O documento descreve o Convento de Mafra, uma das maiores obras arquitetônicas em Portugal. Foi construído por ordem do rei D. João V para cumprir uma promessa feita a Deus de erguer um convento caso lhe desse um filho varão. Embora sua primeira filha tenha sido uma menina, o rei expandiu o projeto para incluir um palácio real ao lado do convento. O documento também discute os símbolos e lendas associados ao local, como os carrilhões e os subterrâneos.
O Castelo de Castro Laboreiro por João Aníbal Henriques
O Convento de Mafra - por João Aníbal Henriques
1. O CONVENTO DE MAFRAO CONVENTO DE MAFRA
João Aníbal Henriques
298 anos depois
2. O CONVENTO DE MAFRApor João Aníbal Henriques
Existem realidades que são
maiores do que a História e que
subjugam os factos, os
documentos e a factualidade.
Transcendem-se a si próprias,
repercutindo os sonhos de quem as
idealizou e os horizontes infinitos e
intemporais que são sempre
sinónimos da genialidade. É o que
acontece com o Palácio / Convento
de Mafra. Que importa recordar no
dia em que se cumprem 298 anos
desde aquele dia extraordinário
em que Dom João V ali colocou a
primeira pedra.
298 anos depois…
3. O Convento de Mafra, localizado a poucos quilómetros de
Lisboa, foi uma das mais impactantes obras de arquitectura
jamais concretizadas em Portugal. Com os seus mais de
40000 m2 de área total, os seus impressionantes 29 pátios,
as 880 divisões e as duas mais de 4500 portas e janelas, o
edifício produz um enorme impacto visual a quem dele se
acerca, sendo um repositório que está à altura do facto de
ter sido edificado durante o mais rico de todos os reinados
dos reis portugueses.
Dom João V, cognominado como o magnânimo, teve a sorte
de alcançar o ouro do Brasil durante o seu reinado. E com
ele, impôs-se como um dos mais poderosos reis europeus.
Casado com a arquiduquesa Maria Ana Josefa da Áustria
(1683-1754), filha do Imperador Leopoldo I, da Casa dos
Habsburgos, foi pai do futuro rei Dom José I de Portugal e,
por morte deste, do Rei Dom Pedro III. Durante a sua vida,
assente na magnanimidade da sua imensa riqueza, teve
uma intervenção política muito relevante ao nível da cena
política internacional e foi um dos monarcas Portugueses
que maior influência teve na definição do rumo da Europa
durante a sua época.
O CONVENTO DE MAFRA
4. Mas o dia 17 de Novembro de 1717, quando decorreu a primeira pedra do futuro Convento de Mafra, tem um
profundo significado simbólico para o então Rei de Portugal em linha, aliás, com todo o simbolismo associado ao
edifício, à sua decoração e até ao uso que teve ao longo dos últimos séculos. Tendo tido grande dificuldade em gerar a
sua descendência, Dom João V terá feito uma promessa a Deus de que edificaria um convento em Mafra no caso de
lhe nascer um filho varão no prazo de um ano a contar daquela data. Diz-se ainda que a promessa, feita por um rei
que nunca foi coroado, visto que, tal como os seus antecessores desde o restauracionista Dom João IV, decidiu coroar
no seu lugar a imagem de Nossa Senhora da Conceição de Vila Viçosa, Padroeira de Portugal, aconteceu durante uma
das crises de melancolia do monarca. De facto, nos dias que antecederam o lendário episódio, Dom João V ter-se-ia
retirado para o Alentejo devido à estranha doença que o afectava. E terá sido num dos dias de maior prostração,
quando a rainha o encontrou desolado sob a sua poderosíssima condição, que terá formulado o seu voto do qual
resultou a construção do vetusto monumento.
De facto, apesar de o primeiro filho do rei não ter sido varão, pois nasceu a Princesa Maria Bárbara, futura rainha de
Espanha por casamento com Fernando VI, o Rei Português decidiu não só manter a sua promessa de construção do
pequeno convento destinado a cerca de 13 frades capuchos arrábidos, como incrementou o projecto juntando-lhe um
inusitado palácio real que causou a estupefacção e a surpresa dos Portugueses de então.
O CONVENTO DE MAFRA
5. Com o traço de João Frederico Ludovice, Mafra
assenta numa planta também ela estranha para a sua
época. Com as dimensões extraordinárias que foram
indicadas pelo Rei, o Convento de Mafra sobrepõe-se
de forma básica à planta da Baixa Pombalina de
Lisboa, construída pelo Marquês de Pombal depois do
Terramoto de 1755. A sua biblioteca, os aposentos de
caça e os longuíssimos corredores que ligam as
diversas alas do edifício, consolidam uma fachada
decorada com uma escadaria monumental que nos
transporta até à basílica. E por baixo de todo esse
espaço, escondem-se dos olhares menos atentos os
espaços de morte onde se acumulam os restos
mortais de várias centenas de religiosos que ali
viveram e morreram ao longo dos anos.
Estranho ainda, pelo seu carácter vincado e
linearmente ostensivo, os espaços vãos existentes
entre os tectos dos andares superiores e a cúpula
exterior do monumento. Nessas zonas inacessíveis
mas bem acabadas, montaram-se vastos espaços de
culto ritualístico maçónico, bem patentes na
simbologia e na imensa parafernália de instrumentos
que a decora. A ideia do Grande Construtor é, aliás, o
persistente sinal que acompanha o Rei na sua
demanda pela eternidade, consolidando a premissa
de que Mafra não é só aquilo que se vê e que existe
uma causa discretamente marcada nas suas paredes
da qual dependeu a orientação e a decisão real.
6. A vertente simbólica do Convento de Mafra, explicando o
tantas vezes mal compreendido carácter perdulário de Dom
João V, transmite-nos a certeza de que o monumento é
significativamente o expoente máximo da expressão
religiosa de Portugal, numa tentativa de tradução
cosmológica da realidade imensa do universo que
necessariamente terá de passar o entendimento mesquinho
do dia-a-dia Português. Mafra é, para Dom João V, o palácio-
convento que hoje temos. Mas é sobretudo, na sua vertente
mística de um Rei magnânimo, uma espécie de altar-mor de
Portugal, idealizado para aproximar o País do seu eterno
destino de representação na Terra do cruzeiro de luz que
emana do céu. A visão quinto-imperial que transvaza a
demanda do Prestes João e que enforma a épica empresa
dos descobrimentos, consolida-se aqui no palácio onde o
império aguarda a chegada nunca concretizada do desejado,
numa prática de despojamento que coroa como imperador
o mais puro e inocente dos rapazes. Porque nem sempre
aquilo que lá está é exactamente o que percebemos e,
sobretudo, porque raramente aquilo para onde olhamos é
aquilo que vemos.
Nos míticos subterrâneos de Mafra, onde a lenda diz que
existem ratazanas imensas que são capazes de se alimentar
de seres humanos, nada existe de extraordinário, para além
da cloaca colossal para dar vazão à imensidade de gente que
utilizava o edifício. Mas no topo das torres, onde o céu já se
sente, aí sim, existem os vestígios de uma porta para o
paraíso terrestre.
7. Num espaço repleto de lendas e de
ideias-feitas, genericamente resultantes
do impacto imenso que um edifício com
estas características sempre tem,
importa ainda relembrar os míticos
carrilhões.
Construídos em Antuérpia e Liége por
Guilherme Withlockx e Nicolau Levache,
respectivamente, terão custado a
módica quantia de 50000 moedas de
ouro ao cofre Português. Diz-nos a
lenda que, tendo encomendado o
primeiro, o seu manufactor terá
comentado que era obra de grande
monta para um Estado tão pequeno…
ao que o rei Português, mostrando bem
o poder que resultava da sua imensa
riqueza, terá respondido que duplicava
a encomenda e desejava adquirir não
um mas dois carrilhões para o seu
edifício mafrense!
O CONVENTO
DE MAFRA
298 anos depois…
8. Lenda ou realidade, o Convento de Mafra é hoje uma realidade que se impõe a todos os Portugueses. Se para uns
representa o exercício perdulário que sugou imensamente o erário pública, para outros é certamente o expoente
máximo da visão ancestral de um dos reis que melhor personificou a tradicionalmente portuguesa demanda do
Graal.
Vale a pena visitar com atenção e cuidado, libertando-se de preconceitos e alumiando os recantos mais sombrios de
uma história que ainda tem muito para contar ao País onde nasceu. E no fim, depois de subir aos carrilhões e de
descer aos sombrios recessos dos subterrâneos, é essencial sair pela “porta do cavalo”… se souber!
Vale a pena visitar com atenção e cuidado, libertando-se de preconceitos e alumiando os recantos mais sombrios de
uma história que ainda tem muito para contar ao País onde nasceu. E no fim, depois de subir aos carrilhões e de
descer aos sombrios recessos dos subterrâneos, é essencial sair pela “porta do cavalo”… se souber!
MAFRA
9. João Aníbal Henriques javeigahenriques@gmail.com Tel. +351 96 251 95 14
O CONVENTO DE MAFRA298 anos depois