O documento discute a literatura latino-americana como fonte histórica, analisando obras e biografias de escritores como Pablo Neruda, Júlio Cortázar, Gabriel García Márquez e Isabel Allende. Apresenta como esses autores representaram em suas obras as realidades socioculturais e políticas da América Latina, especialmente no período entre 1960-1990, marcado por revoluções e debates sobre socialismo na região.
1. Escrita das Américas: a
literatura como fonte
Ensino de História e Linguagens: da graduação à
educação básica, práticas de leitura documental
Coordenadora: Adriane Vidal Costa
Bárbara Munaier
Isadora Vivacqua
José Antônio
3. Literatura como fonte
• Qualquer tipo de documento é uma representação
do real;
• Segundo Chartier, a distinção entre história e ficção é
vacilante. A primeira pretende realizar uma
representação adequada do real que foi e não é
mais, e a segunda, em todas as suas formas, “é um
discurso que ‘informa’ do real, mas não pretende
abonar-se nele”;
4. • O literato insere-se na realidade sociocultural do
tempo em que vive, do qual faz parte, com ela
dialogando ao produzir sua representação;
“Isolar da ficção, fragmentos da realidade”
“A ficção não seria *...+ o avesso do real, mas uma
outra forma de captá-la, onde os limites da criação e
fantasia são mais amplos do que aqueles permitidos
ao historiador *...+ (PESAVENTO, 1995)”
5. “A proposta é historicizar a obra literária – seja ela
conto, crônica, poesia ou romance -, inseri-la no
movimento da sociedade, investigar as suas redes de
interlocução social, destrinchar não a sua suposta
autonomia em relação à sociedade, mas sim a forma
como constrói ou representa a sua relação com a
realidade social – algo que faz mesmo ao negar fazê-
lo.”
6. • A produção historiográfica não pode prescindir da
imaginação, da subjetividade, assim como a produção da
narrativa ficcional esta embutida de doses de realidade.
• Não devemos, em hipótese alguma, imaginar que os
fatos estão soltos por aí e que basta catalogá-los para
que a verdade se faça, límpida e indiscutível, diante de
nós.
• Devemos buscar as diferentes representações que se
podem encontrar sobre o real, já que a sua descrição
costuma envolver uma conseqüente e imediata
interpretação.
7. O intelectual latino-americano
“Durante três décadas, 1960 a 1990, revolução e
socialismo foram componentes centrais do debate
político-intelectual latino-americano. Os principais
eventos que propiciaram e balizaram esse debate
decorreram da Revolução Cubana e da Revolução
Sandinista na Nicarágua” (VIDAL, Adriane).
8. “Consideramos que o debate sobre revolução e
socialismo, propiciado sobretudo pelo clima político
gerado pela Revolução Cubana — que atravessou a
década de sessenta chegando até a experiência
revolucionária sandinista — possibilitou a formação
de um espaço comum revistas, jornais, conselhos
editoriais, editoras, reuniões, encontros,
conferências, correspondências de intervenção
intelectual para os escritores latinoamericanos”
(VIDAL, Adriane).
10. Vida e Obra
• Pablo Neruda nasceu em Parral, em de 1904, como
Neftalí Ricardo Reyes Basoalto. Era filho de um operário
ferroviário e uma professora primária, morta quando
Neruda tinha apenas um mês de vida.
• Ainda adolescente adotou o pseudônimo de Pablo
Neruda, pois tinha uma relação conflituosa com o pai
que não aceitava sua condição de poeta.
• Com vinte anos, publica “Vinte poemas de amor e uma
canção desesperada”.
11. • Em 1927, começa sua longa carreia diplomática. Isso
possibilitou ao poeta vasta experiência cultural.
• Em 1936, eclode a Guerra Civil espanhola; Neruda é
destituído do cargo consular e escreve Espanha no
coração.
• Pablo Neruda esteve presente no palco dos
acontecimentos da Guerra Civil Espanhola, o que
mudou o rumo de sua poesia, despertando no poeta
o compromisso político-social.
12. • Com o fim da Guerra Civil Espanhola e a derrota das
forças republicanas, em 1939, ocorreu um acelerado
êxodo de cidadãos espanhóis em busca de exílio.
Neruda estava em Paris, mandado pelo presidente
chileno Pedro Aguirre Cerdae tinha a missão de
reunir um grande número desses espanhóis e
mandá-los para o Chile.
• Para a realização desse trabalho, Neruda contou com
a ajuda do governo republicano no exílio, que lhe
conseguiu um barco, o Winnipeg. O poeta embarcou
mais de dois mil espanhóis refugiados, que a bordo
do Winnipeg chegaram a Valparaíso em fins de 1939.
13. • Em 1945 é eleito senador. No mesmo ano, lê para mais
de 100 mil pessoas no Estádio do Pacaembu em
homenagem ao líder comunista Luís Carlos Prestes.
• Em 1950 publica Canto General, uma de suas obras mais
importantes.
• Em outubro de 1971 recebeu o Nobel de Literatura. Após
o prêmio, Neruda é convidado por Salvador Allende para
ler para mais de 70 mil pessoas no Estádio Nacional de
Chile.
• De acordo com Isabel Allende, em seu livro Paula,
Neruda teria morrido de "tristeza" em setembro de
1973, ao ver dissolvido o governo de Allende.
14.
15. • Morre em 1973, poucos dias depois do Golpe de
Estado. Sua morte ainda hoje é uma questão
polêmica.
• Durante as eleições presidenciais do Chile nos anos
70, Neruda abriu mão de sua candidatura para que
Salvador Allende vencesse, pois ambos eram
marxistas.
19. Vida e Obra
• Filho de argentinos, nasceu na embaixada da Argentina
em Ixelles, distrito de Bruxelas, na Bélgica, e voltou a sua
terra natal aos quatro anos de idade.
• Em 1935, forma-se professor em Letras, na Argentina.
Lecionou em algumas faculdades no interior do país.
• Em 1951, aos 37 anos, Cortázar, por não concordar com a
ditadura na Argentina, partiu para Paris, pois havia
recebido uma bolsa do governo francês para ali estudar
por dez meses, e acabou se instalando definitivamente.
20. • Em 1963 visitou Cuba enviado pela Casa de las
Américas, para ser jurado em um concurso. Foi a
época de intensificação do seu fascínio pela política.
• Nesse mesmo ano lançou Rayuela, uma de suas
principais obras.
• A partir daí, engajou-se politicamente contra os
regimes autoritários latino-americanos.
21.
22. • Em novembro de 1970 viaja ao Chile, onde se
solidarizou com o governo de Salvador Allende.
• Em 1971, foi "excomungado" por Fidel Castro, assim
como outros escritores, por pedir informações sobre
o desparecimento do poeta Heberto Padilla.
• Apesar de sua desilusão com a atitude de Castro,
continuou acompanhando a situação política da
América Latina.
23. • Em 1973, recebeu o Prêmio Médicis por seu Libro de
Manuel e destinou seus direitos à ajuda dos presos
políticos na Argentina.
• Em 1974, foi membro do Tribunal Bertrand Russell II,
reunido em Roma para examinar a situação política
na América Latina, em particular as violações dos
Direitos Humanos.
24. • Em 1976, viajou para Costa Rica, onde se encontrou
com Sergio Ramírez e Ernesto Cardenal, e fez uma
viagem clandestina até Solentiname, na Nicarágua.
• Esta viagem o marcaria para sempre e seria o
começo de uma série de visitas a este país.
• Em 1983, volta a democracia na Argentina, e
Cortázar fez uma última viagem à sua pátria, onde foi
recebido calorosamente por seus admiradores.
• Morre de leucemia, em 1984.
27. Principais Obras
• Todos los fuegos el fuego, 1966;
• La vuelta al día en ochenta
mundos, 1967 (cuentos);
• Libro de Manuel, 1973 (novela);
• Octaedro, 1974 (cuentos);
• Nicaragua tan violentamente
dulce, 1983;
• Bestiario, 1951 (cuentos);
• Final del juego, 1956 (cuentos);
• Las armas secretas, 1959
(cuentos);
• Los premios, 1960 (novela);
• Rayuela, 1963 (novela);
• La autopista del Sur, 1964;
29. Vida e Obra
• Gabriel José García Márquez nasceu em 6 de março de
1927, em Aracataca (Colômbia), e após seus pais irem
para Barranquilla, em 1929, foi criado por seus avós
maternos, que posteriormente viriam a influenciar suas
narrativas, a partir das histórias que contavam.
• O avô, coronel Nicolas Márquez, veterano da guerra civil
colombiana (que se estendeu de 1899-1902), narrava-lhe
suas aventuras militares, e a avó, Tranquilina Iguarán,
relatava fábulas e lendas que transmitiam sua visão
mágica e supersticiosa da realidade.
30. • García Márquez, também conhecido como Gabo,
completou os primeiros estudos em Barranquilla e
Zipaquirá, onde teve um professor de literatura, Carlos
Julia Calderón Hermida, que desempenhou papel
marcante em sua decisão de se tornar escritor e a quem
dedicaria seu romance "O Enterro do Diabo" (1955).
• Por insistência dos pais, Márquez chegou a iniciar o curso
de direito na Universidade Nacional, em Bogotá, mas
logo enveredou para o jornalismo, assumindo uma
coluna diária no recém-fundado jornal "El Universal".
Contudo, não chegou a concluir a graduação.
31. • Nessa época, final da década de 1940, publicou seus
primeiros contos, "La Tercera Resignación" e "Eva Está
Dentro de su Gato". Consagrou-se na carreira jornalística
ao ingressar na redação de "El Espectador", onde se
tornou o primeiro crítico de cinema do jornalismo
colombiano e depois um brilhante cronista e repórter,
que exerceu influência na vida cultural do país.
32. • No final dos anos 50, de volta às Américas, trabalhou
em Caracas (Venezuela), em Cuba, onde passou seis
meses, e em Nova York, dirigindo a agência de
notícias cubana Prensa Latina. Em 1960, García
Márquez mudou-se para a Cidade do México e
começou a escrever roteiros para cinema. No ano
seguinte, publicou "Ninguém Escreve ao Coronel" e,
em 1962, "O Veneno da Madrugada", que ganhou o
Prêmio Esso de Romance, na Colômbia.
33. Cem Anos de Solidão
• Em 1966, segundo depoimento do escritor mexicano Carlos
Fuentes, quando voltava do balneário de Acapulco para a
Cidade do México, García Márquez teve o momento de
inspiração para escrever o romance que ruminava há mais de
uma década. Largou o emprego, deixando o sustento da casa
e dos dois filhos a cargo da mulher, Mercedes Barcha. Isolou-
se pelos próximos 18 meses, trabalhando diariamente por
mais de oito horas. No ano seguinte, publicou aquela que
seria sua obra mais conhecida e um dos fatores que
colocaram em evidencia a literatura latino-americana, “Cem
anos de solidão” em 1967.
34. • Com esta narrativa, mesclada de realismo e anedotas
fantásticas associadas aos seus personagens, o autor teceu
uma representação de uma cidade cuja história tanto lembra
sua cidade natal quanto seu próprio país e até mesmo a
América Latina, outrora isolados das grandes novidades
científicas e políticas, posteriormente submetidos à
dependência de estranhos (o governo federal e suas forças
militares, a força econômica estrangeira), representando
portanto, a formação de um estado moderno no âmbito das
próprias nações latino-americanas.
35. Prêmio Nobel
• Em 1982, recebeu o Prêmio Nobel de Literatura, pelo
conjunto de sua obra. Foi o primeiro colombiano e o quarto
latino-americano a receber o prêmio. Diante da Academia
Sueca e de quatrocentos convidados, pronunciou o discurso
"A Solidão da América Latina", refletindo sobre aspectos
políticos e sociais que permeiam a história da América Latina
e retratam sua complexidade, e assim, ajudam a identificar
traços de sua identidade e da própria ideia de América Latina.
36. Atividade Política
• García Márquez teve seu engajamento político evidenciado
principalmente nas décadas de 1960 e 1970, e participou
intensamente dos debates políticos e sociais acerca de revolução e
socialismo na América Latina. Esse engajamento foi fomentado,
assim como em outros escritores e intelectuais, a partir da
Revolução Cubana. Sua obra literária foi permeada por suas crenças
políticas e ideológicas, e serviu como expoente de seu
posicionamento em relação aos debates políticos e as questões
sociais da América Latina.
37. • Apoiou a Revolução Cubana e tornou-se amigo pessoal de
Fidel Castro. A revolução configurava a oportunidade de uma
experiência socialista na América, em um contexto de
desencantamento por parte dos intelectuais com a URSS, e
por isso foi tão importante no que se refere ao impulso para
esse engajamento político dos escritores.
• Devido as suas tendências e posturas esquerdistas, García
Márquez foi para o exílio, em países como México e Espanha,
por causa de enfrentamentos e atritos com o governo de seu
país em diversos momentos.
40. • Isabel Allende nasceu em 2 de Agosto de 1942,
em Lima, Peru. É filha do diplomata Tomás
Allende (primo-irmão de Salvador Allende) e de
Francisca Llona, conhecida como Doña
Panchita.
• Em 1945, Francisa decide anular seu
matrimônio com Tomás e regressa ao Chile
com seus filhos, para viverem na casa de seu pai,
em Santiago. Isabel Allende cresce, então, aos
cuidados de sua mãe e de seu avô.
41. • Em 1953, Panchita casa-se novamente com o
diplomata Ramón Huidoro, amigo íntimo de
Salvador Allende, o que estreita a relação entre
Allende e sua sobrinha. Por conta da profissão de
Ramón, Panchita decide mudar novamente com
seus filhos, vivem um tempo na Bolívia e depois
em Beirute (Líbano).
42. • Em 1958, Isabel retorna ao Chile, onde termina
seus estudos secundário. Posteriormente, conhece
seu futuro esposo – Miguel Frías, estudante de
engenharia. Casam-se em 1962 e um ano depois
tem a sua primeira filha, Paula. Em 1966 nasce o
segundo filho do casal, Nicolás.
• Em 1967, Isabel Allende é convidada a escrever
na revista Paula, a primeira revista feminina a ser
publicada no Chile.
43. “Era una periodista muy poco objetiva. Tengo opiniones
fuertes y me resulta muy difícil disimularlas. Cuando
entrevistaba a alguien, ponía en su boca las cosas que me
interesaba que dijera. Cuando no tenía una noticia
importante, o cuando el entrevistado era poco hablador,
le echaba imaginación. Siempre usaba el humor como
instrumento periodístico, y cuando hay humor hay más
flexibilidad, las personas son más tolerantes. Iba a las
entrevistas con una idea concreta sobre lo que quería que
me dijera el personaje. El periodismo objetivo es la
mentira más grande”.
44. “Eu te dar uma entrevista? Você é a pior jornalista deste
país! Pedi para que viesse aqui para lhe dizer que você
inventa coisas demais nas suas matérias. Sempre termina
falando de si mesma. Tudo isso são virtudes na
literatura. Porque não escreve um romance?”.
Pablo Neruda sobre Isabel Allende
45.
46. O Golpe militar e a vida na Venezuela
• No dia 11 de Setembro de 1973, o general
Augusto Pinochet põe fim à democracia do
Chile, e o tio de Isabel, Salvador Allende, se
suicida. Pinochet instala uma ditadura cruel,
que vitimou mais de 40.000 pessoas.
• O sobrenome famoso passa a tornar-se um
problema para Isabel: “En aquella época mi
nombre era muy llamativo. Fuera de Chile me di
cuenta de que llamarse Allende era como tener un
título de nobleza, era más o menos como llamarse
Kennedy”.
47.
48. • Isabel se exila na Venezuela. Junto com seus pais e seus
filhos, permanece em Caracas por treze anos.
• Agravando a situação, a família recebe notícias de que o
avô de Isabel estava gravemente doente e ela não podia
visitá-lo por conta da ditadura. Exatamente nesse difícil
contexto, Isabel começa a escrever uma carta de
despedida a seu avô, usando uma maquina de escrever
apoiada na mesa da cozinha, contendo todas as histórias
da família que ele narrava em sua infância. O avô falece,
mas Isabel continua a escrever.. e assim nasce “A Casa
dos Espíritos” (1982), inspirada em sua própria família.
49. • Ainda em 1978, diversos jornais divulgaram uma
notícia que também impressionou Isabel Allende: a
descoberta de uma mina abandonada que continha
cadáveres de 15 pessoas. Inspirada e impressionada por
tal informação, Allende lança, anos mais tarde, “De
Amor e de Sombra” (1984). Este livro tem início
exatamente onde “A Casa dos Espíritos” termina,
durante o gole militar e a queda de Salvador Allende,
em 1973.
• Após o sucesso destes dois livros, e o lançamento da sua
terceira obra “Eva Luna”, Isabel Allende decida largar
tudo para se dedicar somente à literatura.
50. • Em 1990, com a restauração do regime democrático no
Chile, Isabel regressa ao país para receber o prêmio
“Gabriela Mistral”, das mãos do presidente Patricio
Aylwin.
• Em dezembro de 1991, Paula, filha de Isabel, é
internada no hospital, vítima de um ataque de porfiría.
A escritora acompanha o sofrimento da filha que se
prolonga durante meses, em um coma irreversível, e
escreve a história de sua família para a jovem
inconsciente, na esperança de que algum dia ela
desperte. Assim surge seu livro “Paula” (1996),
considerado como o mais comovente, pessoal e
revelador de seus livros.
51. • Depois da fase de luto, Isabel busca um tema
que fosse o mais distante possível da morte e da
dor, e publica “Afrodite”, uma mistura de livro
de culinária e de romances.
• O último livro até então escrito por Isabel,
chama-se “Amor”, publicado em 2012.
52. Influências literárias
• Isabel nunca estudou literatura, mas confessa que sua obra
recebe a influência de grandes escritores latino-americanos,
como Mario Vargas Llosa, Pablo Neruda e Gabriel García
Márquez. Suas obras são consideradas parte do Realismo
Mágico.
• Suas temáticas fantásticas, dramáticas, românticas,
aventureiras ou passionais se desenvolvem em cenários muito
variados, misturando situações reais, históricas, místicas,
entre outras. Isabel sempre inclui em suas narrativas,
pinceladas autobiográficas, declarando: “Mi vida es lo que
escribo”.
54. Pablo Neruda, 1971
“E penso com não menor fé que tudo está sustentado
– o homem e sua sombra, o homem e sua atitude, o
homem e sua poesia – numa comunidade cada vez
mais extensa, num exercício que integrará para
sempre em nós a realidade e os sonhos porque de tal
maneira os une e confunde (...) Não sei se vivi aquilo
ou se o escrevi, não sei se foram verdade ou poesia,
transição ou eternidade, os versos que experimentei
naquele momento, as experiências que cantei mais
tarde”
55. “Ampliando estes deveres do poeta, na verdade ou
no erro, até as suas últimas conseqüências, decidi
que a minha atitude dentro da sociedade e perante a
vida devia ser também humildemente partidária. (...)
Compreendi, imerso no cenário das lutas da América,
que minha missão humana era a de unir-me à
extensa força do povo organizado, unir-me com
sangue e alma, com paixão e esperança, porque
somente desta torrente impetuosa podem nascer as
mudanças necessárias para os escritores e para os
povos”
56. “Venho de uma obscura província, de um país
separado de todos os outros pela sua talhante
geografia. Fui o mais abandonado dos poetas e
minha poesia foi regional, dolorosa e chuvosa. Mas
sempre tive confiança no homem. Jamais perdi a
esperança. Por isso talvez tenha chegado até aqui
com a minha poesia, e também com a minha
bandeira”
“Assim a poesia não terá cantado em vão”
57. Gabriel García Márquez, 1982
“Nossa independência da dominação dos espanhóis
não nos pôs fora do alcance da loucura. O general
Antonio López de Santana, três vezes ditador do
México, providenciou um magnífico funeral para a
perna direita que ele perdera na chamada Guerra
dos Pastéis. O general Gabriel García Moreno
governou o Equador por 16 anos como um monarca
absoluto; em seu velório, o corpo ficou sentado na
cadeira presidencial, vestido com o uniforme
completo e decorado com uma camada protetora de
medalhas”
58. “Não temos tido sequer um minuto de sossego. Um
prometéico presidente, entrincheirado em seu
palácio em chamas, morreu lutando contra um
exército inteiro, sozinho; e dois suspeitos acidentes
de avião, ainda por explicar, abreviaram a vida de
um grande presidente e a de um militar democrata
que tinha ressuscitado a dignidade de seu povo”
59. “Ouso dizer que é esta desproporcional realidade, e
não apenas sua expressão literária, que mereceu a
atenção da Academia Sueca de Letras. Uma
realidade não de papel, mas que vive dentro de nós e
determina cada instante de nossas incontáveis
mortes de todos os dias, e que nutre uma fonte de
criatividade insaciável, cheia de tristeza e beleza, da
qual este errante e nostálgico colombiano não passa
de mais um, escolhido pelo acaso”
60. “Poetas e mendigos, músicos e profetas, guerreiros e
canalhas, todas as criaturas desta indomável
realidade, temos pedido muito pouco da imaginação,
porque nosso problema crucial tem sido a falta de
meios concretos para tornar nossas vidas mais reais.
Este, meus amigos, é o cerne da nossa solidão”
61. “Cara a cara com esta realidade horrenda que pode
ter parecido uma mera utopia em toda a existência
humana, nós, os inventores das fábulas, que
acreditamos em qualquer coisa, nos sentimos
inclinados a acreditar que ainda não é tarde demais
para nos engajarmos na criação da utopia oposta”
62. Reflexões sobre o conceito de América
Latina
• Concepções sobre a origem do conceito;
• O “pertencimento” do Brasil na América Latina;
• Por uma identidade latino-americana;