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China Soft Power
Henry Uliano Quaresma
Sobre o pano de fundo da chamada guerra comercial entre Estados Unidos e China, baseada
em elevação de tarifas a importações, ameaça constantes de novas sobretaxas e consequente
diminuição de comércio, evidencia-se uma inversão de valores. Os Estados Unidos, país dos
mais abertos do planeta, que sustenta gigantescos déficits comerciais há décadas, sendo assim
uma das locomotivas da globalização, ameaça – e age – para se fechar diante da China.
A história mostra que a diminuição do comércio mundial tem efeito de encolher a geração de
riqueza ao redor do mundo, principalmente agora com os efeitos da pandemia do coronavírus.
Mas no que depende do gigante asiático, o comércio global poderá aumentar com novas
estratégias de crescimento.
O ímpeto atual da China por abertura econômica tem um sinal diferente daquele que
marcou as primeiras décadas de sua revolução econômica, quando se tornou a maior
exportadora de produtos industrializados e maior importadora de commodities. Eram tempos
que o PIB do país chegava a crescer assombrosos 14% ao ano. Hoje em dia o patamar reduziu-
se para menos de 7%, porém este crescimento se dá em cima de uma base muitíssimo maior
do que a dos primeiros anos após as reformas iniciadas por Deng Xiaoping. O ponto central da
nova estratégia de crescimento é por meio do consumo interno, território onde há enorme
espaço a ser ocupado. Apenas um terço do PIB chinês é gerado pelo consumo de seus 1,4
bilhão de habitantes – para efeito de comparação, metade do PIB brasileiro advém do
consumo das famílias.
Aproximar-se dessa condição para sustentar os atuais patamares de crescimento constitui-
se no chamado “Novo Normal”, expressão que define o estágio de desenvolvimento chinês.
Mudanças estruturais estão em curso no país para pavimentar esse caminho, como foi o caso
da inclusão do yuan à cesta de moedas que compõem as reservas do Fundo Monetário
Internacional, em 2015, fato que acelerou a abertura financeira da China. Muito relevante
também é a nova lei de investimentos estrangeiros, que entrou em vigor em 2020 para
estimular que empresas de fora façam mais negócios na China, por meio de acesso mais amplo
ao mercado, da proteção de patentes e da não exigência forçada de transferência de
tecnologia, dentre outras iniciativas. Também há ajustes estruturais que mexem com a
legislação trabalhista, previdenciária, tributária e de registro de terras, em consonância com a
nova orientação da economia determinada pelo governo.
Toda essa movimentação potencializa o chamado “Fator China”, que pode ser resumido
como a crescente influência do país na economia global. É notório que essa perspectiva
implica em gigantescas oportunidades para o Brasil e suas empresas. Se a China já é o principal
comprador do país, focada em commodities agrícolas e minerais e proteína animal, e também
o principal fornecedor, especialmente de eletroeletrônica, informática e telecomunicações,
daqui pra frente abrem-se novas e extensas avenidas a se explorar tanto nessas quanto em
outras frentes.
Prova de que as oportunidades no setor de alimentos estão apenas começando é a recente
abertura do mercado chinês a produtos lácteos fabricados no Brasil, inicialmente para poucas
unidades industriais, mas cercada de grandes perspectivas. Em 2019 e 2020, cresceram as
exportações brasileiras para a China de itens como carne suína, bovina e de aves, tanto pelo
aumento do acesso da população quanto pela ocorrência de doenças que afetaram os plantéis
chineses, fato que suscitou o início de parcerias entre Brasil e China na área de sanidade
animal. Isso sem falar na soja brasileira, que pode ser ainda mais demandada pelos chineses
caso eles passem a comprar menos dos EUA.
Considerando o maior apetite chinês pelo consumo e os incentivos que se avolumam para
a atuação de empresas estrangeiras, é de se esperar a abertura de oportunidades em novas
áreas. Uma delas certamente é o fornecimento de produtos manufaturados brasileiros. A
janela se abre ainda mais por meio dos gigantescos portais chineses de e-commerce, que
oferecem crescentemente produtos estrangeiros no mercado interno. Outra oportunidade
aberta é o mercado de luxo, pois o país compra um terço do comércio global de produtos
dessa categoria. Essas possibilidades se conectam a outra tendência, a de ampliação e
diversificação do investimento direto chinês no Brasil, que poderá contribuir para a nossa
pauta de exportações de produtos de alto valor agregado com a intensificação do comércio
intra-indústria, da forma como hoje ocorre com multinacionais europeias e americanas. O
investimento chinês também é capital para a atualização da infraestrutura brasileira, que não
pode contar atualmente com investimentos do setor público. Quanto a investimentos
brasileiros na China, que incluem a oportunidade de instalação de empresas para exploração
direta do vasto mercado chinês, destacam-se áreas como energia limpa e renovável,
bioagricultura, meio ambiente e nova geração de tecnologias de comunicação, além de áreas
de negócios relacionadas à economia criativa, comércio eletrônico e aos esportes,
especialmente o futebol. Todas essas frentes também estão abertas a cooperações
tecnológicas e comerciais que podem envolver empresas e instituições de pesquisas brasileiras
e chinesas, com resultados positivos para ambos os países.
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O Fator China - Henry Uliano QuaresmaO Fator China - Henry Uliano Quaresma
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China Soft Power

  • 1. China Soft Power Henry Uliano Quaresma Sobre o pano de fundo da chamada guerra comercial entre Estados Unidos e China, baseada em elevação de tarifas a importações, ameaça constantes de novas sobretaxas e consequente diminuição de comércio, evidencia-se uma inversão de valores. Os Estados Unidos, país dos mais abertos do planeta, que sustenta gigantescos déficits comerciais há décadas, sendo assim uma das locomotivas da globalização, ameaça – e age – para se fechar diante da China. A história mostra que a diminuição do comércio mundial tem efeito de encolher a geração de riqueza ao redor do mundo, principalmente agora com os efeitos da pandemia do coronavírus. Mas no que depende do gigante asiático, o comércio global poderá aumentar com novas estratégias de crescimento. O ímpeto atual da China por abertura econômica tem um sinal diferente daquele que marcou as primeiras décadas de sua revolução econômica, quando se tornou a maior exportadora de produtos industrializados e maior importadora de commodities. Eram tempos que o PIB do país chegava a crescer assombrosos 14% ao ano. Hoje em dia o patamar reduziu- se para menos de 7%, porém este crescimento se dá em cima de uma base muitíssimo maior do que a dos primeiros anos após as reformas iniciadas por Deng Xiaoping. O ponto central da nova estratégia de crescimento é por meio do consumo interno, território onde há enorme espaço a ser ocupado. Apenas um terço do PIB chinês é gerado pelo consumo de seus 1,4 bilhão de habitantes – para efeito de comparação, metade do PIB brasileiro advém do consumo das famílias. Aproximar-se dessa condição para sustentar os atuais patamares de crescimento constitui- se no chamado “Novo Normal”, expressão que define o estágio de desenvolvimento chinês.
  • 2. Mudanças estruturais estão em curso no país para pavimentar esse caminho, como foi o caso da inclusão do yuan à cesta de moedas que compõem as reservas do Fundo Monetário Internacional, em 2015, fato que acelerou a abertura financeira da China. Muito relevante também é a nova lei de investimentos estrangeiros, que entrou em vigor em 2020 para estimular que empresas de fora façam mais negócios na China, por meio de acesso mais amplo ao mercado, da proteção de patentes e da não exigência forçada de transferência de tecnologia, dentre outras iniciativas. Também há ajustes estruturais que mexem com a legislação trabalhista, previdenciária, tributária e de registro de terras, em consonância com a nova orientação da economia determinada pelo governo. Toda essa movimentação potencializa o chamado “Fator China”, que pode ser resumido como a crescente influência do país na economia global. É notório que essa perspectiva implica em gigantescas oportunidades para o Brasil e suas empresas. Se a China já é o principal comprador do país, focada em commodities agrícolas e minerais e proteína animal, e também o principal fornecedor, especialmente de eletroeletrônica, informática e telecomunicações, daqui pra frente abrem-se novas e extensas avenidas a se explorar tanto nessas quanto em outras frentes. Prova de que as oportunidades no setor de alimentos estão apenas começando é a recente abertura do mercado chinês a produtos lácteos fabricados no Brasil, inicialmente para poucas unidades industriais, mas cercada de grandes perspectivas. Em 2019 e 2020, cresceram as exportações brasileiras para a China de itens como carne suína, bovina e de aves, tanto pelo aumento do acesso da população quanto pela ocorrência de doenças que afetaram os plantéis chineses, fato que suscitou o início de parcerias entre Brasil e China na área de sanidade animal. Isso sem falar na soja brasileira, que pode ser ainda mais demandada pelos chineses caso eles passem a comprar menos dos EUA. Considerando o maior apetite chinês pelo consumo e os incentivos que se avolumam para a atuação de empresas estrangeiras, é de se esperar a abertura de oportunidades em novas áreas. Uma delas certamente é o fornecimento de produtos manufaturados brasileiros. A janela se abre ainda mais por meio dos gigantescos portais chineses de e-commerce, que oferecem crescentemente produtos estrangeiros no mercado interno. Outra oportunidade aberta é o mercado de luxo, pois o país compra um terço do comércio global de produtos dessa categoria. Essas possibilidades se conectam a outra tendência, a de ampliação e diversificação do investimento direto chinês no Brasil, que poderá contribuir para a nossa pauta de exportações de produtos de alto valor agregado com a intensificação do comércio intra-indústria, da forma como hoje ocorre com multinacionais europeias e americanas. O investimento chinês também é capital para a atualização da infraestrutura brasileira, que não pode contar atualmente com investimentos do setor público. Quanto a investimentos brasileiros na China, que incluem a oportunidade de instalação de empresas para exploração direta do vasto mercado chinês, destacam-se áreas como energia limpa e renovável, bioagricultura, meio ambiente e nova geração de tecnologias de comunicação, além de áreas de negócios relacionadas à economia criativa, comércio eletrônico e aos esportes, especialmente o futebol. Todas essas frentes também estão abertas a cooperações tecnológicas e comerciais que podem envolver empresas e instituições de pesquisas brasileiras e chinesas, com resultados positivos para ambos os países.