1. Obesidade e Câncer
Posicionamento Oncoguia
De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), o sobrepeso e a obesidade são
definidos como uma acumulação anormal ou excessiva de gordura corporal que pode prejudicar
a saúde. O sobrepeso é quando o índice de massa corporal (IMC) de uma pessoa é igual ou
superior a 25. Já a obesidade é quando o IMC é igual ou superior a 30. Apesar de conter limitações
de várias ordens, o IMC ainda é muito utilizado para coleta de dados populacionais, sendo,
portanto, importante a análise de resultados, comparando-os com outros fatores para a correta
definição da condição de saúde do indivíduo.
No Brasil, o Ministério da Saúde realiza pesquisas frequentes sobre a situação nutricional da
população. Segundo a última Pesquisa Nacional de Saúde (PNS), realizada em 2019, cerca de 60%
da população brasileira adulta apresentou excesso de peso, sendo que 26,8% estava com
sobrepeso e 33,1% era considerada obesa. Já o VIGITEL (Vigilância de Fatores de Risco e Proteção
para Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico), identificou que 60,3% da população brasileira
adulta apresentou excesso de peso, sendo que 41,2% apresentaram sobrepeso e 19,1% eram
considerados obesos. Esses dados indicam que o sobrepeso e a obesidade são problemas de
saúde pública relevantes no Brasil. Em análise mais detalhada dos dados hoje existentes, é
possível verificar também que o problema afeta principalmente as populações mais vulneráveis.
A despeito desses números, que tendem a crescer de modo exponencial ao longo dos
próximos anos (caso não haja um esforço político para mudança da realidade), e que pode
configurar um problema de saúde pública crítico - e que desembocará em outras áreas médicas
como a oncologia -, o Oncoguia buscou entender a relação direta e indireta entre a obesidade e
o câncer, além de identificar os principais gargalos estruturais e políticos hoje existentes e as
possíveis ações estratégicas e tangíveis a serem implementadas sobre o tema.
De acordo com o INCA (Instituto Nacional de Câncer), a obesidade é considerada um
importante fator de risco para o desenvolvimento de vários tipos de câncer. A relação entre a
obesidade e o câncer ocorre principalmente por meio da produção excessiva de hormônios e
fatores de crescimento, que estimulam o crescimento das células cancerígenas, e pela
inflamação crônica que pode danificar o DNA das células do corpo. O Instituto afirma que cerca
de 13 em cada 100 casos de câncer no Brasil são atribuídos ao sobrepeso e à obesidade,
sugerindo uma carga significativa da doença pelo excesso de gordura corporal.
Atualmente, o excesso de peso corporal está fortemente associado ao risco de desenvolver
diversos tipos de cânceres, sendo os mais citados na literatura científica: estômago (cárdia),
pâncreas, vesícula biliar, fígado, ovário, meningioma, tireoide, mieloma múltiplo, além do câncer
de mama (especialmente após a menopausa), o câncer de cólon e reto (especialmente em
homens), o câncer de endométrio (a obesidade é considerada o principal fator de risco para o
câncer de endométrio), o câncer de rim (especialmente em mulheres) e o câncer de esôfago
(especialmente no tipo adenocarcinoma). O excesso de peso corporal está possivelmente
2. associado, igualmente, aos cânceres de próstata (avançado), e linfoma difuso de grandes células
B.
Ainda de acordo com o INCA, os principais fatores para o aumento do excesso de peso
corporal, assim como de outras doenças crônicas não transmissíveis, são a prática insuficiente de
atividade física e o elevado consumo de alimentos e preparações com alto teor de gordura
saturada, gordura trans, açúcar livre e sal.
O Oncoguia considera ainda, como fator que predispõe o excesso de peso, por meio dos
estudos realizados sobre o tema, a exposição contínua da população aos ambientes que
potencializam este estilo de vida, os chamados “ambientes obesogênicos”, tais como: 1. cidades
projetadas apenas para carros; 2. calçadas estreitas ou inseguras; 3. jornadas de trabalho longas
e sedentárias; 4. alimentação escolar pouco saudável; 5. publicidade de alimentos pouco
saudáveis; 6. falta de espaços verdes ou recreativos; 7. má iluminação; 8. rotina de TV e jogos
eletrônicos extensa; 9. proteções governamentais inadequadas para a saúde pública e taxação
inadequada de alimentos; 10. acesso limitado ou caro a alimentos saudáveis.
Deste último conceito enfatizamos ainda que tais ambientes “obesogênicos” também
configuram-se como potenciais ambientes "carcinogênicos", uma vez que uma condição
(obesidade) está direta e outras vezes indiretamente relacionada à outra (câncer).
Quanto ao arcabouço legal e executivo da matéria em nosso estudo ganhou-se especial
destaque as seguintes publicações: (i) Linha de Cuidado: Obesidade no Adulto; (ii) PCDT do
Sobrepeso e Obesidade em Adultos; (iii) Diretrizes Brasileiras de Obesidade 2016 / ABESO; (iv)
Manual de Diretrizes para o Enfrentamento da Obesidade/ ANS; e (v) Posicionamento do Instituto
Nacional de Câncer José Alencar Gomes da Silva acerca do sobrepeso e obesidade.
Vale citar que se encontra em tramitação no Congresso Nacional o Projeto de Lei
n°4.328/16, que cria o Estatuto da Pessoa com Obesidade, sendo esta uma oportunidade
legislativa importante para propor aprimoramentos em relação ao tratamento político dado à
matéria.
Por fim, vale destacar a existência da Portaria de Consolidação n° 3, que dispõe em seu
Anexo IV sobre aspectos estruturais do tema sob a perspectiva da Saúde Pública, tendo como
pontos principais: (i) as diretrizes para a organização da prevenção e do tratamento do
sobrepeso e obesidade no âmbito da rede de atenção à saúde das pessoas com doenças
crônicas, (ii) as diretrizes gerais para o tratamento cirúrgico da obesidade; (iii) o roteiro para
descrição da linha de cuidado de sobrepeso e obesidade da rede de atenção à saúde das
pessoas com doenças crônicas, (iv) o regulamento técnico, normas e critérios para o serviço de
assistência de alta complexidade ao indivíduo com obesidade, (v) as diretrizes gerais para o
tratamento cirúrgico da obesidade e acompanhamento pré e pós-cirurgia bariátrica, (vi) as
normas de credenciamento/habilitação para a assistência de alta complexidade ao indivíduo
3. com obesidade; e (vii) os procedimentos para o tratamento cirúrgico da obesidade na tabela de
procedimentos, medicamentos e OPM do SUS.
No que diz respeito ao tratamento farmacológico da obesidade, atualmente, quatro
medicamentos são registrados pela Agência de Vigilância Sanitária - Anvisa, e são utilizados na
Saúde Suplementar de acordo com diretrizes clínicas específicas. No Sistema Único de Saúde
ainda não existe disponível para a população tratamento medicamentoso para a obesidade.
Além do tratamento farmacológico, a obesidade conta com outras intervenções clínicas e
cirúrgicas que são disponibilizadas nos sistemas de saúde, ANS ou SUS, conforme diretrizes de
utilização (DUT) ou Protocolos Clínicos.
Um tema que merece especial atenção diz respeito aos custos atribuídos à
obesidade/câncer. Sob essa perspectiva, o Instituto Nacional de Câncer (INCA) coordenou uma
pesquisa inédita que revelou o alto custo com o tratamento dos cânceres relacionados ao
excesso de peso. Dos R$ 3,5 bilhões gastos pelo governo federal em 2018 com o tratamento de
câncer, R$ 1,4 bilhão foram usados com cânceres associados ao excesso de peso. O estudo,
intitulado Costs of cancer attributable to excess body weight in the Brazilian public health system
in 2018, publicado na revista científica internacional Plos One, considerou os custos médicos do
Sistema Único de Saúde Brasileiro (SUS) e evidenciou que 80% de toda a despesa com os
cânceres atribuíveis ao excesso de peso foram com tratamentos de tumores malignos de mama,
colorretal e endométrio.
Descartando-se o mérito do papel essencial da prevenção para a diminuição do número
de pessoas obesas e com sobrepeso na população, bem como dos tratamentos já disponíveis
em cada sistema de saúde, como intervenção cirúrgica, medicamentosa e acesso à equipe e
tratamento multidisciplinar, o Oncoguia crê fortemente no fortalecimento da Atenção Primária à
Saúde (APS) para lidar com este problema, sob perspectivas adicionais.
Entendemos que, inicialmente, a APS deve assumir o protagonismo na coleta de dados
fidedignos quanto à realidade do problema no país. Para tanto, entendemos ser de suma
importância, não somente na atenção primária, mas em todos os níveis da atenção, a aferição do
IMC do paciente, devendo os demais profissionais da saúde, atentar-se sempre para a
detecção do sobrepeso e obesidade da população, inclusive encaminhando o paciente, quando
necessário, para o nível de atenção e intervenção adequada.
Neste mesmo sentido, cremos ser estratégico, sob o ponto de vista da formulação das
políticas públicas de saúde inerentes ao tema, para subsidiar inclusive a tomada de decisão do
gestor de saúde, a inclusão de informações sobre sobrepeso e obesidade nas bases de dados
epidemiológicos do Governo Federal, sendo o próprio IMC, inicialmente, um primeiro indicador
situacional do problema no país, podendo caminhar para a coleta de outros indicadores como: o
perfil antropométrico da população, hábitos alimentares, sedentarismo, níveis de estresse,
qualidade e quantidade de sono; histórico familiar de obesidade; problemas de saúde associados
à obesidade; nível socioeconômico etc.
4. Ainda um último ponto que merece atenção na relação obesidade/câncer, diz respeito às
intervenções médicas a serem realizadas no paciente oncológico obeso. Cremos que ainda é
bastante incipiente na literatura as práticas e manejos voltados para este público, sendo portanto
necessária uma revisão da literatura científica, bem como uma aproximação dos players
nacionais que lidam com a temática, para a elaboração de uma diretriz que contemple práticas
clínicas e intervenções detalhadas para este público.
Por fim, cremos que a obesidade é um problema de saúde pública que deve receber total
atenção dos setores público/privado, com vistas a minimizar seus impactos sociais e financeiros
no país, bem como garantir dignidade e qualidade de vida ao cidadão que apresenta esta
condição de saúde, sendo ele paciente oncológico ou não.