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Construção da competência
tradutória: avaliando a
capacidade estratégica do
tradutor em formação
Karina Sarto Szpak
Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG)
Kakau_ss@yahoo.com.br
Resumo: Este trabalho relata um estudo piloto o qual aborda a importância da
Capacidade Estratégica para o processo de aquisição da competência tradutória.
Primeiramente desenvolve-se um levantamento teórico e em seguida aponta-se o
modelo de competência tradutória elaborado pelo grupo PACTE (2003). Logo após, a
aquisição da Competência Tradutória, bem como a importância da capacidade
estratégica para este processo são apresentadas juntamente com uma proposta de
hierarquização das subcategorias de competência. Finalmente, apresentam-se as
ferramentas metodológicas utilizadas para a investigação, as quais, juntamente com
as análises e considerações finais, corroboram as hipóteses levantadas neste
trabalho.
Palavras-chave: competência tradutória, capacidade estratégica, aquisição da
competência, problemas de tradução.
Introdução
Para a nossa cultura geral, a tradução tende a ser vista como uma atividade
de transposição de significados desta para aquela língua, sendo necessários, para
desenvolvê-la, apenas o conhecimento da língua e a consulta a um bom dicionário.
Contudo, esta visão, bastante limitada, é desmistificada por várias pesquisas
desenvolvidas na área, que afirmam que a prática da tradução requer estratégias
de diversas naturezas.
Dessa forma, entendemos a tradução como uma atividade comunicativa que
envolve conhecimentos, habilidades, estratégias, soluções de problemas e tomadas
de decisões, a qual exige o que alguns teóricos denominam de “conhecimento
experto” (PAGANO, MAGALHÃES & ALVES, 2005; HURTADO ALBIR, 2001). Nos
Estudos da Tradução este conhecimento é chamado de Competência Tradutória, ou
seja, o que conduz o tradutor bem-sucedido a um exercício adequado da tarefa
tradutória.
Apesar da definição proposta acima, sabe-se que não há nos Estudos da
Tradução uma definição consensual a respeito da Competência Tradutória (CT),
bem como de sua aquisição. Isso ocorre devido ao fato de que além dos estudos na
área serem muito recentes, poucas são as pesquisas desenvolvidas a respeito da
aquisição de competências, podemos citar os trabalhos de Ronald J. Sim (1995) - A
Training Strategy for Translation Studies; Andrew Chesterman (1997) - Teaching
Strategies for Emanciapatory Translation; Fabio Alves & José Luiz Gonçalves (2003)
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- Triangulating Translation: Perspectives in Process Oriented Research; e por fim, o
modelo holístico desenvolvido pelo grupo PACTE (2003). Nesse sentido, este
trabalho tem como objetivo ampliar as discussões propostas por esses trabalhos, à
medida que investigará uma das capacidades detectadas como essencial ao
tradutor competente. Assim, o foco desta investigação será colocado no estudo da
capacidade estratégica e sua relação com o desenvolvimento da competência do
tradutor.
Quadros e Modelos Teóricos
O termo “competência” começa a ser utilizado nos Estudos da Tradução em
meados da década de 1980, sendo mencionado primeiramente pelo antropólogo
Hymes, em 1966, que, com base na distinção de Chomsky (1965) entre
competência e desempenho, criou o conceito de competência comunicativa (que
abrange questões gramaticais, sociolingüísticas e discursivas). Desde então,
embora poucos estudos tenham sido realizados, diversas propostas sobre o tema
foram formuladas.
Contudo, como visto na seção anterior, poucas são as propostas de modelo
ou de definição a respeito da CT, bem como de suas subcompetências. Podemos
afirmar que o problema começa nas inúmeras denominações aplicadas ao termo
que ora é denominado de competência de transferência1
(NORD, 1991 apud
OROZCO e HURTADO ALBIR, 2002, p. 375), ora de competência traducional2
(TOURY, 1995; HANSEN,1997; CHESTERMAN, 1997 apud OROZCO e HURTADO
ALBIR, ibid), de competência do tradutor3
(KIRALY, 1995 apud OROZCO e
HURTADO ALBIR, ibid), performance tradutória4
(WILSS, 1989 apud OROZCO e
HURTADO ALBIR, ibid), ou ainda habilidade tradutória5
(LOWE 1987, PYM, 1993,
STANSFIELD, SCOTT Y KENYON, 1989 apud OROZCO e HURTADO ALBIR, ibid).
Frente a essa diversidade de propostas, decidimos adotar como base teórica
o Modelo Holístico desenvolvido pelo grupo PACTE (2003), pois além de ser o mais
completo, vai de encontro com os estudos desenvolvidos em nosso laboratório
(LETRA). Assim, segundo esse modelo a competência tradutória é entendida como:
Um conhecimento especializado que consiste em um sistema subjacente de
conhecimentos, declarativos e, em maior proporção, operativos, necessários para
saber traduzir, que está composto por cinco subcompetências (bilíngüe,
extralingüística, conhecimento sobre tradução, instrumental e estratégica) e de
componentes psicofisiológicos. (HURTADO A. apud PAGANO, MAGALHÃES, ALVES,
2005, p. 28)
Assim, a subcompetência estratégica é definida, neste modelo, como um
conhecimento que garante a eficiência do processo tradutório, bem como norteia a
resolução dos problemas encontrados. Esta é uma subcompetência que afeta todas
as outras e causa interrelações entre elas, pois controla o processo tradutório. Suas
funções são: a) planejar o processo e realizar o projeto de tradução (escolha do
1
Minha tradução de “Transfer Competence”;
2
Minha tradução de “Translational Competence”;
3
Minha tradução de “Translator Competence”;
4
Minha tradução de “Translatiom Performance”;
5
Minha tradução de “Translation Ability”.
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método mais adequado); b) avaliar o processo e os resultados parciais obtidos em
relação ao objetivo final; c) ativar as diferentes subcompetências e compensar suas
deficiências; d) identificar problemas de tradução e proporcionar soluções para os
mesmos.
Fig. 1. A competência tradutória e a subcompetência estratégica, como
componente central, segundo o modelo holístico do grupo PACTE
Fonte: PACTE. Building a translation competence model (2003, p. 28)
Através deste levantamento bibliográfico foi possível observar ainda que nos
últimos anos, apesar da carência de propostas didáticas relacionadas à tradução,
houve um avanço nas pesquisas alicerçadas em pressupostos pedagógicos, como,
por exemplo, os trabalhos de Delisle (1980, 1993), Kiraly (2000), Kelly (2005),
Hurtado Albir (2001) entre outros.
Por basearem-se nos estudos na área de educação, estes autores acreditam
que a aquisição do conhecimento especializado ocorre em dois estágios, o inicial
(conhecimento novato) que com o passar do tempo vai se tornado mais automático
até chegar ao estágio final (conhecimento especializado). Esta aquisição pode ser
natural ou direcionada por um professor, sendo que o processo de aprendizagem
ocorre em ambos os casos. Outro ponto em comum é que estes acreditam que a
aquisição de qualquer conhecimento é cíclico e dinâmico, passando por estágios
sucessivos de construção e reconstrução do conhecimento, sendo o aprendizado
das estratégias essencial neste processo.
Em congruência com os autores já citados, o grupo PACTE (2001, 2002a,
2002b) afirma que a aquisição da Competência Tradutória é considerada como um
processo de reconstrução e desenvolvimento de suas subcompetências juntamente
com os componentes psicofisiológicos. Deste ponto de vista, trata-se de um
processo de:
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Reestruturação e desenvolvimento de um conhecimento novato (competência pré-
tradutória) em um conhecimento especializado (competência tradutória), sendo um
processo cíclico que comporta o desenvolvimento integrado de conhecimentos
declarativos e operacionais, ocupando lugar fundamental no desenvolvimento do
conhecimento operacional e, portanto, da competência estratégica. (HURTADO A.
apud PAGANO, MAGALHÃES, ALVES, 2005, p. 29)
Partindo destes pressupostos e com base na perspectiva Vigotskiana6
,
podemos afirmar que a capacidade estratégica, na aquisição da CT, tem um papel
significativo, pois se encaixaria no que Vygotsky (1985) denomina de Zona de
Desenvolvimento Proximal, atuando diretamente na transformação da competência
pré-tradutória em tradutória. Isso ocorre, pois, a mediada que os problemas de
tradução vão sendo detectados, mecanismos cognitivos de alto nível começam a
ser ativados para buscar a solução dos mesmos. Assim a capacidade estratégica
passa a nortear o processo tradutório ativando e propondo inter-relações entre as
outras subcategorias de competência. Processo este que à medida que o
conhecimento sobre tradução vai se aprofundando torna-se mais automático.
A figura abaixo ilustra como esse processo ocorre:
CPT AQUISIÇÃO CT
CE
SBC
CPT – Competência Pré-tradutória
CT – Competência Tradutória
CE – Capacidade Estratégica
SBC – Subcategorias de Competência
Fig. 2. Proposta de um modelo de aquisição da CT e a relevância da CE para
este Processo.
Segundo as proposições levantadas até então, é possível perceber que a
noção de estratégia está intrinsecamente ligada à noção de problema, isso porque é
através da resolução destes que a CT se manifesta.
Por fim, acreditamos que ao observar os sujeitos frente a problemas de
tradução, poderemos recolher informações suficientes para dar início a uma análise
cuja finalidade seria de apresentar subsídios relacionados à importância da
6
Segundo Vygotsky (1985), a construção do conhecimento desenvolve-se segundo uma intervenção
pedagógica que parte do que o aluno é, sabe e faz (Zona de Desenvolvimento Real), em direção ao que
ele precisa ser, saber e fazer (Zona de Desenvolvimento Potencial), sendo esta intervenção mediada
pelo professor na Zona de Desenvolvimento Proximal, e neste espaço ele terá o papel de mediador,
provocador de conflitos, estimulador, propiciador de recursos, que construirá a ponte entre o Real e o
Potencial.
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capacidade estratégica na formação do tradutor profissional, que acarretará na
ampliação da qualidade e adequação dos programas de cursos de tradução em
geral.
Investigação
Para alcançar os objetivos propostos por este trabalho, utilizamos três
ferramentas metodológicas para a investigação. Primeiramente obtivemos
informações por meio de questionários que nos auxiliaram a delimitar os perfis dos
sujeitos. Logo após, utilizamos o programa Translog (JAKOBSEN, 1999), o qual nos
forneceu um registro detalhado de todas as ações implementadas no teclado do
computador enquanto o sujeito realizava a tarefa de tradução, como por exemplo,
as pausas, o tempo dedicado à leitura e revisão do texto, ações do mouse, etc. E
por fim, sondamos as estratégias utilizadas pelos sujeitos na solução de
determinados tipos de problemas por meio de entrevistas gravadas com os sujeitos
logo após o desenvolvimento da tarefa de tradução, chamados de protocolos
retrospectivos.
Assim, desenvolvemos duas sessões exploratório-experimentais em que os
sujeitos, 6 alunos que estavam cursando o primeiro ano (primeiro e segundo
períodos) e 8 que estavam cursando o ultimo ano (sétimo e oitavo períodos) do
curso de Letras da Universidade Federal de Ouro Preto, traduziram do inglês para o
português dois textos de um mesmo gênero com intervalo de aproximadamente 6
meses entre as sessões. Objetivamos trabalhar com perfis diferenciados com o
intuito de investigar se à medida que os conhecimentos declarativos e operativos
sobre tradução são ampliados, as tomadas de decisões tornam-se mais automáticas
e os erros menos frequentes.
Os possíveis problemas de tradução foram levantados previamente pela
proponente deste trabalho e foram classificados em: i) problemas lingüísticos; ii)
problemas extralingüísticos e ii) problemas pragmáticos.
Foram disponibilizados como fontes de documentação dicionários impressos
e eletrônicos, bilíngües e monolíngues, do par lingüístico inglês-português e ainda o
acesso à internet.
Delimitamos ainda, o período de sessenta minutos para a realização da
tarefa, já que o planejamento da mesma, segundo a pressão do tempo, além de ser
uma situação corriqueira na vida profissional dos tradutores, nos ajuda a verificar,
primeiramente, se esta é vista como uma situação problema pelos alunos e quais
estratégias são desenvolvidas no ato tradutório para lidar com este suposto
problema.
Análise dos dados
Para fins de se identificar a relevância da aquisição da capacidade
estratégica no processo tradutório apresentaremos primeiramente a análise dos
dados fornecidos pelo programa translog, como por exemplo, tempo total de
produção textual, tempo dedicado às fases de orientação, redação e revisão; e
principalmente o tempo e número de pausas efetuadas no momento da tradução.
Em seguida, apresentaremos a análise das traduções em termos de uso de recursos
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de coesão, coerência e adequação da mesma ao texto de partida, bem como
procuraremos identificar os problemas de tradução e as tomadas de decisão
desenvolvidas pelos sujeitos no ato tradutório.
A seguir apresento cada uma destas metodologias, as quais serão
exemplificadas por meio das análises de dois sujeitos participantes das sessões
exploratórias.
Dados obtidos através do programa Translog
O programa Translog foi desenvolvido por Jakobsen (1999) e pode ser
entendido como um método não invasivo o qual procura fazer com que as pausas
“falem” durante o processo de tradução (ALVES, 2005 p.115). Jakobsen acredita
que o ritmo cognitivo7
de tradutores novatos e experientes apresentará diferenças
marcantes no gerenciamento operativo de uma tarefa de tradução. Assim, para que
estas diferenças sejam melhor observadas Jakobsen propõe dividir o processo de
tradução em três fases: orientação, redação e revisão.
A fase de orientação inicia-se a partir do momento em que o texto de
partida aparece na tela do translog User e encerra-se quando o sujeito digita a
primeira letra do texto de chegada.
Com o término da fase de orientação, inicia-se a fase de redação, ou seja, a
produção do texto propriamente dito, incluindo a digitação, eliminação e
substituição de texto, por meio da movimentação do teclado ou da utilização de
comandos efetuados pelo mouse. Esta fase tem fim a partir do momento que o
sujeito tradutor digita o ponto final do texto de chegada.
A fase de revisão tem início com o término da fase de redação. Esse
momento é facilmente identificado pelo programa, pois, na tentativa de obter uma
visão global do trabalho realizado, o sujeito geralmente movimenta o cursor ou o
mouse por todo o texto traduzido. Esta fase se encerra com a gravação do arquivo
log do programa, ou seja, quando o sujeito dá por terminada a tradução.
Assim, com base nesta proposta de Jakobsen, identificamos o tempo total da
produção textual dos sujeitos, bem como calculamos o tempo que estes dedicaram
às fases de orientação, redação e revisão, como pode ser observado no exemplo
abaixo, em que S1 é o tradutor menos experiente e S2 o com relativo grau de
experiência:
Tabela 1: Comparativo de tempo dedicado as fases de tradução.
1ª SESSÃO 2ª SESSÃO
S S2 S1 S2
Tempo Total 51’17’’ 28’23’’ 31’37’’ 40’56’’
Orientação 01’16’’ 02’04’’ - 02’20’’
Redação 38’36’’ 24’53’’ 26’20’’ 30’32’’
revisão 12’05’’ 02’06’’ 05’17’’ 08’35’’
A tabela 1 nos revela que não há um padrão de diferenciação entre os
informantes no que concerne às fases de orientação, redação e revisão, já que na
primeira sessão S2 demonstra características de uma tradução mais fluida, sem
7
Padrão de alternância rítmica entre pausas e redação no decorrer de um tempo total de produção
textual (ALVES, 2005 p.116).
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muitas pausas, o que indicaria, se comparado aos dados de S1, que S2 não se
deparou com muitos problemas de tradução. Contudo este quadro se inverte na
segunda sessão. Suspeitamos que tal inversão possa ser explicada pelo fato de S1
ter traduzido o segundo texto duas vezes, visto que houve um problema no
momento em que S1 desenvolvia a tarefa de tradução. Assim, faz-se necessário
desenvolver uma análise qualitativa das traduções, apontando quais os problemas e
soluções levantados por cada um dos tradutores voluntários, para averiguar os
motivos desta inversão, se a mesma aponta para uma tradução mais fluida, sem
muitos erros, ou se esses dados sofrem tal alteração devido ao fato de S1 ter tido
um contato prévio com o texto.
Análise Qualitativa
Para fins da análise aqui desenvolvida, foram agrupados os problemas e,
consequentemente, as estratégias segundo as categorias de subcompetências da
CT. Como mencionado anteriormente, os problemas identificados foram: problema
lingüístico; problema extralingüístico e problema pragmático. É importante destacar
que escolhemos estes três tipos de problemas, pois à medida que os tradutores
voluntários os solucionam, quase todas as subcompetências da CT são utilizadas.
Por conseguinte, observamos se os informantes a) identificaram estes
problemas; b) identificaram, mas não os solucionaram ou c) identificaram e
solucionaram os mesmos. No caso da alternativa “c”, sondamos quais estratégias
foram utilizadas no processo de resolução destes.
No geral, parece que S1, por ter um bom conhecimento lingüístico nas
línguas envolvidas, não apresentou muitos problemas de processamento sintático.
Contudo, percebe-se certa dificuldade em encontrar colocações adequadas na
língua de chegada. Tal dificuldade pode ser observada por meio da representação
do Translog o qual revela a duração das pausas dedicadas por S1 na tentativa de
solucionar os seguintes problemas lingüísticos: “Afters” (linha 6, anexo 1);
“Centerpiece of the meal” (linha 4, anexo 1); “Five-course feast” (linha 10, anexo
1); “Fondness” (linha13, anexo 1); “Paper wrapping” (linha16, anexo 1); os quais
foram traduzidos respectivamente para: “para depois” (linha 8, anexo 2); “Peça
central” (linha 6, anexo 2); “prato das cinco” (linha 12, anexo 2); “afeição” (linha
16, anexo 2) e “papel de embrulho” (linha 19, anexo 2). Por meio do protocolo
retrospectivo, verificamos que estes problemas de tradução foram identificados,
contudo, não achando uma solução plausível para os mesmos, S1 utiliza como
estratégia para a solução deste tipo de problema a consulta a dicionários e acaba
desenvolvendo uma tradução literal, vejamos seu relato:
“Achei o texto no geral fácil, mas tive alguns problemas com o vocabulário
(...) não fiquei satisfeita com minha tradução de five-course, procurei no
dicionário, mas acho que não é bem isso ... enfim, devido ao tempo resolvi
deixar assim mesmo... mais literal”. (S1)
Com relação aos problemas extralingüísticos, a informante, apesar de ter
tido um pouco de dificuldade com questões lexicais, não os detectou como um
problema de tradução. Ao traduzir “mint sauce or red-currant jelly for lamb” (linha
3, anexo 1) por “geléia vermelha de passa de Corinto para carneiro” (linha 5, anexo
2) e “Horseradish sauce for beef” (linha 4, anexo 1) por “rábano-picante para bife”
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(linha 6, anexo 2), disse saber do que se tratava, mas estava com dificuldades para
encontrar o equivalente em português. A estratégia utilizada por S1 então, foi
recorrer ao dicionário e achar um equivalente em português. No que diz respeito à
palavra “chips” (linha 11, anexo 1), que foi traduzida como “batata frita” (linha 17,
anexo 2), a informante demonstrou ter conhecimento de que há uma diferença
entre a cultura britânica e a americana para esta palavra, afirmando que “para os
americanos „chips‟ seria a batata de saquinho, como um salgadinho „Elma Chips‟”
(S1). Assim, acreditamos que o fato de S1 ter tido um contado com a cultura
americana, pode ter sido um dos fatores para o mesmo não ter identificado estas
questões como um problema de tradução, apesar de ter tido dificuldades lexicais.
No que concerne os problemas pragmáticos S1 identificou os problemas,
mas não demonstrou um padrão, uma linearidade em suas escolhas de tradução.
Quando o perguntamos por que resolveu traduzir “pubs” (linha 7, anexo 1) por
“bares” (linha 10, anexo 2), disse que ficaria melhor, pois nem todos sabem
diferenciar um “pub” de um bar e como no Brasil estamos familiarizados com a
palavra bar, resolveu que esta estaria mais adequada ao contexto. Já em relação à
tradução de “cafés” (linha 7, anexo 1), optou por manter o nome, por não ter
encontrado um equivalente em português, mas já que o texto fornece informações
a respeito de Londres os leitores poderiam inferir sobre o que se trata, mesmo
porque o contexto ajudaria neste caso. Assim, percebe-se que ao mesmo tempo em
que S1 demonstra certa preocupação com o entendimento do leitor, também nos
revela uma incapacidade de gerenciar ou de monitorar o processo tradutório, já que
esta não é uma constante em sua tradução, visto que a escolha de traduzir “pubs”
por “bares” foi a única manifestação de tal preocupação. S1 também não nos revela
o interesse em traduzir o título e a referência bibliográfica e ainda apresenta alguns
problemas coesivos em seu texto como, por exemplo, sua tradução do trecho: “The
legendary English breakfast may be less ambitious than the five-course feast
enjoyed by the Victorians, but it is still a hearty meal that the perfect start day’s
sightseeing” (linhas 8,9 e 10, anexo 1) por “O lendário café da manhã Inglês pode
ser menos desejoso que o festival do "prato das cinco" apreciado pelos Vitorianos,
mas ele continua sendo um companheiro da refeição, isto é o começo perfeito para
um dia dificíl de visita turística pela cidade” (linhas 11, 12, 13 e 14, anexo 2), o que
compromete a compreensão do texto por parte do leitor. Estes são mais alguns
exemplos de que a falta de capacidade de planejamento e monitoramento podem
afetar negativamente o processo tradutório.
Vejamos agora quais estratégias foram utilizadas por S2 na tradução do
mesmo texto. Em linhas gerais, o texto de S2 tem um caráter distinto daquele
alcançado por S1, já que o texto é coeso, pode ser lido sem interrupções e parece
fornecer com exatidão as informações do texto de partida. Aparentemente, o texto
de S2 possui um bom grau de durabilidade textual. Se observarmos a
representação do Translog poderemos ver que S2 desenvolve uma tradução
bastante rápida, não apresentando pausas longas (acima de 01min).
Diferentemente de S1, verbaliza certa preocupação com relação às
especificidades da tarefa de tradução e com o entendimento do publico alvo. Esta
preocupação pode ser observada em um de seus relatos retrospectivos:
“Um problema que tenho é de sempre querer achar a melhor palavra...a
palavra mais adequada ao contexto...prefiro perder um pouco de tempo
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recorrendo ao dicionário só pra encontrar uma palavra que fique legal...que
encaixe no contexto...as vezes até sei o que significa a palavra, mas mesmo
assim, recorro ao dicionário pensando no que ficaria melhor em português, o
que não soaria estranho para o leitor do texto, entendeu?” (S2)
Assim, com relação aos problemas lingüísticos, os detectou como problemas
e utilizou como estratégias para resolvê-los, pesquisa na internet, dicionários
eletrônicos, bem como seu conhecimento cultural, assim S2 apresentou algumas
escolhas interessantes, tais como “prato principal” (centerpiece of the meal),
“banquete de cinco pratos” (“Five-course feast”), afirmando que “o indivíduo inglês
típico da era vitoriana, tinha a hora do café como um banquete em que eram
servidos cinco pratos distintos” (S2). Contudo, não demonstrou tal acuidade na
tradução dos termos “para logo após” (afters) e “embalagem” (paper wrapping). Na
verdade, podemos perceber que S2 compreendeu a informação contida no texto,
porém suas escolhas não foram as melhores, pois o termo “para logo depois” por
aparecer no final do período não remete a idéia de que vem após o prato principal,
o que pode comprometer o entendimento desta informação por parte do leitor.
Já em relação aos problemas extralingüísticos, os identificou como
problema, preocupou-se em pesquisar na internet a respeito dos pratos, porém
resolveu desenvolver uma tradução mais literal, pois revela estar ciente de que o
texto é de interesse geral, mas como possui terminologia específica, achou
consistente o uso de termos da culinária britânica. Assim sua tradução de “mint
sauce or red-currant jelly for lamb, mustard or horseradish sauce for beef” é a
seguinte: “molho de hortelã ou geléia de groselha para a carne de carneiro,
mostarda ou molho rábano-picante para a carne de boi”.
Essa mesma explicação foi dada quando S2 se deparou com os problemas
pragmáticos. Assim, S2 não os identificou como um problema de tradução visto que
preferiu manter a terminologia específica, optando de forma consciente por manter
sua tradução (pubs e cafés) como o original. Em seu relato retrospectivo explica
que:
“Apesar de não ser de conhecimento de todos o que é um pub ou um café,
pub, culturalmente falando, é diferente de bar, tanto que em Londres
existem bares e pubs, o mesmo acontece para cafés, são diferentes de
lanchonetes, mas por se tratar de um guia de viagens, que está dando
informações a respeito de Londres, não vejo porque não manter esta
terminologia”. (S2)
Assim, podemos observar que o processo de tradução de S2 parece estar
ligado a aspectos macrotextuais, tais como certa preocupação com a adequação do
gênero textual, bem como com a coesão e coerência textual, o que permite uma
leitura fluente pelo público alvo da tradução dentro das especificidades fornecidas
pela tarefa da tradução. Lembrando ainda que, S2, apesar de não utilizar em todos
os problemas levantados previamente, o conhecimento especializado (CT),
demonstra ter conhecimentos teóricos sobre tradução e em algumas de suas
estratégias utiliza certos conhecimentos caracterizados como pertencentes aos
tradutores expertos. Em termos propostos por este trabalho, S2 apresenta as
características não de um tradutor pré-competente como é o caso de S1, mas de
um tradutor em fase de acomodação dos conhecimentos a respeito da tradução, no
2265
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modelo proposto na segunda seção deste trabalho, estaria na fase de
desenvolvimento proximal, caminhando em direção a aquisição de níveis mais
complexos, abstratos, metareflexivos e metacognitivos, presentes nos tradutores
competentes.
Considerações Finais
Com base nos Estudos da Tradução a respeito da aquisição da CT, este
estudo propôs um desenho experimental com o intuito de sondar se o uso de
estratégias na solução de problemas de tradução progride à medida que as noções
sobre tradução são adquiridas.
Assim, através da análise dos dados tal hipótese foi confirmada, visto que
observamos padrões distintos entre os informantes. S1, que não cursou, até o
momento da realização do experimento, nenhuma disciplina de tradução,
demonstra possuir um bom conhecimento das línguas de trabalho, porém, este
conhecimento não supre as necessidades exigidas para o bom desempenho da
tarefa, visto que em ambos os textos temos como característica problemas de
coesão, coerência e problemas de tradução não resolvidos, o que classificaria S1
como tradutor inexperiente ou que possui uma competência pré-tradutória. S2, por
sua vez, por já ter cursado, até o momento da realização do experimento, seis
disciplinas do curso de Tradução e por estar desenvolvendo a atividade de tradução
há dois anos, demonstra, tanto em suas traduções como em seu protocolo
retrospectivo, uma capacidade maior de monitoramento e gerenciamento do
processo tradutório, já que S2 demonstra preocupação com o público-alvo, com a
adequação ao gênero textual, com aspectos coesivos, bem como demonstra em
algumas de suas decisões a utilização de estratégias mais automáticas, o que o
colocaria na qualidade de tradutor mais experiente.
Por meio destas análises, podemos ainda comprovar que o fato de S1, ter
desenvolvido a segunda tarefa de tradução em um curto período de tempo, não o
classificaria como um tradutor experiente, visto que ao analisarmos
qualitativamente sua tradução, este manteve os mesmos padrões apresentados no
desenvolvimento da primeira sessão, apresentando, até mesmo, maiores
problemas no desenvolvimento da segunda. O que confirma mais uma vez, que a
capacidade estratégica é de fundamental importância no processo tradutório, visto
que o fato de S1 já ter lido e traduzido o texto anteriormente, não contribuiu para a
produção de um texto durável, o que parece é que, por não ter as habilidades e
conhecimentos necessários para solucionar determinados tipos de problemas, S1
desenvolveu sua tarefa em um curto período de tempo pelo simples fato de que
agora não se faz necessária à busca pelos itens lexicais desconhecidos.
Portanto, acreditamos que este estudo faz-se relevante, pois estamos
convencidos de que quanto mais soubermos a respeito das especificidades da CT e
como está é adquirida, melhores currículos e metodologias de ensino poderão ser
desenvolvidos visando uma melhor formação para o aluno de tradução.
Referências Bibliográficas
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Anexo 1
Texto utilizado na primeira sessão empírico-experimental.
What to Eat in London
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12. Curitiba2011AnaisdoVIICongressoInternacionaldaAbralin
THE TRADITIONAL SUNDAY lunch displays what is best about British
food – good ingredients prepared simply but well. A joint of roast meat
(usually lamb or beef) served with appropriate accompaniments (mint
sauce or red-currant jelly for lamb, mustard or horseradish sauce for beef)
is the centerpiece of the meal; wonderful homestyle puddings and fine
British cheeses served with crackers are obligatory “afters”. Sunday lunch
is still an institution for Londoners, and you will find versions of each in
many restaurants and cafés as well as in hotels and pubs all over the capital.
The legendary English breakfast may be less ambitious than the five-course
feast enjoyed by the Victorians, but it is still a hearty meal that the perfect
start day’s sightseeing. Afternoon tea (usually taken at around 4 p.m.) is
another treat, when British genius for cakes and their fondness for tea
drinking come together. The smell of fish and chips will often greet you as
you wander around the city, and this classic British meal is best eaten in the
open air, directly from its paper wrapping.
[In: SHAW, J. (ed.). London: in eyewitness travel guides. DK Publishing,
1993. P. 288-289]
Anexo 2
Tradução desenvolvida por S1 – Primeira sessão exploratória
O TRADICIONAL almoço de domingo demonstra o que há de melhor
sobre comida Britanica - bons ingredientes preparados de maneira
simples mas boa. Uma junção de carne assada (geralmente cordeiro ou
bife) servida com os apropriados acompanhamentos (salsa de hortelã ou
geléia vermelha de passa de Corinto para carneiro, mostarda ou salsa de
rábano-picante para bife) é a peça central da refeição; maravilhosos
pudins ao estilo caseiro e finos queijos Britânico servidos com bolachas
são obrigatórios para depois. O almoço de domingo continua sendo uma
instituição para os Londrinos, e você irá encontrar versões dele em
muitos restaurantes e cafés, bem como em hotéis e bares por toda a
capital. O lendário café da manhã Inglês pode ser menos desejoso que o
festival do "prato das cinco" apreciado pelos Vitorianos, mas ele
continua sendo um companheiro da refeição, isto é o começo perfeito
para um dia dificíl de visita turística pela cidade. O chá da tarde
(geralmente feito por volta das 4 da tarde) é um outro prazer, quando o
talento Britanico para bolos e sua afeição por beber chá se unem. O
cheiro de peixe e batata frita irão, muitas vezes, agradar você enquanto
você passeia ao redor da cidade, e esta classica refeição Britânica é a
melhor para se comer ao ar livre, diretamente do papel de embrulho.
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Anexo 3
Tradução desenvolvida por S2 – Primeira sessão exploratória
O que comer em Londres
O TRADICIONAL ALMOÇO DE DOMINGO trás o que há de
melhor na comida inglesa - bons ingredientes preparados de forma
simples, mas deciliciosa. Um peça de carne assada (geralmente de
carneiro ou boi) servida com os acompanhamentos apropriados (molho
de hortelã ou jeléia de grosélia para a carne de carneiro, mostarda ou
molho rábano-picante para a carne de boi) é o prato principal da refeição.
Um maravilhoso pudim caseiro e queijos finos ingleses servidos com
biscoitos são obrigatórios para logo após. O almoço de domingo ainda é
uma instituição para os londrinos, e você encontrará versões deles em
vários restaurantes e cafés, assim como em hotéis e pubs por toda a
capital. O lendário café da manhã pode ser menos pretencioso do que o
banquete de cinco pratos com que os vitorianos se deleitavam, mas ainda
é uma refeição forte, perfeita para começar um duro dia de passeios pelos
pontos turísticos. O chá da tarde (geralmente tomado por volta das 4h) é
outro banquete, é quando o talento britânico para bolos e seu gosto por
chá se unem. O cheiro do peixe frito com batatas fritas geralmente os
receberá por toda a cidade, e essa típica refeição britânica é melhor
apreciada ao ar livre, direto da embalagem.
[In: SHAW, J. Londres: /Guia de vigens. Londres: DK Publishing, 1993.
p. 288-289.]
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