1. HISTÓRICO DO OFIDISMO
O ofidismo como problema de saúde
é conhecido há bastante tempo. No Brasil
Colônia, considerado como uma das grandes
pragas existentes, sendo responsável por um
número significativo de óbitos. O “perigo
mortal representado pelas cobras” somente veio
a ser solucionado no final do século XIX, com o
desenvolvimento da Microbiologia e da
Imunologia, que impulsionou pesquisas que
culminaram com a obtenção dos soros
hiperimunes para difteria, tétano, botulismo e
envenenamento ofídico.
Deve-se a Louis Calmette,
pesquisador do Instituto Pasteur, o início da
fabricação do primeiro soro antiofídico em
1894, em Lille, França. Já no Brasil, a produção
de soros antiofídicos se dá com a criação do
Instituto Soroterápico do Estado de São Paulo
(1901), atual Instituto Butantan. Foi aí que Vital
Brazil (figura 1) demonstrou, pela primeira vez,
que os soros produzidos contra os venenos de
cascavel e jararaca apresentavam propriedades
distintas, comprovando que a especificidade dos
soros estava relacionada ao gênero da serpente
agressora.
Figura 1 – Vital Brazil Mineiro da Campanha, 1865-1950
(Acervo Histórico do Instituto Butantan - AHIBu).
O pioneirismo de Vital Brazil
também se ser verificado por meio da
implantação do sistema de troca de soros por
informação. Para a reposição das ampolas
utilizadas (figura 2) em cada tratamento, era
solicitada a devolução de um questionário
preenchido com dados sobre o indivíduo, o
acidente e o resultado da aplicação do
imunobiológico. Ao mesmo tempo em que
vulgarizou o conhecimento sobre o
envenenamento ofídico, suas formas de
prevenção e tratamento às populações rurais,
concebeu o embrião de um sistema de vigilância
epidemiológica que permitiu a consolidação de
dados estatísticos, desconhecidos até então,
sobre a magnitude do agravo e os benefícios do
tratamento soroterápico, com a significativa
redução dos óbitos.
Figura 2 – ampolas de soro antiofídico produzido e utilizado
em 1916 pelo Instituto Serumtherapico (AHIBu).
Apesar do sucesso inicial na luta contra
o ofidismo, as décadas de 1970 e 1980 no Brasil
foram marcadas pela desorganização das
estruturas gerenciais de saúde e insuficiência na
produção dos soros. O encerramento das
atividades do laboratório privado Syntex do
Brasil, naquela ocasião responsável pela maioria
dos soros antiofídicos utilizados no país,
desencadeou uma crise no abastecimento dos
imunobiológicos, somente solucionada com a
decisão do Ministério da Saúde de implantar um
programa emergencial visando alcançar a
autosuficiência do país e estabelecer
mecanismos para a vigilância de acidentes
ofídicos no território nacional.
Investindo na modernização das plantas
de produção dos laboratórios públicos –
Instituto Butantan, Fundação Ezequiel Dias e
Instituto Vital Brazil – passou a adquirir, em
caráter exclusivo, os seus quantitativos,
destinando cotas mensais de cada tipo de soro a
cada uma das Unidades Federadas, por meio das
Secretarias Estaduais de Saúde. Os acidentes
ofídicos passaram a ser de notificação
obrigatória no país, o que permitiu um melhor
dimensionamento do ofidismo no país,
revelando aspectos característicos deste tipo de
agravo que possibilitaram o planejamento de
ações de controle.
O trabalho desenvolvido trouxe em
pouco tempo resultados palpáveis, demonstrado
pelo incremento na produção e a
descentralização dos pontos de atendimento, o
que levou à sensível diminuição nas taxas de
letalidade. As bases para consolidação desse
processo, que incluem a educação da população
e a capacitação de profissionais de saúde, estão
hoje inseridas no Sistema Único de Saúde, cuja
política é coordenada pela Secretaria de
Vigilância em Saúde.