O documento discute a evolução do conceito de privacidade entre jovens e adolescentes no contexto das novas mídias. Ele destaca que os jovens usam cada vez mais celulares para trocar mensagens íntimas e flertar, e que estudos mostram que eles têm preocupação com privacidade em relação a adultos, apesar de compartilharem informações online. O documento conclui que entender as diferenças entre as visões de jovens e adultos sobre privacidade é um tópico importante ainda pouco explorado.
1. A Evolução do Conceito de Privacidade
Ruy José Guerra Barretto de Queiroz, Professor Associado, Centro de Informática da UFPE
Em meio a grandes mudanças no relacionamento humano provocadas pelas novas mídias,
prevalece o discurso de que os jovens têm pouco ou nenhum cuidado com sua privacidade,
pois, além da crescente tendência de disponibilizar muito conteúdo privado em mídia social,
observa-se o crescimento do uso do celular para troca de informações de natureza íntima. O
envio de mensagens de texto (“texting”, em inglês) tem se consolidado como o principal meio
de comunicação entre adolescentes americanos, suplantando inclusive o contato face-a-face, o
email, a mensagem instantânea e a chamada telefônica, conforme relatório recente do Pew
Internet & American Life Project (“Teens and Mobile Phones”, por Amanda Lenhart, Rich Ling,
Scott Campbell e Kristen Purcell, 20/04/2010). Baseado num universo de 800 adolescentes de
12 a 17 anos de idade, o levantamento foi realizado em 4 cidades dos EUA entre Junho e
Outubro de 2009 pela Princeton Survey Research Associates International, e concluiu que nos
últimos 18 meses o uso de texting cresceu de 38% dos adolescentes fazendo uso diário desse
modo de comunicação em Fevereiro de 2008 para 54% em Setembro de 2009. A quantidade
de mensagens enviadas também aumentou: metade dos adolescentes enviam pelo menos 50
mensagens de texto por dia, e um terço deles envia mais de 100 textos diariamente. E à
medida que o texting se incorpora à vida social do adolescente, pais e educadores se vêem
cada vez mais preocupados com o papel do celular até mesmo na vida sexual de adolescentes
e jovens. Em um outro relatório do Pew Internet & American Life Project (“Teens and Sexting”,
por Amanda Lenhart, 15/12/2009) verifica-se que 4% dos adolescentes americanos na faixa
dos 12 aos 17 anos dizem já ter enviado imagens sexualmente sugestivas de nus ou seminus
através de sistemas de envio de mensagens de texto, uma prática conhecida como “sexting”
(uma combinação de “sex” e “texting”). Além do mais, 15% dizem já ter recebido imagens
dessa natureza de alguém que conhece através da comunicação por mensagens de texto.
Até mesmo o flerte já se processa através das novas mídias: adolescentes interessados em
relacionamentos românticos têm feito uso das novas tecnologias de comunicação, seja
mensagem instantânea, rede social ou telefonia móvel, de modo a vencer a barreira inicial do
processo de conquista amorosa. Ainda há o bônus de se poder verificar a possível comunhão
de interesses através da consulta ao perfil do objeto da conquista numa rede social como
Orkut, MySpace ou Facebook. A natureza assíncrona dessas novas mídias permite ao
adolescente compor mensagens de modo que pareçam casuais, numa prática do que poderia
se chamar de “casualidade controlada”.
Aliado ao fato que a percepção do chamado “namoro online” vem se modificando, e aos
poucos deixa de ser algo totalmente estranho, surge uma nova tendência: com os chamados
“serviços baseados em localização”, a telefonia móvel em conjunto com a tecnologia das redes
sociais dá nova vida ao namoro online. Imagine uma rede social acessível pelo celular e que
permita ao seu usuário identificar, compartilhar fotos, sons e imagens instantaneamente, e
entrar em contato com pessoas solteiras com interesses comuns que estejam nas
proximidades, seja numa conferência, num bar, no campus de uma universidade ou mesmo
num evento esportivo. Segundo Jason Kincaid em artigo no TechCrunch (“Skout Studies What
2. Happens When Dating Goes Mobile“, 23/12/2009), uma pesquisa conduzida pela Skout, uma
empresa de serviços de namoro online com um forte componente de telefonia móvel
(inclusive com aplicativo para o iPhone), procurou aferir o quão hesitantes as pessoas se
sentem em passar da troca de mensagens por celular para o encontro olho no olho. Com base
numa amostra de 1000 usuários entre 20 e 30 anos de idade, perfeitamente divididos em
termos de gênero, o levantamento concluiu que: 51% dos entrevistados vieram a conhecer
uma outra pessoa solteira no mundo real com a qual haviam contactado através de seu
iPhone; 69% se sentem à vontade em conhecer pessoalmente alguém que conheceram pelo
iPhone; 40% estão fazendo uso de um serviço de namoro por celular enquanto se encontram
em bares, clubes e restaurantes; 20% utilizam o serviço apenas quando estão fora de casa;
35% usam o serviço no trabalho.
A verdade é que, para o jovem ou adolescente contemporâneo, as novas mídias propiciam um
novo ponto de encontro para suas práticas íntimas, ponto esse que permite que a intimidade
se torne ao mesmo tempo mais pública e mais privada. O jovem pode se encontrar, flertar,
namorar, tudo isso fora do alcance da vigilância de pais e adultos, ao mesmo tempo em que
tudo se passa à vista de seus amigos online.
A reação do adulto à exposição de tanto conteúdo pessoal de jovens e adolescentes no espaço
virtual é normalmente traduzida em grande preocupação com o risco devido à possível ação
de marqueteiros, pedófilos, e futuros empregadores, e, naturalmente, leva a soluções e
políticas que presumem que o jovem não disponibilizaria tais informações caso estivesse
ciente das conseqüências. Entretanto, um estudo recente do Berkman Center for Internet and
Society, Harvard (“Youth, Privacy and Reputation - Literature Review”, por Alice E. Marwick,
Diego Murgia-Diaz e John G. Palfrey Jr., Abr 2010), baseado numa detalhada análise da
literatura sobre o tópico, conclui que o jovem tem sim uma grande preocupação com sua
privacidade, sobretudo com relação a pais e professores terem acesso a suas informações
pessoais. Segundo os autores, o jovem de hoje já é intensamente vigiado em casa, na escola e
em público por uma gama de tecnologias de monitoração, mas que tanto as crianças quanto
os adolescentes desejam manter íntegros e protegidos seus próprios espaços de socialização,
exploração e experimentação, longe dos olhos dos adultos. A disponibilização online de
conteúdo pessoal faz parte do processo de auto-expressão, de conexão com os pares, de
socialização e crescimento da popularidade, e da própria ligação com amigos e membros de
grupos de pares.
O fato é que para muitos jovens de hoje, não apenas a socialização, o flerte, a fofoca, a
construção de relacionamentos, e até mesmo o “fazer nada” se dá também no mundo virtual.
O compartilhamento de informações em mídias sociais serve para reforçar as relações de
confiança dentro dos grupos de pares. “A idéia de duas esferas distintas, o ‘público’ e o
‘privado’, é, sob vários aspectos, um conceito ultrapassado para o jovem de hoje. Muitos dos
estudos sobre privacidade online se concentram no risco, ao invés de no entendimento da
necessidade de espaços privados para os jovens onde eles possam socializar longe do alcance
dos olhos dos pais e dos mestres. Essas aparentes contradições demonstram como
entendimentos de risco, espaço público, espaço privado, informações privadas, e o papel da
internet no dia-a-dia difere entre crianças, adolescentes, pais, professores, jornalistas, e
acadêmicos”, concluem os autores.
3. Sabemos muito pouco sobre as diferenças entre as práticas e as atitudes do jovem e do adulto
diante do conceito de privacidade, e essa certamente é uma avenida imensa aguardando
ansiosamente por ser explorada.