço desculpas... De novo, as minhas saudosas recordações
de tempos idos e vividos que não voltarão mais. Eu me lembro... Eu me lembro... Da cantina do Ciccio
Capuano, na rua Major Diogo, defronte à fábrica de doces Bela Vista do Infante, próxima ao famoso Tea-
tro Brasileiro de Comédias. Funcionava num porão com 8 a 10 mesas. Horário: das 19 horas às 21h30, de
terça-feira até domingo. O cardápio fixo escolhido pelo cantineiro e não pelos frequentadores. A entrada
só com reserva antecipada, dada a grande procura. Era do conhecimento geral: comer bem, só na Cantina
do Capuano. Além do esmerado preparo dos alimentos, o vinho importado da Calábria, o Ciro, vinha em
tonéis e servido em litros. Não havia muita variedade... O antepasto consistia em: sardella, funghi, salame,
azeitonas pretas, pomodoro seco, acompanhados pelo pão de “peito” italiano do padeiro Cianciarullo e
naturalmente o milagroso, saboroso e nutritivo Ciro, vinho que dava mais beleza às mulheres e mais po-
tência aos homens... Todo o complexo de inferioridade acabava na Cantina do Ciccio Capuano... Depois
eram servidos dois pratos, geralmente, um macarrão com vôngole ou camarão e uma carne, de preferência
uma perna de cabrito. Sobremesa: peras e maçãs. O ritual era severo: às 21h30, o cantineiro, acompanhado
pelo sobrinho, fazia a conta no papel branco que cobria a mesa, recebia em dinheiro e dispensava os fre-
gueses com um sonoro “Buona Notte”. Às 22 horas, a cantina estava fechada. Só dava jantar. Uma ocasião,
o secretário de Getúlio Vargas pediu e exigiu do cantineiro um almoço. Este se negou dizendo: “O doutor
Getúlio Vargas manda no Brasil, mas eu mando na minha cantina”. Estava estabelecido o território neutro
em que o presidente da República não tinha poderes: a cantina do calabrês Ciccio Capuano.
Alguns historiadores argumentam que foi este o principal motivo da invasão, pelas forças federais, do
Estado de São Paulo. Se é “vero non lo só”... Acredite quem quiser...
Coisas do Bexiga... O bairro que é um mundo dentro de São Paulo, como o povo dizia naquela época,
hoje, que decepção... Sujo, deteriorado, com pardieiros, cortiços, malocas, prostíbulos. Tenebroso. Triste
realidade... E a cantina do Ciccio Capuano? O vento levou... E ele? Cozinhando prazerosamente para os
anjos e arcanjos na eternidade. Só no jantar...
6. 6 O BANDEIRANTE - Agosto de 2010
SUPLEMENTO LITERÁRIO
Queda Livre
Walter Whitton Harris
Nicholas Stephen Alkemade era um canhoneiro de um avião Lancaster da Força Aérea Britânica (RAF)
durante a Segunda Guerra Mundial. Manejava canhões que se situavam na cauda do avião, num compar-
timento de fibra de vidro especial que, de tão apertado, não permitia espaço para seu paraquedas. Era um
jovem sargento com 21 anos de idade.
Já havia participado de 12 missões sobre a Alemanha e, em 24 de março de 1944, fazia parte de um
bombardeio sobre Berlim com um grupo de 300 aviões. Após despejarem suas bombas e se desvencilharem
dos caças inimigos, estavam a caminho de casa. Entretanto, um caça Junkers solitário atacou o Lancaster
que, em consequência, incendiou-se. Nicholas ainda teve tempo de atirar e acertar o caça que explodiu e
desapareceu na escuridão do céu noturno. O piloto deu ordem para que todos abandonassem o avião.
Com dificuldade, Nicholas saiu de seu recinto de reduzidas dimensões para pegar o paraquedas. Ficou
estarrecido ao descobrir que entre ele e seu instrumento de salvação havia intensas labaredas que já con-
sumiam o tecido do paraquedas também. Disposto a não morrer queimado, optou por se atirar do avião
condenado, preferindo sofrer uma morte mais rápida. Durante a queda, calculou que levaria 90 segundos
para se estatelar ao solo, pois sabia que se encontrava a 5.500 metros de altitude ao sair do aparelho em
chamas.
O piloto, Jack Newman, e mais três dos sete tripulantes morreram. Eles estão enterrados no Cemitério
Militar de Hanover, mas Nicholas não está lá. Ele desmaiou logo depois de se jogar da aeronave. Caiu
sobre um conjunto de pinheiros que amorteceram a sua queda e, depois, numa espessa camada de neve.
Acordou tremendo de frio. Não acreditava que tivesse sobrevivido à queda. Conseguia mexer os braços
e pernas, mas sentia muita dor no joelho. Checou seu relógio e concluiu que quase três horas haviam se
passado desde que o aparelho fora atingido.
Nicholas pensou consigo mesmo que aí estava um soldado que não iria se importar em se tornar um
prisioneiro de guerra. Todo soldado inglês tinha no seu casaco um apito para usar em situações de emer-
gência e desatou a apitá-lo com toda a força de seus pulmões. Não demorou para que ele fosse encontrado,
pois os alemães estavam vasculhando a área à procura dos tripulantes do Lancaster que fora abatido.
Foi levado a um campo de prisioneiros em Frankfurt. Tinha sofrido uma séria contusão de joelho e várias
escoriações e queimaduras pelo corpo. No mais, nenhum osso quebrado. Sentia-se um homem afortunado
por estar vivo. O maior problema era que os alemães não acreditavam na sua versão do ocorrido e fizeram
de tudo para forçá-lo a modificar sua história. Todavia, conseguiu convencer um dos oficiais da Gestapo
para que examinasse os destroços do bombardeiro.
Relutantemente, foi autorizada a averiguação e encontrou-se o que sobrara de um paraquedas na fu-
selagem da cauda do avião. Os ganchos e cintos estavam intactos, provando que o paraquedas não tinha
sido utilizado, pois estes se partem quando um paraquedas abre. Além disso, as fivelas coincidiam com as
correspondentes presas à roupa do canhoneiro.
Com essa comprovação, Nicholas foi considerado um herói e assim tratado na prisão até sua repatriação
em maio de 1945. Os alemães ficaram tão impressionados com a coragem deste homem que registraram
seu ato de bravura em um livro e expediram um certificado confirmando os fatos.
Depois da guerra, Nicholas Alkemade ainda sofreu três acidentes graves na indústria química onde
trabalhou, sobrevivendo a todos. Faleceu em 22 de junho de 1987, aos 64 anos de idade.
7. SUPLEMENTO LITERÁRIO
O BANDEIRANTE - Agosto de 2010 7
Carlos da Silva Lacaz –
Terceiro Presidente da Sociedade
Brasileira de Médicos Escritores
Dr. Carlos Augusto Galvão
Helio Begliomini Psiquiatria e Psicoterapia
Rua Maestro Cardim, 517
Paraíso – Tel: 3541-2593
Carlos da Silva Lacaz nasceu aos 19 de setembro de 1915, em Guaratinguetá
(SP). Era filho de Rogério da Silva Lacaz, professor de matemática, de quem
também foi aluno, e de Judith Limonge Lacaz. Esposou a senhora Dinah Maria PUBLICIDADE
Martins Lacaz. Em 1934, ingressou na Faculdade de Medicina da Universi- TABELA DE PREÇOS 2009
dade de São Paulo, tendo feito todo o curso sempre classificado em 1o lugar. (valor do anúncio por edição)
Em decorrência, conquistou como acadêmico os prêmios Rockefeller (cadeiras 1 módulo horizontal R$ 30,00
básicas), La Royale (curso de graduação) Medicina Legal, Paulo Montenegro e 2 módulos horizontais R$ 60,00
Alves Lima. Ocupou vários cargos, inclusive o de presidente do departamento 3 módulos horizontais R$ 90,00
2 módulos verticais R$ 60,00
científico do Centro Acadêmico Oswaldo Cruz.
4 módulos R$ 120,00
Era autodidata. Diplomou-se em 1940 e ingressou na carreira universitária 6 módulos R$ 180,00
no departamento de microbiologia e imunologia. Galgou todos os postos, sem- Outros tamanhos sob consulta
pre com distinção, assumindo a cátedra da disciplina em 1953.
Em decorrência de sua atuação e capacidade profissional, foi galardoado sobramessaopaulo@gmail.com
numerosas vezes com prêmios, medalhas e homenagens especiais, destacando-
se na área de micologia a Medalha Rhoda Benham da Medical Mycological So-
ciety of the Americas; o prêmio Alfredo Jurzykowsky da Academia Nacional de
Medicina; o prêmio da Fundação Rockefeller e o prêmio Lucille K. Georg da REVISÃO
International Society for Human and Medical Mycology. de textos em geral
Dizia que “se nem todos podem ser gênios, todos podem ser úteis”. E ele foi agracia-
do por possuir uma inteligência brilhante associada a um profundo empenho Ligia Pezzuto
em melhorar as condições de vida dos enfermos, razão de ser médico, além de Especialista em Língua Portuguesa
inolvidáveis contribuições à ciência. (11) 3864-4494 ou 8546-1725
Em reconhecimento à sua pujante atividade de ensino e pesquisa, Taborda e
colaboradores, em 1999, deram-lhe o raro privilégio de ver seu nome expresso
na denominação Lacazia loboi, como proposta à comunidade científica inter- ROBERTO CAETANO MIRAGLIA
nacional para um novo gênero de fungo como agente etiológico da doença de ADVOGADO - OAB-SP 51.532
Jorge Lobo.
Lacaz foi membro de diversas entidades médicas nacionais e estrangeiras, ADVOCACIA – ADMINISTRAÇÃO DE BENS
NEGÓCIOS IMOBILIÁRIOS – LOCAÇÃO
destacando-se: Academia Nacional de Medicina, Academía de Medicina Del Insti-
COMPRA E VENDA DE IMÓVEIS
tuto de Chile, Académie Royale des Sciences d´Outre-Mer (Bruxelas, Bélgica), Ameri-
ASSESSORIA E CONSULTORIA JURÍDICA
can Academy of Microbiology, International Society for Human and Animal Mycology e
TELEFONES: (11) 3277-1192 – 3207-9224
Inter-American Society for Chemotherapy.
Foi presidente da Academia de Medicina de São Paulo; da Sociedade Brasi-
leira de Medicina Tropical; da Sociedade Brasileira de Alergia e Imunopatolo-
gia e da Sociedade Brasileira de História da Medicina. Terminou de
Lacaz foi o 3o presidente da Sociedade Brasileira de Médicos Escritores escrever seu
(1968-1970), sucedendo e antecedendo, respectivamente, a dois eminentes mé-
dicos e literatos, ambos otorrinolaringologistas, quais sejam, Paulo Mangabeira livro? Então
Albernaz e Octacílio de Carvalho Lopes. publique!
Dedicou-se, nas horas de lazer, ao estudo da historiografia médica brasi-
leira, publicando quatro volumes sobre Vultos da Medicina Brasileira (1953,
1961, 1966 e 1977); Médicos Brasileiros Dicionaristas (1972); Médicos Sírios e Nesta hora importante, não deixe de
Libaneses do Passado (1982); Faculdade Medicina. Reminiscências, Tradição, consultar a RUMO EDITORIAL.
Memória de Minha Escola (1985); Médicos Italianos em São Paulo. Trajetória Publicações com qualidade impecável,
em Busca de Uma Nova Pátria (1989) e História da Faculdade de Medicina – dedicação, cuidado artesanal e preço
justo. Você não tem mais desculpas
USP (1999).
para deixar seu talento na gaveta.
Dizia com frequência: “Bem-aventurados os que vivem na glória de seus feitos, no
ensino dos discípulos, na sequência dos continuadores. Que os moços saibam recordá-los rumoeditorial@uol.com.br
com imperecível fidelidade”. Certamente ele é um bem-aventurado, pois manter- (11) 9182-4815
continua na próxima página
8. 8 O BANDEIRANTE - Agosto de 2010
SUPLEMENTO LITERÁRIO
continuação da página anterior
se-á vivo na lembrança e na história da medicina brasileira, visto que formou dezenas de discípulos de vários Estados
do Brasil, bem como oriundos da Argentina, Colômbia, Venezuela, Peru e Uruguai nos campos da microbiologia, imu-
nologia e medicina tropical, sobremodo após ter criado, em 1959, o Instituto de Medicina Tropical de São Paulo, anexo
à Faculdade de Medicina, contribuindo assim para o advento de melhorias em setor indispensável, se consideradas as
doenças transmissíveis abundantes no território nacional.
Carlos Lacaz cooperou também no campo da patologia tropical, no Instituto Nacional de Pesquisa do Amazonas.
Integrou o corpo de peritos da Organização Mundial da Saúde em doenças infecciosas e parasitárias. Foi também
professor titular do departamento de medicina tropical e dermatologia da Faculdade de Medicina da Universidade de
São Paulo.
Carlos da Silva Lacaz auxiliou direta ou indiretamente a criação de três Faculdades de Medicina, a saber: Faculdade
de Medicina de Sorocaba da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo; Faculdade de Medicina de Jundiaí e a Fa-
culdade de Medicina de Campinas, sendo nas duas primeiras o primeiro titular do departamento de microbiologia e
imunologia.
Carlos da Silva Lacaz publicou diversos livros e monografias na área médica, destacando-se Lições de Micologia
Médica, Tratado de Micologia Médica, Introdução à Geografia Médica do Brasil, Doenças Iatrogênicas, Infecções por
Agentes Oportunistas, Antibióticos, Imunopatologia Tropical, Alergia nas Regiões Tropicais, O Grande Mundo dos Fun-
gos e Candidíases.
Recebeu títulos de Professor Honoris Causa pela Universidade Federal do Ceará, Universidade Nacional Del Nordeste
(Resistência, Argentina), Universidade Federal da Bahia e da Associação Médica de Israel.
Foi secretário de Higiene e Saúde do Município de São Paulo, ocasião em que criou o prestimoso Centro de Contro-
le de Zoonoses. Lacaz foi vice-diretor por duas vezes (1963-1970 e 1978-1982) e diretor (1974-1978) da Faculdade de
Medicina; diretor da Escola de Enfermagem (1979-1983) e pró-reitor da Universidade de São Paulo (1974-1978). Foi
convidado a ser paraninfo e patrono de diversas turmas do curso médico e de áreas afins, como reconhecimento às suas
qualidades didáticas.
Lacaz era contrário à iconoclastia do mundo moderno, que já galopava acentuadamente na segunda metade no
século passado. Ele se destacou como um notório historiador da medicina. Não somente cultuava os valores e os prota-
gonistas da milenar ciência de Hipócrates, como também se tornaram famosos seus cursos afins. Criou galerias e painéis
enaltecendo os heróis da arte de curar.
Nessa frente de trabalho, liderou a fundação, em 1977, do Museu Histórico da Faculdade de Medicina da Universida-
de de São Paulo, sendo seu diretor e onde se encontra vastíssimo acervo relacionado à medicina e a médicos de antanho.
Em 1985, a congregação da faculdade o indicou para ocupar o cargo de diretor honorário-vitalício e, em 1993, teve a
honra de ver essa instituição receber o epíteto de Museu Histórico da Faculdade de Medicina – “Professor Carlos da Silva
Lacaz”, em reconhecimento à sua dedicação científica e humanística.
Carlos Lacaz exerceu, por mais de quarenta anos, o jornalismo médico, tendo publicado centenas de artigos na “Fo-
lha de S. Paulo” e em outros periódicos.
Jamais ouvi alguém que defendesse como ele, com tanto ardor, amor e retórica, o médico e a medicina como profis-
são nobre, digna e sacerdotal. Seu candente humanismo e vasta cultura eram ingredientes sólidos de sua exímia capaci-
dade oratória que encantavam e plasmavam indelevelmente a alma de seus ouvintes.
Dizia já em idade provecta: “Vi todas as agonias da carne e da alma. Todas as misérias do pobre corpo humano. Todas as suas
dores. Todas as suas desagregações. Todas as suas mortes, todas as suas batalhas”. (...) “Mais de meio século tenho vivido mergulhado
em uma profissão humana, augusta, bela, sacrossanta, divina, mas triste, terrível e tétrica ao mesmo tempo, pois ela trabalha e lida com
a vida e com a morte, esta sempre invencível, incombatível e triunfante”. (...) “Ao final de uma longa carreira médica, sou daqueles que
acreditam no caráter teocrático ou sacerdotal de nossa profissão. Amei generosamente o meu semelhante para melhor servi-lo”.
Lacaz, que foi professor, diretor, escritor, humanista, editor, administrador, pensador, cientista e esteta de escol acre-
ditava explicitamente em Deus, mostrando que ciência e fé são compatíveis e complementares, até porque a ciência é
limitada em seu mister. Carlos da Silva Lacaz era lépido no raciocínio e versátil no pensamento, exercendo e transmitin-
do intensamente com amor a arte hipocrática por 61 anos. Embora valorizasse a vida, tinha sempre na morte um ponto
de meditação.
Lacaz tinha personalidade inquieta e movida por incansável vontade de estipular progressos. Mantinha-se constan-
temente ativo. Apesar de ser aposentado por força de lei, em 1985, continuou trabalhando como professor emérito até
o último de seus dias na Casa de Arnaldo, a casa que sempre foi sua também. Quando faleceu era chefe do laboratório
de investigação médica do Hospital das Clínicas e do laboratório de micologia do Instituto de Medicina Tropical de São
Paulo.
Não foi apenas um humanista teórico, mas um humano de coração. Sou testemunha de sua excelsa bondade. Tratava
a todos, desde os mais humildes aos mais sábios, com o mesmo amor e dedicação. Nunca dizia não quando algo lhe era
solicitado dentro de sua área.
A sua morte, ocorrida em 23 de abril de 2002, trouxe uma lacuna irreparável em nossa sociedade. Com o seu pas-
samento, a medicina brasileira perdeu um dos seus maiores patrimônios da contemporaneidade, pois ele soube, como
poucos, amar a medicina como profissão sacerdotal e servir à sua precípua finalidade naqueles que padecem.
Carlos da Silva Lacaz, em poucas e densas palavras, expressou sua grandeza, humildade e resignação: “Lutei, venci
e guardei sempre a fé em Deus, por quem serei julgado”.