2. “Santa Cecília”
Igreja de Santa Maria,
Kitchener (Canadá)
“P
ara mim, é glorioso e
desejável sofrer todos
os tormentos para confessar a
Jesus Cristo, pois nunca tive
o menor apego a esta vida.
Mas compadeço-me de vós, que
pareceis estar ainda na juventude, pela desgraça de vos encontrardes às ordens de um juiz
tão cheio de injustiça. [...]
Gustavo Kralj
“Morrer por Cristo não é sacrificar a própria juventude, mas
renová-la; é dar um pouco de
barro para receber ouro; trocar
uma morada estreita e vil por
um palácio magnífico; oferecer
algo perecível e receber em troca um bem imortal”.
(Da Vida de Santa Cecília,
pelos Petits Bollandistes)
3. SumáriO
Escrevem os leitores ����������������������������������������
4
“Sístole-diástole” (Editorial) . . . . . . . . . . . . . .
5
Revista mensal dos
Associação privada internacional de
fiéis de direito pontifício
Ano XII, nº 143, Novembro 2013
ISSN 1982-3193
Publicada por:
Associação Arautos do Evangelho do Brasil
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ao assinante:
........................
6
Comentário ao Evangelho –
A festa
dos irmãos celestes
10
Dona Lucilia Ribeiro dos
Santos Corrêa de Oliveira –
O calor dessa bondade
......................
18
A virtude da Obediência –
Jesus Se oculta nos
superiores
......................
......................
33
A palavra dos Pastores –
Batismo e Reconciliação
A voz do Papa –
Recomeçar de Cristo
......................
São Martinho de Porres –
“Martinho da Caridade”
20
......................
38
Aconteceu na Igreja e
no mundo
......................
40
História para crianças...
Nunca se ouviu dizer...
......................
46
Os santos de
cada dia
......................
48
Montagem:
Equipe de artes gráficas dos Arautos do Evangelho
Impressão e acabamento:
Divisão Gráfica da Editora Abril S/A.
Av. Otaviano Alves de Lima, 4.400 - 02909-900 - SP
Arautos no mundo
......................
A revista Arautos do Evangelho é impresa em papel
certificado FSC, produzido a partir de fontes responsáveis
Pináculo de pedra,
auge de amor
26
......................
50
4. E screvem
os leitores
Missão evangelizadora
em Ruanda
Maria criou muita
união entre nós
A visita de Nossa Senhora à nossa comunidade paroquial, de 13 a 16
de junho passado, foi uma ocasião
especial para redescobrir nossa devoção à Mãe de Deus. Pudemos notar como Maria criou muita união
nos dias em que esteve presente entre nós. O que mais marcou o coração de todos foi o encontro pessoal
com a imagem de Nossa Senhora, na
igreja, bem como a visita aos doentes, que deixou neles muita consolação e aceitação da enfermidade como meio para se aproximarem mais
do Senhor.
O belo testemunho dos Arautos, a capacidade de compreender
as várias vicissitudes de cada um e
sua alegria ao oferecer a todos os irmãos e irmãs uma palavra, um gesto de caridade, deixaram entre todos
um caminho aberto para uma missão mais unida. Minha comunidade
entrega a Nossa Senhora este desejo, na certeza de que o Senhor completará a obra que aqui iniciou.
Muito obrigado, de minha parte e
de toda a comunidade.
Pe. Francesco Zumpano
Paróquia SS. Salvatore
Castrolibero – Itália
Contos repletos de ensinamentos
O que mais me atrai na Revista é a
seção História para crianças... ou adultos cheios de fé? Na verdade, são contos muito bem ilustrados, repletos de
ensinamentos que nos fazem progredir na vida espiritual. Temos muitas
esperanças de que Nossa Senhora nos
ajude a ter nossa capela e os Arautos
novamente em nossa cidade.
Martha de Zambrana
Santa Cruz de la Sierra – Bolívia
Quero agradecer-lhes por me terem enviado sua bela Revista de espiritualidade. Tocou-me muitíssimo
o artigo sobre a missão evangelizadora dos Arautos em Ruanda. Que
a Virgem Maria — Nyina wa Jambo
— os cumule de graças, bem como a
todos os seus leitores.
Pe. Leo Panhuysen, SDB
Butare – Ruanda
Lemos e meditamos
Estamos muito satisfeitas com
nossa assinatura, pois recebemos o
primeiro exemplar da revista Arautos do Evangelho em agosto passado.
Lemos e meditamos todos os ótimos
artigos ali contidos. Cada página nos
traz lindos e profundos ensinamentos e, às vezes, é impossível segurar
as lágrimas. A missão dos Arautos é
encantadora, um verdadeiro testemunho de Fé e um grande incentivo
para todos nós.
Vivien Rissato
Londrina – PR
Formativa e informativa
Sempre espero com gosto e alegria a chegada da estupenda revista
Arautos do Evangelho. É a mais formativa e informativa publicação sobre distintos aspectos que conheço,
da Igreja. Seus artigos encerram uma
grande pedagogia cristã, que fortalece o coração de todo bom cristão que
se preze. Ela é atual, profunda, agradável e muito bem estruturada. Muitíssimo obrigado por seu envio. Que
sua difusão seja instrumento para a
nova evangelização da Igreja.
José Cascales Albarracín
Múrcia – Espanha
Doutrina católica de forma
profunda e acessível
Estamos na era dos mais avançados meios de comunicação. Contudo,
4 Arautos do Evangelho · Novembro 2013
são escassos aqueles que nos transmitem verdadeiros ensinamentos e a
boa doutrina. Entre estes se encontra
a revista Arautos do Evangelho, que
nos oferece a doutrina católica de
forma profunda e acessível a todos. E
isso, além de aumentar nosso conhecimento, faz crescer nosso amor pelos santos mistérios de nossa Igreja.
Tatiana Carvalho Reis
Montes Claros – MG
Manter a união com a Igreja
Quero deixar aqui meu reconhecido agradecimento pelo Divino
Espírito Santo ter suscitado a obra
dos Arautos do Evangelho, que
contém diversos elementos que nos
auxiliam a crescer na fé e a buscar
uma acertada formação, com destaque para a publicação desta Revista, a qual devemos não só ler,
mas divulgar.
Busco em primeiro lugar o Comentário ao Evangelho, de Mons.
João Scognamiglio Clá Dias, e depois as atividades dos Arautos no
Mundo, porque Mons. João forma
e os Arautos demonstram, exemplificam, dão o testemunho e o norte
por onde se deve seguir para manter
a união com a Igreja. Creio ser esta
Revista o melhor, de mais fácil acesso e mais coerente veículo de comunicação católico de nossos dias, devido à desinformação reinante.
Janel C. Ferreira
São Paulo – SP
Revista evangelizadora
Aqui todos os assuntos abordados me atraem, sobretudo o exemplo da vida dos Santos e o testemunho do trabalho dos Arautos, que está chegando a inúmeros países e levando tantas pessoas a se consagrarem a Nossa Senhora. Muito obrigada por esta Revista evangelizadora.
Vilma Vieira Borges
Salvador – BA
5. Editorial
“Sístole-diástole”
A
143
Número 2013
ro
Novemb
ro
Encont
ida
Aparec
em
Arautos do etor
s
feminino conduzem a imagem de
Nossa Senhora
Aparecida ao altar-mor do Santuário durante a V Peregrinação Nacional do Apostolado
do Oratório
Foto: Leandro Souza
pós o retumbante milagre da primeira multiplicação dos pães, Jesus despediu as multidões e “subiu à montanha, a sós, para orar” (Mt 14, 23). O
Homem-Deus com frequência Se retirava a fim de mais especialmente
estar com o Pai. Grande lição dada àqueles que propendem à atividade febril, esquecendo-se do sobrenatural, ou a um isolamento na contemplação, olvidando-se
da ação. Ser Marta ou Maria, eis o equívoco. Pois a perfeição — da qual Nosso Senhor nos dá inigualável exemplo — está em ter o zelo operativo de Marta sem deixar de ter as vistas e o coração postos no sobrenatural, como Maria.
Bem acentuou esta verdade o Papa Francisco, em discurso de 27 de setembro, no qual conclamou os catequistas a imitarem Cristo, tendo a coragem de
sair de si, de ir às periferias físicas ou espirituais, como a das crianças que não
sabem sequer fazer o Sinal da Cruz, na certeza de lá encontrar Jesus em cada
pessoa necessitada.
No intuito de, segundo as palavras do Pontífice, viver nesse “movimento de
sístole-diástole”, os Arautos do Evangelho sempre procuram essa feliz harmonia entre o denodado apostolado externo e a contemplação regada por intensa vida de piedade. Em tudo visam eles o bem das almas e a glória de Deus,
quer, de um lado, nas adorações ao Santíssimo Sacramento, em que cada qual
se sente olhado com amor por Jesus, no canto da Liturgia das Horas, na participação diária na Eucaristia, nos empenhados estudos da doutrina católica,
quer, de outro, na busca das ovelhas desgarradas onde estas estiverem, sobretudo os jovens tão necessitados de luz.
Pelo exemplo e pela palavra, empenham-se os Arautos do Evangelho em
levar o bom odor de Cristo a favelas, orfanatos, asilos de idosos, hospitais, oferecendo ao irmão que sofre uma ajuda material, um olhar de carinho e um estímulo à Fé. E vários sacerdotes Arautos têm como missão prioritária o atendimento aos doentes em estado grave, administrando-lhes os Sacramentos e
consolando-os com uma palavra de confiança, de que tanto necessitam ao se
aproximarem dos umbrais da eternidade.
Nas Missões Marianas, caravanas de Arautos, de comum acordo com os párocos, percorrem as ruas da paróquia, levando de casa em casa, incluindo estabelecimentos comerciais, a imagem do Imaculado Coração de Maria. É verdadeiramente a Mãe que vai à procura dos filhos pródigos. E, tocados pela graça, quantos retornam à casa paterna!
Insere-se nesse contexto a abençoada V Peregrinação Nacional a Aparecida, promovida pelo Apostolado do Oratório Maria Rainha dos Corações, uma
iniciativa dos Arautos do Evangelho, realizada no dia 14 de setembro. Num
ambiente de muita piedade e alegria, 11 mil participantes lotaram a grandiosa
Basílica, onde puderam depositar seus pedidos aos pés da Virgem Mãe Aparecida e agradecer-Lhe os incontáveis favores recebidos em situações por vezes
críticas. “Este foi o dia mais feliz da minha vida!”, era a exclamação de muitos
peregrinos, exultantes por terem saído de si e manifestado sua Fé. ²
Novembro 2013 · Arautos
do Evangelho 5
6. A voz do Papa
Recomeçar de Cristo
G
O catequista tem a maravilhosa missão de educar na Fé, e deve exercê-la
recomeçando de Cristo. Mas o que significa “recomeçar de Cristo”?
osto de que haja, no Ano da
Fé, este encontro para vós: a
catequese constitui uma coluna para a educação da Fé,
e são precisos bons catequistas! Obrigado por este serviço à Igreja e na
Igreja.
Ser catequista requer um amor
cada vez mais forte a Cristo
Embora possa às vezes ser difícil — trabalha-se tanto, empenha-se
e não se veem os resultados desejados —, educar na Fé é maravilhoso!
É talvez a melhor herança que possamos dar a alguém: a Fé! Educar
na Fé, para que essa pessoa cresça.
Ajudar as crianças, os adolescentes,
os jovens, os adultos a conhecerem
e amarem cada vez mais o Senhor é
uma das mais belas aventuras educativas; está-se a construir a Igreja!
Ser catequista! Não trabalhar como
catequista: isso não adianta! Trabalho
como catequista, porque gosto de ensinar… Se, porém, tu não és catequista, não adianta! Não serás fecundo,
não serás fecunda! Catequista é uma
vocação. Ser catequista: esta é a vocação; não trabalhar como catequista.
Atenção que eu não disse fazer o catequista, mas sê-lo, porque compromete a vida: guia-se para o encontro com
Cristo, através das palavras e da vida,
através do testemunho.
Lembrai-vos daquilo que nos disse Bento XVI: “A Igreja não cresce
por proselitismo. Cresce por atração”. E aquilo que atrai é o testemunho. Ser catequista significa dar testemunho da Fé; ser coerente na própria vida. E isto não é fácil. Não é
fácil! Nós ajudamos, guiamos para chegarem ao encontro com Jesus
através das palavras e da vida, através do testemunho.
Gosto de recordar aquilo que São
Francisco de Assis dizia aos seus confrades: “Pregai sempre o Evangelho
e, se for necessário, também com as
palavras”. As palavras têm o seu lugar… mas primeiro o testemunho:
que as pessoas vejam na nossa vida o
Evangelho, possam ler o Evangelho.
E ser catequista requer amor: amor
cada vez mais forte a Cristo, amor ao
seu povo santo. E este amor não se
compra nas lojas, nem se compra sequer aqui em Roma. Este amor vem
de Cristo! É um presente de Cristo!
É um presente de Cristo! E se vem
de Cristo, parte de Cristo; e nós devemos recomeçar de Cristo, deste
amor que Ele nos dá.
Para um catequista, para vós e
para mim, porque também eu sou
catequista, que significa este recomeçar de Cristo? Que significa?
Se estivermos unidos a Ele,
poderemos dar fruto
Eu vou falar de três pontos: um,
dois e três, como faziam os antigos
jesuítas… um, dois e três!
6 Arautos do Evangelho · Novembro 2013
Antes de tudo, recomeçar de Cristo significa cultivar a familiaridade
com Ele, ter esta familiaridade com
Jesus: Jesus recomenda-o, com insistência, aos discípulos na Última Ceia,
quando Se prepara para viver o dom
mais sublime de amor, o sacrifício da
Cruz. Recorrendo à imagem da videira e dos ramos, Jesus diz: permanecei no meu amor, permanecei ligados a Mim, como o ramo está ligado
à videira. Se estivermos unidos a Ele,
podemos dar fruto, e esta é a familiaridade com Cristo. É permanecer
em Jesus! Permanecer ligados a Ele,
dentro d’Ele, com Ele, falando com
Ele: permanecer em Jesus.
A primeira coisa necessária para
um discípulo é estar com o Mestre,
ouvi-Lo, aprender d’Ele. E isto é sempre válido, é um caminho que dura a
vida inteira! Recordo que, na diocese (na outra diocese que tinha antes),
via muitas vezes, no fim dos cursos no
seminário catequético, os catequistas
saírem dizendo: “Tenho o título de catequista!”. Isso não adianta, não tens
nada, fizeste apenas um bocado de estrada! Quem te ajudará? Isto sim, que
vale sempre! Não um título, mas um
procedimento: estar com Ele; e dura toda a vida! É estar na presença do
Senhor, deixar-se olhar por Ele.
Deixas-te olhar pelo Senhor?
Pergunto-vos: Como estais na
presença do Senhor? Quando ides
7. Fé! Que me recomenda o senhor?”.
“Não desanimes! Deus ama-te. Deixa-te olhar por Ele. E basta”. O
mesmo vos digo a vós: Deixai-vos
olhar pelo Senhor!
Compreendo que, para vós, não
é tão simples: especialmente para
quem é casado e tem filhos, é difícil
encontrar um tempo longo de tranquilidade. Mas, graças a Deus, não é
necessário que todos façam da mesma maneira; na Igreja, há ariedade
v
de vocações e variedade de formas
espirituais; o importante é encontrar o modo adequado para estar
com o Senhor; e isto pode acontecer, é possível em todos os estados
de vida. Neste momento, cada um
pode interrogar-se: Como é que eu
vivo este estar com Jesus?
Esta é uma pergunta que vos deixo: “Como é que eu vivo este estar
com Jesus, este permanecer em Jesus?”. Tenho momentos em que permaneço na sua presença, em silêncio, e me deixo olhar por Ele? Deixo que o seu fogo inflame o meu coração? Se, no nosso coração, não há
o calor de Deus, do seu amor, da sua
ternura, como podemos nós, pobres
pecadores, inflamar o coração dos
outros? Pensai nisto!
União com Jesus e
encontro com o outro
O segundo elemento é este —
dois — recomeçar de Cristo significa imitá-Lo na saída de Si mesmo
para ir ao encontro do outro. Trata-se de uma experiência maravilhosa, embora um pouco paradoxal. Por
quê? Porque, quem coloca Cristo no
centro da sua vida, descentraliza-se!
Quanto mais te unes a Jesus e Ele
Se torna o centro da tua vida, tanto mais Ele te faz sair de ti mesmo,
te descentraliza e abre aos outros.
Este é o verdadeiro dinamismo do
amor, este é o movimento do próprio Deus!
Sem deixar de ser o centro, Deus
é sempre dom de Si, relação, vida
que se comunica... E assim nos tornamos também nós, se permanecermos unidos a Cristo, porque Ele
faz-nos entrar neste dinamismo do
amor. Onde há verdadeira vida em
Cristo, há abertura ao outro, há saída de si mesmo para ir ao encontro do outro no nome de Cristo. E
L’Osservatore Romano
ter com o Senhor, enquanto olhais
o Sacrário, que fazeis? Sem palavras… Mas eu falo, falo, penso,
medito, ouço… Muito bem! Mas
tu… deixas-te olhar pelo Senhor?
Sim, deixar-se olhar pelo Senhor.
Ele olha-nos, e esta é uma maneira de rezar. Deixas-te olhar pelo
Senhor? Mas, como se faz? Olhas
para o Sacrário e deixas-te olhar…
é simples! É um pouco maçador,
adormeço… Se adormeceres, adormeces! Ele olhar-te-á igualmente, olhar-te-á igualmente. Mas, teres a certeza de que Ele te olha é
muito mais importante do que o título de catequista: faz parte do ser
catequista. Isto inflama o coração,
mantém aceso o fogo da amizade
com o Senhor, faz-te sentir que Ele
verdadeiramente olha para ti, está
perto de ti e te ama.
Numa das saídas que tive, aqui
em Roma, por ocasião de uma Missa, aproximou-se um senhor, relativamente jovem, e disse-me: “Padre, prazer em conhecê-lo; mas eu
não acredito em nada! Não tenho o
dom da Fé!”. Ele entendia que a Fé
era um dom. “Não tenho o dom da
“Pregai sempre o Evangelho e, se for necessário, também com as palavras”. As palavras têm o seu lugar… mas
primeiro o testemunho.
Acima e nas páginas seguintes: Diversos aspectos da Audiência concedida na Sala Paulo VI aos catequistas vindos a Roma
em peregrinação por ocasião do Ano da Fé e do Congresso Internacional de Catequese, 27/9/2013
Novembro 2013 · Arautos
do Evangelho 7
8. também se pode traduzir por “nos
possui”.
É assim o amor: atrai-te e envia-te, toma-te e dá-te aos outros. É
nesta tensão que se move o coração
do cristão, especialmente o coração
do catequista. Perguntemo-nos, todos: É assim que bate o meu coração de catequista: união com Jesus
e encontro com o outro? Com este movimento de “sístole-diástole”?
Alimenta-se na relação com Ele,
mas para O levar aos outros e não
para O reter? Eis o que vos digo:
não compreendo como possa um catequista ficar parado, sem este movimento. Não compreendo!
Não ter medo de ir com o
Senhor às periferias
E o terceiro elemento — três —
situa-se também nesta linha: recomeçar de Cristo significa não ter
medo de ir com Ele para as periferias. Isto traz-me à mente a história de Jonas, uma figura muito interessante, especialmente nos nossos
tempos de mudanças e incerteza.
Jonas é um homem piedoso, com
uma vida tranquila e bem ordenada; isto leva-o a ter bem claros os
seus esquemas e a julgar rigidamente tudo e todos segundo esses
esquemas. Vê tudo claro, a verdade é esta. É rígido! Por isso, quando
o Senhor o chama e lhe diz para ir
pregar à grande cidade pagã de Nínive, Jonas não quer. “Ir lá! Mas eu
tenho toda a verdade aqui!”. Não
quer ir… Nínive está fora dos seus
esquemas, está na periferia do seu
mundo. Então escapa, vai para a
Espanha, foge, embarca num navio que vai para aqueles lados. Ide
ler o Livro de Jonas! É breve, mas é
uma parábola muito instrutiva, especialmente para nós que estamos
na Igreja.
Que nos ensina? Ensina-nos a
não ter medo de sair dos nossos esquemas para seguir a Deus, porque
Deus vai sempre mais além. Sabeis
uma coisa? Deus não tem medo! Sabíeis isto?! Não tem medo! Ultrapassa sempre os nossos esquemas!
Deus não tem medo das periferias.
Se fordes às periferias, encontrá-Lo-eis lá. Deus é sempre fiel, é criativo.
Mas, por favor, não se compreende um catequista que não seja criativo. A criatividade é como que a coluna do ser catequista. Deus é criativo, não se fecha, e por isso nunca
é rígido. Deus não é rígido! Acolhe-nos, vem ao nosso encontro, compreende-nos.
L’Osservatore Romano
o trabalho do catequista é este: por
amor, sair continuamente de si mesmo para testemunhar Jesus e falar
de Jesus, anunciar Jesus. Isto é importante, porque é obra do Senhor:
é precisamente o Senhor que nos
impele a sair.
O coração do catequista vive
sempre este movimento de “sístole-diástole”: união com Jesus — encontro com o outro. Existem as duas coisas: eu uno-me a Jesus e saio
ao encontro dos outros. Se falta um
destes dois movimentos, o coração
deixa de bater, não pode viver. Recebe em dom o querigma e, por sua
vez, oferece-o em dom. Importante
esta palavrinha: dom! O catequista
está consciente de que recebeu um
dom: o dom da fé; e dela faz dom
aos outros. Isto é maravilhoso!
E não reserva uma percentagem
para si! Tudo aquilo que recebe, dá-o. Aqui não se trata de um negócio! Não é um negócio! É puro dom:
dom recebido e dom transmitido. E
o catequista está ali, nesta encruzilhada de dom. Isto está na própria
natureza do querigma: é um dom
que gera missão, que impele sempre
para além de si mesmo. São Paulo
dizia: “O amor de Cristo nos impele”; mas esta expressão “nos impele”
O coração do catequista vive sempre este movimento de “sístole-diástole”:
união com Jesus — encontro com o outro
8 Arautos do Evangelho · Novembro 2013
9. mental: Deus sempre nos precede! Quando pensamos que temos
de ir para longe, para uma periferia extrema, talvez nos assalte um
pouco de medo; mas, na realidade, Ele já está lá: Jesus espera-nos
no coração daquele irmão, na sua
carne ferida, na sua vida oprimida, na sua alma sem fé. Vós sabeis uma das periferias que me
faz tão mal, tão mal que me faz
doer (senti-o na diocese que tinha
antes)? É a das crianças que não
sabem fazer o Sinal da Cruz. Em
Buenos Aires, há muitas crianças
que não sabem fazer o Sinal da
Cruz. Esta é uma periferia! É preciso ir lá! E Jesus está lá, espera
por ti para ajudares aquela criança a fazer o Sinal da Cruz. Ele
sempre nos precede.
Amados catequistas, acabaram-se os três pontos. Recomeçar
sempre de Cristo! Agradeço-vos
pelo que fazeis, mas sobretudo porque estais na Igreja, no povo de Deus
em caminho, porque caminhais com
o povo de Deus. Permaneçamos com
Cristo — permanecer em Cristo —,
procuremos cada vez mais ser um só
com Ele; sigamo-Lo, imitemo-Lo no
seu movimento de amor, no seu sair
ao encontro do homem; e saiamos,
abramos as portas, tenhamos a audácia de traçar estradas novas para o
anúncio do Evangelho.
Que o Senhor vos abençoe e Nossa Senhora vos acompanhe! Obrigado!
Maria é nossa Mãe; Maria, sempre, nos leva a Jesus! Elevemos uma
oração, uns pelos outros, a Nossa
Senhora.
L’Osservatore Romano
Para sermos fiéis, para sermos criativos, é preciso saber mudar. Saber mudar. E por que devo mudar? É para me adequar às
circunstâncias em que devo anunciar o Evangelho. Para permanecermos com Deus, é preciso saber sair, não ter medo de sair. Se
um catequista se deixa tomar pelo medo, é um covarde; se um catequista se fecha tranquilo, acaba
por ser uma estátua de museu: e
temos muitos! Temos muitos! Por
favor, estátuas de museu, não! Se
um catequista é rígido, torna-se
encarquilhado e estéril.
Pergunto-vos: Alguém de vós
quer ser covarde, estátua de museu ou estéril? Algum de vós tem
vontade de o ser? [Catequistas:
Não!] Não? Têm certeza?… Está
Vós sabeis uma das periferias que
bem! Aquilo que vou dizer agome faz doer? É a das crianças que não
sabem fazer o Sinal da Cruz
ra, já o disse muitas vezes; mas
sinto no coração que o devo dizer. Quando nós, cristãos, estamos sempre fechado: este está doente. E
fechados no nosso grupo, no nosso às vezes está doente da cabeça…
movimento, na nossa paróquia, no
Jesus nos precede na evangelização
nosso ambiente, permanecemos fechados; e acontece-nos o que suceAtenção, porém! Jesus não diz:
de a tudo aquilo que está fechado: “Ide, arranjai-vos”. Não, não diz isquando um quarto está fechado, co- so! Jesus diz: Ide, “Eu estou conmeça a cheirar a mofo. E se uma vosco!”. Nisto está o nosso encanpessoa está fechada naquele quar- to e a nossa força: se formos, se sairto, adoece!
mos para levar o seu Evangelho com
Quando um cristão está fechado amor, com verdadeiro espírito aposno seu grupo, na sua paróquia, no tólico, com franqueza, Ele caminha
seu movimento, está fechado, adoe- conosco, precede-nos, — digo-o em
ce. Se um cristão sai pelas estradas, espanhol — nos primerea.
vai às periferias, pode acontecerO Senhor sempre nos primerea!
-lhe o mesmo que a qualquer pes- Decerto já aprendestes o significado
soa que anda na estrada: um aciden- desta palavra! E isto é a Bíblia que o
te. Quantas vezes vimos acidentes diz, não eu. A Bíblia diz, ou melhor,
“estradais”! Mas eu digo-vos: pre- o Senhor diz na Bíblia: Eu sou como
firo mil vezes uma Igreja acidenta- a flor da amendoeira. Por quê? Porda a uma Igreja doente! Prefiro uma que é a primeira flor que desabroIgreja, um catequista que corra co- cha na primavera.
rajosamente o risco de sair, a um caEle é sempre o primero! Ele é
tequista que estude, saiba tudo, mas o primeiro! Para nós, isto é funda-
Discurso aos catequistas vindos a
Roma em peregrinação por ocasião
do Ano da Fé e do Congresso Internacional de Catequese, 27/9/2013
Todos os direitos sobre os documentos pontifícios estão reservados à Libreria Editrice Vaticana.
A íntegra dos documentos acima pode ser encontrada em www.vatican.va
Novembro 2013 · Arautos
do Evangelho 9
10. “Os Bem-aventurados celestes”, detalhe de
“O Juízo Final”, por Fra Angélico - Museu de
São Marcos, Florença (Itália)
a Evangelho A
“Naquele tempo, 1 vendo Jesus as multidões,
subiu ao monte e sentou-Se. Os discípulos
aproximaram-se, 2 e Jesus começou a ensiná-los: 3 ‘Bem-aventurados os pobres em espírito, porque deles é o Reino dos Céus. 4 Bem-aventurados os aflitos, porque serão consolados. 5 Bem-aventurados os mansos, porque
possuirão a Terra. 6 Bem-aventurados os que
têm fome e sede de justiça, porque serão saciados. 7 Bem-aventurados os misericordiosos, porque alcançarão misericórdia. 8 Bem-
10 Arautos do Evangelho · Novembro 2013
-aventurados os puros de coração, porque verão a Deus. 9 Bem-aventurados os que promovem a paz, porque serão chamados filhos
de Deus. 10 Bem-aventurados os que são perseguidos por causa da justiça, porque deles é
o Reino dos Céus. 11 Bem-aventurados sois
vós, quando vos injuriarem e perseguirem, e,
mentindo, disserem todo tipo de mal contra
vós, por causa de Mim. 12a Alegrai-vos e exultai, porque será grande a vossa recompensa
nos Céus’” (Mt 5, 1-12a).
11. Comentário ao Evangelho - Solenidade de Todos os Santos
A festa dos
irmãos celestes
Na Solenidade de Todos os Santos a Igreja nos convida
a ver com esperança nossos irmãos celestes, como
estímulo para percorrermos por inteiro o caminho
iniciado com o Batismo e atingirmos a plena felicidade na
glória da visão beatífica.
Mons. João Scognamiglio Clá Dias, EP
I – Os Santos, irmãos celestes?
Na Solenidade de Todos os Santos a Igreja celebra todos aqueles que já se encontram
na plena posse da visão beatífica, inclusive os
não canonizados. A Antífona da entrada da
Missa nos faz este convite: “Alegremo-nos todos no Senhor, celebrando a festa de Todos os
Santos”.1 Sim, alegremo-nos, porque santos são
também — no sentido lato do termo — todos
os que fazem parte do Corpo Místico de Cristo: não só os que conquistaram a glória celeste, como também os que satisfazem a pena temporal no Purgatório, e os que, ainda na Terra de
exílio, vivem na graça de Deus. Quer estejamos
neste mundo como membros da Igreja militante, quer no Purgatório como Igreja padecente,
quer na felicidade eterna, já na Igreja triunfante, somos uma única e mesma Igreja. E como
seus filhos temos irmandade, conforme diz São
Paulo aos Efésios: “já não sois hóspedes nem
peregrinos, mas sois concidadãos dos Santos e
membros da família de Deus” (Ef 2, 19).
Os Santos intercedem por nós e dão exemplo
É por isso que o Prefácio desta Solenidade reza: “Festejamos, hoje, a cidade do Céu, a
Jerusalém do alto, nossa mãe, onde nossos irmãos, os Santos, vos cercam e cantam eternamente o vosso louvor. Para essa cidade caminhamos pressurosos, peregrinando na penumbra da fé. Contemplamos, alegres, na vossa luz,
tantos membros da Igreja, que nos dais como
exemplo e intercessão”.2
Assim, caminhando “na penumbra da fé”,
voltemos a atenção para os Bem-aventurados,
— nossos irmãos, se vivermos na graça de Deus
—, pois eles estão mais perto d’Aquele que é a
Cabeça desse Corpo, Nosso Senhor Jesus Cristo. Eles são motivo de esperança para os que
padecem nas chamas do Purgatório. E para nós,
que possuímos pelo Batismo o germe dessa glória da qual eles já gozam, são modelo da santidade de vida que devemos alcançar. Todo nosso empenho será pouco para obter que essa semente se transforme em árvore frondosa, no
pleno desabrochar de suas flores e com abundância de frutos, isto é, a glória eterna, nossa
meta última.
Precisamos avançar, então, rumo aos que estão na presença de Deus com o mesmo desejo com que procuraríamos nossa família, caso
não a conhecêssemos, pois, entre os membros
Novembro 2013 · Arautos
Santos são
todos os que
fazem parte
do Corpo
Místico de
Cristo, não
só os que
conquistaram
a glória
celeste
do Evangelho 11
12. Ao criar o
Céu Empíreo,
tinha Deus,
desde toda a
eternidade,
o plano de
povoá-lo com
outros seres
inteligentes
Gustavo Kralj
de uma família harmônica e
bem constituída existe um imbricamento, fruto da consanguinidade, tão inquebrantável
que, por exemplo, se um dos
irmãos atinge uma situação de
prestígio, todos os demais se
regozijam. Muito maior há de
ser a união daqueles que, pela filiação divina, pertencem à
família de Deus, e maior também a alegria ao contemplarmos nossos irmãos louvando a
Deus no Céu, por todo o sempre, e intercedendo por nós
junto a Ele.
Tais pensamentos nos dão
a clave para analisar o florilégio das leituras que a Santa
Igreja separou para esta Solenidade.
“Descida ao Limbo”, por Fra Angélico - detalhe do Armadio degli Argenti
Convento de São Marcos, Florença (Itália).
II – Chamados a nos
reunirmos no Céu
A primeira leitura, do Apocalipse (7, 2-4.914), é cheia de beleza e, ao mesmo tempo, difícil
de ser explicada com profundidade, em todos os
seus simbolismos. Detenhamo-nos apenas em
dois aspectos que a relacionam especialmente
com esta comemoração. “Eu, João, vi um outro
Anjo que subia do lado onde nasce o Sol. Ele
trazia a marca do Deus vivo, e gritava, em alta voz, aos quatro Anjos que tinham recebido o
poder de danificar a terra e o mar, dizendo-lhes:
‘Não façais mal à terra, nem ao mar, nem às árvores, até que tenhamos marcado na fronte os
servos do nosso Deus’” (Ap 7, 2-3). Este bonito
trecho deixa patente que Deus só promoverá o
fim do mundo quando forem ocupados todos os
lugares do Céu e a coorte dos Bem-aventurados
se tenha completado. Vemos como Deus, para
além das ofensas cometidas contra Ele e antes
de enviar o castigo à Terra, cuida de seus Santos, daqueles que Ele escolheu.
Logo em seguida, continua São João: “ uvi
O
então o número dos que tinham sido marcados:
eram cento e quarenta e quatro mil, de todas as
tribos dos filhos de Israel” (Ap 7, 4). Este número dos que seguem o Cordeiro por toda parte (cf. Ap 14, 4) é simbólico, pois a quantidade
de Santos do Céu é incalculável. Ao criar o Céu
12 Arautos do Evangelho · Novembro 2013
Empíreo — que, segundo São Tomás,3 foi a primeira criatura a sair das mãos de Deus, junto
com os Anjos —, tinha Ele, desde toda a eternidade, o plano de povoá-lo com outros seres inteligentes que, além dos espíritos angélicos, fossem partícipes da natureza divina e, portanto,
sócios de sua felicidade eterna.
Eis o apelo feito a nós na Liturgia de hoje:
desejar e abraçar a via da santidade para fazer
parte destes cento e quarenta e quatro mil.
O predomínio do mal depois
do pecado original
Ora, a partir do pecado original o homem passou a se interessar de forma intemperante pelas coisas materiais, e aos poucos se esqueceu de
Deus. Estabeleceu-se na face da Terra a luta entre o bem e o mal, entre as volúpias da carne e
o chamado de Deus à santidade, e no relacionamento humano entrou o mal com uma virulência
extraordinária, pois este é dinâmico, enquanto o
bem é apenas difusivo.4 Com efeito, se não fosse
a sustentação da graça, o mal dominaria completamente em nós e derrotaria o bem.
Desde o primeiro Santo,
até Nosso Senhor Jesus Cristo
Isto se faz patente logo após a saída de
Adão e Eva do Jardim do Éden, na história
13. A Encarnação do Verbo trouxe ao mundo
uma plêiade de Santos
-aventurados, Maria Santíssima subiu em corpo
e alma, e foi coroada como Rainha do universo.
Ficaram escancaradas as portas da santidade
Ao longo dos vinte séculos de História da
Igreja, as moradas eternas acolheram os mártires, os doutores, os confessores... pois foi Nosso
Senhor Jesus Cristo quem abriu definitivamente as portas da santidade a todos os homens,
com a superabundância de sua graça e sua doutrina nova dotada de potência (cf. Lc 4, 32;
Mc 1, 22).
Sinopse desta doutrina é o Sermão da Montanha, cujo centro é o Evangelho escolhido para
esta Solenidade: a proclamação das Bem-aventuranças. De fato, elas são o resumo de toda a
moral católica, de toda via de perfeição, de toda
a prática da virtude, e se neste dia comemoramos as miríades de Santos que habitam o Paraíso Celeste, é porque eles realizaram em sua vida
aquilo que o Divino Mestre delineia como causa de bem-aventurança.
Tendo comentado este Evangelho em outras
ocasiões,5 nos limitaremos agora a dar uma síntese dos ensinamentos nele contidos, em harmonia com a Solenidade hoje celebrada.
Quando Jesus
expirou na
Cruz, sua
Alma desceu
ao Limbo,
onde, decerto,
o primeiro
a recebê-Lo
foi São José
O contraste entre a Antiga e a Nova Lei
Entretanto, a Encarnação do Verbo e sua
Em primeiro lugar, apreciemos o contraste
presença visível entre os homens trouxe ao desta cena do Sermão da Montanha com outro
mundo uma plêiade de Santos: desde os már- importante discurso da História Sagrada: a protires inocentes, até o Bom
Ladrão que, tendo implorado misericórdia, obteve dos lábios do próprio
Deus o prêmio de ser perdoado e santificado: “Hoje estarás comigo no Paraíso” (Lc 23, 43). Quando Jesus expirou na Cruz, sua Alma desceu ao Limbo, onde, decerto, o primeiro a recebê-Lo foi São José, que
O aguardava havia poucos
anos. Mas foi no dia de sua
gloriosa Ascensão que o
Redentor levou consigo essa coorte exultante de justos, introduzindo-os no Céu
a fim de começar a povoá-lo. Em certo momento,
“Anunciação”, por Giusto di Alemagna
Igreja de Santa Maria do Castelo, Gênova (Itália)
com gáudio para os BemNovembro 2013 · Arautos
Francisco Lecaros
de seus dois primeiros descendentes, Caim
e Abel. Abel era um filho da luz, reto e justo, cujos sacrifícios oferecidos a Deus eram
aceitos com enorme benevolência (cf. Gn 4,
4). Caim, pelo contrário, nutria em sua alma
o nefasto vício da inveja que, tendo chegado
ao auge, levou-o a matar seu irmão, derramando sangue inocente. Em seguida, tomado de amargura e depressão, em consequência de seu pecado, Caim quis fugir da face do
Senhor, com a ilusão característica do pecador que julga poder ocultar-se de Deus, assim como se esconde do olhar dos homens
(cf. Gn 4, 8.14).
Qual não terá sido o espanto de Eva ao carregar o cadáver de seu filho nos braços e deparar-se, pela primeira vez, com o efeito do pecado cometido no Paraíso! A alma de Abel, porém, no instante em que se destacou do corpo
foi para o Limbo dos Justos, à espera da vinda
do Salvador que lhe abriria as portas do Céu.
Precedendo os pais, ele encabeçou o cortejo dos
Santos, daqueles que, aos poucos, constituiriam
o número dos que deveriam passar desta vida à
eterna bem-aventurança.
do Evangelho 13
14. No Sinai,
Deus
permanece
no cume da
montanha e
Moisés tem
de subir até lá
para receber
as Tábuas
da Lei
or revela duas preocue um lado ele descreve
ual se situa o episódio
ofundidade teológica à
e de compêndio de ho-
Jean-Louis Bruguès, OP,
a Santa Igreja Romana)
lheá-los para perceber
omentários a que estaas imagens utilizadas
r algo do Mistério”
ppe Scotti, Presidente da
breria Editrice Vaticana)
Mons. João
Mons. João Scognamiglio Clá Dias, EP
Scognamiglio
Clá Dias, EP
O inédito sobre os Evangelhos
gica, de uma doutrina
ta ao que poderíamos
até o Concílio VaticaMons. Scognamiglio”.
a verdade é forte em
ino (Cf. Summa contra
na força da verdade, e
o acertada, indicando,
gaudium de veritate —,
anto Agostinho”
da Congregação para os
ades de Vida Apostólica)
mulgação da Antiga Lei, no Monte Sinai (cf. Ex
19—23). Parece que Nosso Senhor quis estabelecer de propósito uma contraposição entre ambos os episódios, a fim de mostrar a beleza existente na Nova Lei que Ele veio trazer, levando a
Lei Antiga a maior perfeição (cf. Mt 5, 17).
No Sinai, Deus permanece no cume da
montanha e Moisés tem de subir até lá para receber as Tábuas da Lei. Cristo, pelo contrário,
desce à meia altura do monte para Se encontrar com o homem e entregar-lhe, Ele próprio,
a Nova Lei. Assim, uma Lei é promulgada no
cimo da montanha, outra na orla. Enquanto no
Sinai o homem deve subir até Deus, na montanha em que Jesus faz seu sermão, Deus desce
até o homem.
No Sinai, o Todo-Poderoso se apresenta em
meio a trovões, relâmpagos, escuridão e som
ensurdecedor de trombeta; na montanha, o Salvador senta-Se entre os homens, num ambiente suave, sereno e tranquilo, sem especiais manifestações da natureza. No Sinai, o povo tinha
proibição de tocar a base do monte, pois morreria se o fizesse; na montanha, a multidão está
próxima de Jesus e pode tocá-Lo, porque d’Ele
emana uma virtude que cura a todos.
No Sinai, foi dado a Moisés um código de
leis, verdadeiro código penal, com severos cas-
VII
Solenidades
Festas
Tríduo
Pascal
O inédito
sobre os Evangelhos
Comentários aos Evangelhos dominicais
Solenidades - Festas que podem ocorrer em domingo
Quarta-Feira de Cinzas - Tríduo Pascal
tigos para quem o transgredisse; na montanha,
Nosso Senhor mostra, com misericórdia sem limites, quais os prêmios, os benefícios e as maravilhas concedidas por Deus a quem pratica
a virtude e cumpre a Lei. No Sinai, Moisés representa a Lei, servindo de exemplo por seu zelo em cumprir essa mesma Lei; na montanha,
J
esus Cristo é o modelo perfeito da lei da bondade.
No Sinai, para ouvir as prescrições divinas
poderia subir qualquer homem, desde que fosse eleito por Deus; na montanha, porém, só o
Homem-Deus, Nosso Senhor Jesus Cristo, Segunda Pessoa da Santíssima Trindade Encarnada, podia pronunciar aquele Sermão, pois unicamente Ele, enquanto Messias, tinha autoridade para aperfeiçoar a Lei Antiga.
Nessa perspectiva de bondade, Jesus proclama as Bem-aventuranças, mostrando a que alturas é capaz de se elevar uma alma pelo florescimento dos dons do Espírito Santo, produzindo
atos de virtude heroica. Tais frutos podem brotar de maneira isolada, mas, em geral, quando
o santo chega à plenitude da união com Deus,
todas as bem-aventuranças se verificam numa
única florada. Ser santo, então, significa ser um
bem-aventurado no tempo para depois sê-lo na
eternidade.
O inédito sobre os Evangelhos
Três
novo
volu s
mes
Editada pela Libreria Editrice Vaticana, a coleção O inédito sobre os
Evangelhos apresenta os comentários de Mons. João Scognamiglio Clá
Dias, EP, aos Evangelhos de todos os domingos e solenidades do ciclo
litúrgico.
A obra “O inédito sobre
os Evangelhos” não é só
exegética e pastoral, mas
tem o mérito de pôr a Teologia ao alcance de todos,
seja qual for a condição social do leitor ou seu grau de
formação. Porque para voar
nos céus da Teologia é preciso, sobretudo fé, mais do
que cultura ou inteligência.
É ela que nos permite penetrar verdades e mistérios
que estão fora do alcance
da compreensão humana.
Para crer não é preciso ser
letrado ou ter grande capacidade intelectual, basta abrir a alma à luz de
Deus. E só na Fé católica
o mundo contemporâneo
poderá encontrar resposta
para os grandes problemas
que o perturbam. E, quiçá, por isso, haja crescente
interesse entre os fiéis em
Já estão disponíveis: vol. I (Advento, Natal, Quaresma e Páscoa - Ano A)
vol. II (Tempo Comum – Ano A) vol. VII (Solenidades – Festas que podem
ocorrer em domingo – Quarta-Feira de Cinzas – Tríduo Pascal)
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14 Arautos do Evangelho · Novembro 2013
15. A filiação divina nos
confere uma qualidade
Timothy Ring
ção. Uma vez posto na janela,
se não é iluminado, que valor
terá peça tão espetacular? EnEm que consiste, pois, estretanto, a partir do momensa bem-aventurança? Na seto em que os raios de luz sogunda leitura (I Jo 3, 1-3)
bre ele incidem, brilhará com
desta Liturgia, um lindíssiextraordinários matizes, desmo trecho da Primeira Epísdobrando-se em mil reflexos
tola de São João — o Apósmulticoloridos.
tolo do Amor, exímio espiriOutra comparação que
tualista, sempre dado a restambém nos aproxima da reasaltar a vida sobrenatural —
lidade sobrenatural é a de um
nos dá a resposta, lembranlitro de álcool no qual são derdo o valor da nossa condiramadas algumas gotas de fação de filhos de Deus: “Vede
bulosa essência, finíssima e de
que grande presente de amor
requintado aroma. Sem deixar
o Pai nos deu: de sermos chade ser álcool, o líquido tornamados filhos de Deus. E nós
-se perfume, pois é assumido
realmente o somos” (I Jo 3,
pela essência.
1a). Na verdade, por ocasião
Da mesma forma como
do Batismo, embora a natua luz ilumina o vitral e a esreza humana continue a messência assume o álcool — e
ma, com inteligência, vontade
ainda poderíamos encontrar
e sensibilidade, acrescenta-se
na natureza outras imagens
em nós uma qualidade: a parilustrativas —, também a
ticipação na própria naturegraça confere nova qualidaza divina, que nos assume por
de à alma humana, que é, por
completo. A graça, explica
assim dizer, submersa na naSão Boaventura, “é um dom
tureza divina, como comenta
que purifica, ilumina e aper“A Transfiguração” (detalhe)
Catedral de Hamilton (Canadá)
Scheeben: “Se dentre todos
feiçoa a alma; que a vivifica,
os homens e todos os Anjos
a reforma e a consolida; que
a eleva, a assimila e a une a Deus, tornando- escolhesse Deus uma só alma, para comuni-a aceitável; pelo que semelhante dom justa- car-lhe o esplendor de tão inesperada dignimente chama-se graça, pois nos faz gratos, is- dade, [...] deixaria estupefatos não só os mortais, mas ainda os mesmos Anjos, que se sento é, graça gratificante”.6
Sendo um bem do espírito, não pode ser vis- tiriam quase tentados a adorá-la, como se fota com os olhos materiais, pois estes captam só ra Deus em pessoa”. 8 Tal é a excelência da fio que é sensível, mas comprovamos, isto sim, liação divina!
seus efeitos. Santa Catarina de Sena, a quem
Uma semente da glória futura
Nosso Senhor concedera a graça de contemplar o estado das almas, chegou a afirmar a
Filhos de Deus... “nós o somos! Se o mundo
seu confessor: “Meu pai, se vísseis o fascínio não nos conhece é porque não conheceu o Pai.
de uma alma racional, não duvido que daríeis Caríssimos, desde já somos filhos de Deus, mas
cem vezes a vida pela sua salvação, porque nes- nem sequer se manifestou o que seremos” (I Jo
te mundo nada há que se lhe possa igualar em 3, 1b-2a). De fato, enquanto permanecemos
beleza”.7
neste mundo, em estado de prova, temos a graCertas imagens podem servir para termos ça santificante, recebida no Batismo, e as graças
uma ideia, ainda que pálida, das maravilhas atuais, que Deus derrama sobre nós ao longo da
operadas pela graça nas almas. Imaginemos um nossa existência. Todavia, estamos apenas no
vitral esplendoroso, com uma perfeita combi- começo do caminho, pois, só quando contemnação de cores, fabricado com vidro da melhor plarmos a Deus face a face, esta graça se transqualidade, contendo até ouro na sua composi- formará em glória e chegaremos ao “estado de
Novembro 2013 · Arautos
Cristo, pelo
contrário,
desce à meia
altura do
monte para Se
encontrar com
o homem e
entregar-lhe,
Ele próprio,
a Nova Lei
do Evangelho 15
16. homem feito, a estatura própria da maturidade
de Cristo” (Ef 4, 13).
A ideia da felicidade eterna
Em seu
infinito amor,
Deus quis dar
às criaturas
inteligentes,
Anjos e
homens, um
empréstimo
de sua luz
intelectual
Esta é a felicidade absoluta da qual nossos
irmãos, os Santos, já gozam em plenitude na
eternidade e com a qual nenhuma consolação
desta vida é comparável. Nossa ideia a propósito da felicidade é tão humana, que julgamos, muitas vezes, possuí-la em grau máximo
ao obter algo que muito desejamos. A mera
inteligência do homem não alcança a compreensão da felicidade do Céu, pois em relação
a Deus somos como formigas que, andando
pela terra, levantassem a cabeça para olhar o
voo de uma águia no céu. A diferença entre
uma formiga e uma águia é ridícula perto da
infinitude existente entre a razão humana e a
inteligência divina. E ainda que, dotados de
uma capacidade incomum, passássemos trezentos bilhões de anos estudando, nosso verbo continuaria falho e não encontraríamos
termos para nos expressarmos devidamente a
respeito de Deus.
A essência divina é definida pela teologia como o Ser subsistente por Si mesmo,9
que Se conhece, Se entende e Se ama por inteiro, tal qual é.10 Desde toda a eternidade, isto é, sem haver princípio, Deus, contemplando-Se, Se compreende inteiramente enquanto
Ser incriado, necessário e superexcelente, que
não depende de ninguém, que se basta; e nisto
consiste sua felicidade absoluta. Contudo, seu
próprio conhecimento é tão rico que gera uma
Segunda Pessoa, o Filho, idêntico a Ele e tão
feliz como Ele. Ambos Se amam, e deste mútuo amor entre Pai e Filho procede uma Terceira Pessoa, também feliz: o Espírito Santo.
Assim, há três Pessoas, num só Deus, a Se conhecerem, Se entenderem e Se amarem, numa
perpétua alegria, sem origem no tempo e sem
fim, eternamente!
1
SOLENIDADE DE TODOS OS
SANTOS. Antífona da entrada.
In: MISSAL ROMANO. Trad.
Portuguesa da 2a. edição típica para o Brasil realizada e publicada pela CNBB com acréscimos aprovados pela Sé Apostólica. 9.ed. São Paulo: Paulus, 2004,
p.691.
16 Arautos do Evangelho · Novembro 2013
Um empréstimo da inteligência divina
Pois bem, em seu infinito amor, Deus quis
dar às criaturas inteligentes, Anjos e homens,
um empréstimo de sua luz intelectual, o lumen
gloriæ, para que possam nela entendê-Lo tal
qual Ele Se entende — guardadas as proporções entre criatura e Criador —, já que, segundo explica São Tomás, “a capacidade natural do
intelecto criado não basta para ver a essência
de Deus” sem ser aumentada pela “graça divina”.11 E por mais que seccione sua luz, Ele sempre permanecerá imutável e em nada será diminuído, pois é infinito.
O eminente dominicano padre Santiago Ramírez define o lumen gloriæ como “um hábito
intelectual operativo, infuso per se, pelo qual o
entendimento criado se faz deiforme e torna-se
imediatamente disposto à união inteligível com
a própria essência divina, e se torna capaz de realizar o ato da visão beatífica”.12
Esse “fazer-se deiforme” significa que
quem entra na bem-aventurança e contempla a Deus face a face se torna semelhante a
Ele, como afirma São João na continuação de
sua Epístola: “Sabemos que, quando Jesus se
manifestar, seremos semelhantes a Ele, porque O veremos tal como Ele é” (I Jo 3, 2b). Só
no Céu veremos a Nosso Senhor Jesus Cristo
de fato, uma vez que enquanto viveu na Terra ninguém O viu tal qual Ele é. Nem mesmo na Transfiguração, quando tomou, enquanto qualidade passageira, a claridade inerente ao corpo glorioso13 — como tivemos
o
portunidade de analisar em comentários anteriores —, São Pedro, São Tiago e São João
chegaram a contemplar a essência de sua divindade, pois, do contrário, a alma deles ter-se-ia destacado do corpo.
“Todo o que espera n’Ele purifica-se a si
mesmo, como também Ele é puro” (I Jo 3, 3).
Quanto mais aumenta em nós a esperança desse encontro e dessa visão, e, portanto, quanto
2
Idem, Prefácio, p.692.
3
Cf. SÃO TOMÁS DE AQUINO.
Suma Teológica. I, q.61, a.4.
4
Cf. CLÁ DIAS, EP, João Scognamiglio. Radical mudança de padrões no relacionamento divino
e humano. In: Arautos do Evan-
6
SÃO BOAVENTURA. Breviloquio. P.V, c.1, n.2. In: Obras. 3.ed.
Madrid: BAC, 1968, v.I, p.324.
7
BEATO RAIMUNDO DE
CÁPUA. Santa Caterina da Siena. 5.ed. Siena: Cantagalli, 1994,
p.149.
Cf. Idem, q.5, a.4, ad 2.
5
gelho. São Paulo. N.109 (Jan.,
2011); p.10-16.
17. Gustavo Kralj
“Santos adorando Jesus Ressuscitado”, por Fra Angélico - Detalhe da Pala de Fiesole, Museu de São Marcos, Florença (Itália)
mais crescemos no desejo de nos entregarmos a
Deus e de Lhe pertencermos por inteiro na caridade, mais nos purificamos do amor-próprio e
do egoísmo profundamente enraizados em nossa natureza. Devemos ter bem presente que não
existem três amores, mas apenas dois: o amor
a Deus levado até o esquecimento de si mesmo ou o amor a si levado até o esquecimento
de Deus.14
III – Sigamos o exemplo daqueles
que nos precederam na graça
e nos esperam na glória!
O homem, ainda quando privado da graça,
tem uma apetência de infinito que não descansa
enquanto não for saciada pela união com Deus.
É o que revela Santo Agostinho, em suas Confissões: “E eis que Tu estavas dentro de mim e
eu fora, e fora Te procurava; e, disforme como
era, lançava-me sobre as coisas belas que criaste. Tu estavas comigo, mas eu não estava con8
9
SCHEEBEN, Matthias Joseph. As
maravilhas da graça divina. Petrópolis: Vozes, 1952, p.29.
12
Cf. ROYO MARÍN, OP, Antonio.
Dios y su obra. Madrid: BAC,
1963, p.47-49.
10
Cf. SÃO TOMÁS DE AQUINO,
op. cit., q.14, a.2-4; q.20, a.1.
11
Idem, q.12, a.5.
tigo. Retinham-me longe de Ti aquelas coisas
que, se não estivessem em Ti, não existiriam”.15
Essa felicidade imensa e indescritível, para a
qual todos nós somos criados, só a atingiremos
seguindo os passos daqueles que nos precederam com o sinal da Fé e que já gozam dela, por
sua fidelidade a tal chamado.
Peçamos que essa bem-aventurança eterna
seja também para nós um privilégio, pelos méritos de Nosso Senhor Jesus Cristo, das lágrimas de Nossa Senhora e da intercessão de todos os Santos que hoje comemoramos, a fim de
um dia nos encontrarmos em sua companhia no
Céu. Enquanto lá não chegarmos, podemos nos
relacionar com essa enorme plêiade de irmãos
celestes, membros do mesmo Corpo, por um
canal direto muito mais eficiente do que qualquer meio de comunicação moderno: a oração,
o amor a Deus e o amor a eles enquanto unidos
a Deus. Tenhamos a certeza de que, do alto, eles
nos olham com benevolência, rogam por nós e
nos protegem. ²
RAMÍREZ, OP, Santiago. De hominis beatitudine. In I-II Summæ
Theologiæ Divi Thomæ commentaria (QQ. I-V). II P., Q.II, Sect.III,
n.298. Madrid: Instituto de Filosofía Luis Vives, 1972, t.IV, p.342.
13
Madrid: BAC, 1958, v.XVI-XVII, p.984.
15
SANTO AGOSTINHO. Confessionum. L.X, c.27, n.38. In:
Obras. 6.ed. Madrid: BAC, 1974,
v.II, p.424.
Cf. SÃO TOMÁS DE AQUINO,
op. cit., III, q.45, a.2.
14
Essa
felicidade
imensa e
indescritível
só a
atingiremos
seguindo
os passos
daqueles
que nos
precederam
com o sinal
da Fé
Cf. SANTO AGOSTINHO. De Civitate Dei. L.XIV, c.28. In: Obras.
Novembro 2013 · Arautos
do Evangelho 17
18. Dona Lucilia Ribeiro dos Santos Corrêa de Oliveira
O calor
dessa bondade
Foto enviada por Dona Lucilia ao
seu futuro esposo, por ocasião
do seu noivado
A
largueza de alma e generosa bondade de Dona Lucilia não se restringiam aos
limites do lar, levando-a a
tratar como filhos também as outras
crianças, em especial aquelas que tivessem a idade de Rosée e Plinio.
A paciência em tratar um
sobrinho surdo-mudo
Assim, era objeto de carinho e paciência verdadeiramente maternais
da parte de Dona Lucilia um sobrinho, de nome Agostinho — Tito para
os mais íntimos — que se mostrava de
trato difícil com os parentes. Surdo-mudo de nascença, aprendera a falar
em Viena, mas se exprimia de modo
rouco e meio desagradável, por nunca
ter ouvido o verdadeiro timbre da voz
humana. Era inevitável que a maior
parte das pessoas procurasse subtrair-se ao convívio dele, o que o deixava
muito nervoso. Costumava ir ao palacete Ribeiro dos Santos, e às vezes se
desentendia até com Dona Gabriela.
Esta, apesar de tudo, tinha pena dele e não lhe dizia “vá embora!”, mesmo porque, para ela, era ponto pacífico que uma avó devia aturar o neto.
Dona Lucilia, de seu lado, a fim de
tornar a vida de sua mãe o mais leve
possível, chamava sobre si os problemas que apareciam. Assim, ficava ob-
“Tia Lucilia ficou marcada para mim a vida inteira como
uma santa. Porque uma tão grande bondade ficou como
que impregnada em mim, e até hoje ainda sinto o calor
dessa bondade”.
servando a discussão com Tito. Ao
atingir esta certo paroxismo, voltava-se para o sobrinho e lhe dizia, silabando as palavras, movendo devagar os lábios para bem se fazer compreender:
— Tito, acompanhe-me, vamos
conversar um pouco.
Ele, que não queria outra coisa —
estava mesmo à espera de ser chamado por Dona Lucilia — tranquilizava- se e ia com ela para uma saleta. Conversavam uma hora, às vezes
hora e meia. Ele não conseguia graduar de forma conveniente o volume
de voz, de maneira que falava alto de-
mais. Às vezes gritava, sem perceber,
chegando mesmo os parentes a ouvir trechos da conversa. Eram queixas
amargas, mal-entendidos, que ela
precisava lhe explicar pacientemente.
Ao cabo daquela hora e tanto,
saía Tito tranquilizado, beijava a tia,
dizia “até logo”, e ia-se embora. Dona Lucilia voltava para a sala onde
estavam os outros, às vezes um tanto cansada, mas sem nada comentar. Nunca a viram se queixar, nem
procurar chamar a atenção para a
p
aciência de que dava provas.
Além de Tito, também outros sobrinhos se beneficiaram dessa envolvente
benquerença, como veremos a seguir.
Carinho e bondade incomparáveis,
salvaguardados os princípios
Agostinho Ribeiro dos Santos (Tito),
o sobrinho surdo-mudo
18 Arautos do Evangelho · Novembro 2013
Yelmo, primogênito de Antônio —
irmão de Dona Lucilia — saudoso declarava: “De tia Lucilia? Lembro-me
perfeitamente, era uma pessoa extraordinária. Jamais encontrei em minha
vida afeto que superasse o dela”.
Já em idade de ser avô, quase bisavô, Dr. Yelmo se recordava de um
fato de infância, como se tivesse
acontecido no dia anterior.
Certa feita, seus pais foram ao Rio
de Janeiro com a filha, Dalmacita, deixando-o com seu irmão mais moço,
Marcelo, na casa de Dona Gabriela.
19. tica e
e de uma autên res
melho
iparar-se às
tudo tem
nteiro. Sobre
filhos
entre ela e seus
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com freqüê
é tomado
que o leitor
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e nos oferece
a responder
o, atrevo-me
ao juíão de adiantar-meopinião
uma
óprio é dar
podemos
nunca erra, nós
e Romaólica, Apostólica o doce
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a nós nos incum
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ente à Divin
de Deus e
ão, para a glória
namiglio
Mons. João Scog
Clá Dias,
Marín, OP)
Fr. Antonio Royo
ação
o líne do
autos
L.E.V.
Yelmo Ribeiro dos Santos (esquerda)
junto a Dalmacita e Marcelo
tar sua avó, saibam respeitar todas
as pessoas que estão aqui, evitando
afligi-las sem necessidade!
Diante da imponência e severidade com que ela se expressava, Yelmo, como tanto meninote de 12
anos, pôs-se a chorar. Dona Gabriela, senhora de muita energia, não
podia tolerar as lágrimas de fraqueza de seu neto e chamou-o aos brios:
— Homem não chora! Pare de
chorar!
Como era natural, ele chorou
ainda mais, pois a tragédia estava se
tornando maior...
Dona Lucilia, que ali perto presenciava a cena, compadeceu-se de
seu sobrinho e, fazendo-lhe um discreto sinal, chamou-o à parte, dizendo-lhe com voz amena:
— Yelmo, meu filho, venha aqui.
Ele, soluçando, foi até junto de
sua tia e, jogando-se em seus braços, desatou num mais copioso
pranto, dando largas à sua dor.
Para o consolar, Dona Lucilia
lhe disse:
— Meu filho, você precisa compreender... Sua avó é assim mesmo.
É uma senhora dos antigos tempos,
e não permite nada que não esteja
inteiramente correto. É claro que ela
podia ter um pouco de pena de você.
No entanto, apesar de suas carinhosas palavras, em nenhum momento deixou Dona Lucilia de dar
razão a sua própria mãe, por ser
sagrado o princípio de autoridade que esta representava naquela
c
asa. E continuou:
— Mas sua avó tem razão, vocês
não devem chegar tarde sem avisar.
Não chore mais. Sua tia está aqui com
pena de você, está lhe agradando.
Sossegue um pouquinho, isso passa.
O menino notou que defluía de Dona Lucilia tanta bondade e compaixão
pelo que ele estava sofrendo, tanto desejo de lhe fazer bem, que logo parou
de chorar, sentindo-se consolado.
“Tia Lucilia ficou marcada para
mim a vida inteira como uma santa...
— lembrava ele saudoso — Porque
uma tão grande bondade ficou como
que impregnada em mim, e até hoje
ainda sinto o calor dessa bondade”. ²
Extraído de: CLÁ DIAS, EP,
João Scognamiglio. Dona Lucilia.
Città del Vaticano: Libreria Editrice
Vaticana, 2013, p.115-118.
ep
Mons. João
Scognamiglio
Clá Dias, ep
Don a Luc ilia
te uma
ito concretamen
maravia leitura desta
Lucilia
é esta: foi Dona
outra forlavra? Ou, de
r indisico que se reque
uma beatifiIgreja com
Cada um havia recebido de presente uma bicicleta, e estavam desejosos de experimentar todos os deleites que um menino costuma fruir
com tão fascinante brinquedo. O
principal deles talvez fosse a sensação de independência que Yelmo,
em seus “provectos” 12 anos de idade, anelava desfrutar. Os estreitos espaços do jardim da casa de sua avó
eram limitados, não se prestando a
isso. Propôs a seu irmão mais jovem
lançarem-se à aventura pelas amplas
e tranquilas ruas do então aristocrático Bairro dos Campos Elíseos, e irem
tomar lanche em casa de seus pais.
Seus infantis anseios de liberdade, porém, não levaram em consideração o feitio grave e autoritário da
avó — uma senhora ao estilo antigo,
em todo o sentido da palavra — habituada a mandar pelo olhar, sem haver
quem se atrevesse a contestá-la.
Demorando eles muito a retornar,
Dona Gabriela ficou receosa de que
algo lhes tivesse acontecido. Quando
voltaram, já tarde, e foram cumprimentar a avó, a justa repreensão não
se fez esperar, dirigindo-se ela principalmente ao mais velho, Yelmo, por
isso mesmo o mais culpado:
— Onde vocês estiveram?
— Saímos um pouquinho, só para
tomar um lanche em casa...
— Mas chegam a esta hora, sem
me ter avisado? Vocês não sabem
em que casa estão? Não mediram
a preocupação que me podiam causar? E escolhem logo essa hora tardia para chegar?! Saibam respei-
Dona Lucilia
Scognamiglio
Mons. João
é natural de
Clá Dias, EP,
. Nasceu a
São Paulo, Brasil
de 1939, sendo
15 de agosto
io Clá Díaz
filho de Anton
Scognamiglio
e de Annitta
Clá Díaz.
o na FaculCursou Direit
de São Frandade do Largo u seus estucisco, aprofundo
com grandes
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da Ordem
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rsidad Pontilogia pela Unive de Medelficia Bolivariana,
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lín (Colômbia)
Clá é funda
Mons. João
Superior-Geral
dor e atual
e
do Evangelho
dos Arautos
Dona Lucilia
Uma biografia de Dona Lucilia Ribeiro dos Santos Corrêa de Oliveira, escrita por
Mons. João Scognamiglio Clá Dias, EP, e editada pela Libreria Editrice Vaticana.
Pedidos pelo telefone (11) 2971-9040, ou pelo Fax: (11) 2971-9067
RICE VATICANA
LIBRERIA EDIT
Novembro 2013 · Arautos
do Evangelho 19
20. A virtude da obediência
Jesus Se oculta nos
superiores
Todos procuram continuamente a felicidade. Consistirá ela em
fazer sempre a própria vontade, não depender de ninguém e
satisfazer os próprios caprichos?
Diác. Flávio Roberto Lorenzato Fugyama, EP
E
stupefata, a multidão contemplava o prodígio.
— Será possível!? — exclamavam uns.
— Viste o que acabo de ver? —
indagavam outros.
Aquele que, em vida, tantas vezes
doara suas roupas aos pobres; que,
apesar de dolorosa enfermidade, tantas vezes transportara lenha às costas
para aquecer nos duros invernos as
choças dos mais necessitados; aquele
homem tão afável com os seus, considerado “pai dos pobres e consolador
dos aflitos”, acabara de operar, mesmo morto, portento inaudito.
Após a sua exumação, o corpo do
Beato Stefano Bellesini estava sendo transferido para um esquife digno de conter tão excelsa relíquia.
Entretanto, constatou-se que o novo féretro, mal calculado, era demasiado pequeno. E assim, a alegria da
solene cerimônia parecia encaminhar-se para uma situação vexatória.
Então o Cardeal Pedecini, num
gesto de confiança, dirigiu ao Santo
estas palavras:
— Padre Bellesini, tão obediente
como fostes em vida, não poderíeis
agora acomodar-vos neste estreito
caixão? E qual não foi a surpresa de
todos quando, sem intervenção humana, o corpo se encolheu o suficiente para adequar-se à urna!1
Bela é a pobreza, por amor à qual
o religioso renuncia aos bens exteriores. Esplendorosa é a castidade que o leva a abdicar dos prazeres corporais. Mais magnífica, entretanto, é a virtude da obediência,
em aras da qual as almas consagradas imolam aquilo que têm de mais
precioso: a própria vontade.2
Àquele beato que em vida praticara eximiamente os conselhos evangélicos, a simples invocação desta virtude por um Prelado da Santa Igreja
foi-lhe irresistível, como irresistíveis
são para Deus os pedidos feitos pelas
almas obedientes.
Um monge anda sobre as águas
Certo dia, encontrava-se o grande patriarca São Bento recolhido em
sua cela quando o menino Plácido,
um de seus noviços, caiu num lago e
foi arrastado pela correnteza à distância de um tiro de flecha. O santo varão teve milagrosamente ime-
20 Arautos do Evangelho · Novembro 2013
diato conhecimento do fato, chamou
o jovem Mauro e o mandou ir salvar
seu irmão de hábito. Após receber a
bênção de seu pai espiritual, o discípulo partiu com tal ímpeto que, como se estivesse ainda em terra firme, correu sobre as águas, segurou
o pequeno pelos cabelos e o trouxe
de volta são e salvo. Só então deu-se
conta do milagre que fora operado.
De regresso ao mosteiro, narrou,
estupefato, o sucedido. Porém, “o
venerável Bento começou a atribuir
isso não a seus próprios méritos,
mas aos da fiel obediência do discípulo. Mauro, pelo contrário, sustentava que tudo era unicamente efeito de sua ordem, e que ele parte alguma tivera naquele prodígio obrado sem consciência”.3
O certo é que a Providência, agradada pela ordem de São Bento e pela pronta obediência de São Mauro,
suspendera as leis da natureza para
salvar o menino que, no futuro, viria
a ser o grande São Plácido.
As feras tornam-se mansas
Dos monges dos primeiros tempos contam-se, também, fatos admi-
21. The Yorck Project
Oriunda do termo latino
ráveis relacionados com essa eleo
b-audire — escutar com atenção
vada virtude.
—, a obediência é “uma virtude
Sabia-se que um discípulo do
moral que torna a vontade pronAbade Paulo, de nome João, jata para executar os preceitos do
mais resistia a qualquer ordem
superior”.5 E tanto mais perfeirecebida, por mais árdua que
fosse. Assim, em certa ocasião
ta ela será, “quanto mais rapiem que o abade o encarregou de
damente se adiante a executar
uma incumbência na aldeia viziaquilo que se entende ser vonnha, aprestou-se a obedecer, mas
tade do superior, mesmo antes
preveniu o superior:
de este a manifestar”.6 Pois, co— Pai e senhor meu, ouvi dimo ensina São Tomás, “a vontazer que ronda por aquelas bande do superior, de qualquer madas uma leoa feroz.
neira como ela se manifeste, é
— Se a leoa te atacar, detémuma ordem tácita; e a obediên-na e traze-a contigo — responcia se mostrará tanto mais solídeu o ancião, gracejando.
cita quanto mais o obediente se
Ao cair da tarde, de fato, a
antecipar à expressão do preceileoa saltou sobre ele. Sucedeu,
to, compreendida a vontade do
então, o inverossímil: a fera torsuperior”.7
nou-se presa e o monge, caçaPortanto, a prática da obedidor. Cumprindo a ordem dada
ência não se restringe ao cumpripelo superior, João quis sujeitámento das ordens e preceitos cla“São Mauro resgata São Plácido ”, por Lourenço
-la, mas ela escapou. Então ele a
ramente expressos por parte daMonaco - Retábulo da Coroação da Virgem,
perseguiu, bradando:
quele que manda. Quem almeja
Galleria degli Uffizi, Florença (Itália)
— Mandou-me o abade prenpraticá-la em grau excelente deder-te e levar-te a ele!
ve assumir a postura de um bom fiA estas palavras, a fera detevelho em relação ao pai, ou seja, estar
-se imediatamente. João a segurou e
extremamente atento àquilo que o
empreendeu o caminho de volta ao
superior quer.
mosteiro, onde o abade mostrava-se
Porque “a obediência é, antes de
pesaroso e preocupado por seu filho
tudo, uma atitude filial. É aquele tiespiritual que tanto tardava. Ao vêpo particular de escuta que só mes-lo retornar arrastando a leoa, enmo o filho pode prestar ao pai, por
cheu-se de admiração e deu graças a
estar iluminado pela certeza de que
Deus. Cheio da alegria dos obedieno pai só pode ter coisas boas a dizer
tes, disse-lhe o discípulo:
e a dar ao filho; uma escuta embe— Eis aqui, pai, a leoa que me
bida naquela confiança que permimandaste trazer.
te ao filho acolher a vontade do pai,
Para o bem daquela alma, a fim
certo de que esta será para seu bem.
de que não viesse a envaidecer-se, o
Isto é imensamente mais verdadeiro
abade deu-lhe ordem de soltar a feem relação a Deus. Com efeito, nós
ra.4 O fato tornou-se logo conhecido
atingimos a nossa plenitude somente na medida em que nos inserimos
entre os monges, que engrandeceram
a Deus pelo prodígio realizado para tude da obediência, e os inimaginá- no desígnio com que Ele nos conceenaltecer o valor da obediência.
veis esforços realizados pelos Bem- beu em seu amor de Pai”.8
-aventurados para praticá-la de forUnião de vontade com o superior
As molas propulsoras
ma exímia. Mas deixemos de lado
da obediência
Muitos volumes seriam necessá- por enquanto o florilégio hagiográfirios para se relatar os exemplos ti- co e adentremo-nos no conhecimenAssim, podemos afirmar que as
rados da vida dos Santos no sentido to dessa pérola preciosa, ainda que molas propulsoras e o dinamismo
de mostrar o quanto Deus ama a vir- num voo muito rápido.
desta virtude são a fé e a caridade.
Mais magnífica,
entretanto,
é a virtude da
obediência,
em aras da qual as
almas consagradas
imolam aquilo que
têm de mais
precioso
Novembro 2013 · Arautos
do Evangelho 21
22. São Charbel Makhlouf
Obediente como
um menino para
com seus pais
P
rolongados jejuns, penitências extraordinárias, bem
como a sua constante união com
Deus, combinavam-se admiravelmente para fazer do padre
Charbel um anjo em carne humana. [...]
A sua obediência foi a de um
menino para com seus pais; isto era o que o diferenciava dos
seus irmãos. Vendo nos superiores a pessoa de Cristo, obedecia todas as suas ordens, com
uma total naturalidade e com
grande alegria. Não se limitava a obedecer ao seu superior,
cada um de seus irmãos, era a
seus olhos outro Cristo, e obeSão Charbel Makhlouf
decia-os. Gostava de fazer os
ofícios mais humildes da casa, ninguém o viu jamais descontente,
nem se ouviu que murmurasse algo contra o modo de proceder do superior, ou de qualquer dos seus irmãos.
Como testemunho do que temos afirmado, aqui vai um depoimento
do padre Nehmetallah Nehme, então superior do mosteiro de Annaya:
“Certo dia estava o padre Charbel trabalhando com os outros irmãos no vinhedo do Convento. Ao anoitecer, saí para visitá-lo, encontrando-o a trabalhar bem longe dos outros. Como eu sabia que ele
só comia quando lhe ordenavam, me aproximei d’ele e lhe perguntei:
— O Senhor já tomou o seu café da manhã?
— Não, foi a resposta do nosso Santo. Ninguém me mandou comer ainda qualquer coisa.
Então ordenei a um monge que fosse até o Mosteiro, e que de lá
trouxesse qualquer coisa para o irmão Charbel.
Jejuara durante 30 horas, sem comer absolutamente nada, só por
não faltar à obediência”.
(DAHER, Paul. Taumaturgo Universal. Servo de Deus Pe. Charbel
Makhlouf. São Paulo: Safady, 1955, p.82-83.)
22 Arautos do Evangelho · Novembro 2013
Segundo o padre Royo Marín, o
assunto da obediência “se reduz, em
realidade, a um problema de fé”.9
E o Beato Columba Marmion nos
apresenta uma ousada e elucidativa
comparação a este propósito.
Diz ele que quando contemplamos a sagrada Hóstia, não vemos senão pão. Ora, Cristo afirmou: “isto
é o meu Corpo” (Mt 26, 26). Assim,
deixando de lado o testemunho de
nossos sentidos, cremos estar Jesus
real e substancialmente presente
sob as Sagradas Espécies. Diante
delas nos ajoelhamos em adoração à
Segunda Pessoa da Santíssima Trindade. De modo semelhante, Nosso Senhor Se oculta a nós em nossos
superiores. Constatando seus defeitos, vemos que eles são falíveis, mas
nossa fé nos diz que é um representante de Cristo, e, por assim dizer,
apalpamos Cristo através das imperfeições do homem. “Se tivermos
fé nos veremos obrigados a exclamar: ‘Creio!’. E obedeceremos a este homem, porque nos submetendo
a ele obedecemos ao próprio Cristo
e permanecemos a Ele unidos”.10
Por outro lado, na caridade se
unificam as ações e os sentimentos
“e, mesmo não havendo total coincidência de pareceres, haverá uma
mútua predisposição para receber
e compreender o ponto de vista do
outro e um íntimo desejo de agradar
a quem se ama”.11
De tal forma a caridade e a obediência se complementam que o Doutor Angélico assevera não ser possível existir uma sem a outra,12 sendo
a obediência louvável por proceder
da caridade.13 É por isso que “a obediência cristã, descobrindo nas ordens e mandatos a presença da vontade de Deus, deve ver-se necessariamente auxiliada pela presença da
divina caridade que a faz atuar com
um espírito totalmente sobrenatural. Donde se deduz que, para a obediência ser cristã, deve estar informada da divina caridade, a qual só
23. Só os padres e religiosos
devem obedecer?
Evidentemente, a virtude da obediência compete sobretudo aos clérigos e aos membros dos Institutos
religiosos, vinculados pela profissão
dos votos, cada qual a seu respectivo
superior. Constitui, aliás, o elemento mais importante da vida religiosa, conforme demonstrou o Doutor
Angélico15 e lembra o padre Royo
Marín: “o estado religioso, em virtude principalmente do voto de obediência, é um verdadeiro holocausto que se oferece a Deus”.16 Como
diz São Gregório Magno: “com razão se antepõe a obediência aos sacrifícios, posto que mediante as vítimas se imola a carne alheia, enquanto que, pela obediência, se imola a
vontade própria”.17
Sem embargo, apesar de concernir de modo especial os clérigos e
membros de Institutos religiosos, a
virtude da obediência abrange uma
gama de pessoas muito mais ampla.18
Na Epístola aos Efésios, depois de
incentivar todos a serem “submissos
uns aos outros no temor de Cristo”
(Ef 5, 21), São Paulo mostra, fundando-se em argumentos elevadíssimos, como ela deve ser praticada em
todos os âmbitos das relações humanas, mesmo na ordem temporal. Assim, por exemplo, exorta os filhos
a obedecerem aos pais, lembrando-lhes que é cumprindo o mandamento de honrar pai e mãe que serão felizes (cf. Ef 6, 1-3). Não deixa,
porém, de alertar estes últimos para que, no exercício de sua autoridade, não provoquem a ira dos filhos,
mas os eduquem na disciplina e instruções do Senhor (cf. Ef 6, 4).
E São Pedro afirma que devemos ser submissos “a toda autoridade humana” (I Pd 2, 13); portanto,
não somente àquelas que julgamos
serem boas e justas. Também São
Paulo é claro nesse sentido: “Cada
qual seja submisso às autoridades
constituídas, porque não há autoridade que não venha de Deus; as
que existem foram instituídas por
Deus” (Rm 13, 1). Logo em seguida, o Apóstolo alerta para o prejuízo da insubordinação: “Quem
resiste à autoridade, opõe-se à ordem estabelecida por Deus; e os
que a ela se opõem, atraem sobre
si a condenação” (Rm 13, 2).
Timothy Ring
pode existir numa alma em estado
de graça”.14
A obediência de Jesus Cristo
e de Maria Santíssima
Desta santa virtude da obediência deram-nos o mais sublime
exemplo Jesus e Maria. Como diz
São Paulo, em sua Epístola aos Filipenses: “Sendo Ele [Cristo] de
condição divina, não Se prevaleceu de sua igualdade com Deus,
mas aniquilou-Se a Si mesmo, assumindo a condição de escravo e
assemelhando-Se aos homens. E,
sendo exteriormente reconhecido como Homem, humilhou-Se
ainda mais, tornando-Se obediente até a morte, e morte de Cruz”
(Fl 2, 6-8).
Com efeito, o Verbo eterno e
consubstancial ao Pai dignou-Se
assumir nossa carne mortal, fazendo-Se verdadeiro Homem, entre outras razões, para nos ensinar
e recomendar, por meio de seu sublimíssimo exemplo, esta virtude.
De fato, “de um a outro extremo,
da Encarnação ao Calvário, a vida
de Jesus aparece dominada pela lei
da obediência”.19 Idêntica afirmação faz o Beato Columba Marmion:
“O Consummatum est é a expressão
mais exata e completa de sua vida,
regida toda ela pela obediência; é o
eco do Ecce venio pronunciado no
instante da Encarnação. Estas duas palavras são duas grandes afirmações de obediência, e toda a existência terrena de Cristo Jesus gira em
torno de um eixo que passa por estes
dois polos”.20
“
Jesus de Medinaceli” - Basílica de
Jesus de Medinaceli, Madri
“E, sendo exteriormente reconhecido
como Homem, humilhou-Se ainda mais,
tornando-Se obediente até a morte,
e morte de Cruz”
Novembro 2013 · Arautos
do Evangelho 23
24. Fracisco Lecaros
“O nó da desobediência de Eva foi
desatado pela obediência de Maria; e
aquilo que a virgem
Eva atou, com a
sua incredulidade,
desatou-o a Virgem
Maria com a sua fé”
“A Anunciação” - Afresco da capela
da Porciúncula, Assis (Itália)
Maria Santíssima, por sua vez, certa de que “a Deus nada é impossível”
(Lc 1, 37), realizou “da maneira mais
perfeita a obediência da fé”,21 quando
disse: “Eis aqui a escrava do Senhor.
Faça-se em Mim segundo a tua palavra” (Lc 1, 38). Comenta Santo Irineu: “O nó da desobediência de Eva
foi desatado pela obediência de Maria; e aquilo que a virgem Eva atou,
com a sua incredulidade, desatou-o a
Virgem Maria com a sua fé”.22
Como atesta a Lumen gentium, com
este consentimento, abraçando de todo o coração a vontade divina de salvação, Maria tornou-Se Mãe de Jesus
e “consagrou-Se totalmente, como escrava do Senhor, à pessoa e à obra de
seu Filho, subordinada a Ele e juntamente com Ele, servindo pela graça de
Deus onipotente o mistério da Redenção”.23 E acrescenta: “Por isso, consideram com razão os Santos Padres que
Maria não foi utilizada por Deus como
instrumento meramente passivo, mas
que cooperou livremente, pela sua fé e
obediência, na salvação dos homens”.24
A verdadeira liberdade e a
ufania da obediência
“Nunca os homens tiveram um
tão vivo sentido da liberdade co-
mo hoje”,25 já dizia o Concílio Vaticano II, apontando também para os
perigos de uma falsa concepção deste termo: “Os homens de hoje apreciam grandemente e procuram com
ardor esta liberdade; e com toda a
razão. Muitas vezes, porém, fomentam-na de um modo condenável, como se ela consistisse na licença de
fazer seja o que for, mesmo o mal,
contanto que agrade”.26
Os anos se passaram, e é o caso de
nos perguntarmos se isso mudou... Se
não, nada mais atual do que a necessidade de deitar luz sobre o tema.
Pode por certo o homem, com suas simples forças naturais, conhecer muitas verdades e praticar várias virtudes; não lhe é possível, porém, sem o auxílio da graça, permanecer estavelmente no conhecimento e na prática de todos os Mandamentos. Isto porque na natureza humana decaída pelo pecado original
persiste sempre a debilidade da inteligência e a má tendência, anterior
a qualquer raciocínio, que o incita a
revoltar-se contra a Lei.
Se consentir nessa tendência,
transgredindo algum Mandamento,
pode o homem chegar ao ódio, mais
ou menos inconfessado, à própria
24 Arautos do Evangelho · Novembro 2013
ordem moral em seu conjunto. Esse
ódio pode não só dar origem a erros
doutrinários, mas até levar à profissão explícita de princípios contrários
à lei moral e à doutrina revelada,
enquanto tais. Ou seja, a cometer
um pecado contra o Espírito Santo:
negar a verdade conhecida como tal.
Obediência, hierarquia e autoridade são pilares indispensáveis para uma sociedade bem constituída.
E o conceito de liberdade, em seu
sentido moral verdadeiro, não se cifra na capacidade de fazer sempre
a própria vontade (inclusive podendo escolher o mal), mas sim em fazer o bem, cumprindo a vontade de
Deus, ainda que à custa de sacrifícios, renúncias e abnegação. Nesta
obediência cheia de liberdade o homem se livra da escravidão da libertinagem. Só assim terá ele autêntica
e duradoura felicidade, pois o pecado não traz alegria e paz, mas apenas fruição passageira.
Por intermédio de Maria Santíssima, peçamos, pois, a graça de praticar eximiamente esta santa virtude da obediência, a fim de gozarmos da infinita felicidade que nos
está reservada por Jesus Cristo na
eternidade. ²
25. C
omo obedecer a um superior
cujos defeitos são patentes? O
problema é complexo e infelizmente
frequente... Entretanto, há um princípio fundamental para ser sempre
aplicado nos casos concretos: é preciso procurar ver a Deus no superior
com os olhos da fé, lembrando-se que,
na vida religiosa, ele representa Nosso
Senhor Jesus Cristo.1
Exemplo da aplicação desse princípio à vida cotidiana nos dá São
Tomás de Aquino em um episódio pouco conhecido. Sendo o turno dele de fazer a leitura no refeitório, aquele que presidia a mesa lhe
fez sinal, em determinado momento, para colocar um acento sobre outra sílaba que não a correta. Se bem
que sua pronúncia estivesse certa,
ele imediatamente retificou-a, acatando a vontade do superior.
1
2
Cf. CLÁ DIAS, EP, João
Scognamiglio. Mãe do Bom
Conselho. São Paulo: Artpress, 1995, p.240.
“Por parte do que se sacrifica e imola perante Deus, a
obediência é a primeira e
mais excelente de todas as
virtudes morais” (ROYO
MARÍN, OP, Antonio. Teología Moral para seglares. Madrid: BAC, 2012,
v.I, p.784). Ver também
SÃO TOMÁS DE AQUINO. Suma Teológica. II-II,
q.104, a.3.
3
SÃO GREGÓRIO MAGNO. Vida e milagres de São
Bento. São Paulo: Artpress,
1995, p.44-45.
4
Cf. RUFINO DE AQUILEIA. Verba Seniorum.
L.III, n.27: ML 73, 755-756.
5
ROYO MARÍN, op. cit.,
p.783.
6
Idem, ibidem.
Na recreação seus irmãos comentaram que não deveria tê-lo feito,
posto que evidentemente ele estava com a razão. Mas, São Tomás respondeu: “É pouco importante pronunciar uma palavra dessa ou daquela maneira, mas é sempre importante a um religioso exercer a obediência e a humildade”.2
São Luís Gonzaga, por sua vez,
não se permitia uma ação, mesmo
ínfima, contra uma ordem de seus
superiores. Certo dia em que lhe impuseram um afazer, no momento de
forte atração à oração e à meditação, disse a Deus de um modo filial:
“Ide, Senhor, a fim de que eu possa
obedecer a meu superior”.3
E Santa Teresa de Ávila dizia
que nunca agiria contra uma ordem,
mesmo se um Anjo pretendesse liberá-la da obrigação da obediência.4
7
SÃO TOMÁS DE AQUINO,
op. cit., a.2.
8
CONGREGAÇÃO PARA
OS INSTITUTOS DE VIDA CONSAGRADA E AS
SOCIEDADES DE VIDA
APOSTÓLICA. O Serviço
da Autoridade e a Obediência, n.5.
9
ROYO MARÍN, OP, Antonio.
La vida religiosa. 2.ed. Madrid: BAC, 1968, p.332.
10
11
12
MARMION, OSB, Columba. Jesucristo, ideal del monje. Conferencias espirituales sobre la vida monástica
y religiosa. 2.ed. Barcelona:
Litúrgica Española, 1949,
p.335.
PALMÉS DE GENOVER,
SJ, Carlos. La obediencia
religiosa ignaciana. Barcelona: Eugenio Subirana,
1963, p.227.
“Se alguém padecesse o martírio, ou distribuísse todos
os seus bens aos pobres, se
Francisco Lecaros
Um princípio fundamental
para a vida cotidiana
“São Bento” - Mosteiro de Santa Maria
de Valbuena (Espanha)
1
ROYO MARIN, OP, Antonio. La vida religiosa. 2.ed. Madrid: BAC, 1968, p.332.
2
SCHÉRER, OSB, Augustin; LAMPERT,
OSB, Johannes B. (Ed.). Dictionnaire d’exemples a l’usage des prédicateurs
et des catéchistes. Tournai/Paris: Casterman, 1936, t.V, p.75.
3
Idem, p.74.
4
Cf. Idem, p.73.
não orientasse tudo isto para o cumprimento da vontade divina, o que diz respeito diretamente à obediência, tais obras não teriam o
menor mérito; como também se feitas sem a caridade, a qual não pode existir sem a obediência” (SÃO
TOMÁS DE AQUINO, op.
cit., a.3.).
13
LÓPEZ, Rafael. El Espíritu Santo y la obediencia consagrada. México: La Cruz,
1981, p.251-252.
Lembre-se que o Catecismo
da Igreja Católica afirma
que os conselhos evangélicos — pobreza, castidade e
obediência — “são propostos a todo discípulo de Cristo” (CCE 915).
19
ESPINOSA POLIT, SJ, Manuel María. La obediencia perfecta. Comentario a
la Carta de la obediencia de
San Ignacio de Loyola. 2.ed.
México: Jus, 1961, p.292.
20
MARMION, op. cit., p.317.
21
CCE 148.
22
SANTO IRINEU. Adversus Hæreses. L.III, c.22, n.4:
MG 7, 959.
23
CONCÍLIO VATICANO II.
Lumen gentium, n.56.
24
Idem, ibidem.
25
CONCÍLIO VATICANO II.
Gaudium et spes, n.4.
26
Idem, ibidem.
Cf. Idem, ibidem.
14
18
15
Cf. SÃO TOMÁS DE
AQUINO, op. cit., q.186,
a.7-8.
16
Cf. ROYO MARÍN, Teología Moral para seglares, op.
cit., p.784.
17
SÃO GREGÓRIO MAGNO. Moralium in Job.
L.XXXV, c.14, n.28: ML
76, 765.
Novembro 2013 · Arautos
do Evangelho 25
26. V Peregrinação
Nacional a Aparecida
“S
enti-me mais perto de Nossa Senhora e de Jesus,
e jamais conseguirei retribuir os benefícios que
d’Eles recebi”, foi o comentário de uma senhora
que participou da V Peregrinação Nacional do
Apostolado do Oratório a Aparecida,
realizada no dia 14 de setembro.
Onze mil pessoas, provenientes de dez Estados, se reuniram junto à imagem de Nossa Senhora da Conceição
Aparecida para manifestar sua devoção à Mãe de
Deus e nossa, agradecendo todos os favores concedidos às famílias que recebem mensalmente em suas
casas o Oratório do Imaculado Coração de Maria.
São incontáveis as pessoas que retornaram à prática religiosa em razão das
graças recebidas pela visita do Oratório. Cada
qual se sente especialmente olhado pela Mãe de Misericórdia que convida a todos com doçura e compaixão, instilando nas almas uma grande confiança na misericórdia divina.
A peregrinação anual à Padroeira do Brasil é ocasião de grande afervoramento dos participantes do
Apostolado do Oratório das mais diversas regiões
do País, que trocam impressões e experiências, propiciando um incremento desse valioso instrumento de evangelização em nossos dias. Um dos
participantes comentou ao
fim da cerimônia: “Pudemos ver a grande devoção
dos filhos e filhas de Nossa Senhora que, sem medir esforços, vieram de
todos os lugares do Brasil para prestar a devida
homenagem merecida por
nossa Mãe Santíssima”. E
um coordenador desse apostolado acrescentou: “Que maravilha
ver todo o apostolado mariano desenvolvido por Monsenhor João crescendo pelo
mundo inteiro!”.
E todos se despediram com o firme propósito de trazer mais fiéis no próximo ano! ²
Onze mil fiéis – Vindos de dez Estados da Federação, participantes do Apostolado do Oratório acorreram
aos pés da imagem da Padroeira do Brasil. Coordenadores de diversas paróquias entraram em cortejo
no Santuário portando os respectivos oratórios antes da Celebração.
26 Arautos do Evangelho · Novembro 2013
27. Terço na esplanada – No início da manhã, os peregrinos se reuniram na Esplanada João Paulo II para a recitação
do terço, assim como cada família faz ao receber a visita do Oratório em seu lar. Antes da oração, uma cópia da
Imagem de Nossa Senhora Aparecida (em destaque) foi conduzida em cortejo até a Tribuna Bento XVI.
Missa no Santuário – Com o templo lotado, o Cardeal Raymundo Damasceno Assis, Arcebispo Metropolitano de
Aparecida e Presidente da CNBB (foto em destaque), presidiu a Eucaristia, tendo entre outros concelebrantes
Dom Benedito Beni dos Santos, bispo emérito de Lorena (SP).
Novembro 2013 · Arautos
do Evangelho 27
28. Curitiba – Visando evangelizar de forma viva e atraente, o Pe. Ryan Francis Murphy, EP, tem feito palestras
acompanhadas de apresentação musical realizada por jovens arautos em diversas instituições de
ensino da capital paranaense, como a Escola Estadual Ângelo Trevisan (fotos acima).
Cuiabá – No início de setembro, arautos deram palestra de formação na 2ª Concentração Arquidiocesana dos
Servos do Altar, que reuniu mais de dois mil jovens (esquerda). E no primeiro sábado do mês, a Catedral-Basílica
do Senhor Bom Jesus encheu-se de fiéis para a prática da devoção dos Cinco Primeiros Sábados (direita).
Nova Friburgo (RJ) – Entre as escolas em que foi desenvolvido o Projeto Futuro e Vida, cabe destacar a Escola
Municipal Umbelina Breder, pela ativa participação dos alunos na visita de 20 de agosto (esquerda) e a acolhida
dada à apresentação musical realizada pelo setor feminino no CIEP de Monnerat, em 20 setembro (direita).
28 Arautos do Evangelho · Novembro 2013
29. Visitando o hospital geriátrico Dom Pedro II
U
m grupo de participantes do Curso de Formação
Teo
lógica, ministrado na sede do Apostolado do
Oratório em São Paulo, visitou em 31 de agosto o Hospital Geriátrico Dom Pedro II, situado numa antiga chácara
no Bairro de Jaçanã, na capital paulista. Vinculado à Santa Casa de Misericórdia, ele acolhe anciãos que levam uma
vida isolada por não terem mais nenhum parente na cidade.
Muitos deles se encontram em estado grave ou terminal.
O grupo estava formado por quarenta pessoas, entre as
quais dois sacerdotes e alguns missionários arautos. Eles
fizeram uma doação de cobertores à Instituição e percorreram os quatrocentos leitos cantando músicas, levando
palavras de estímulo e portando o Oratório.
Setenta e oito Unções dos Enfermos foram ministradas pelos Pe. José Luis de Zayas y Arancibia, EP, e Pe.
J
uan Navarro Barba, EP.
Novembro 2013 · Arautos
do Evangelho 29
30. Imagem peregrina
percorre Comayagua
C
ooperadores dos Arautos do Evangelho de Honduras organizaram uma Missão Mariana na Diocese
de Comayagua, a primeira a ser erigida no país e uma
das mais antigas da América. Nessa diocese, o Apostolado do Oratório está implantado desde o ano de 2000,
desenvolvendo-se especialmente nas comunidades rurais e periféricas, as quais recebem a visita de um sacerdote apenas uma vez ao mês.
Localidades como Siguatepeque, Chorreritas, San Igna
cio, El Porvenir, Las Lajas, La Libertad e Flores receberam com alegre surpresa a imagem do Imaculado Coração
de Maria levada pelos Arautos do Evangelho. Dada a dificuldade de acesso a esses povoados localizados na serra central, poucos esperavam ter esse privilégio. Em todos esses vilarejos,
o Pe. Javier Pérez Beltrán, EP, celebrou Eucaristias, deu
p
alestras de formação e atendeu confissões auxiliado pelo
Pe. Israel Orellana, vigário paroquial em Siguatepeque.
Durante a Missão Mariana, muitos fiéis fizeram a
sua consagração solene a Nossa Senhora, segundo o
método de São Luís Grignion de Montfort.
Chorreritas e San Ignacio – Como em todas as comunidades, Chorreritas (esquerda) e San Ignacio (direita)
receberam com calorosa devoção a Imagem Peregrina do Imaculado Coração de Maria. As respectivas capelas
ficaram lotadas de fiéis desejosos de venerar a imagem da Mãe de Deus e agradecer a inesperada visita.
Canais de TV – Os meios de comunicação locais deram cobertura ao evento, especialmente os canais de TV
Centro de Notícias (à esquerda) e TELESIG (à direita), que receberam a Imagem de Nossa Senhora em seus
estúdios e transmitiram entrevistas com os arautos sobre o carisma da Associação.
30 Arautos do Evangelho · Novembro 2013
31. “Dia com Maria” em Siguatepeque – Antes de se reunirem na Paróquia Nossa Senhora do Carmo para “Um
dia com Maria”, os participantes do Apostolado do Oratório percorreram em procissão as ruas da cidade (direita).
Durante o evento (esquerda), vários coordenadores consagraram-se a Jesus Cristo pelas mãos de Maria.
Guatemala: Missa pelas vítimas de acidente
1
2
4
N
o dia 1º de setembro, um trágico acidente de ônibus
ocorrido na rodovia que conduz a San Martín Jilotepeque deixou mais de 50 mortos. O pároco dessa cidade
organizou no local uma Missa em sufrágio pelas suas almas e convidou o Pe. Javier Pérez Beltrán, EP, para fazer a homilia (foto 1) perante as 5 mil pessoas presen-
3
5
tes, em sua maioria indígenas (foto 2). Cooperadores e
simpatizantes dos Arautos levaram a Imagem Peregrina do Imaculado Coração de Maria que esteve presente
durante a Missa junto ao altar (foto 3). Após a celebração, todos retornaram em procissão até a paróquia, distante oito quilômetros (fotos 4 e 5).
Novembro 2013 · Arautos
do Evangelho 31
32. Colômbia – Participantes do Apostolado do Oratório de Bogotá fizeram no mês de setembro uma visita
evangelizadora às cidades de Pacho, Fusagasugá, Ibagué e Neiva. Só nesta última estiveram presentes em sete
paróquias, entre as quais a de Nossa Senhora de Fátima (esquerda) e a de Nossa Senhora do Rosário (direita)
Peru – A pedido de cooperadores e simpatizantes da cidade de Trujillo, a Imagem Peregrina do Imaculado Coração
de Maria visitou essa cidade do norte do país, além de Chimbote e Chiclayo. Houve solene Celebração Eucarística
na Basílica-Catedral (esquerda) e visita a diversos Colégios, como o Champagnat (direita).
Equador – Os Arautos do Evangelho participaram das celebrações em honra de Nosso Senhor da Boa Esperança
do Convento Máximo de Santo Agostinho. Após a Santa Missa, celebrada com grande solenidade na igreja do
convento, houve procissão com a histórica imagem do Santo Cristo pelas ruas do centro colonial.
32 Arautos do Evangelho · Novembro 2013
33. Timothy Ring
São Martinho de Porres
“Martinho da
Caridade”
Misto de fidalgo e homem do povo, ele
nos mostra uma singular via para alcançar
a santidade, amando a Deus com todo o
coração, com toda a alma e com toda a
mente, e ao próximo como a nós mesmos.
Irmã Maria Teresa Ribeiro Matos, EP
A
s vastidões do Novo Mundo deslumbravam o homem europeu no longínquo despontar do século
XVI. Terras férteis, abundantes riquezas naturais e a esperança de um futuro promissor tornaram-se em pouco
tempo uma atração irresistível para os
fidalgos ibéricos, que viam nas Américas uma oportunidade de expandir a
Igreja de Deus, os domínios do Rei e
abrilhantar a honra da sua estirpe.
O entusiasmo que os animava não carecia de fundamento, pois
Deus parecia sorrir aos bravos expedicionários, soprando vento favorável nas velas de suas frágeis naus
e coroando com o êxito temerárias
empresas, movidas muitas vezes pelo desejo de conquistar almas para
Cristo, mas muitas outras também
por motivos bem menos elevados.
O que reservava a Providência
para essas terras infindas, habitadas
por povos das mais diversas índoles?
O que desejava Ela para aqueles nativos, ora pacíficos, ora belicosos,
ora de temperamento selvagem, ora
dotados de cultura e técnicas muito
desenvolvidas? Algo mais elevado
que qualquer consideração política
ou sociológica: dar-lhes o tesouro da
Fé, a Celebração Eucarística, a graça santificante infundida através dos
Sacramentos.
Fruto da heroica ação dos missionários, logo começaram a surgir no Novo Continente Santos dos
mais ilustres, que perfumavam com
o bom odor de Jesus Cristo os novos domínios e faziam expandir neles, pela oração ou pelo apostolado,
as sementes do Reino. Pensemos,
por exemplo, na Lima uinhentista.
q
“São Martinho de Porres”
Paróquia de Santa Beatriz, Lima
Nela conviviam Santa Rosa, terciária dominicana, hoje padroeira da
América Latina, São João Macías,
evangelizador infatigável, ou esse
modelo de Pastor que foi São Turíbio de Mongrovejo.
Contemporâneo de todos eles,
superando-os no dom dos milagres
e em manifestações sobrenaturais,
brilhou no convento dominicano do
Santo Rosário um humilde irmão
leigo chamado Martinho de Porres.
“Misto de fidalgo e homem do povo, suas virtudes esplendentes contribuíram para conferir à civilização
Novembro 2013 · Arautos
do Evangelho 33
34. peruana do seu tempo uma beleza e
uma ordenação católicas até hoje insuperáveis”.1
Desejo de servir, à imitação
do próprio Cristo
Indignado por vê-lo ocupando
posição tão humilde, o fidalgo exige
do provincial que promova seu filho
pelo menos a irmão leigo. O prior
acede, mas os olhos de Frei Martinho, em lugar de se iluminarem de
contentamento, ficam umedecidos
por lágrimas. Era a sua humildade
que falava mais alto, levando-o a implorar ao superior que não o privasse da alegria de poder dedicar-se à
comunidade como vinha fazendo
até então.
Vocação de remediar
os males alheios
No dia 2 de junho de 1603 ele faz
a profissão solene dos votos religiosos, recebendo, além das funções de
sineiro, barbeiro e encarregado da
rouparia, o cuidado da enfermaria.
Ali exerce também, à falta de médico, o ofício de cirurgião, cujos rudimentos aprendera antes de ingressar no convento.
Seus diagnósticos certeiros sobre o verdadeiro estado dos doentes logo começam a se comprovar
pelos fatos, muitas vezes contra as
aparências. Por exemplo, a um enfermo que todos consideram já às
Fotos: Gustavo Kralj
Nasceu ele a 9 de dezembro de
1579 na florescente Lima do tempo
colonial, capital do vice-reinado do
Peru, filho natural de João de Porres, cavaleiro espanhol, e Ana Velázquez, panamenha livre, de origem africana.
Em sua infância, experimentou ora as larguezas e as exigências da vida nobre ao lado do pai,
em Guayaquil — atual Equador —,
ora a simplicidade e o trabalho junto à mãe, em Lima, sem apegar-se a
um modo de vida nem reclamar do
outro. Mas tanto em uma quanto
em outra circunstância ele se sentia
atraído pela vida de piedade, servindo como coroinha nas Missas paroquiais ou passando noites em claro,
de joelhos, rezando diante de Jesus
Crucificado.
Contando apenas 14 anos dirigiu-se ao Convento do Rosário e fez um
pedido ao provincial dos Pregadores,
Frei João de Lorenzana. Que deseja-
va ele ao bater à porta daquela casa
de Deus? Tornar-se um servidor dos
frades, na qualidade de “doado”, como então eram designados aqueles
que se dedicavam às tarefas domésticas e se hospedavam nas dependências dos dominicanos. O superior,
discernindo nele um chamado autêntico, recebeu-o de bom grado.
Doravante suas funções seriam
varrer salões e claustros, a enfermaria, o coro e a igreja da grande propriedade, que abrigava por volta de
200 religiosos, entre noviços, irmãos
leigos e doutos sacerdotes. De maneira alguma Frei Martinho se envergonhava dessa condição. Sua visão sobrenatural das coisas fazia-o compreender bem a glória que
há em servir, à imitação do próprio
Cristo Jesus, que Se encarnou para
nos dar exemplo de completa submissão.
Após dois anos no exercício dessas árduas tarefas, vinculado à comunidade apenas como terciário,
um irmão o chama à portaria. Ali estão à sua espera o superior e seu pai
que, regressando de um longo período a serviço do vice-rei, no Panamá,
quer reencontrar o filho.
Fruto da heroica ação dos missionários, logo começaram a surgir
no Novo Continente Santos dos mais ilustres
São João Macías e Santa Rosa, convento de São Domingos, Lima;
São Turíbio de Mongrovejo, Palácio Arcebispal de Lima
34 Arautos do Evangelho · Novembro 2013