6. Agora Fabiano conseguia arranjar as ideias. O que o segurava era a família.
Vivia preso como um novilho amarrado ao mourão, suportando ferro
quente. Se não fosse isso, um soldado amarelo não lhe pisava o pé não. (...)
Tinha aqueles cambões pendurados ao pescoço. Deveria continuar a arrastá-
los? Sinha Vitória dormia mal na cama de varas. Os meninos eram uns
brutos, como o pai. Quando crescessem, guardariam as reses de um patrão
invisível, seriam pisados, maltratados, machucados por um soldado amarelo.
RAMOS, Graciliano. Vidas secas. Rio de Janeiro: Record, 2001.
7. Uma se distinguia, morena, grande, vermelha, risonha, barulhenta.
Senhorita. Vinte anos depois, ao saber que ela havia dado com os burros
n’água, afligi-me. Arruinou, provavelmente acabou depressa. A honra
sertaneja encolheu-se, uma tradição reduziu-se a cacos. Todavia continuarão
a espalhar mentiras na cidade. A literatura popular e os cancioneiros
matutos gastar-se-ão repisando camponeses brabos e vingativos, donzelas
ingênuas, puras demais. Engano, Senhorinha, educada perto do curral,
conhecia os mistérios da procriação e era simples. Filha de proprietários,
submeteu-se à honestidade e aguardou casamento. Mas as dívidas se
avolumaram, a fazenda se despovoou, tombaram as cercas, o coronel, sem
correntão nem guarda-chuva, aderiu à canalha e Senhorinha renunciou à
virtude, infringiu a moral, curvou-se à lei do instinto.
RAMOS, Graciliano. Infância. Rio de Janeiro: Record, 2010.
11. Que imaginam que seja um padre, um padre de roça como eu, além de um
animal triste, um cavalo de serventia indistinta, um homem cego e
estonteado como outro qualquer, unicamente diferente por esse desejo
constante, de jamais sair dos caminhos certos? Mas os caminhos certos,
como defini-los nesse enviesado de caminhos diferentes, como situar a
justiça e apontar a atenção de Deus?
CARDOSO, Lúcio. Crônica da casa assassinada. Rio de Janeiro: Record, 2001.
13. A voz de Madalena continua a acariciar-me. Que diz ela? Pede-me
naturalmente que mande algum dinheiro a mestre Caetano. Isto me irrita,
mas a irritação é diferente das outras, é uma irritação antiga, que me deixa
inteiramente calmo. Loucura estar uma pessoa ao mesmo tempo zangada e
tranquila. Mas estou assim. Irritado contra quem? Contra mestre Caetano.
Não obstante ele ter morrido, acho bom que vá trabalhar. Mandrião! A
toalha reaparece, mas não sei se é esta toalha sobre que tenho as mãos
cruzadas ou a que estava aqui há cinco anos. Rumor do vento, dos sapos,
dos grilos. A porta do escritório abre-se de manso, os passos de seu Ribeiro
afastam-se. Uma coruja pia na torre da Igreja. Terá realmente piado a
coruja? Será a mesma que piava há dois anos? Talvez seja até o mesmo pio
daquele tempo.
RAMOS, Graciliano. São Bernardo. Rio de Janeiro: Record, 2001.