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Desafios e conflitos éticos
 dos médicos residentes
 Dr. Sami A R J El Jundi, MD, MSc
Declaração de conflitos
As idéias, argumentos e opiniões aqui
apresentados ou expressados são de
responsabilidade única e exclusiva do autor,
não representando, sob qualquer forma ou
pretexto, a opinião das entidades ou instituições
às quais seu nome está vinculado publicamente.
O autor não tem conflitos de interesse a
declarar em relação aos temas aqui
desenvolvidos.
Ética
       “A ética é a teoria ou ciência do
    comportamento moral dos homens em
 sociedade. Ou seja, é ciência de uma forma
    específica de comportamento humano”
Caráter: científico (genérico, racional, objetivo,
sistemático, metódico e, no limite do possível,
comprovável);
Objeto: o mundo moral, constituído por um
tipo peculiar de fatos ou atos humanos.

                    Vázquez, A.S. Ética. Ed. Civilização Brasileira, 1989.
Moral
   “Conjunto de normas, aceitas livre e
      conscientemente, que regulam o
   comportamento individual e social dos
                     homens”
Caráter: histórico, “de classe”, “evolutivo” ou
“progressista”, social;
Plano normativo ou ideal: moral
Plano fatual, real ou prático: moralidade

                   Vázquez, A.S. Ética. Ed. Civilização Brasileira, 1989.
Estrutura do Ato Moral
 Motivo: aquilo que impulsiona a agir ou a procurar alcançar
 determinado fim;
 Consciência do fim visado: antecipação ideal do resultado que
 se pretende alcançar;
 Escolha de um fim entre outros: em dadas ocasiões há vários
 fins possíveis, mutuamente excludentes;
 Decisão de realizá-lo: qualidade de ato voluntário;
 Consciência e escolha dos meios;
 Emprego dos meios adequados;
 Obtenção do resultado: ato moral consumado, do ponto de
 vista do agente;
 Observação das conseqüências: ato moral consumado, do
 ponto de vista da comunidade ou sociedade.
O ato moral é uma totalidade: o subjetivo e o objetivo estão
        aqui como as duas faces de uma mesma moeda.
                         Vázquez, A.S. Ética. Ed. Civilização Brasileira, 1989.
Qualidade do ato moral
Singularidade: o ato assume um significado em
relação a uma norma e se apresenta como a solução de
um caso determinado.
A mesma norma enfrenta situações diferentes, com
riscos de resultados diferentes.
O resultado pode ser afastar da intenção originária e o
ato pode adquirir um significado moral negativo.
A casuística, como método de determinar de antemão a
maneira de realizar o ato moral, acarreta um
empobrecimento da vida moral.


                     Vázquez, A.S. Ética. Ed. Civilização Brasileira, 1989.
A avaliação da moral
Os objetos avaliados são os atos humanos. Não
se pode falar em uma “moral” dos atos de
animais, dos irracionais, etc.
Somente podem ser avaliados os atos que, por
seus resultados e conseqüências, afetam a
outros.
O ato moral pretende ser uma realização do
“bom”, isto é, encarnando ou plasmando o valor
da bondade.

                  Vázquez, A.S. Ética. Ed. Civilização Brasileira, 1989.
Mas o que é bom?
O bom como felicidade (eudemonismo):
  Aristóteles: exercício da razão (sob condições
  concretas).
  Sócrates: a “boa vida” (trabalho, amigos,
  contemplação)
  Iluminismo: felicidade no plano abstrato, ideal, fora
  das condições concretas da vida social.




                     Vázquez, A.S. Ética. Ed. Civilização Brasileira, 1989.
Mas o que é bom?
O bom como prazer (hedonismo):
    Como sentimento ou estado afetivo agradável (o oposto
    de “desprazer”)
    Como sensação agradável produzida por estímulos (o
    oposto de “dor”)
  Todo prazer ou gozo é intrinsecamente bom;
  Somente o prazer é intrinsecamente bom;
  A bondade de um ato ou experiência depende do
  prazer que contém.


                     Vázquez, A.S. Ética. Ed. Civilização Brasileira, 1989.
Mas o que é bom?
O bom como “boa vontade” (formalismo
Kantiano):
  O bom deve ser algo absoluto, incondicionado, sem
  restrição alguma.
 “Nem no mundo nem também, em geral, fora do
    mundo é possível conceber alguma coisa que
    possa considerar-se boa sem restrições, a não
          ser unicamente uma boa vontade”
           Kant, I. Fundamentação da metafísica dos costumes, Cap 1.
  Deve-se atuar de acordo com o dever e pelo dever.

                      Vázquez, A.S. Ética. Ed. Civilização Brasileira, 1989.
Mas o que é bom?
O bom como útil (utilitarismo):
  Útil para quem?
    Altruísmo ético x egoísmo ético = “para o maior número
    de homens”.
  Em que consiste o útil?
    Naquilo que tem boas conseqüências, independentemente
    do motivo ou da intenção.
    Utilitarismo pluralista: o bom não é uma só coisa, mas
    várias que podem, ao mesmo tempo, considerar-se boas.
Obrigatoriedade moral
O comportamento moral é obrigatório e devido, isto é,
se funda na obrigação do agente a comportar-se de
acordo com uma regra ou norma de ação e a excluir ou
evitar os atos proibidos por ela.
A obrigatoriedade moral impõe deveres.
Toda norma funda um dever.
Inclui a liberdade de escolha (vontade livre) e de ação
do sujeito e que este deve aceitar como fundamentada
e justificada a mesma obrigatoriedade.
A coação externa ou interna destitui o caráter de
                   moralidade do ato
Teorias da obrigação moral
Deontológicas (deón = dever)
  A obrigatoriedade de uma ação não se faz depender
  exclusivamente das conseqüências da própria ação
  ou da norma com a qual se conforma.
  “Códigos de Ética Profissional”
Teleológicas (télos = fim)
  A obrigatoriedade de uma ação deriva unicamente de
  suas conseqüências.
Teorias deontológicas
Do ato
  O caráter específico de cada situação, ou de cada ato,
  impede que possamos apelar para uma norma geral a
  fim de decidir o que fazer.
  Sartre (existencialismo):
     A liberdade é a única fonte de valor
    Cada um de nós é absolutamente livre
    O que importa é o grau de liberdade com que se escolhe
    ou realiza o ato
    “Escolhe livremente” ou “decide com plena liberdade”!
Teorias deontológicas
Da norma
  O dever deve ser determinado por normas que são válidas
  independentemente das conseqüências de sua aplicação.
  Kant (teoria da obrigatoriedade moral):
     O único bom é a boa vontade;
     A boa vontade é a vontade de agir por dever;
     A ação moralmente boa é aquela se realiza não somente de acordo
     com o dever, mas pelo dever;
  Conflitos de deveres não encontram solução em Kant, pois se
  encontram no mesmo plano.
  Principialismo bioético.
Deontologia Médica
“Um Código de Ética Médica que não for
  sensível às modificações surgidas com a
  concepção que se tem da sociedade e do
 homem, marcadas pela experiência que as
   mudanças produzem a partir da prática
profissional, dos costumes e das idéias, é um
                mau Código”
     França, G.V. Direito Médico. Fundo Editorial Byk, 2003.
Deontologia Médica
Código de Ética Médica (Res. CFM 1.246/1988)
  Declaração de princípios (Art. 1-19)
  Declaração de direitos (Art. 20-28)
  Codificação e sistematização de normas
  fundamentais específicas de conduta – vedações
  (Art. 29-140)
Código de Processo Ético-Profissional (Res.
CFM 1.897/2009)
  Normas processuais
Deontologia Médica
Lei 3.268 de 30/09/1957 (Dispõe sobre os
Conselhos de Medicina e dá outras providências)
  Penalidades disciplinares
Resoluções e Pareceres do CFM e CRMs
Decisões das Comissões de Ética e Bioética
Objeções de Consciência
Relato de caso
Paciente masculino, 65 anos, índio, veio à emergência, trazido
por seu filho e pela enfermeira que presta assistência à tribo de
sua origem, por apresentar dor abdominal há 1 semana, que se
agravou nas últimas 24 horas. Durante sua chegada e toda sua
permanência no serviço de emergência, apresentou-se sempre
acordado, lúcido, comunicando-se com seu filho por
“dialeto” e de aparência calma.
O paciente apresentava quadro clínico de insuficiência renal
grave com elevação nos níveis séricos de uréia (300 mg/dL),
creatinina (13,8 mg/dL), potássio (8,7 mEq/L), PSA (37,40
ng/mL) além de US e TC do abdômen evidenciando volumosa
ascite, alças intestinais dilatadas, bexiga distendida com
paredes espessadas e próstata com aumento de tamanho. O
ECG apresentava alterações gráficas compatíveis com
hiperpotassemia.
A equipe de cirurgia indicou necessidade de
exploração cirúrgica após estabilização clínica. Na
avaliação nefrológica, foi visto diante dos exames
obtidos que o paciente tinha indicação naquele
momento de hemodiálise para posterior cirurgia.
Foi então dito à enfermeira e ao filho do paciente para
explicar ao mesmo sobre o quadro clínico e condutas a
serem tomadas. Após tomar conhecimento das
condutas, o paciente negou-se a realizar qualquer
procedimento médico, já que acreditava ter “chegado
sua hora” (conforme contou seu filho).
A equipe insistiu em mostrar ao tradutor (filho do
paciente) a importância da conduta médica, onde após
conversar com o pai, resolveu chamar o “pajé” da
tribo para avaliá-lo.
Com a chegada do pajé, acompanhado do “cacique
geral”, como identificou-se, os mesmos conversaram
com o paciente e chegaram à conclusão de que se
tratava de “coisa de Deus branco”, autorizando o
paciente a submeter-se aos procedimentos, o qual após
isso, concordou com todos os atos necessários para
ajudá-lo.
Conflitos de normas
Princípios
  Beneficência
  Não-maleficência
  Autonomia
  Empowerment: condições concretas para o exercício da
  autonomia (incapacidade relativa, norma legal,
  aspectos culturais, elementos coercitivos,
  impeditivos ou indutivos)
Conflitos de normas
 “A noção de indivíduo investido de direitos
   morais representa... uma construção da
               modernidade”
       ALMEIDA, J. L. T. Respeito à autonomia do paciente e consentimento livre
         e esclarecido: uma abordagem principalista da relação médico-paciente.



“Em pacientes competentes,nunca se pode
 interferir em seu próprio benefício sem seu
  expresso consentimento, não importando
 quanto mal é prevenido e quão pequena é a
            violação da regra moral”
               T. Beauchamp – “Principles of Biomedical Ethics”(1979)
Conflitos de normas
“O pensamento pós-metafísico deve
 impor a si próprio uma moderação,
  quando se trata de tomar posições
  definitivas em relação a questões
   substanciais sobre a vida boa ou
           não-fracassada”
 Habermas,J. O futuro da natureza humana,São Paulo,Martins Fontes,2004
   Citado por Siqueira, J. Reflexões éticas sobre a autonomia do paciente. III
                                                      CNEM, Brasília, 2009.
Modelo ideal
DELIBERATIVO
 Comunidade ideal de comunicação;
 Moderação justificada;
 Vontade racional
   autonomia solidária;
   ética da deliberação;
   decisões sobre conflitos morais

    Citado por Siqueira, J. Reflexões éticas sobre a autonomia do paciente. III
                                                        CNEM, Brasília, 2009
Educação médica
“Médicos são instruídos, treinados e socializados no
interior de uma cultura profissional para a consecução
de um projeto coletivo de poder e mobilidade social...”
“Um longo treinamento especializado e unificado... é o
critério fundamental para a constituição do conceito de
profissão.”
Larson: “produção de médicos”!

                    Moura, L.C.S A face reversa da educação médica.
                                AGE Editora, Simers e GEM, 2004.
Educação médica
“Medical school is really weird. It is a forced
 emotional experience. We handle cadavers,
   have feces lab where we examine our own
 feces, go to [a mental hospital where we get
  locked up] with screaming patients. These
 are total experiences, like an occult thing or
                  boot camp.”

                 Entrevista de estudante do 2º ano de Harvard, citada por
                        Moura, L.C.S A face reversa da educação médica.
                                     AGE Editora, Simers e GEM, 2004.
“Ao mesmo tempo eles reconhecem que não
  são suficientemente experientes para julgar
 o que deve ser feito e sentem profundamente
   a pressão para demonstrar solidariedade,
     para não questionar os atos daqueles
         hierarquicamente superiores”

                             Good, 1994. Traduzido e citado por
                 Moura, L.C.S A face reversa da educação médica.
                             AGE Editora, Simers e GEM, 2004.
“A submissão a tal programa de treinamento e a
     adesão aos seus princípios estruturantes é
   condição fundamental para o ajustamento do
  estudante ao mundo médico, para a adoção dos
 valores profissionais, para a assunção de atitudes
       tipicamente médicas que, ao longo do
treinamento, vão se consolidando a partir de sinais
   de aprovação ou reprovação dos professores e
 instrutores. Este enquadramento... é fator que se
  reveste de importância vital para as chances de
        sucesso futuro, para o surgimento de
  oportunidades de trabalho e colocação e para a
         obtenção do respeito dos colegas.”
                      Moura, L.C.S A face reversa da educação médica.
                                  AGE Editora, Simers e GEM, 2004.
A escola médica como introspecção
“De fato, a introspecção – não a reflexão da mente do
   homem quanto ao estado de sua alma ou de seu
       corpo, mas o mero interesse cognitivo da
  consciência em relação ao seu próprio conteúdo –
   deve produzir a certeza, pois na introspecção só
       está envolvido aquilo que a própria mente
  produziu; ninguém interfere, a não ser o produtor
   do produto; o homem vê-se diante de nada e de
            ninguém a não ser de si mesmo.”
              Arendt, Hannah. A condição humana. Forense Universitária, 1981.
Dilemas atuais da profissão médica
Especialização e fragmentação dos saberes e das
práticas médicas, com o isolamento de grupos de
especialidades organizados em sociedades distintas;
Institucionalização e burocratização do trabalho
médico, erodindo sua autonomia;
Fragilização do modelo liberal de profissão e
empresariamento dos profissionais, limitando a
autonomia técnica e o domínio do conhecimento global
e implantando a lógica mercantil.

 Drumond, J.G.F. O “ethos” médico: a velha e a nova moral médica. Editora
                                                       Unimontes, 2005.
Dilemas do atual modelo de
          educação médica
Modelo “totalizador”, de construção de “ethos” ou habitus
e de hegemonia social:
   Onde se estabelece uma clara hierarquia e relações de poder;
   Depende da adesão voluntária de seus membros;
   Se reproduz de forma continuada e conservadora.
Permeável à realidade social e às mudanças do mercado de
trabalho:
   Se submete às mudanças sociais necessárias a sua própria sobrevivência;
   Vivencia e reproduz os mesmos dilemas do mercado “externo”;
   Agudiza alguns desses dilemas.
Introspectivo:
   Constrói certezas sobre si mesmo, alienando-se da realidade “externa”;
   Incapaz de produzir auto-crítica consistente, mesmo quando perde espaço
   social.
Dilemas do atual modelo de
        educação médica
Gerador de conflitos de ordem moral que são
  substituídos pela pura e simples adesão ou são
submetidos à reprovação hierárquica (e dos que
    a ela aderiram) e remetidos à introspecção
individual, onde geram profundo sofrimento ou
 final submissão. No futuro, serão reproduzidos
    sem auto-crítica e, quando questionados e
sancionados seus atos, dirão que “a disciplina de
  ética médica da faculdade era muito fraca” ou
                 algo semelhante!
O nosso dilema
De um lado um profissional formado em um modelo
de adesão / submissão total, irrestrita e acrítica, onde os
conflitos são negados e prevalece a certeza, sem
qualquer perspectiva do “outro”,
De outro um indivíduo / paciente, que engatinha no
exercício de sua própria autonomia, numa situação em
que imperam os conflitos de valores e perspectivas,
eivado de incertezas e sofrimentos, sem qualquer
perspectiva de “si mesmo”,
Qual o diálogo possível???
Mudar nossa formação, como meio
  de mudar nossa perspectiva
 O modelo deliberativo intracorporis:
    Deliberação sem deformações internas ou externas

    Livre expressão dos argumentos

    Acolher argumentações discordantes

    Diante de conflitos morais nem sempre é possível atingir-se decisões
    consensuais
                           Habermas,J Teoria de la acción comunicativa,Madrid,Taurus,1987


Espaços formais de solução de conflitos e construção de consensos são
 fundamentais, mas de nada adiantam se não vierem acompanhados de
   uma atitude compatível, tanto do ponto de vista individual, quanto
                             institucional.
Obrigado!
samieljundi@terra.com.br

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Conflitos Eticos dos Estudantes de Medicina e Medicos Residentes

  • 1. Desafios e conflitos éticos dos médicos residentes Dr. Sami A R J El Jundi, MD, MSc
  • 2. Declaração de conflitos As idéias, argumentos e opiniões aqui apresentados ou expressados são de responsabilidade única e exclusiva do autor, não representando, sob qualquer forma ou pretexto, a opinião das entidades ou instituições às quais seu nome está vinculado publicamente. O autor não tem conflitos de interesse a declarar em relação aos temas aqui desenvolvidos.
  • 3. Ética “A ética é a teoria ou ciência do comportamento moral dos homens em sociedade. Ou seja, é ciência de uma forma específica de comportamento humano” Caráter: científico (genérico, racional, objetivo, sistemático, metódico e, no limite do possível, comprovável); Objeto: o mundo moral, constituído por um tipo peculiar de fatos ou atos humanos. Vázquez, A.S. Ética. Ed. Civilização Brasileira, 1989.
  • 4. Moral “Conjunto de normas, aceitas livre e conscientemente, que regulam o comportamento individual e social dos homens” Caráter: histórico, “de classe”, “evolutivo” ou “progressista”, social; Plano normativo ou ideal: moral Plano fatual, real ou prático: moralidade Vázquez, A.S. Ética. Ed. Civilização Brasileira, 1989.
  • 5. Estrutura do Ato Moral Motivo: aquilo que impulsiona a agir ou a procurar alcançar determinado fim; Consciência do fim visado: antecipação ideal do resultado que se pretende alcançar; Escolha de um fim entre outros: em dadas ocasiões há vários fins possíveis, mutuamente excludentes; Decisão de realizá-lo: qualidade de ato voluntário; Consciência e escolha dos meios; Emprego dos meios adequados; Obtenção do resultado: ato moral consumado, do ponto de vista do agente; Observação das conseqüências: ato moral consumado, do ponto de vista da comunidade ou sociedade. O ato moral é uma totalidade: o subjetivo e o objetivo estão aqui como as duas faces de uma mesma moeda. Vázquez, A.S. Ética. Ed. Civilização Brasileira, 1989.
  • 6. Qualidade do ato moral Singularidade: o ato assume um significado em relação a uma norma e se apresenta como a solução de um caso determinado. A mesma norma enfrenta situações diferentes, com riscos de resultados diferentes. O resultado pode ser afastar da intenção originária e o ato pode adquirir um significado moral negativo. A casuística, como método de determinar de antemão a maneira de realizar o ato moral, acarreta um empobrecimento da vida moral. Vázquez, A.S. Ética. Ed. Civilização Brasileira, 1989.
  • 7. A avaliação da moral Os objetos avaliados são os atos humanos. Não se pode falar em uma “moral” dos atos de animais, dos irracionais, etc. Somente podem ser avaliados os atos que, por seus resultados e conseqüências, afetam a outros. O ato moral pretende ser uma realização do “bom”, isto é, encarnando ou plasmando o valor da bondade. Vázquez, A.S. Ética. Ed. Civilização Brasileira, 1989.
  • 8. Mas o que é bom? O bom como felicidade (eudemonismo): Aristóteles: exercício da razão (sob condições concretas). Sócrates: a “boa vida” (trabalho, amigos, contemplação) Iluminismo: felicidade no plano abstrato, ideal, fora das condições concretas da vida social. Vázquez, A.S. Ética. Ed. Civilização Brasileira, 1989.
  • 9. Mas o que é bom? O bom como prazer (hedonismo): Como sentimento ou estado afetivo agradável (o oposto de “desprazer”) Como sensação agradável produzida por estímulos (o oposto de “dor”) Todo prazer ou gozo é intrinsecamente bom; Somente o prazer é intrinsecamente bom; A bondade de um ato ou experiência depende do prazer que contém. Vázquez, A.S. Ética. Ed. Civilização Brasileira, 1989.
  • 10. Mas o que é bom? O bom como “boa vontade” (formalismo Kantiano): O bom deve ser algo absoluto, incondicionado, sem restrição alguma. “Nem no mundo nem também, em geral, fora do mundo é possível conceber alguma coisa que possa considerar-se boa sem restrições, a não ser unicamente uma boa vontade” Kant, I. Fundamentação da metafísica dos costumes, Cap 1. Deve-se atuar de acordo com o dever e pelo dever. Vázquez, A.S. Ética. Ed. Civilização Brasileira, 1989.
  • 11. Mas o que é bom? O bom como útil (utilitarismo): Útil para quem? Altruísmo ético x egoísmo ético = “para o maior número de homens”. Em que consiste o útil? Naquilo que tem boas conseqüências, independentemente do motivo ou da intenção. Utilitarismo pluralista: o bom não é uma só coisa, mas várias que podem, ao mesmo tempo, considerar-se boas.
  • 12. Obrigatoriedade moral O comportamento moral é obrigatório e devido, isto é, se funda na obrigação do agente a comportar-se de acordo com uma regra ou norma de ação e a excluir ou evitar os atos proibidos por ela. A obrigatoriedade moral impõe deveres. Toda norma funda um dever. Inclui a liberdade de escolha (vontade livre) e de ação do sujeito e que este deve aceitar como fundamentada e justificada a mesma obrigatoriedade. A coação externa ou interna destitui o caráter de moralidade do ato
  • 13. Teorias da obrigação moral Deontológicas (deón = dever) A obrigatoriedade de uma ação não se faz depender exclusivamente das conseqüências da própria ação ou da norma com a qual se conforma. “Códigos de Ética Profissional” Teleológicas (télos = fim) A obrigatoriedade de uma ação deriva unicamente de suas conseqüências.
  • 14. Teorias deontológicas Do ato O caráter específico de cada situação, ou de cada ato, impede que possamos apelar para uma norma geral a fim de decidir o que fazer. Sartre (existencialismo): A liberdade é a única fonte de valor Cada um de nós é absolutamente livre O que importa é o grau de liberdade com que se escolhe ou realiza o ato “Escolhe livremente” ou “decide com plena liberdade”!
  • 15. Teorias deontológicas Da norma O dever deve ser determinado por normas que são válidas independentemente das conseqüências de sua aplicação. Kant (teoria da obrigatoriedade moral): O único bom é a boa vontade; A boa vontade é a vontade de agir por dever; A ação moralmente boa é aquela se realiza não somente de acordo com o dever, mas pelo dever; Conflitos de deveres não encontram solução em Kant, pois se encontram no mesmo plano. Principialismo bioético.
  • 16. Deontologia Médica “Um Código de Ética Médica que não for sensível às modificações surgidas com a concepção que se tem da sociedade e do homem, marcadas pela experiência que as mudanças produzem a partir da prática profissional, dos costumes e das idéias, é um mau Código” França, G.V. Direito Médico. Fundo Editorial Byk, 2003.
  • 17. Deontologia Médica Código de Ética Médica (Res. CFM 1.246/1988) Declaração de princípios (Art. 1-19) Declaração de direitos (Art. 20-28) Codificação e sistematização de normas fundamentais específicas de conduta – vedações (Art. 29-140) Código de Processo Ético-Profissional (Res. CFM 1.897/2009) Normas processuais
  • 18. Deontologia Médica Lei 3.268 de 30/09/1957 (Dispõe sobre os Conselhos de Medicina e dá outras providências) Penalidades disciplinares Resoluções e Pareceres do CFM e CRMs Decisões das Comissões de Ética e Bioética Objeções de Consciência
  • 19. Relato de caso Paciente masculino, 65 anos, índio, veio à emergência, trazido por seu filho e pela enfermeira que presta assistência à tribo de sua origem, por apresentar dor abdominal há 1 semana, que se agravou nas últimas 24 horas. Durante sua chegada e toda sua permanência no serviço de emergência, apresentou-se sempre acordado, lúcido, comunicando-se com seu filho por “dialeto” e de aparência calma. O paciente apresentava quadro clínico de insuficiência renal grave com elevação nos níveis séricos de uréia (300 mg/dL), creatinina (13,8 mg/dL), potássio (8,7 mEq/L), PSA (37,40 ng/mL) além de US e TC do abdômen evidenciando volumosa ascite, alças intestinais dilatadas, bexiga distendida com paredes espessadas e próstata com aumento de tamanho. O ECG apresentava alterações gráficas compatíveis com hiperpotassemia.
  • 20. A equipe de cirurgia indicou necessidade de exploração cirúrgica após estabilização clínica. Na avaliação nefrológica, foi visto diante dos exames obtidos que o paciente tinha indicação naquele momento de hemodiálise para posterior cirurgia. Foi então dito à enfermeira e ao filho do paciente para explicar ao mesmo sobre o quadro clínico e condutas a serem tomadas. Após tomar conhecimento das condutas, o paciente negou-se a realizar qualquer procedimento médico, já que acreditava ter “chegado sua hora” (conforme contou seu filho).
  • 21. A equipe insistiu em mostrar ao tradutor (filho do paciente) a importância da conduta médica, onde após conversar com o pai, resolveu chamar o “pajé” da tribo para avaliá-lo. Com a chegada do pajé, acompanhado do “cacique geral”, como identificou-se, os mesmos conversaram com o paciente e chegaram à conclusão de que se tratava de “coisa de Deus branco”, autorizando o paciente a submeter-se aos procedimentos, o qual após isso, concordou com todos os atos necessários para ajudá-lo.
  • 22. Conflitos de normas Princípios Beneficência Não-maleficência Autonomia Empowerment: condições concretas para o exercício da autonomia (incapacidade relativa, norma legal, aspectos culturais, elementos coercitivos, impeditivos ou indutivos)
  • 23. Conflitos de normas “A noção de indivíduo investido de direitos morais representa... uma construção da modernidade” ALMEIDA, J. L. T. Respeito à autonomia do paciente e consentimento livre e esclarecido: uma abordagem principalista da relação médico-paciente. “Em pacientes competentes,nunca se pode interferir em seu próprio benefício sem seu expresso consentimento, não importando quanto mal é prevenido e quão pequena é a violação da regra moral” T. Beauchamp – “Principles of Biomedical Ethics”(1979)
  • 24. Conflitos de normas “O pensamento pós-metafísico deve impor a si próprio uma moderação, quando se trata de tomar posições definitivas em relação a questões substanciais sobre a vida boa ou não-fracassada” Habermas,J. O futuro da natureza humana,São Paulo,Martins Fontes,2004 Citado por Siqueira, J. Reflexões éticas sobre a autonomia do paciente. III CNEM, Brasília, 2009.
  • 25. Modelo ideal DELIBERATIVO Comunidade ideal de comunicação; Moderação justificada; Vontade racional autonomia solidária; ética da deliberação; decisões sobre conflitos morais Citado por Siqueira, J. Reflexões éticas sobre a autonomia do paciente. III CNEM, Brasília, 2009
  • 26.
  • 27. Educação médica “Médicos são instruídos, treinados e socializados no interior de uma cultura profissional para a consecução de um projeto coletivo de poder e mobilidade social...” “Um longo treinamento especializado e unificado... é o critério fundamental para a constituição do conceito de profissão.” Larson: “produção de médicos”! Moura, L.C.S A face reversa da educação médica. AGE Editora, Simers e GEM, 2004.
  • 28. Educação médica “Medical school is really weird. It is a forced emotional experience. We handle cadavers, have feces lab where we examine our own feces, go to [a mental hospital where we get locked up] with screaming patients. These are total experiences, like an occult thing or boot camp.” Entrevista de estudante do 2º ano de Harvard, citada por Moura, L.C.S A face reversa da educação médica. AGE Editora, Simers e GEM, 2004.
  • 29. “Ao mesmo tempo eles reconhecem que não são suficientemente experientes para julgar o que deve ser feito e sentem profundamente a pressão para demonstrar solidariedade, para não questionar os atos daqueles hierarquicamente superiores” Good, 1994. Traduzido e citado por Moura, L.C.S A face reversa da educação médica. AGE Editora, Simers e GEM, 2004.
  • 30. “A submissão a tal programa de treinamento e a adesão aos seus princípios estruturantes é condição fundamental para o ajustamento do estudante ao mundo médico, para a adoção dos valores profissionais, para a assunção de atitudes tipicamente médicas que, ao longo do treinamento, vão se consolidando a partir de sinais de aprovação ou reprovação dos professores e instrutores. Este enquadramento... é fator que se reveste de importância vital para as chances de sucesso futuro, para o surgimento de oportunidades de trabalho e colocação e para a obtenção do respeito dos colegas.” Moura, L.C.S A face reversa da educação médica. AGE Editora, Simers e GEM, 2004.
  • 31. A escola médica como introspecção “De fato, a introspecção – não a reflexão da mente do homem quanto ao estado de sua alma ou de seu corpo, mas o mero interesse cognitivo da consciência em relação ao seu próprio conteúdo – deve produzir a certeza, pois na introspecção só está envolvido aquilo que a própria mente produziu; ninguém interfere, a não ser o produtor do produto; o homem vê-se diante de nada e de ninguém a não ser de si mesmo.” Arendt, Hannah. A condição humana. Forense Universitária, 1981.
  • 32. Dilemas atuais da profissão médica Especialização e fragmentação dos saberes e das práticas médicas, com o isolamento de grupos de especialidades organizados em sociedades distintas; Institucionalização e burocratização do trabalho médico, erodindo sua autonomia; Fragilização do modelo liberal de profissão e empresariamento dos profissionais, limitando a autonomia técnica e o domínio do conhecimento global e implantando a lógica mercantil. Drumond, J.G.F. O “ethos” médico: a velha e a nova moral médica. Editora Unimontes, 2005.
  • 33. Dilemas do atual modelo de educação médica Modelo “totalizador”, de construção de “ethos” ou habitus e de hegemonia social: Onde se estabelece uma clara hierarquia e relações de poder; Depende da adesão voluntária de seus membros; Se reproduz de forma continuada e conservadora. Permeável à realidade social e às mudanças do mercado de trabalho: Se submete às mudanças sociais necessárias a sua própria sobrevivência; Vivencia e reproduz os mesmos dilemas do mercado “externo”; Agudiza alguns desses dilemas. Introspectivo: Constrói certezas sobre si mesmo, alienando-se da realidade “externa”; Incapaz de produzir auto-crítica consistente, mesmo quando perde espaço social.
  • 34. Dilemas do atual modelo de educação médica Gerador de conflitos de ordem moral que são substituídos pela pura e simples adesão ou são submetidos à reprovação hierárquica (e dos que a ela aderiram) e remetidos à introspecção individual, onde geram profundo sofrimento ou final submissão. No futuro, serão reproduzidos sem auto-crítica e, quando questionados e sancionados seus atos, dirão que “a disciplina de ética médica da faculdade era muito fraca” ou algo semelhante!
  • 35.
  • 36. O nosso dilema De um lado um profissional formado em um modelo de adesão / submissão total, irrestrita e acrítica, onde os conflitos são negados e prevalece a certeza, sem qualquer perspectiva do “outro”, De outro um indivíduo / paciente, que engatinha no exercício de sua própria autonomia, numa situação em que imperam os conflitos de valores e perspectivas, eivado de incertezas e sofrimentos, sem qualquer perspectiva de “si mesmo”, Qual o diálogo possível???
  • 37. Mudar nossa formação, como meio de mudar nossa perspectiva O modelo deliberativo intracorporis: Deliberação sem deformações internas ou externas Livre expressão dos argumentos Acolher argumentações discordantes Diante de conflitos morais nem sempre é possível atingir-se decisões consensuais Habermas,J Teoria de la acción comunicativa,Madrid,Taurus,1987 Espaços formais de solução de conflitos e construção de consensos são fundamentais, mas de nada adiantam se não vierem acompanhados de uma atitude compatível, tanto do ponto de vista individual, quanto institucional.