Pedro X Gontijo é entrevistado sobre sua vida e carreira política em Divinópolis. Ele fala sobre ter lutado pela emancipação do município e enfrentado críticas por suas ideias progressistas, mas que sempre agiu movido pelo bem coletivo da população local. Apesar de reconhecer erros, ele se orgulha de ter enfrentado interesses particulares em defesa dos cidadãos. No fim, pede que também se lembrem de seus companheiros nessa luta.
Responde ou passa na HISTÓRIA - REVOLUÇÃO INDUSTRIAL - 8º ANO.pptx
Entrevist Pedro X Agora [1-06-2014]
1. A3 | POLÍTICA Divinópolis
31 de maio e 1º de junho de 2014
Entrevista com PEDRO X GONTIJO
Brasa
descoberta:
dados na mesa
e jogo aberto
Sonia Terra
e Flávio Flora
Mesmo carregando o tí-
tulo de “Pai do Município”,
Pedro X Gontijo nunca foi
devidamente reconhecido,
agradecido e nem homena-
geado suficientemente por
suas ideias e seus ideais, que
ultrapassaram sua própria
existência. Polêmico em seu
tempo, destacou-se pela per-
sonalidade forte e envolvi-
mento pleno em defesa dos
interesses da coletividade.
Empregando o recurso
da ficção na história, vol-
tamos aos arquivos para
buscar respostas a algumas
indagações sobre o lado
pouco valorizado de Pedro
X Gontijo. Para apresen-
tar as ideias, o pensamento
e a filosofia de vida desse
grande personagem da his-
tória local, empregamos o
método da entrevista, em
um verdadeiro diálogo com
seus boletins de 1947 a 1954,
artigos da revista “Tribuna
Livre” (1954), seu Epítome
da História de Divinópolis
(1962) e estudos historio-
gráficos apresentados por
Flávio Flora na Tribuna Li-
vre da Câmara Municipal
(2011).
Neste diálogo, Pedro fala
de sua vida política, do seu
desvelo para com a admi-
nistração pública, das suas
experiências no poder e de
seu envolvimento com a
localidade. Na visão dele,
Divinópolis vem sofrendo
dos mesmos problemas do
início, mas com a diferença
do tamanho: água, esgoto,
saúde, segurança, educa-
ção e gastos públicos sem-
pre foram problemas locais
graves e não solucionados,
definitivamente, por causa
da descontinuidade admi-
nistrativa. Eis os principais
trechos da entrevista:
ATIVISTA FRANCO E OUSADO
Agora – O senhor é considerado o “Pai do Municí-
pio”, mas muita gente ainda torce o nariz...
X Gontijo – Os meus saudosos companheiros me
legaram o dever sagrado de olhar para esta terra que
continua sendo deles, minha e nossa. E eu, enquanto
vida tive, colaborei e fiscalizei, não olhando caras que
para mim não valiam nada como não valem para os ci-
dadãos prestantes; grandes e pequenos para mim, são
iguais, são a mesma coisa; eu não reconheço grandeza
de ninguém sobre os outros. O Dever e a Justiça é que
são grandes.
Por que diziam que o senhor era doido? Qual o
principal motivo para lhe colocarem esta pecha?
Me chamaram de doido quando discursei no jantar
de inauguração do trecho da ferrovia Belo Horizonte-
-Triângulo, em 1910, e defendi a emancipação da vila. O
termo foi popularizando-se sobre a minha pessoa e to-
dos que ombrearam comigo a campanha da emancipa-
ção e sustentação da autonomia foram taxados de doi-
dos: Padre Matias, Tônio Olímpio, Francisco Ribeiro e
outros que aderiram. Talvez porque nossas ideias eram
voltadas para o futuro no presente e porque tínhamos
uma simpatia pela visão metafísica do mundo; eu pela
filosofia yogue.
Farmacêutico por formação, o senhor na verdade
era um alquimista ou um bruxo?
Ser farmacêutico na minha época era uma profissão
dignificante e com grande importância social, dado que
a medicina não era tão avançada e os remédios, muitos
restritos. O farmacêutico sempre teria uma composição
que amenizasse o sofrimento de alguma doença e por
isso era muito considerado. Mas não fui nem bruxo nem
alquimista, mas um estudioso de plantas medicinais na-
tivas com meu amigo José Clementino, saudosa alma de
Campos.
Ter sido prefeito biônico manchou sua biografia?
Por que mancharia? Eu havia levado o nome de Jo-
velino Rabello para o governador-interventor, como o
mais indicado e capaz, mas lá chegando, ouvi que mi-
nha nomeação já estava pronta e seria publicada no dia
seguinte; então, eu me senti honrado, mas com um peso
muito grande nas costas. O que pensava é que a história
havia me dado uma nova incumbência, que a revolu-
ção era uma oportunidade para consolidar o município
e que deveria tomar algumas decisões necessárias para
implantar a nova organização do governo local, com a
separação dos poderes (Prefeitura e Câmara) e a insta-
lação do Termo Judiciário que se arrastava desde 1916.
LUTA PELO BEM COLETIVO
O que o senhor tem a dizer sobre a pouca valoriza-
ção dada à sua notória liderança política, desde que,
sozinho, tomou a bandeira da criação do município,
em 1911, até a sua consolidação, em 1935? O que o se-
nhor diria aos que criticaram sua postura autoritária,
especialmente após a campanha de 1947 e, principal-
mente, depois de 1954, quando seu grupo perdeu as
eleições?
[Pergunta longa, que merece uma resposta longa]
A verdadeira paz está na luta inteligente entre homens
que se aperfeiçoam. Eu me sinto admiravelmente bem
colocado: cidadão prestante, no meio da rua, falando em
seu nome e não no de partidos políticos. E tenho creden-
ciais bastante para fazê-lo: tem sido contra meu peito que
se quebram as ambições dos piratas e aventureiros do
município, através dos anos. A verdade, mesmo quando
dura, é a verdade: eu tive de trazer gente de fora, padre
Matias Lobato e doutor Francisco Ribeiro de Carvalho
(de Lavras) para que se criasse o município. Criei-o, pois,
contra a vontade do povo, para ser útil ao povo.
O que o senhor pensa do povo? Ele é culpado de
tudo quanto de ruim acontece na política? Quem é o
povo que o senhor tanto defende?
Sempre lutei a favor do povo, não para ser agradável
ao povo, que é uma imensa multidão de ninguém, mas
para ser útil aos meus semelhantes, que nada me devem
por isso. “Quem cumpre o seu dever não merece elo-
gios”. O povo que eu defendo, à falta de uma expressão
melhor, é o povo divinopolitano que vai se plasmando.
Divinopolitanos que não vendem seus votos, não se
vendem; só desejam o bem de nossa terra. [Povo divino-
politano é] o que está consciente de que as divergências
políticas morrem à boca de urna. Divinópolis voa e pro-
blemas e mais problemas inadiáveis se amontoam.
PROBLEMAS INSISTENTES
O que mais o incomoda no Divinópolis de hoje?
Nosso município, pela sua situação geográfica, pos-
sui condições objetivas para um grande progresso. Te-
mos grandes rios, grandes quedas d’água que são fa-
tores indispensáveis de desenvolvimento econômico.
Apesar do desenvolvimento progressivo da população
do nosso município, vivemos num atraso que não se
justifica de maneira nenhuma.
Que conselhos o senhor daria para mudar os rumos
desta história?
Só será possível minorar a miséria de nosso povo de-
senvolvendo a economia do nosso município. Só pode-
remos desenvolver a economia do nosso município se o
mesmo tiver ampla autonomia e elegermos um prefeito
que só tenha compromissos com o povo e que preste
contas dos seus atos unicamente ao povo.
Desculpe a obviedade da pergunta, mas é oportuna:
que presente o senhor daria a Divinópolis hoje, pelo
102o aniversário do município?
Como em todos os dias 1º de junho, hoje, na Praça
Municipal, pedimos licença e todos nós, juntinhos, esta-
mos aqui; viemos passar o dia com o nosso povo, com a
nossa gente, não é Patriarca? Não é, padre Matias? Não
é, Tônio Olímpio? Não é, Ribeiro? E como estou feliz
com isso. Mas, de presente material, eu daria mesmo a
Divinópolis a limpeza da imundície em que se encontra
o rio Itapecerica, uma destinação correta do lixo e do
esgoto urbano e proteção aos mananciais que ainda res-
tam, para que nossa população não volte às privações
do passado.
ESPIRITUALISTA E YOGUE
Antes de apresentar as perguntas finais, neste sin-
gelo encontro virtual (ou de espíritos, como o senhor
disse), uma indagação de ordem moral: o senhor teria
dito que não gostaria de ser lembrado, nem mesmo de-
pois de morto. Isso foi verdade?
Meia verdade. O fato é que perdemos as eleições de
1954 e o nosso grêmio Tudo por Divinópolis (TD), mui-
to dividido por candidaturas fracas, baqueou, e então
deitaram falação sobre a minha pessoa, tentando man-
char a minha vida pública. Disseram que eu era apro-
veitador do município. Me atingiram muito, à minha
honra, minha família, mas não me derrubaram. Eu dis-
se a eles, por um boletim, e volto a repetir, que a mim
eu me basto e nunca precisei do Município para coisa
nenhuma, dele nada quero, de nada preciso, nem dele
nem de ninguém, nem em vida, nem depois de minha
morte, quando julgo muitíssimo útil a mim o mais rá-
pido e completo esquecimento do meu nome. Sou um
espiritualista, bastante yogue.
A propósito, qual o fato por trás dessa repetida fra-
se: “Eu me basto e ainda sobra de mim para os meus
amigos?
Foi nas eleições de 1947. Porque apoiava Jovelino
para prefeito, os políticos contrários divulgavam bole-
tins agressivos contra as nossas candidaturas. A minha
para vereador. Mas eu não quero nada da política e não
preciso dela para nada, a não ser para o bem da coletivi-
dade. Eu sou eu, penso com a minha cabeça e não com
a cabeça de ninguém. Eu me basto e sobro de mim mes-
mo para me dividir entre os meus concidadãos. Eu, quer
na minha vida particular, quer na minha vida pública,
tenho uma só norma de conduta, sou brasa descoberta:
dados na mesa e jogo aberto. Quem achar bom, muito
obrigado. Quem achar ruim, coma menos.
Senhor Pedro X Gontijo, Pedro X, X Gontijo, “Cabe-
leira” (nomes que passam à eternidade, contrariando
aquela depressão de 54) – tenho a lhe informar que, em
memória de sua dedicação ao município de Divinópo-
lis, um grupo de admiradores, entre parentes diretos,
profissionais liberais, jornalistas, historiadores, fun-
cionários públicos, empresários e cidadãos prestantes
fundou o Instituto Pedro X Gontijo, para recuperar o
seu legado político e disponibilizar para as atuais e fu-
turas gerações como um lutador idealista coletivista.
Não há mais feridas em meu peito, reconheci e cor-
rigi meus erros. Sabe (?), me dá uma alegria ser lembra-
do pelo bem que eu sempre quis para Divinópolis e sua
gente. Combatemos e vencemos muitas batalhas; per-
demos algumas, mas não perdemos muito. O município
perdeu mais... Quanto à associação fundada em minha
homenagem por esses admiradores, minha gratidão
eterna pela espontaneidade. Peço que não se esqueçam
das intervenções, do entusiasmo e do desprendimento
de padre Matias Lobato, Francisco Ribeiro de Carvalho,
Francisco Machado Gontijo, Antonio Olympio e Joveli-
no Rabelo na consecução da autonomia de Divinópolis.
Não os deixem esquecidos, porque sempre estarão em
minha memória.
Para encerrarmos, esta conversa com o Pai de Divi-
nópolis, à véspera do centenário da cidade, assim ele-
vada em 1915, o senhor tem a palavra final.
Antes de encerrar, então, gostaria de dizer que onde
haja sacrifício de um interesse público, lume descober-
to ou coberto de cinza, eu farei levantar a fumaça para
que os divinopolitanos vejam com seus próprios olhos
e ajudem, depois, a combater essas mil e uma patifa-
rias que andam por aí, nos setores os mais diferentes,
com capas as mais diversas. Se eu cometi alguma injus-
tiça, foi involuntária, sou um homem; é só me meterem
a madeira – a madeira da crítica construtiva. Não me
importo.
“Os meus saudosos
companheiros me
legaram o dever sagrado
de olhar para esta terra”
Tem sido contra meu
peito que se quebram as
ambições dos piratas e
aventureiros do município