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ção é parte do progresso do conhecimento. Mas, sobretudo e de um ponto de vista mais profundo, o
ensino da Matemática é uma peça essencial do treino do cérebro, o nosso órgão mais nobre. Todos
nascemos prematuros, precisamos de proteção durante a juventude, porque no mundo naturalmente
hostil dependemos da nossa capacidade de tomar decisões certas com base em informações incertas, o
que só é possível se conseguirmos identificar padrões e deduzir consequências. Por isso os adultos, para
alem da proteção imediata, devem-nos nessa fase juvenil o amparo do futuro, que consiste no treino do
cérebro, por forma a desenvolver as capacidades indutivas e dedutivas indispensáveis para aquelas
tarefas de sobrevivência quotidiana.
Todos temos latente a capacidade de raciocínio dedutivo, um tipo de raciocínio que se for bem apli-
cado só pode conduzir a verdade; deve ser desenvolvido com Matemática, com Lógica, com puzzles e
jogos, com histórias policiais. Temos também raciocínio indutivo, aquele que nos permite a partir
de um conjunto de observações, quase sempre escassas, reconhecer padrões e, podando os porme-
nores concretos irrelevantes para esses padrões, construir um conhecimento mais amplo, mais geral e
abstrato. Treina-se com a experiência e o exemplo, embora pouco se saiba ainda sobre como o
nosso cérebro consegue esse salto qualitativo extraordinário que e estruturar a informação avulsa em
conhecimento. O raciocínio indutivo é a base das ciências naturais, sociais e humanas. Mas claro que
estas áreas evoluíram (diria mesmo que se tomaram ciências) com a quantificação dependem, elas
também, de um domínio adequado de habilitação dedutiva, nomeadamente matemática. É necessário,
cada vez mais necessário, treinar essas duas componentes da inteligência, e o ensino da Matemática é
um instrumento impar no que refere o desenvolvimento do raciocínio dedutivo. Ramos
relativamente recentes da Matemática, a Probabilidade, que em certo sentido, se pode apodar de
Matemática da incerteza) e a Estatística — que é a ciência da organização da informação, de como se
devem recolher e “ler" os dados — usam, e por isso estruturam e treinam, quer o raciocínio
dedutivo quer o raciocínio indutivo, e por isso a inclusão dos rudimentos dessas áreas nos
programas de Matemática do Secundário foi uma evolução que merece aplauso. Face a estas
banalidades, que qualquer um de vocês conhece, porque       essa falta de prazer em estudar
Matemática? A Matemática é um jogo, e nós gostamos de jogos! Possivelmente, porque ao invés
dos jogos que todos apreciam, este jogo é a sós. Outras disciplinas são mais sedutoras, no imediato,
porque podem ser estudadas em conjunto, enquanto o domínio, da Matemática decorre de um treino
solitário ou na companhia de um livro, treino que depressa se toma fastidioso se não for
recompensado pela satisfação do êxito. Como todos as prazeres duradouros e que valem a pena, é
necessário um investimento inicial, para se obter a alta recompensa que é a satisfação de
constatar que o poder do nosso raciocínio é cada vez mais vasto. Por isso vale a pena.

Dinis Pestana

Lisboa, 25 de Maio de 2004
Carta aos alunos2

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  • 1. - - • ,r."- _ ção é parte do progresso do conhecimento. Mas, sobretudo e de um ponto de vista mais profundo, o ensino da Matemática é uma peça essencial do treino do cérebro, o nosso órgão mais nobre. Todos nascemos prematuros, precisamos de proteção durante a juventude, porque no mundo naturalmente hostil dependemos da nossa capacidade de tomar decisões certas com base em informações incertas, o que só é possível se conseguirmos identificar padrões e deduzir consequências. Por isso os adultos, para alem da proteção imediata, devem-nos nessa fase juvenil o amparo do futuro, que consiste no treino do cérebro, por forma a desenvolver as capacidades indutivas e dedutivas indispensáveis para aquelas tarefas de sobrevivência quotidiana. Todos temos latente a capacidade de raciocínio dedutivo, um tipo de raciocínio que se for bem apli- cado só pode conduzir a verdade; deve ser desenvolvido com Matemática, com Lógica, com puzzles e jogos, com histórias policiais. Temos também raciocínio indutivo, aquele que nos permite a partir de um conjunto de observações, quase sempre escassas, reconhecer padrões e, podando os porme- nores concretos irrelevantes para esses padrões, construir um conhecimento mais amplo, mais geral e abstrato. Treina-se com a experiência e o exemplo, embora pouco se saiba ainda sobre como o nosso cérebro consegue esse salto qualitativo extraordinário que e estruturar a informação avulsa em conhecimento. O raciocínio indutivo é a base das ciências naturais, sociais e humanas. Mas claro que estas áreas evoluíram (diria mesmo que se tomaram ciências) com a quantificação dependem, elas também, de um domínio adequado de habilitação dedutiva, nomeadamente matemática. É necessário, cada vez mais necessário, treinar essas duas componentes da inteligência, e o ensino da Matemática é um instrumento impar no que refere o desenvolvimento do raciocínio dedutivo. Ramos relativamente recentes da Matemática, a Probabilidade, que em certo sentido, se pode apodar de Matemática da incerteza) e a Estatística — que é a ciência da organização da informação, de como se devem recolher e “ler" os dados — usam, e por isso estruturam e treinam, quer o raciocínio dedutivo quer o raciocínio indutivo, e por isso a inclusão dos rudimentos dessas áreas nos programas de Matemática do Secundário foi uma evolução que merece aplauso. Face a estas banalidades, que qualquer um de vocês conhece, porque essa falta de prazer em estudar Matemática? A Matemática é um jogo, e nós gostamos de jogos! Possivelmente, porque ao invés dos jogos que todos apreciam, este jogo é a sós. Outras disciplinas são mais sedutoras, no imediato, porque podem ser estudadas em conjunto, enquanto o domínio, da Matemática decorre de um treino solitário ou na companhia de um livro, treino que depressa se toma fastidioso se não for recompensado pela satisfação do êxito. Como todos as prazeres duradouros e que valem a pena, é necessário um investimento inicial, para se obter a alta recompensa que é a satisfação de constatar que o poder do nosso raciocínio é cada vez mais vasto. Por isso vale a pena. Dinis Pestana Lisboa, 25 de Maio de 2004