SlideShare uma empresa Scribd logo
1 de 29
Baixar para ler offline
FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS - GVlaw
TEORIA DO ADIMPLEMENTO SUBSTANCIAL DO CONTRATO
São Paulo
2013
FERNANDO PEREIRA ALQUALO
TEORIA DO ADIMPLEMENTO SUBSTANCIAL DO CONTRATO
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado
como requisito para obtenção do título de
especialista em Direito Civil pela Fundação
Getúlio Vargas – FGV.
Orientador: Prof. Francisco Eduardo Loureiro
São Paulo
2013
RESUMO
O presente trabalho estuda a Teoria do Adimplemento Substancial do Contrato, abordando os
princípios que deram a sua origem (boa-fé objetiva e função social do contrato). Também foi
abordada a teoria frente aos direitos da contraparte do negócio, como o direito potestativo de
resolução do contrato e a exceção do contrato não cumprido. Os pontos abordados buscam
esclarecer ao leitor uma melhor análise sobre quando, como e porque deve ocorrer a aplicação
da teoria, bem como a importância do adimplemento substancial. Para tanto, num primeiro
momento o trabalho versou sobre a definição dos princípios e dos demais institutos, através
da pesquisa das mais renomadas obras sobre os temas. Após, foi estudada a teoria
propriamente dita, direcionando o modo da sua efetiva aplicação prática, nos mais
diversificados contratos que são levados para discussão no judiciário, em especial no Superior
Tribunal de Justiça e Tribunal de Justiça de São Paulo. Constatou-se, como principais
conclusões, que a aplicação da teoria visa coibir o abuso de direito e preservar os princípios
contratuais da boa-fé objetiva e função social, notadamente quando o inadimplemento não
prejudicar a função econômico-social do contrato, utilizando-se como parâmetro para
configuração do adimplemento substancial a teoria da causa.
Palavras-chave: Adimplemento – Contrato - Inadimplemento – Resolução – Substancial.
ABSTRACT
This paper studies the Theory Fulfillment Substantial Contract, addressing the principles that
have their origin (objective good faith and social function of the contract). Also addressed was
the theory forward to the rights of the counterparty's business, as potestative the right to
terminate the contract and the contract is not fulfilled exception. The issues addressed are
seeking to clarify the reader a better analysis about when, how and why should occur the
application of theory, and the importance of due performance substantially. Therefore, at first
the work was about the definition of the principles and other institutes through research of the
most renowned works on the subjects. After we studied the theory itself, directing the mode
of its effective practical application, in most diversified contracts that are taken for discussion
in the judiciary, especially in the Superior Court of Justice and Court of São Paulo. It has, as
its main conclusions, that the application of the theory aims to curb the abuse of law and
preserve the principles of contractual good faith and objective social function, especially
when the default does not impair the function of the economic and social contract, using as a
parameter for setting fulfillment substantial cause theory.
Keywords: Fulfillment - Contract - Default - Resolution - Substantial.
SUMÁRIO
1. Introdução........................................................................................................................4
2. Formas de Extinção dos Contratos.................................................................................6
3. Princípio da Boa-Fé Objetiva........................................................................................11
4. Princípio da Função Social do Contrato........................................................................14
5. Teoria do Adimplemento Substancial...........................................................................16
5.1 Boa-fé objetiva como fundamento da teoria
5.2 Função Social como fundamento da teoria
5.3 A Teoria e Exceção do Contrato não Cumprido
5.4 Valoração do inadimplemento e parâmetros utilizados para aplicação da teoria
6. Conclusão......................................................................................................................25
7. Bibliografia....................................................................................................................27
4
1. Introdução
A Teoria do Adimplemento Substancial do Contrato teve sua origem basicamente
através dos princípios da boa-fé objetiva e função social.
Entende a doutrina e o Judiciário, em alguns casos, que face ao adimplemento pelo
devedor de quase a totalidade das obrigações pactuadas no contrato, injusta seria a resolução
do contrato pelo inadimplemento das restantes.
Considera-se relevante o tema apresentado, porque nos dias atuais muitos são os
contratos de execução diferida em que a obrigação do devedor está dividida em prestações,
como por exemplo, o financiamento de um veículo em 60 (sessenta) parcelas mensais.
Não raro nessa hipótese, o devedor cumpre pontualmente com o pagamento de quase a
totalidade das prestações, porém, deixa de adimplir com as pouquíssimas parcelas restantes.
Baseadas em expressas disposição contidas no contrato, ainda utilizando o exemplo, a
financeira extingue automaticamente o contrato e aciona o judiciário pleiteando a busca e
apreensão ou reintegração de posse do bem.
O problema a ser enfrentado, está consubstanciado em identificar quando realmente o
contrato pode ser considerado pelo judiciário como adimplido substancialmente de modo a
evitar sua resolução.
Torna-se ainda mais importante o tema, considerando que a teoria está calcada em
princípios de caráter extremamente subjetivos, e relativamente novos, o que certamente
dificulta a sua aplicação.
Utilizando-se ainda o exemplo do contrato de financiamento, quantas parcelas pagas
pontualmente pelo devedor seriam aptas a caracterizar o Adimplemento Substancial? Há uma
média de porcentagem (do cumprimento das obrigações) que o Judiciário serve de parâmetro
nos casos em que as prestações não são iguais? Esse parâmetro pode ser utilizado? E se o
devedor sempre efetuou os pagamentos com atraso, aplica-se a teoria?
5
Pretende-se também o enfrentamento do problema, no que tange a aplicação da teoria
sob o prisma da obrigação acessória ou dos deveres anexos ou laterais do contrato, isto é, o
estudo abordará também se o adimplemento substancial refere-se tão somente a obrigação
principal e expressamente contratual.
O presente trabalho visa, pois, o estudo da aplicação da Teoria em casos práticos
levados ao Judiciário, sem perder o enfoque dos princípios que a norteiam, pois estes são a
razão de sua existência e derradeiramente o fundamento da aplicação.
6
2. Formas de Extinção do Contrato
Com o cumprimento integral de todas as obrigações pactuadas, a finalidade do
contrato estará alcançada e consequentemente ocorre sua extinção por morte natural
(GOMES, 2007, p.202).
No entanto, há hipóteses em que no curso de sua execução, e antes do cumprimento de
todas as obrigações estipuladas, o contrato possa ser extinto por meio de uma das formas
previstas em lei: rescisão, resilição ou resolução.
De antemão, importante destacarmos o problema da terminologia utilizada pelo
legislador no Código Civil, visto que em muitos casos, quando na verdade trata-se da hipótese
de resolução, o legislador empregou o vocábulo rescisão.
Quiçá por conta disso, o referido vocábulo tenha caído no gosto popular, sendo
utilizado pelas pessoas para se referir a qualquer hipótese em que haja a extinção do contrato,
ora quando o caso seja de resilição unilateral, onde costumeiramente identificamos o emprego
da palavra rescisão utilizada para estipular no contrato a faculdade prevista no art. 473 do
Código Civil, ora nas demandas judiciais quando quer-se aludir a resolução por
inadimplemento de um dos contratantes.
Entretanto, a doutrina majoritária já pacificou o entendimento que a terminologia
rescisão deverá apenas ser empregada nas hipóteses de lesão (art. 156) ou estado de perigo
(art. 157), visto que a tutela rescisória somente servirá para sanar vício contemporâneo a
formação do contrato, isto é, já existente no momento da sua formação, diferindo totalmente
da Resilição e Resolução onde as causas são supervenientes à sua formação (ASSIS, 1999,
p.77).
Quanto à extinção do contrato pela modalidade da resilição, esta poderá ocorrer de
duas formas: Resilição Bilateral ou Resilição Unilateral.
7
A Resilição Bilateral, denominada como Distrato, visa a desconstituição do negócio
jurídico celebrado, através de manifestação das partes contratantes, dada pela mesma forma
exigida para o respectivo contrato, se extinguido, assim, todos os seus efeitos1
.
Por seu turno, a Resilição Unilateral é meio de extinção do contrato pela vontade
exclusiva de uma das partes, conferida em razão na natureza do próprio negócio ou nos casos
caso em que a lei permita, operando-se pela simples notificação à outra parte2
.
Exemplo clássico de resilição unilateral é a denúncia vazia prevista no art. 6ª da lei
8.245/91 (lei do inquilinato), na qual faculta-se ao locatário no contrato por prazo
indeterminado denunciá-lo mediante simples notificação com antecedência mínima de 30
(trinta) dias3
.
Cabe salientar, que o parágrafo único do art. 473 do Código Civil, restringe a
faculdade da imediata resilição unilateral, quando uma das partes houver feito consideráveis
investimentos para a execução do contrato, preceituando que nesses casos a denúncia
unilateral só produzirá efeitos após o prazo compatível com a natureza e vulto dos
investimentos.
Quanto à resolução como meio de extinção do contrato, o Código Civil prevê a
possibilidade nas hipóteses de incumprimento do devedor ou pela onerosidade excessiva
suportada por um dos contratantes4
.
De acordo com o escopo do trabalho aqui proposto, nos interessa o estudo apenas da
resolução do contrato pela primeira hipótese de resolução, isto é, pelo inadimplemento do
devedor.
Nesse caso, segundo o dispositivo legal, a referida resolução é alternativa conferida ao
contratante (credor da obrigação) para a extinção do vínculo contratual, quando a outra parte
1
Art. 472 do Código Civil e art. 9ª, inciso I, da lei 8.245/91.
2
Art. 473 do Código Civil.
3
Art. 6º O locatário poderá denunciar a locação por prazo indeterminado mediante aviso por escrito ao locador,
com antecedência mínima de trinta dias.
4
Art. 474, 475 e 478 do Código Civil.
8
(devedor) descumprir a prestação ou dever que estava obrigada, sendo o inadimplemento,
porquanto, pressuposto para a ocorrência da resolução.
Assim, a resolução vincula-se aos contratos bilaterais, onde há reciprocidade entre a
prestação de uma parte e a contraprestação da outra, podendo ser decorrente de cláusula
expressa ou tácita5
.
A cláusula resolutiva expressa “concerne à uma previsão contratual de imediata
resolução em caso de inadimplemento da parte. Trata-se de direito negocial à resolução,
contido na própria avença ou em documento posterior, que emana da inexecução de uma ou
mais prestações” (ROSENVALD, Nelson. Código Civil Comentado, Coordenação do
Ministro Cézar Peluso, 5ª ed. Barueri/SP: Manole, 2011, p. 538).
Segundo o mesmo autor, não tendo sido estipulada cláusula resolutiva expressa,
subentende-se a existência de cláusula resolutiva implícita nos contrato bilaterais, onde o
lesado necessariamente deverá interpelar o devedor para constituí-lo em mora antes de
propugnar a resolução contratual.
Como visto, além da existência de um contrato bilateral válido, a resolução
necessariamente depende do inadimplemento pelo devedor, sendo de suma importância tais
definições para o deslinde do trabalho.
Contratos Bilaterais, por sua vez, são aqueles que os contratantes possuem obrigações
recíprocas, na medida em que são simultaneamente credores e devedores do outro, dotados de
direitos e obrigações e, portanto, são sinalagmáticos (GONÇALVES, 2004, pag. 23).
Exemplo clássico é o contrato de compra e venda, seja de bem móvel ou imóvel, no
qual o vendedor se obriga a entregar o bem, quando do recebimento do preço pelo comprador.
Não se pode olvidar, que nesta espécie de contrato não pode um dos contratantes, antes de
cumprir a sua obrigação, exigir o cumprimento da do outro (exceptio non adimpleti
contractus)6
.
5
Art. 474: “A Clausula resolutiva expressa opera de pleno direito; a tácita depende de interpelação judicial”.
6
Art. 476: “Nos contratos bilaterais, nenhum dos contratantes, antes de cumprida sua obrigação, pode exigir o
implemento da do outro”
9
No que concerne ao inadimplemento, pode ocorrer de forma absoluta ou relativa.
Sobre inadimplemento absoluto, Hamid Charaf Bdine Jr. (2005, p. 409) ensina que:
[...] inadimplemento absoluto é aquele em que a obrigação não foi nem
poderá ser cumprida de modo satisfatório. É o que ocorre, por exemplo, com
o perecimento do objeto. Nesse caso, o inadimplemento absoluto poderá ser
total ou parcial, caso a integralidade da prestação, ou parte dela, não puder ser
cumprida.
Muitas vezes citado na doutrina como exemplo, é o caso do bufê que foi contratado
para servir os convidados do contratante na sexta feira às 20:00 horas, todavia, chega ao local
às 06:00 do dia seguinte, quando todos os convidados já deixaram a festa7
.
Assim, ainda que o contratado tenha cumprido a obrigação, esta se tornou totalmente
desinteressante para o contratante porquanto ocorrida de forma extemporânea, pelo que
poderá pleitear a resolução do negócio jurídico e perdas e danos, consoante preceitua o art.
389 do Código Civil8
.
Salienta-se, por oportuno, e já adiantando o tema principal do presente trabalho, que a
doutrina e jurisprudência vêm rechaçando abusos de direito nesta seara, especialmente nos
casos de ínfimo inadimplemento, incumbindo ao juízo verificar se o referido é capaz de
ensejar a resolução do contrato, ante os princípios da boa-fé objetiva e função social.
O inadimplemento relativo, por seu turno, “é aquele em que a obrigação não é
cumprida no tempo, no lugar e na forma devidos, mas poderá sê-lo, com um proveito para o
credor. Nesse caso, estará caracterizada a mora, disciplinada pela regra do art. 394”
(CHARAF BDINE JR, Hamid. Código Civil Comentado, Coordenação do Ministro Cézar
Peluso, 5ª ed. Barueri/SP: Manole, 2011, p. 409).
Assim, o inadimplemento relativo ou mora ocorre quando, descumprida a obrigação
no seu prazo, ainda sim sua efetivação é de interesse ao credor, sendo que por certo o seu
7
Exemplo utilizado por Hamid. Código Civil Comentado, Coordenação do Ministro Cézar Peluso, 5ª ed.
Barueri/SP: Manole, 2011, p. 409.
8
Art. 389: “Não cumprida a obrigação, responde o devedor por perdas e danos, mais juros e atualização
monetária segundo índices oficiais regularmente estabelecidos, e honorários de advogado”
10
cumprimento ilidirá a resolução do negócio jurídico, a exemplo do locatário que atrasa o
pagamento em poucos dias.
Nesse passo, ainda que de forma extemporânea, o pagamento é útil ao credor,
configurando-se, pois, a mora, tal qual dá ensejo ao acréscimo de penalidades e encargos
legais na obrigação9
(juros, correção monetária e honorários advocatícios), mas não permitirá
a resolução do contrato.
9
Art. 389 do Código Civil
11
3. Princípio da Boa-fé Objetiva
A boa-fé no direito contratual do novo código10
, denominada pela doutrina como
boa-fé objetiva, distingue daquela já conhecida do antigo sistema, consistente da análise
subjetiva do estado de consciência do agente quando da avaliação do seu comportamento
(NEGREIROS, 2007, pag. 119).
Assim, para melhor entendermos a boa-fé objetiva, necessário fazer uma sucinta
distinção da boa-fé subjetiva.
Podemos dizer que a boa-fé subjetiva está ligada diretamente à elementos
psicológicos e, porquanto, intrínsecos do sujeito da relação jurídica. Denomina-se subjetiva,
justamente porque deverá ser considerada a íntima intenção do indivíduo ou do seu estado
psicológico, conforme nos ensina Judith Martins-Costa:
A expressão boa-fé subjetiva denota o estado de consciência ou
convencimento individual de obrar (a parte) em conformidade ao direito
(sendo) aplicável, ao campo dos direitos reais, especialmente em matéria
possessória. Diz-se ‘subjetiva’ justamente porque, para a sua aplicação, deve
o intérprete considerar a intenção do sujeito na relação jurídica, o seu estado
psicológico ou íntima convicção. Antitética à boa-fé subjetiva está a má-fé,
também vista subjetivamente como a intenção de lesar a outrem
(MARTINS-COSTA, 2000, p. 411).
A boa-fé subjetiva apresenta a ideia de ignorância, isto é, a equivocada crença do seu
direito ou desconhecimento da lesão ao direito de outrem. “A pessoa acredita ser titular de um
direito, que na realidade não tem, porque só existe na aparência” (NORONHA, 1994, p. 132).
A boa-fé objetiva, por sua vez, está relacionada com a honestidade e lealdade do
sujeito, que deverão ser demonstrados através do seu comportamento. Cuida-se de um dever
ético e de fidelidade à palavra, no sentido de não trair a confiança ou expectativa do outro
(MARTINS-COSTA, 2000, p. 412).
Destarte, diferentemente da boa-fé subjetiva, não tem qualquer relação com o estado
de consciência do sujeito ou sua noção de realidade sobre o direito. Caracteriza-se, pois, pelo
10
Art. 422 do Código Civil
12
agir de modo honroso com o outro, sem deslealdade, tomando por base as condutas do sujeito
de acordo com os parâmetros de honestidade da sociedade, não frustrando a legítima
expectativa do outro. Ou, nas palavras de Judith Martins-Costa:
Ao conceito de boa-fé objetiva estão subjacentes as ideias e ideais que
animaram a boa-fé germânica: a boa-fé como regra de conduta fundada na
honestidade, na retidão, na lealdade e, principalmente, na consideração para
os interesses do ‘alter’, visto como um membro do conjunto social que é
juridicamente tutelado. Ai se insere a consideração para com as expectativas
legitimamente geradas, pela própria conduta, nos demais membros da
comunidade, especialmente no outro polo da relação obrigacional
(MARTINS-COSTA, 2000, p. 412).
No mesmo sentido, também são os ensinamentos da inigualável professora Cláudia
Lima Marques:
Boa-fé objetiva significa, portanto, uma atuação ‘refletida’, uma atuação
refletindo, pensando no outro, no parceiro contratual, respeitando-o,
respeitando seus interesses legítimos, suas expectativas razoáveis, seus
direitos, agindo com lealdade, sem abuso, sem obstrução, sem causar lesão ou
desvantagem excessiva, cooperando para atingir o bom fim das obrigações: o
cumprimento do objetivo contratual e a realização dos interesses das partes
(MARQUES, 2004, p. 181-182).
A doutrina elenca, sem maiores discussões, três principais funções do Princípio da
boa-fé objetiva, quais sejam: a) função interpretativa no âmbito dos contratos; b) função
restritiva ao exercício de direitos, coibindo o abuso; e c) função criativa de deveres anexos à
prestação principal (TEPEDINO, 2006, p. 252).
A primeira função encontra-se positivada no art. 113 do Código Civil: “Os negócios
jurídicos devem ser interpretados conforme a boa-fé e os usos do lugar de sua celebração”.
Assim, exige que a interpretação do contrato seja realizada visando sempre o objetivo comum
pretendido pelas partes (TEPEDINO, 2006, p. 252).
A segunda função encontra-se positivada no art. 187 do Código Civil: “Também
comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites
impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes”. Consiste,
pois, numa função com conotação negativa e restritiva na medida em que estabelece limites
para o exercício dos próprios direitos (TEPEDINO, 2006, p. 252).
13
Por último, a boa-fé exerce função de fonte criadora de deveres anexos à prestação
principal, que são os deveres de lealdade, informação e transparência inerentes e implícitos no
regulamento de interesses (TEPEDINO, 2006, p. 253).
À esta terceira função da boa-fé, também deverá ser observado o negócio caso a caso,
pois, nas palavras de Gustavo Tepedino e Anderson Schreiber:
[...] seria um absurdo supor que a boa-fé objetiva criasse, por exemplo, um
dever de informação apto a exigir de cada contratante esclarecimentos acerca
de todos os aspectos de sua atividade econômica ou de sua vida privada.
Assim, se é certo que o vendedor de um automóvel tem o dever – imposto
pela boa-fé objetiva – de informar o comprador acerca de dos defeitos do
veículo, não tem, por certo, o dever de prestar ao comprador esclarecimentos
sua preferência partidária, sua vida familiar ou seus hábitos cotidianos
(TEPEDINO; SCHREIBER, 2003, p. 146).
14
4. Princípio da Função Social do Contrato
O direito contratual conteMporâneo prestigia quatro importantes princípios: autonomia
privada, boa-fé, justiça contratual e função social do contrato (ROSENVALD, 2011, p. 484),
este último, objeto de estudo, encontra-se positivado no art. 421 do Código Civil, in verbis:
“A liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato”.
O princípio da função social não limita e nem tampouco coíbe da liberdade de
contratar, que é plena e ilimitada, apenas legitimou a liberdade contratual ou, nos dizeres do
Professor Nelson Rosenvald:
A função social não coíbe a liberdade de contratar, como induz a dicção da
norma, mas legitima a liberdade contratual. A liberdade de contratar é plena,
pois não existem restrições ao ato de se relacionar. Porém, o ordenamento
jurídico deve submeter a composição do conteúdo do contrato a um controle
de merecimento, tendo em vista as finalidades eleitas pelos valores que
estruturam a ordem constitucional (ROSENVALD, 2011, p. 485).
Assim, o conteúdo contratual será submetido a um controle de merecimento para
examinar se o mesmo encontra-se em consonância com a ordem social. Neste mesmo sentido
é o entendimento de Flávio Monteiro de Barros:
O contrato tem de ser entendido não apenas como as pretensões individuais
dos contratantes, mas como verdadeiro instrumento de convívio social e de
preservação dos interesses da coletividade, onde encontra sua razão de ser e
de onde se extrai a sua força, pois o contrato pressupõe a ordem estatal para
lhe dar eficácia (BARROS, 2008, p. 218).
A doutrina cogita duas espécies de função social do contrato: Função Social Interna e
Função Social Externa.
A Função Social interna é aquela relacionada à necessária cooperação entre os
contratantes, enquanto perdurar a relação jurídica, implicando no dever de se colocarem na
situação de sujeitos titulares de direitos fundamentais e de igual dignidade, colaborando
reciprocamente com os deveres de proteção, informação e lealdade contratual, com a
finalidade comum de buscar o adimplemento contratual (ROSENVALD, 2011, p. 485).
15
Quanto à Função Social Externa, é sabido que os contratos interessam à sociedade.
Tanto os bons como os maus contratos tem repercussão social e econômica, sendo que os
bons promovem a confiança nas relações sociais, já os contratos cevados por cláusulas
abusivas tem como consequência o reconhecido desprestígio aos princípios da boa-fé e
solidariedade (ROSENVALD, 2011, p. 485).
Dessa forma, existem contratos que satisfaçam integralmente as vontades dos
contratantes, mas, por outro, ofendem interesses de um terceiro ou da sociedade, à exemplo
dos contratos que possam afetar o meio ambiente, a livre concorrência, direito do consumidor,
dentre outros, conforme ensina Rosenvald.
16
5. Teoria do Adimplemento Substancial
Segundo a teoria do adimplemento substancial, o cumprimento bem próximo do
resultado final afasta o direito potestativo de resolução do contrato, previsto no art. 475 do
Código Civil, restando ao credor apenas o direito de pedir a execução da prestação
inadimplinda, acrescida das perdas e danos, se for o caso (MARTINS-COSTA, 2000, p. 479).
Isso porque, se a obrigação foi substancialmente adimplida, o pedido de resolução não
trará nenhum benefício legítimo ao credor, apenas prejuízos para o devedor que, tendo
praticamente satisfeito a totalidade da obrigação, verá tudo retornar ao status quo ante
(BECKER, 1993, p. 70).
Destaca-se, desde já, que inexiste remissão da parcela ou prestação não adimplida,
podendo esta ser cobrada em juízo, o que ocorre é apenas e tão somente a vedação ao
desfazimento de todo o contrato.
Para tanto, a teoria está basicamente fundamentada nos princípios da boa-fé objetiva e
função social do contrato, já estudados no presente trabalho, sendo imperioso analisarmos o
adimplemento substancial sob os enfoques seguintes, para entendermos melhor a importância
prática da sua aplicação.
5.1. A Boa-fé objetiva como fundamento da teoria
Como visto, o art. 475 do Código Civil permite ao credor resolver o contrato em razão
do inadimplemento do devedor, isto é, ante o descumprimento de prestar deste, àquele pode
buscar o desfazimento do negócio.
Todavia, o referido dispositivo não especifica a modalidade de inadimplemento que
enseja o credor exercer seu direito de resolução, levando a ideia que o simples
descumprimento de qualquer obrigação, por mínima que seja, enseja a hipótese de resolução
do contrato.
17
De outra parte, a resolução pelo inadimplemento do devedor é medida extrema da
extinção do contrato, vez que surtirá efeitos ex tunc, retirando do negócio todos os efeitos
jurídicos produzidos, bem como obstará aqueles que ainda seriam produzidos e, portanto, de
legítima expectativa dos contratantes.
Nesse passo, havendo inadimplemento mínimo em relação à obrigação total, isto é,
insignificante, de mínima importância ou gravidade, o direito potestativo de resolução será
uma conduta manifestamente desproporcional e contrária finalidade econômica do contrato.
Destarte, ao vedar o uso desproporcional do direito de resolução, a teoria do
adimplemento substancial encontra fundamento na boa-fé objetiva, especialmente na função
limitativa do exercício de direitos.
Teresa Negreiros assevera que, em tal função, a boa-fé objetiva está estritamente
ligada à teoria do abuso de direito, na medida em que servirá como parâmetro para analisar as
condutas dos contratantes no exercício dos seus direitos e obrigações, limitando, se o caso,
àquele que abusar do seu direito, ou, nas palavras da ilustre Autora:
Diante da ordenação contratual, o princípio da boa-fé e teoria do abuso de
direito completam-se, operando aquela como parâmetro de valoração do
comportamento dos contratantes: o exercício de um direito será irregular, e
nesta medida abusivo, se consubstanciar quebra de confiança e frustração de
legítimas expectativas. Nesses casos, o comportamento formalmente lícito,
consistente no exercício de um direito, é, contudo, um comportamento
contrário à boa-fé e, como tal, sujeito ao controle da ordem jurídica
(NEGREIROS, 2006, p. 141).
Nesta senda conclui Negreiros que “no exercício da sua função de limitar o exercício
de direitos subjetivos em nome da preservação do sinalagma que a boa-fé serve como
fundamento para a chamada teoria do adimplemento substancial” (NEGREIROS, 2006, p.
145).
No mesmo sentido, observa Anelise Becker que:
O princípio da boa-fé objetiva aí atua de forma a proteger o devedor frente a
um credor malicioso, inflexível (boa-fé eximente ou absolutória), como causa
de limitação ao exercício de um poder jurídico, no caso, do direito formativo
18
de resolução, do qual é titular o credor de obrigação não cumprida
(BECKER, 1993, p. 70).
A par disso, o Superior Tribunal de Justiça já assentou que a extinção do contrato por
inadimplemento do devedor, somente se torna plausível quando o inadimplemento seja de tal
envergadura que não interessa mais ao credor o recebimento da prestação devida, pois a
economia do contrato está afetada.
Julgando ação de busca e apreensão, na qual o a Instituição Financeira promoveu
corolário do inadimplemento pelo consumidor da última prestação, o Ministro Ruy Rosado de
Aguiar (Superior Tribunal de Justiça, REsp 272739/MG), ensinou que não atende o princípio
da boa-fé objetiva a conduta credor ao exercer seu direito potestativo de resolução por conta
do ínfimo inadimplemento:
ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA. Busca e apreensão. Falta da última prestação.
Adimplemento substancial. O cumprimento do contrato de financiamento,
com a falta apenas da última prestação, não autoriza o credor a lançar mão da
ação de busca e apreensão, em lugar da cobrança da parcela faltante. O
adimplemento substancial do contrato pelo devedor não autoriza ao credor a
propositura de ação para a extinção do contrato, salvo se demonstrada a perda
do interesse na continuidade da execução, que não é o caso. Na espécie, ainda
houve a consignação judicial do valor da última parcela. Não atende à
exigência da boa-fé objetiva a atitude do credor que desconhece esses fatos e
promove a busca e apreensão, com pedido liminar de reintegração de posse.
Recurso não conhecido.
A doutrina também denomina de exercício desequilibrado de direitos (inciviliter
agere), pois há manifesta desproporção entre a vantagem do titular do direito e o sacrifício
imposto à outra parte, mesmo se não houver intenção de lesar, vale dizer, o titular do direito
age com desconsideração à outra parte contratante (NORONHA, 1994, p. 179)
O ilustre professor Francisco Loureiro, assevera o exercício do direito potestativo de
resolução do contrato deve guardar correlação com a relevância do inadimplemento, sob pena
de se converter em abuso de direito11
.
11
Entendimento retirado da Apelação Cível nº 0003286-03.2010.8.26.0077; Tribunal de Justiça de São Paulo.
19
5.2. A Função Social com fundamento da teoria
O Enunciado nº 361 da IV Jornada de Direito Civil que dispõe, in verbis: 361 – Arts.
421, 422 e 475. O adimplemento substancial decorre dos princípios gerais contratuais, de
modo a fazer preponderar a função social do contrato e o princípio da boa-fé objetiva,
balizando a aplicação do art. 475.
Já nas palavras do Ministro Luis Felipe Salomão:
[...] o contrato deixou de ser a máxima expressão da autonomia da vontade
para se tornar prática social de especial importância, prática essa que o
Estado não pode simplesmente relegar à esfera das deliberações particulares.
Instituto nascido no âmbito do Direito Privado, o contrato passou a ter
colorido publicístico, exigindo do julgador a aplicação, no caso concreto, das
chamadas cláusulas abertas, dentre as quais se destacam a boa-fé-objetiva e a
função social. Vale dizer, não se pode mais conceber o contrato unicamente
como meio de circulação de riquezas. Além disso - e principalmente -, é
forma de adequação e realização social da pessoa humana e meio de acesso a
bens e serviços que lhe dão dignidade (Superior Tribunal de Justiça,
REsp nº 1.051.270/RS, 2011).
Desta feita, para que o contrato cumpra sua função social, seja interna ou externa,
imprescindível que as partes devam buscar durante sua execução a solidariedade, confiança e
cooperação, sendo que na inobservância de qualquer desses deveres anexos, a teoria se aplica
para restabelecer a ordem contratual justa.
5.3. Adimplemento Substancial e a Exceção do Contrato Não Cumprido
Com fundamento no art. 476 do Código Civil12
, “qualquer dos contratantes pode
utilizar-se da exceção do contrato não cumprido (exceptio non adimpleti contractus), para
recusar a sua prestação, ao fundamento de que o demandante não cumpriu a que lhe
competia” (GONÇALVES, 2004, p. 24).
Quando a hipótese for de inadimplemento parcial ou adimplemento incompleto,
estaremos diante da exceptio non rite adimpleti contractus, tratando-se, pois, de uma segunda
espécie de exceção do contrato não cumprido, conforme assevera Flávio Monteiro de Barros:
12
Art. 476: “Nos contratos bilaterais, nenhum dos contratantes, antes de cumprida sua obrigação, pode exigir o
implemento da do outro”.
20
Doutrinariamente, assim se diferenciam as duas exceções: a primeira
(exceptio non adimpleti contractus) pressupõe completa e absoluta
inexecução do contrato, enquanto a segunda [exceptio non rite
adimpleti contractus] tem como pressuposto a execução insuficiente,
defeituosa, diferente ou incompleta (MONTEIRO, 2003, p. 80).
Eduardo Luiz Bussata defende que, na hipótese de exceptio non rite adimpleti
contractus, a teoria do adimplemento substancial deve ser aplicada na exceção do contrato
não cumprido, especialmente como forma de coibir o uso abusivo da exceção, asseverando
que:
Se o descumprimento da parte que está exigindo a prestação for leve, de
pequena importância para a economia contratual, não há dúvida de que será
abusivo o uso de tal exceção. De fato, se o inadimplemento de escassa
importância mantém o vínculo contratual, não permitindo que o contratante
não inadimplente busque dissolver o contrato, faz também com que fique
vedado à parte, abusivamente, alegar o leve descumprimento contratual para
não cumprir com a prestação que lhe cabe (BUSSATA, 2008, p. 105).
Assim, nesta seara a teoria do adimplemento substancial servirá, em suma, como
matéria defensiva àquele que imputar a exceção do contrato não cumprido frente ao
contratante que adimpliu quase na totalidade sua obrigação.
Isso porque, contraria os ditames da boa-fé objetiva a conduta do contratante de
utilizar o direito de exceção, escusando-se de cumprir sua obrigação frente à um mínimo
inadimplemento da parte inadimplente (ROSENVALD, 2011, p. 541-542), dando azo,
inclusive, ao abuso de direito, vedado expressamente no nosso ordenamento como ato
ilícito13
.
Assim, na exceptio non rite adimpleti contractus, quando tratar-se de um pequeno
descumprimento, ou de escassa importância, este inadimplemento não pode sustar a
exigibilidade de toda a prestação do outro contratante, sob pena de converter-se em abuso do
direito.
13
Art. 187 do Código Civil
21
Cumpre esclarecer que, caso a caso, urge a necessidade sempre de precisar a
proporcionalidade entre a inexecução da contraparte e o exercício da exceção
(ROSENVALD, 2011, p. 542)
Neste sentido, Ruy Rosado de Aguiar Júnior, ensina que o exemplo mais significativo
desse abuso, na função de controle do princípio da boa-fé objetiva é:
[...] o da proibição do exercício do direito de resolver o contrato por
inadimplemento ou suscitar a exceção de contrato não cumprido, quando o
incumprimento é insignificante em relação ao contrato total. O princípio do
adimplemento substancial, derivado da boa-fé, exclui a incidência da regra
legal que permite a resolução quando não verificada a integralidade do
adimplemento (AGUIAR JÚNIOR, 2003 p. 252).
De igual modo, seja para aplicar a Teoria do Adimplemento Substancial, seja para
afastá-la, imperando a arguição da contraparte de exceção de inadimplemento, o Superior
Tribunal de Justiça vem mantendo o mesmo entendimento quanto a necessidade de verificar
no caso concreto a proporcionalidade entre a inexecução do inadimplente e o exercício da
exceção da contraparte:
RECURSO ESPECIAL. CIVIL. EXCEÇÃO DO CONTRATO NÃO
CUMPRIDO. DESCUMPRIMENTO PARCIAL DA AVENÇA. ESCASSA
IMPORTÂNCIA. 1. Em havendo mora de um contratante (vendedor) de
escassa importância, relativa a débito de IPTU, a suspensão indefinida do
pagamento por parte do outro contratante (comprador) de importância de
aproximadamente um milhão de reais, já estando aquele gravame tributário
liquidado, com sua manutenção na posse do bem (imóvel), a exceptio
favorece ao primeiro, acarretando a rescisão da avença. 2. A exceção,
consoante a melhor doutrina, não pode "ser levada ao extremo de acobertar o
descumprimento sob invocação de haver o outro deixado de executar parte
mínima ou irrelevante da que é a seu cargo". 3. Recurso especial conhecido.
(RESP Nº 883.990 - RJ [2006/0159555-1])
No mesmo sentido: REsp 1200105.
Verifica-se que, ocorrendo inadimplemento de escassa importância, baseada em
comparação com a obrigação da contraparte, esta não poderá invocar a exceção do contrato
não cumprido para escusar-se do seu dever contratual, pois àquela haveria cumprido
substancialmente o contrato.
22
Destarte, além de ilidir a resolução do contrato, o adimplemento substancial
desautoriza o exercício da exceção de contrato não cumprido nas hipóteses vistas, mesmo
porque a exceção sempre esteve vinculada a equivalência das prestações, inclusive no que
tange ao grau de importância entre elas.
Dessa forma, somente restará a contraparte que arguiu a exceção, e porquanto
lesionada pelo inadimplemento, o direito de buscar em juízo a execução da parte inadimplida,
acrescida de perdas e danos, se o caso.
5.3. Valoração do inadimplemento e parâmetros utilizados para aplicação da
teoria.
Durante o trabalho, muito foi falado à respeito do inadimplemento, sendo certo que a
partir de tal analise se verificará a substancialidade do adimplemento ou, ao revés, a
insignificância do inadimplemento, este último denominado como doutrinariamente como de
“escassa importância”14
e imprescindível para aplicação da teoria.
O problema está, pois, nos parâmetros que devem ser utilizados pelo julgador para
averiguar se o inadimplemento é de “escassa importância”. Embora obviamente seja uma
questão de extrema subjetividade, devendo a verificação da importância ou não ser realizada
no caso concreto, o que se busca nesse momento são alguns parâmetros que possam de
alguma forma auxiliar o magistrado.
Assim, poderíamos considerar que o pagamento de 98% do preço devido no contrato
de compra e venda seja substancial, não permitindo a resolução pelo inadimplemento de
insignificante importância e, portanto, considerar a referida porcentagem como um parâmetro
fixo para aplicação da teoria.
Contudo, como já foi dito, a questão é de extrema subjetividade, e porquanto sendo
imprescindível sua análise ao caso em concreto para analisar o inadimplemento não só quanto
14
Expressão muito utilizada por Eduardo Luiz Bussata, em Resolução dos Contratos e Teoria do Adimplemento
Substancial. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 2008.
23
à sua extensão, mas sim sua intensidade e demais características para sua adjetivação de
escassa importância.
Por oportuno, basta imaginarmos no exemplo acima que a venda tenha ocorrido na
modalidade ad mensuram, na qual o art. 500, §1º, do Código Civil, concede o direito ao
comprador de resolver o contrato inobstante o pequeno descumprimento, para constatarmos
que o inadimplemento dos 2% seria totalmente relevante e afastaria a aplicação da teoria.
Na tentativa de amenizar o problema, a doutrina aponta dois critérios para valorar o
inadimplemento de escassa importância e consequentemente utilizar como parâmetro a
aplicação da teoria (BUSSATA, 2008, p. 108).
O primeiro critério, denominado como subjetivo, baseia-se na vontade hipotética do
contratante não inadimplente, medindo o interesse no plano do interessado. Assim, seria
considerado grave o inadimplemento, dando azo à resolução, quando o julgador pudesse
concluir que a parte inadimplente não realizaria a contratação se suspeitasse que o respectivo
inadimplemento pudesse vir a ocorrer (BUSSATA, 2008, p. 108).
O segundo critério, de caráter objetivo, deixa de lado qualquer valoração subjetiva que
o próprio contratante possa fazer do seu interesse, levando em conta a economia do contrato, a
totalidade da relação existente e o desequilíbrio ocasionado pelo descumprimento, fazendo,
em suma, uma comparação entre tudo o que fora programado no contrato e aquilo que
efetivamente foi realizado (BUSSATA, 2008, p. 109-110).
Em algumas decisões do Superior Tribunal de Justiça, é possível verificar a
utilização dessa última valoração, ao entender que “o cumprimento do contrato de
financiamento, com a falta apenas da última prestação, não autoriza ai credor lançar mão da
ação de busca e apreensão, em lugar da cobrança da parcela faltante”15
, hipótese na qual o
valor inadimplido correspondia a menos de 20% do devido, bem como que “não viola a lei a
decisão que indefere o pedido de liminar de busca e apreensão considerando o pequeno valor
15
REsp 272.739-MG, rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, 4ª Turma, j. 01/03/2001.
24
da dívida em relação ao valor do bem”16
e “a seguradora não pode dar por extinto o contrato
de seguro, por falta de pagamento da última parcela do prêmio”17
Destarte, a jurisprudência brasileira vem utilizando o critério objetivo, notadamente
nos contratos de execução diferida, acorde verificou dos julgados colacionados, sendo este
quase que matemático, pois os julgados têm levado em consideração o adimplemento
realizado e a aproximação com aquele que efetivamente deveria ser realizado de acordo com
o contrato e, em seguida, analisa se o inadimplemento prejudicou a função econômico-social,
ou se o cumprimento imperfeito ainda sim permita que cumpra essa função.
Todavia, questão que insurge, seria o fato do inadimplemento versar apenas e tão
somente sobre dever acessório ou lateral do contrato. Nesta hipótese estaria o inadimplemento
apto a ensejar a resolução aplicando-se a teoria?
Analise Becker assevera que haveria direito de resolução na hipótese da compra de um
vestido de estilista famoso, na qual a exclusividade prometida foi descumprida, pois, mesmo
que a obrigação principal tenha sido cumprida (entrega do vestido), o dever acessório
(obrigação de não fazer) de exclusividade, não cumprido, esta apto a ensejar a resolução
(BECKER, 1993, p. 64).
Contrariando Autora o exemplo utilizado por Becker, Eduardo Luiz Bussata afirma
que o descumprimento do referido dever acessório de exclusividade não acarreta a inutilidade
da prestação principal, bem como não impede a realização do resultado típico, pelo que a
resolução deve ser afasta com base na teoria do adimplemento substancial, restando aberta
simplesmente a via ressarcitória para satisfação do lesionado (BUSSATA, 2008, p. 127).
16
REsp 469.577-SC, rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, 4ª Turma, j. 25/03/2003.
17
REsp 76.362-MG, rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, 4ª Turma, j. 25/03/2003.
25
8. Conclusão
Seja baseado em cláusula resolutiva expressa ou no próprio direito potestativo
insculpido no artigo 475 do Código Civil, já não mais se sustenta ao credor pedir a resolução
do contrato, ao seu critério, pelo simples fato do inadimplemento do devedor.
Para que o contrato seja resolvido, imprescindível minuciosa análise da relação
jurídica contratual, caso a caso, avaliando julgador se o inadimplemento foi de tamanha
envergadura que prejudicou a função econômico-social do negócio, tornando-o totalmente
desinteressante para o credor o recebimento da prestação.
Não se deixou de aplicar as regras contidas nos artigos 474 e 475 do Código Civil,
tampouco tenham caído em desuso, apenas demonstrou a necessidade do julgador na
observância de princípios de natureza cível-constitucional, notadamente a boa-fé objetiva e a
função social do contrato, sob pena de converter o seu uso em abuso de direito (art. 187, CC).
A vedação do uso desproporcional do direito de resolução, isto é, quando o
inadimplemento for de escassa importância que não abale a economia do contrato, encontrou
total fundamento na boa-fé objetiva, na função limitativa do exercício de direitos que,
justamente por isso, está estritamente ligada à teoria do abuso de direito.
No decorrer do estudo, foi possível verificar o surgimento de dois critérios para a
análise da gravidade do inadimplemento para afastar a resolução do contrato e,
consequentemente, a aplicação da teoria do adimplemento substancial. Um objetivo e outro
subjetivo.
A jurisprudência brasileira vem utilizando o primeiro deles, notadamente nos
contratos de execução diferida, acorde verificou dos julgados colacionados. Quase que
matemático, o parâmetro objetivo leva em consideração o adimplemento realizado e a
aproximação com aquele que efetivamente deveria ser realizado de acordo com o contrato.
26
Em seguida, o julgador analisa se o inadimplemento prejudicou a função econômico-
social, ou se o cumprimento imperfeito ainda sim permita que cumpra essa função, também
denominado pela doutrina como “Teoria da Causa” do contrato.
Na hipótese de exceptio non rite adimpleti contractus, a teoria do adimplemento
substancial pode ser aplicada na exceção do contrato não cumprido, especialmente como
forma de coibir o uso abusivo da exceção, encontrando, mais uma vez, fundamento na boa-fé
objetiva e teoria do abuso de direito, na medida em que afasta o direito do credor sustar sua
prestação frente à um mínimo inadimplemento da parte inadimplente.
Quanto aos deveres acessórios ou laterais, verificou-se a necessidade de constatar
objetivamente se o inadimplemento do respectivo dever causa inutilidade da prestação
principal, ao revés, o direito de resolução deverá ser excluído com fundamento na teoria, com
base quase que nos mesmos parâmetros utilizados pela jurisprudência para valorar a
gravidade do inadimplemento.
27
BIBLIOGRAFIA
AGUIAR JUNIOR, Ruy Rosado de Aguiar. Extinção dos Contratos por Incumprimento do
Devedor, 2ª. Edição. Rio de Janeiro: AIDE, 2003.
ASSIS, Araken de. Resolução do Contrato por Inadimplemento. 3. ed. São Paulo: RT, 1999.
BARROS, Flávio A. Monteiro de. Manual de direito civil, direito das obrigações e contratos.
2. Ed. São Paulo: Método, 2008.
BECKER, Anelise. “A Doutrina do Adimplemento Substancial no Direito Brasileiro e em
Perspectiva Comparativista”. Revista da Faculdade de Direito da UFRGS, V. 9, nº 1. Porto
Alegre: Livraria do Advogado, 1993, p. 60-77.
BRASIL. REsp 76.362-MG, Rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, Quarta Turma, julgado em
25/03/2003, Brasília
BRASIL. REsp 272.739/MG, Rel. Ministro Ruy Rosado de Aguiar Junior, Quarta Turma,
julgado em 01/03/2001, DJ 02/04/2001, Brasília. p. 299.
BRASIL. REsp 469.577-SC, Rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, Quarta Turma, julgado em
25/03/2003, Brasília.
BRASIL. REsp nº 1.051.270/RS, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado
em 04/08/2011 - Informativo STJ 480, 12/08/2011, Brasília.
BUSSATA, Eduardo Luiz. Resolução dos Contratos e Teoria do Adimplemento Substancial.
2ª ed. São Paulo: Saraiva, 2008.
CHARAF BDINE JR, Hamid. Código Civil Comentado, Coordenação do Ministro Cézar
Peluso, 5ª ed. Barueri/SP: Manole, 2011.
28
GOMES, Orlando. Contratos. 26. ed. rev., atual. e aum. de acordo com o Código Civil de
2002. Atualizadores Antônio Junqueira de Azevedo e Francisco Paulo De Crescenzo Marino.
Coordenador Edvaldo Brito. Rio de Janeiro: Forense, 2007.
GONÇALVES, Carlos Roberto. Sinopses Jurídicas, Direito das Obrigações, Parte Especial -
Tomo I, Vl. 6. São Paulo: Saraiva, 2004.
Gustavo Tepedino e Anderson Schreiber, Os Efeitos da Constituição em Relação à Cláusula
da Boa-fé no Código de Defesa do Consumidor e no Código Civil, in Revista da EMERJ, vol.
6, Rio de Janeiro, 2003.
MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor, o novo regime
de relações contratuais. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004.
MARTINS-COSTA, Judith. A boa-fé no direito privado. 1. ed. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2000
MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de Direito civil: direito das obrigações, 2ª parte.
34. ed. rev. e atual. por Carlos Alberto Dabus Maluf e Regina Beatriz Tavares da Silva, vol. 5.
São Paulo: Saraiva, 2003.
NORONHA, Fernando. Direito dos Contratos e seus princípios fundamentais: autonomia
privada, boa-fé, justiça contratual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1994.
ROSENVALD, Nelson. Código Civil Comentado, Coordenação do Ministro Cézar Peluso, 5ª
ed. Barueri/SP: Manole, 2011.
TEPEDINO, Gustavo. Temas de Direito Civil, Tomo II. Rio de Janeiro: Renovar, 2006.

Mais conteúdo relacionado

Mais procurados

Contratos Comerciais, Direito Comercial - Introdução - Fontes das obrigações,...
Contratos Comerciais, Direito Comercial - Introdução - Fontes das obrigações,...Contratos Comerciais, Direito Comercial - Introdução - Fontes das obrigações,...
Contratos Comerciais, Direito Comercial - Introdução - Fontes das obrigações,...A. Rui Teixeira Santos
 
Introdução ao Direito dos Contratos, Prof. Doutor Rui Teixeira Santos, INP, 2016
Introdução ao Direito dos Contratos, Prof. Doutor Rui Teixeira Santos, INP, 2016Introdução ao Direito dos Contratos, Prof. Doutor Rui Teixeira Santos, INP, 2016
Introdução ao Direito dos Contratos, Prof. Doutor Rui Teixeira Santos, INP, 2016A. Rui Teixeira Santos
 
Processo civil | Execução 1
Processo civil | Execução 1Processo civil | Execução 1
Processo civil | Execução 1Elder Leite
 
Revista mp mg invalidaçao termo
Revista mp   mg invalidaçao termoRevista mp   mg invalidaçao termo
Revista mp mg invalidaçao termograzi87
 
Palestra sobre a Reforma Trabalhista - André Araujo Molina
Palestra sobre a Reforma Trabalhista - André Araujo MolinaPalestra sobre a Reforma Trabalhista - André Araujo Molina
Palestra sobre a Reforma Trabalhista - André Araujo MolinaWagson Filho
 
Jose Antonio - Seminário 4 dezembro de 2012
Jose Antonio - Seminário 4 dezembro de 2012Jose Antonio - Seminário 4 dezembro de 2012
Jose Antonio - Seminário 4 dezembro de 2012institutoethos
 
3610167 resumo de_processo_civil.docx
3610167 resumo de_processo_civil.docx3610167 resumo de_processo_civil.docx
3610167 resumo de_processo_civil.docxRachel Monroe
 
3. Cláusulas Contratuais Gerais FDUNL
3. Cláusulas Contratuais Gerais FDUNL3. Cláusulas Contratuais Gerais FDUNL
3. Cláusulas Contratuais Gerais FDUNLDiogo Morgado Rebelo
 
Recurso da prova objetiva - TRT8
Recurso da prova objetiva - TRT8Recurso da prova objetiva - TRT8
Recurso da prova objetiva - TRT8Wagson Filho
 
Recurso da prova objetiva - TRT2
Recurso da prova objetiva - TRT2Recurso da prova objetiva - TRT2
Recurso da prova objetiva - TRT2Wagson Filho
 

Mais procurados (20)

AULA 06 OAB XX PROCESSO CIVIL ESTRATÉGIA
AULA 06 OAB XX PROCESSO CIVIL ESTRATÉGIAAULA 06 OAB XX PROCESSO CIVIL ESTRATÉGIA
AULA 06 OAB XX PROCESSO CIVIL ESTRATÉGIA
 
11 contratos
11 contratos11 contratos
11 contratos
 
AULA 01 OAB XX PROCESSO CIVIL ESTRATÉGIA
AULA 01 OAB XX PROCESSO CIVIL ESTRATÉGIAAULA 01 OAB XX PROCESSO CIVIL ESTRATÉGIA
AULA 01 OAB XX PROCESSO CIVIL ESTRATÉGIA
 
Contratos Comerciais, Direito Comercial - Introdução - Fontes das obrigações,...
Contratos Comerciais, Direito Comercial - Introdução - Fontes das obrigações,...Contratos Comerciais, Direito Comercial - Introdução - Fontes das obrigações,...
Contratos Comerciais, Direito Comercial - Introdução - Fontes das obrigações,...
 
Introdução ao Direito dos Contratos, Prof. Doutor Rui Teixeira Santos, INP, 2016
Introdução ao Direito dos Contratos, Prof. Doutor Rui Teixeira Santos, INP, 2016Introdução ao Direito dos Contratos, Prof. Doutor Rui Teixeira Santos, INP, 2016
Introdução ao Direito dos Contratos, Prof. Doutor Rui Teixeira Santos, INP, 2016
 
Processo civil | Execução 1
Processo civil | Execução 1Processo civil | Execução 1
Processo civil | Execução 1
 
Revista mp mg invalidaçao termo
Revista mp   mg invalidaçao termoRevista mp   mg invalidaçao termo
Revista mp mg invalidaçao termo
 
Palestra sobre a Reforma Trabalhista - André Araujo Molina
Palestra sobre a Reforma Trabalhista - André Araujo MolinaPalestra sobre a Reforma Trabalhista - André Araujo Molina
Palestra sobre a Reforma Trabalhista - André Araujo Molina
 
Jose Antonio - Seminário 4 dezembro de 2012
Jose Antonio - Seminário 4 dezembro de 2012Jose Antonio - Seminário 4 dezembro de 2012
Jose Antonio - Seminário 4 dezembro de 2012
 
Contratos
ContratosContratos
Contratos
 
3610167 resumo de_processo_civil.docx
3610167 resumo de_processo_civil.docx3610167 resumo de_processo_civil.docx
3610167 resumo de_processo_civil.docx
 
3. Cláusulas Contratuais Gerais FDUNL
3. Cláusulas Contratuais Gerais FDUNL3. Cláusulas Contratuais Gerais FDUNL
3. Cláusulas Contratuais Gerais FDUNL
 
Direito Civil Contratos
Direito Civil ContratosDireito Civil Contratos
Direito Civil Contratos
 
AULA 08 OAB XX PRODESSO CIVIL ESTRATÉGIA
AULA 08 OAB XX PRODESSO CIVIL ESTRATÉGIAAULA 08 OAB XX PRODESSO CIVIL ESTRATÉGIA
AULA 08 OAB XX PRODESSO CIVIL ESTRATÉGIA
 
Recurso da prova objetiva - TRT8
Recurso da prova objetiva - TRT8Recurso da prova objetiva - TRT8
Recurso da prova objetiva - TRT8
 
Carencia da ação
Carencia da açãoCarencia da ação
Carencia da ação
 
1 aula contratos
1 aula contratos 1 aula contratos
1 aula contratos
 
2303
23032303
2303
 
Recurso da prova objetiva - TRT2
Recurso da prova objetiva - TRT2Recurso da prova objetiva - TRT2
Recurso da prova objetiva - TRT2
 
Esquemas de Teoria do Processo A3
Esquemas de Teoria do Processo A3Esquemas de Teoria do Processo A3
Esquemas de Teoria do Processo A3
 

Semelhante a Teoria do Adimplemento Substancial: quando o inadimplemento não prejudica a função econômica do contrato

A Transmissibilidade Da Cl Usula Arbitral Diante Da Cess O De Posi O Contratual
A Transmissibilidade Da Cl Usula Arbitral Diante Da Cess O De Posi  O ContratualA Transmissibilidade Da Cl Usula Arbitral Diante Da Cess O De Posi  O Contratual
A Transmissibilidade Da Cl Usula Arbitral Diante Da Cess O De Posi O ContratualJennifer Strong
 
Nat jur tac
Nat jur tacNat jur tac
Nat jur tacgrazi87
 
Marcel alexandre
Marcel alexandreMarcel alexandre
Marcel alexandregrazi87
 
Prazo contratual diogenes-gasparini
Prazo contratual diogenes-gaspariniPrazo contratual diogenes-gasparini
Prazo contratual diogenes-gaspariniEliz Evan
 
Revista juridica tac demetrius
Revista juridica tac   demetriusRevista juridica tac   demetrius
Revista juridica tac demetriusgrazi87
 
José Antonio Fichtner - Alegação Convenção de Arbitragem no novo CPC.docx
José Antonio Fichtner - Alegação Convenção de Arbitragem no novo CPC.docxJosé Antonio Fichtner - Alegação Convenção de Arbitragem no novo CPC.docx
José Antonio Fichtner - Alegação Convenção de Arbitragem no novo CPC.docxJosé Antonio Fichtner
 
Os embargos a execução fiscale seu efeito suspensivo
Os embargos a execução fiscale seu efeito suspensivoOs embargos a execução fiscale seu efeito suspensivo
Os embargos a execução fiscale seu efeito suspensivoRafael Tonholi
 
Natureza jur tac
Natureza jur tacNatureza jur tac
Natureza jur tacgrazi87
 
Introdução ao Direito dos Contratos, prof. doutor Rui Teixeira Santos (INP,...
Introdução ao Direito dos Contratos, prof. doutor Rui Teixeira Santos (INP,...Introdução ao Direito dos Contratos, prof. doutor Rui Teixeira Santos (INP,...
Introdução ao Direito dos Contratos, prof. doutor Rui Teixeira Santos (INP,...A. Rui Teixeira Santos
 
Prescriçao e a fiança- entragar.docx
Prescriçao e a fiança- entragar.docxPrescriçao e a fiança- entragar.docx
Prescriçao e a fiança- entragar.docxEstanislaudeaguilarN
 
Impugnação ou réplica no processo do trabalho
Impugnação ou réplica no processo do trabalhoImpugnação ou réplica no processo do trabalho
Impugnação ou réplica no processo do trabalhojoanetho
 
Dialnet efetividade dot
Dialnet efetividade dotDialnet efetividade dot
Dialnet efetividade dotgrazi87
 
Ações dos Níveis Salariais possibilidade de Acordo
Ações dos Níveis Salariais possibilidade de AcordoAções dos Níveis Salariais possibilidade de Acordo
Ações dos Níveis Salariais possibilidade de AcordoNathan Camelo
 
Apresentação fernanda
Apresentação fernandaApresentação fernanda
Apresentação fernandaNathan Camelo
 

Semelhante a Teoria do Adimplemento Substancial: quando o inadimplemento não prejudica a função econômica do contrato (20)

AULA OAB XX ESTRATÉGIA DIREITO CIVIL 04
AULA OAB XX ESTRATÉGIA DIREITO CIVIL 04AULA OAB XX ESTRATÉGIA DIREITO CIVIL 04
AULA OAB XX ESTRATÉGIA DIREITO CIVIL 04
 
Contratos vol 1
Contratos vol 1Contratos vol 1
Contratos vol 1
 
A Transmissibilidade Da Cl Usula Arbitral Diante Da Cess O De Posi O Contratual
A Transmissibilidade Da Cl Usula Arbitral Diante Da Cess O De Posi  O ContratualA Transmissibilidade Da Cl Usula Arbitral Diante Da Cess O De Posi  O Contratual
A Transmissibilidade Da Cl Usula Arbitral Diante Da Cess O De Posi O Contratual
 
Nat jur tac
Nat jur tacNat jur tac
Nat jur tac
 
Marcel alexandre
Marcel alexandreMarcel alexandre
Marcel alexandre
 
Prazo contratual diogenes-gasparini
Prazo contratual diogenes-gaspariniPrazo contratual diogenes-gasparini
Prazo contratual diogenes-gasparini
 
Revista juridica tac demetrius
Revista juridica tac   demetriusRevista juridica tac   demetrius
Revista juridica tac demetrius
 
Arbitragem, TCU e Risco Regulatório
Arbitragem, TCU e Risco RegulatórioArbitragem, TCU e Risco Regulatório
Arbitragem, TCU e Risco Regulatório
 
José Antonio Fichtner - Alegação Convenção de Arbitragem no novo CPC.docx
José Antonio Fichtner - Alegação Convenção de Arbitragem no novo CPC.docxJosé Antonio Fichtner - Alegação Convenção de Arbitragem no novo CPC.docx
José Antonio Fichtner - Alegação Convenção de Arbitragem no novo CPC.docx
 
Os embargos a execução fiscale seu efeito suspensivo
Os embargos a execução fiscale seu efeito suspensivoOs embargos a execução fiscale seu efeito suspensivo
Os embargos a execução fiscale seu efeito suspensivo
 
Natureza jur tac
Natureza jur tacNatureza jur tac
Natureza jur tac
 
Introdução ao Direito dos Contratos, prof. doutor Rui Teixeira Santos (INP,...
Introdução ao Direito dos Contratos, prof. doutor Rui Teixeira Santos (INP,...Introdução ao Direito dos Contratos, prof. doutor Rui Teixeira Santos (INP,...
Introdução ao Direito dos Contratos, prof. doutor Rui Teixeira Santos (INP,...
 
AULA OAB XX ESTRATÉGIA DIREITO CIVIL 02
AULA OAB XX ESTRATÉGIA DIREITO CIVIL 02AULA OAB XX ESTRATÉGIA DIREITO CIVIL 02
AULA OAB XX ESTRATÉGIA DIREITO CIVIL 02
 
Prescriçao e a fiança- entragar.docx
Prescriçao e a fiança- entragar.docxPrescriçao e a fiança- entragar.docx
Prescriçao e a fiança- entragar.docx
 
Impugnação ou réplica no processo do trabalho
Impugnação ou réplica no processo do trabalhoImpugnação ou réplica no processo do trabalho
Impugnação ou réplica no processo do trabalho
 
A catividade nos contratos de longa duração
A catividade nos contratos de longa duraçãoA catividade nos contratos de longa duração
A catividade nos contratos de longa duração
 
Dialnet efetividade dot
Dialnet efetividade dotDialnet efetividade dot
Dialnet efetividade dot
 
Aula01 28jan
Aula01 28janAula01 28jan
Aula01 28jan
 
Ações dos Níveis Salariais possibilidade de Acordo
Ações dos Níveis Salariais possibilidade de AcordoAções dos Níveis Salariais possibilidade de Acordo
Ações dos Níveis Salariais possibilidade de Acordo
 
Apresentação fernanda
Apresentação fernandaApresentação fernanda
Apresentação fernanda
 

Teoria do Adimplemento Substancial: quando o inadimplemento não prejudica a função econômica do contrato

  • 1. FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS - GVlaw TEORIA DO ADIMPLEMENTO SUBSTANCIAL DO CONTRATO São Paulo 2013
  • 2. FERNANDO PEREIRA ALQUALO TEORIA DO ADIMPLEMENTO SUBSTANCIAL DO CONTRATO Trabalho de Conclusão de Curso apresentado como requisito para obtenção do título de especialista em Direito Civil pela Fundação Getúlio Vargas – FGV. Orientador: Prof. Francisco Eduardo Loureiro São Paulo 2013
  • 3. RESUMO O presente trabalho estuda a Teoria do Adimplemento Substancial do Contrato, abordando os princípios que deram a sua origem (boa-fé objetiva e função social do contrato). Também foi abordada a teoria frente aos direitos da contraparte do negócio, como o direito potestativo de resolução do contrato e a exceção do contrato não cumprido. Os pontos abordados buscam esclarecer ao leitor uma melhor análise sobre quando, como e porque deve ocorrer a aplicação da teoria, bem como a importância do adimplemento substancial. Para tanto, num primeiro momento o trabalho versou sobre a definição dos princípios e dos demais institutos, através da pesquisa das mais renomadas obras sobre os temas. Após, foi estudada a teoria propriamente dita, direcionando o modo da sua efetiva aplicação prática, nos mais diversificados contratos que são levados para discussão no judiciário, em especial no Superior Tribunal de Justiça e Tribunal de Justiça de São Paulo. Constatou-se, como principais conclusões, que a aplicação da teoria visa coibir o abuso de direito e preservar os princípios contratuais da boa-fé objetiva e função social, notadamente quando o inadimplemento não prejudicar a função econômico-social do contrato, utilizando-se como parâmetro para configuração do adimplemento substancial a teoria da causa. Palavras-chave: Adimplemento – Contrato - Inadimplemento – Resolução – Substancial. ABSTRACT This paper studies the Theory Fulfillment Substantial Contract, addressing the principles that have their origin (objective good faith and social function of the contract). Also addressed was the theory forward to the rights of the counterparty's business, as potestative the right to terminate the contract and the contract is not fulfilled exception. The issues addressed are seeking to clarify the reader a better analysis about when, how and why should occur the application of theory, and the importance of due performance substantially. Therefore, at first the work was about the definition of the principles and other institutes through research of the most renowned works on the subjects. After we studied the theory itself, directing the mode of its effective practical application, in most diversified contracts that are taken for discussion in the judiciary, especially in the Superior Court of Justice and Court of São Paulo. It has, as its main conclusions, that the application of the theory aims to curb the abuse of law and preserve the principles of contractual good faith and objective social function, especially when the default does not impair the function of the economic and social contract, using as a parameter for setting fulfillment substantial cause theory. Keywords: Fulfillment - Contract - Default - Resolution - Substantial.
  • 4. SUMÁRIO 1. Introdução........................................................................................................................4 2. Formas de Extinção dos Contratos.................................................................................6 3. Princípio da Boa-Fé Objetiva........................................................................................11 4. Princípio da Função Social do Contrato........................................................................14 5. Teoria do Adimplemento Substancial...........................................................................16 5.1 Boa-fé objetiva como fundamento da teoria 5.2 Função Social como fundamento da teoria 5.3 A Teoria e Exceção do Contrato não Cumprido 5.4 Valoração do inadimplemento e parâmetros utilizados para aplicação da teoria 6. Conclusão......................................................................................................................25 7. Bibliografia....................................................................................................................27
  • 5. 4 1. Introdução A Teoria do Adimplemento Substancial do Contrato teve sua origem basicamente através dos princípios da boa-fé objetiva e função social. Entende a doutrina e o Judiciário, em alguns casos, que face ao adimplemento pelo devedor de quase a totalidade das obrigações pactuadas no contrato, injusta seria a resolução do contrato pelo inadimplemento das restantes. Considera-se relevante o tema apresentado, porque nos dias atuais muitos são os contratos de execução diferida em que a obrigação do devedor está dividida em prestações, como por exemplo, o financiamento de um veículo em 60 (sessenta) parcelas mensais. Não raro nessa hipótese, o devedor cumpre pontualmente com o pagamento de quase a totalidade das prestações, porém, deixa de adimplir com as pouquíssimas parcelas restantes. Baseadas em expressas disposição contidas no contrato, ainda utilizando o exemplo, a financeira extingue automaticamente o contrato e aciona o judiciário pleiteando a busca e apreensão ou reintegração de posse do bem. O problema a ser enfrentado, está consubstanciado em identificar quando realmente o contrato pode ser considerado pelo judiciário como adimplido substancialmente de modo a evitar sua resolução. Torna-se ainda mais importante o tema, considerando que a teoria está calcada em princípios de caráter extremamente subjetivos, e relativamente novos, o que certamente dificulta a sua aplicação. Utilizando-se ainda o exemplo do contrato de financiamento, quantas parcelas pagas pontualmente pelo devedor seriam aptas a caracterizar o Adimplemento Substancial? Há uma média de porcentagem (do cumprimento das obrigações) que o Judiciário serve de parâmetro nos casos em que as prestações não são iguais? Esse parâmetro pode ser utilizado? E se o devedor sempre efetuou os pagamentos com atraso, aplica-se a teoria?
  • 6. 5 Pretende-se também o enfrentamento do problema, no que tange a aplicação da teoria sob o prisma da obrigação acessória ou dos deveres anexos ou laterais do contrato, isto é, o estudo abordará também se o adimplemento substancial refere-se tão somente a obrigação principal e expressamente contratual. O presente trabalho visa, pois, o estudo da aplicação da Teoria em casos práticos levados ao Judiciário, sem perder o enfoque dos princípios que a norteiam, pois estes são a razão de sua existência e derradeiramente o fundamento da aplicação.
  • 7. 6 2. Formas de Extinção do Contrato Com o cumprimento integral de todas as obrigações pactuadas, a finalidade do contrato estará alcançada e consequentemente ocorre sua extinção por morte natural (GOMES, 2007, p.202). No entanto, há hipóteses em que no curso de sua execução, e antes do cumprimento de todas as obrigações estipuladas, o contrato possa ser extinto por meio de uma das formas previstas em lei: rescisão, resilição ou resolução. De antemão, importante destacarmos o problema da terminologia utilizada pelo legislador no Código Civil, visto que em muitos casos, quando na verdade trata-se da hipótese de resolução, o legislador empregou o vocábulo rescisão. Quiçá por conta disso, o referido vocábulo tenha caído no gosto popular, sendo utilizado pelas pessoas para se referir a qualquer hipótese em que haja a extinção do contrato, ora quando o caso seja de resilição unilateral, onde costumeiramente identificamos o emprego da palavra rescisão utilizada para estipular no contrato a faculdade prevista no art. 473 do Código Civil, ora nas demandas judiciais quando quer-se aludir a resolução por inadimplemento de um dos contratantes. Entretanto, a doutrina majoritária já pacificou o entendimento que a terminologia rescisão deverá apenas ser empregada nas hipóteses de lesão (art. 156) ou estado de perigo (art. 157), visto que a tutela rescisória somente servirá para sanar vício contemporâneo a formação do contrato, isto é, já existente no momento da sua formação, diferindo totalmente da Resilição e Resolução onde as causas são supervenientes à sua formação (ASSIS, 1999, p.77). Quanto à extinção do contrato pela modalidade da resilição, esta poderá ocorrer de duas formas: Resilição Bilateral ou Resilição Unilateral.
  • 8. 7 A Resilição Bilateral, denominada como Distrato, visa a desconstituição do negócio jurídico celebrado, através de manifestação das partes contratantes, dada pela mesma forma exigida para o respectivo contrato, se extinguido, assim, todos os seus efeitos1 . Por seu turno, a Resilição Unilateral é meio de extinção do contrato pela vontade exclusiva de uma das partes, conferida em razão na natureza do próprio negócio ou nos casos caso em que a lei permita, operando-se pela simples notificação à outra parte2 . Exemplo clássico de resilição unilateral é a denúncia vazia prevista no art. 6ª da lei 8.245/91 (lei do inquilinato), na qual faculta-se ao locatário no contrato por prazo indeterminado denunciá-lo mediante simples notificação com antecedência mínima de 30 (trinta) dias3 . Cabe salientar, que o parágrafo único do art. 473 do Código Civil, restringe a faculdade da imediata resilição unilateral, quando uma das partes houver feito consideráveis investimentos para a execução do contrato, preceituando que nesses casos a denúncia unilateral só produzirá efeitos após o prazo compatível com a natureza e vulto dos investimentos. Quanto à resolução como meio de extinção do contrato, o Código Civil prevê a possibilidade nas hipóteses de incumprimento do devedor ou pela onerosidade excessiva suportada por um dos contratantes4 . De acordo com o escopo do trabalho aqui proposto, nos interessa o estudo apenas da resolução do contrato pela primeira hipótese de resolução, isto é, pelo inadimplemento do devedor. Nesse caso, segundo o dispositivo legal, a referida resolução é alternativa conferida ao contratante (credor da obrigação) para a extinção do vínculo contratual, quando a outra parte 1 Art. 472 do Código Civil e art. 9ª, inciso I, da lei 8.245/91. 2 Art. 473 do Código Civil. 3 Art. 6º O locatário poderá denunciar a locação por prazo indeterminado mediante aviso por escrito ao locador, com antecedência mínima de trinta dias. 4 Art. 474, 475 e 478 do Código Civil.
  • 9. 8 (devedor) descumprir a prestação ou dever que estava obrigada, sendo o inadimplemento, porquanto, pressuposto para a ocorrência da resolução. Assim, a resolução vincula-se aos contratos bilaterais, onde há reciprocidade entre a prestação de uma parte e a contraprestação da outra, podendo ser decorrente de cláusula expressa ou tácita5 . A cláusula resolutiva expressa “concerne à uma previsão contratual de imediata resolução em caso de inadimplemento da parte. Trata-se de direito negocial à resolução, contido na própria avença ou em documento posterior, que emana da inexecução de uma ou mais prestações” (ROSENVALD, Nelson. Código Civil Comentado, Coordenação do Ministro Cézar Peluso, 5ª ed. Barueri/SP: Manole, 2011, p. 538). Segundo o mesmo autor, não tendo sido estipulada cláusula resolutiva expressa, subentende-se a existência de cláusula resolutiva implícita nos contrato bilaterais, onde o lesado necessariamente deverá interpelar o devedor para constituí-lo em mora antes de propugnar a resolução contratual. Como visto, além da existência de um contrato bilateral válido, a resolução necessariamente depende do inadimplemento pelo devedor, sendo de suma importância tais definições para o deslinde do trabalho. Contratos Bilaterais, por sua vez, são aqueles que os contratantes possuem obrigações recíprocas, na medida em que são simultaneamente credores e devedores do outro, dotados de direitos e obrigações e, portanto, são sinalagmáticos (GONÇALVES, 2004, pag. 23). Exemplo clássico é o contrato de compra e venda, seja de bem móvel ou imóvel, no qual o vendedor se obriga a entregar o bem, quando do recebimento do preço pelo comprador. Não se pode olvidar, que nesta espécie de contrato não pode um dos contratantes, antes de cumprir a sua obrigação, exigir o cumprimento da do outro (exceptio non adimpleti contractus)6 . 5 Art. 474: “A Clausula resolutiva expressa opera de pleno direito; a tácita depende de interpelação judicial”. 6 Art. 476: “Nos contratos bilaterais, nenhum dos contratantes, antes de cumprida sua obrigação, pode exigir o implemento da do outro”
  • 10. 9 No que concerne ao inadimplemento, pode ocorrer de forma absoluta ou relativa. Sobre inadimplemento absoluto, Hamid Charaf Bdine Jr. (2005, p. 409) ensina que: [...] inadimplemento absoluto é aquele em que a obrigação não foi nem poderá ser cumprida de modo satisfatório. É o que ocorre, por exemplo, com o perecimento do objeto. Nesse caso, o inadimplemento absoluto poderá ser total ou parcial, caso a integralidade da prestação, ou parte dela, não puder ser cumprida. Muitas vezes citado na doutrina como exemplo, é o caso do bufê que foi contratado para servir os convidados do contratante na sexta feira às 20:00 horas, todavia, chega ao local às 06:00 do dia seguinte, quando todos os convidados já deixaram a festa7 . Assim, ainda que o contratado tenha cumprido a obrigação, esta se tornou totalmente desinteressante para o contratante porquanto ocorrida de forma extemporânea, pelo que poderá pleitear a resolução do negócio jurídico e perdas e danos, consoante preceitua o art. 389 do Código Civil8 . Salienta-se, por oportuno, e já adiantando o tema principal do presente trabalho, que a doutrina e jurisprudência vêm rechaçando abusos de direito nesta seara, especialmente nos casos de ínfimo inadimplemento, incumbindo ao juízo verificar se o referido é capaz de ensejar a resolução do contrato, ante os princípios da boa-fé objetiva e função social. O inadimplemento relativo, por seu turno, “é aquele em que a obrigação não é cumprida no tempo, no lugar e na forma devidos, mas poderá sê-lo, com um proveito para o credor. Nesse caso, estará caracterizada a mora, disciplinada pela regra do art. 394” (CHARAF BDINE JR, Hamid. Código Civil Comentado, Coordenação do Ministro Cézar Peluso, 5ª ed. Barueri/SP: Manole, 2011, p. 409). Assim, o inadimplemento relativo ou mora ocorre quando, descumprida a obrigação no seu prazo, ainda sim sua efetivação é de interesse ao credor, sendo que por certo o seu 7 Exemplo utilizado por Hamid. Código Civil Comentado, Coordenação do Ministro Cézar Peluso, 5ª ed. Barueri/SP: Manole, 2011, p. 409. 8 Art. 389: “Não cumprida a obrigação, responde o devedor por perdas e danos, mais juros e atualização monetária segundo índices oficiais regularmente estabelecidos, e honorários de advogado”
  • 11. 10 cumprimento ilidirá a resolução do negócio jurídico, a exemplo do locatário que atrasa o pagamento em poucos dias. Nesse passo, ainda que de forma extemporânea, o pagamento é útil ao credor, configurando-se, pois, a mora, tal qual dá ensejo ao acréscimo de penalidades e encargos legais na obrigação9 (juros, correção monetária e honorários advocatícios), mas não permitirá a resolução do contrato. 9 Art. 389 do Código Civil
  • 12. 11 3. Princípio da Boa-fé Objetiva A boa-fé no direito contratual do novo código10 , denominada pela doutrina como boa-fé objetiva, distingue daquela já conhecida do antigo sistema, consistente da análise subjetiva do estado de consciência do agente quando da avaliação do seu comportamento (NEGREIROS, 2007, pag. 119). Assim, para melhor entendermos a boa-fé objetiva, necessário fazer uma sucinta distinção da boa-fé subjetiva. Podemos dizer que a boa-fé subjetiva está ligada diretamente à elementos psicológicos e, porquanto, intrínsecos do sujeito da relação jurídica. Denomina-se subjetiva, justamente porque deverá ser considerada a íntima intenção do indivíduo ou do seu estado psicológico, conforme nos ensina Judith Martins-Costa: A expressão boa-fé subjetiva denota o estado de consciência ou convencimento individual de obrar (a parte) em conformidade ao direito (sendo) aplicável, ao campo dos direitos reais, especialmente em matéria possessória. Diz-se ‘subjetiva’ justamente porque, para a sua aplicação, deve o intérprete considerar a intenção do sujeito na relação jurídica, o seu estado psicológico ou íntima convicção. Antitética à boa-fé subjetiva está a má-fé, também vista subjetivamente como a intenção de lesar a outrem (MARTINS-COSTA, 2000, p. 411). A boa-fé subjetiva apresenta a ideia de ignorância, isto é, a equivocada crença do seu direito ou desconhecimento da lesão ao direito de outrem. “A pessoa acredita ser titular de um direito, que na realidade não tem, porque só existe na aparência” (NORONHA, 1994, p. 132). A boa-fé objetiva, por sua vez, está relacionada com a honestidade e lealdade do sujeito, que deverão ser demonstrados através do seu comportamento. Cuida-se de um dever ético e de fidelidade à palavra, no sentido de não trair a confiança ou expectativa do outro (MARTINS-COSTA, 2000, p. 412). Destarte, diferentemente da boa-fé subjetiva, não tem qualquer relação com o estado de consciência do sujeito ou sua noção de realidade sobre o direito. Caracteriza-se, pois, pelo 10 Art. 422 do Código Civil
  • 13. 12 agir de modo honroso com o outro, sem deslealdade, tomando por base as condutas do sujeito de acordo com os parâmetros de honestidade da sociedade, não frustrando a legítima expectativa do outro. Ou, nas palavras de Judith Martins-Costa: Ao conceito de boa-fé objetiva estão subjacentes as ideias e ideais que animaram a boa-fé germânica: a boa-fé como regra de conduta fundada na honestidade, na retidão, na lealdade e, principalmente, na consideração para os interesses do ‘alter’, visto como um membro do conjunto social que é juridicamente tutelado. Ai se insere a consideração para com as expectativas legitimamente geradas, pela própria conduta, nos demais membros da comunidade, especialmente no outro polo da relação obrigacional (MARTINS-COSTA, 2000, p. 412). No mesmo sentido, também são os ensinamentos da inigualável professora Cláudia Lima Marques: Boa-fé objetiva significa, portanto, uma atuação ‘refletida’, uma atuação refletindo, pensando no outro, no parceiro contratual, respeitando-o, respeitando seus interesses legítimos, suas expectativas razoáveis, seus direitos, agindo com lealdade, sem abuso, sem obstrução, sem causar lesão ou desvantagem excessiva, cooperando para atingir o bom fim das obrigações: o cumprimento do objetivo contratual e a realização dos interesses das partes (MARQUES, 2004, p. 181-182). A doutrina elenca, sem maiores discussões, três principais funções do Princípio da boa-fé objetiva, quais sejam: a) função interpretativa no âmbito dos contratos; b) função restritiva ao exercício de direitos, coibindo o abuso; e c) função criativa de deveres anexos à prestação principal (TEPEDINO, 2006, p. 252). A primeira função encontra-se positivada no art. 113 do Código Civil: “Os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa-fé e os usos do lugar de sua celebração”. Assim, exige que a interpretação do contrato seja realizada visando sempre o objetivo comum pretendido pelas partes (TEPEDINO, 2006, p. 252). A segunda função encontra-se positivada no art. 187 do Código Civil: “Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes”. Consiste, pois, numa função com conotação negativa e restritiva na medida em que estabelece limites para o exercício dos próprios direitos (TEPEDINO, 2006, p. 252).
  • 14. 13 Por último, a boa-fé exerce função de fonte criadora de deveres anexos à prestação principal, que são os deveres de lealdade, informação e transparência inerentes e implícitos no regulamento de interesses (TEPEDINO, 2006, p. 253). À esta terceira função da boa-fé, também deverá ser observado o negócio caso a caso, pois, nas palavras de Gustavo Tepedino e Anderson Schreiber: [...] seria um absurdo supor que a boa-fé objetiva criasse, por exemplo, um dever de informação apto a exigir de cada contratante esclarecimentos acerca de todos os aspectos de sua atividade econômica ou de sua vida privada. Assim, se é certo que o vendedor de um automóvel tem o dever – imposto pela boa-fé objetiva – de informar o comprador acerca de dos defeitos do veículo, não tem, por certo, o dever de prestar ao comprador esclarecimentos sua preferência partidária, sua vida familiar ou seus hábitos cotidianos (TEPEDINO; SCHREIBER, 2003, p. 146).
  • 15. 14 4. Princípio da Função Social do Contrato O direito contratual conteMporâneo prestigia quatro importantes princípios: autonomia privada, boa-fé, justiça contratual e função social do contrato (ROSENVALD, 2011, p. 484), este último, objeto de estudo, encontra-se positivado no art. 421 do Código Civil, in verbis: “A liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato”. O princípio da função social não limita e nem tampouco coíbe da liberdade de contratar, que é plena e ilimitada, apenas legitimou a liberdade contratual ou, nos dizeres do Professor Nelson Rosenvald: A função social não coíbe a liberdade de contratar, como induz a dicção da norma, mas legitima a liberdade contratual. A liberdade de contratar é plena, pois não existem restrições ao ato de se relacionar. Porém, o ordenamento jurídico deve submeter a composição do conteúdo do contrato a um controle de merecimento, tendo em vista as finalidades eleitas pelos valores que estruturam a ordem constitucional (ROSENVALD, 2011, p. 485). Assim, o conteúdo contratual será submetido a um controle de merecimento para examinar se o mesmo encontra-se em consonância com a ordem social. Neste mesmo sentido é o entendimento de Flávio Monteiro de Barros: O contrato tem de ser entendido não apenas como as pretensões individuais dos contratantes, mas como verdadeiro instrumento de convívio social e de preservação dos interesses da coletividade, onde encontra sua razão de ser e de onde se extrai a sua força, pois o contrato pressupõe a ordem estatal para lhe dar eficácia (BARROS, 2008, p. 218). A doutrina cogita duas espécies de função social do contrato: Função Social Interna e Função Social Externa. A Função Social interna é aquela relacionada à necessária cooperação entre os contratantes, enquanto perdurar a relação jurídica, implicando no dever de se colocarem na situação de sujeitos titulares de direitos fundamentais e de igual dignidade, colaborando reciprocamente com os deveres de proteção, informação e lealdade contratual, com a finalidade comum de buscar o adimplemento contratual (ROSENVALD, 2011, p. 485).
  • 16. 15 Quanto à Função Social Externa, é sabido que os contratos interessam à sociedade. Tanto os bons como os maus contratos tem repercussão social e econômica, sendo que os bons promovem a confiança nas relações sociais, já os contratos cevados por cláusulas abusivas tem como consequência o reconhecido desprestígio aos princípios da boa-fé e solidariedade (ROSENVALD, 2011, p. 485). Dessa forma, existem contratos que satisfaçam integralmente as vontades dos contratantes, mas, por outro, ofendem interesses de um terceiro ou da sociedade, à exemplo dos contratos que possam afetar o meio ambiente, a livre concorrência, direito do consumidor, dentre outros, conforme ensina Rosenvald.
  • 17. 16 5. Teoria do Adimplemento Substancial Segundo a teoria do adimplemento substancial, o cumprimento bem próximo do resultado final afasta o direito potestativo de resolução do contrato, previsto no art. 475 do Código Civil, restando ao credor apenas o direito de pedir a execução da prestação inadimplinda, acrescida das perdas e danos, se for o caso (MARTINS-COSTA, 2000, p. 479). Isso porque, se a obrigação foi substancialmente adimplida, o pedido de resolução não trará nenhum benefício legítimo ao credor, apenas prejuízos para o devedor que, tendo praticamente satisfeito a totalidade da obrigação, verá tudo retornar ao status quo ante (BECKER, 1993, p. 70). Destaca-se, desde já, que inexiste remissão da parcela ou prestação não adimplida, podendo esta ser cobrada em juízo, o que ocorre é apenas e tão somente a vedação ao desfazimento de todo o contrato. Para tanto, a teoria está basicamente fundamentada nos princípios da boa-fé objetiva e função social do contrato, já estudados no presente trabalho, sendo imperioso analisarmos o adimplemento substancial sob os enfoques seguintes, para entendermos melhor a importância prática da sua aplicação. 5.1. A Boa-fé objetiva como fundamento da teoria Como visto, o art. 475 do Código Civil permite ao credor resolver o contrato em razão do inadimplemento do devedor, isto é, ante o descumprimento de prestar deste, àquele pode buscar o desfazimento do negócio. Todavia, o referido dispositivo não especifica a modalidade de inadimplemento que enseja o credor exercer seu direito de resolução, levando a ideia que o simples descumprimento de qualquer obrigação, por mínima que seja, enseja a hipótese de resolução do contrato.
  • 18. 17 De outra parte, a resolução pelo inadimplemento do devedor é medida extrema da extinção do contrato, vez que surtirá efeitos ex tunc, retirando do negócio todos os efeitos jurídicos produzidos, bem como obstará aqueles que ainda seriam produzidos e, portanto, de legítima expectativa dos contratantes. Nesse passo, havendo inadimplemento mínimo em relação à obrigação total, isto é, insignificante, de mínima importância ou gravidade, o direito potestativo de resolução será uma conduta manifestamente desproporcional e contrária finalidade econômica do contrato. Destarte, ao vedar o uso desproporcional do direito de resolução, a teoria do adimplemento substancial encontra fundamento na boa-fé objetiva, especialmente na função limitativa do exercício de direitos. Teresa Negreiros assevera que, em tal função, a boa-fé objetiva está estritamente ligada à teoria do abuso de direito, na medida em que servirá como parâmetro para analisar as condutas dos contratantes no exercício dos seus direitos e obrigações, limitando, se o caso, àquele que abusar do seu direito, ou, nas palavras da ilustre Autora: Diante da ordenação contratual, o princípio da boa-fé e teoria do abuso de direito completam-se, operando aquela como parâmetro de valoração do comportamento dos contratantes: o exercício de um direito será irregular, e nesta medida abusivo, se consubstanciar quebra de confiança e frustração de legítimas expectativas. Nesses casos, o comportamento formalmente lícito, consistente no exercício de um direito, é, contudo, um comportamento contrário à boa-fé e, como tal, sujeito ao controle da ordem jurídica (NEGREIROS, 2006, p. 141). Nesta senda conclui Negreiros que “no exercício da sua função de limitar o exercício de direitos subjetivos em nome da preservação do sinalagma que a boa-fé serve como fundamento para a chamada teoria do adimplemento substancial” (NEGREIROS, 2006, p. 145). No mesmo sentido, observa Anelise Becker que: O princípio da boa-fé objetiva aí atua de forma a proteger o devedor frente a um credor malicioso, inflexível (boa-fé eximente ou absolutória), como causa de limitação ao exercício de um poder jurídico, no caso, do direito formativo
  • 19. 18 de resolução, do qual é titular o credor de obrigação não cumprida (BECKER, 1993, p. 70). A par disso, o Superior Tribunal de Justiça já assentou que a extinção do contrato por inadimplemento do devedor, somente se torna plausível quando o inadimplemento seja de tal envergadura que não interessa mais ao credor o recebimento da prestação devida, pois a economia do contrato está afetada. Julgando ação de busca e apreensão, na qual o a Instituição Financeira promoveu corolário do inadimplemento pelo consumidor da última prestação, o Ministro Ruy Rosado de Aguiar (Superior Tribunal de Justiça, REsp 272739/MG), ensinou que não atende o princípio da boa-fé objetiva a conduta credor ao exercer seu direito potestativo de resolução por conta do ínfimo inadimplemento: ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA. Busca e apreensão. Falta da última prestação. Adimplemento substancial. O cumprimento do contrato de financiamento, com a falta apenas da última prestação, não autoriza o credor a lançar mão da ação de busca e apreensão, em lugar da cobrança da parcela faltante. O adimplemento substancial do contrato pelo devedor não autoriza ao credor a propositura de ação para a extinção do contrato, salvo se demonstrada a perda do interesse na continuidade da execução, que não é o caso. Na espécie, ainda houve a consignação judicial do valor da última parcela. Não atende à exigência da boa-fé objetiva a atitude do credor que desconhece esses fatos e promove a busca e apreensão, com pedido liminar de reintegração de posse. Recurso não conhecido. A doutrina também denomina de exercício desequilibrado de direitos (inciviliter agere), pois há manifesta desproporção entre a vantagem do titular do direito e o sacrifício imposto à outra parte, mesmo se não houver intenção de lesar, vale dizer, o titular do direito age com desconsideração à outra parte contratante (NORONHA, 1994, p. 179) O ilustre professor Francisco Loureiro, assevera o exercício do direito potestativo de resolução do contrato deve guardar correlação com a relevância do inadimplemento, sob pena de se converter em abuso de direito11 . 11 Entendimento retirado da Apelação Cível nº 0003286-03.2010.8.26.0077; Tribunal de Justiça de São Paulo.
  • 20. 19 5.2. A Função Social com fundamento da teoria O Enunciado nº 361 da IV Jornada de Direito Civil que dispõe, in verbis: 361 – Arts. 421, 422 e 475. O adimplemento substancial decorre dos princípios gerais contratuais, de modo a fazer preponderar a função social do contrato e o princípio da boa-fé objetiva, balizando a aplicação do art. 475. Já nas palavras do Ministro Luis Felipe Salomão: [...] o contrato deixou de ser a máxima expressão da autonomia da vontade para se tornar prática social de especial importância, prática essa que o Estado não pode simplesmente relegar à esfera das deliberações particulares. Instituto nascido no âmbito do Direito Privado, o contrato passou a ter colorido publicístico, exigindo do julgador a aplicação, no caso concreto, das chamadas cláusulas abertas, dentre as quais se destacam a boa-fé-objetiva e a função social. Vale dizer, não se pode mais conceber o contrato unicamente como meio de circulação de riquezas. Além disso - e principalmente -, é forma de adequação e realização social da pessoa humana e meio de acesso a bens e serviços que lhe dão dignidade (Superior Tribunal de Justiça, REsp nº 1.051.270/RS, 2011). Desta feita, para que o contrato cumpra sua função social, seja interna ou externa, imprescindível que as partes devam buscar durante sua execução a solidariedade, confiança e cooperação, sendo que na inobservância de qualquer desses deveres anexos, a teoria se aplica para restabelecer a ordem contratual justa. 5.3. Adimplemento Substancial e a Exceção do Contrato Não Cumprido Com fundamento no art. 476 do Código Civil12 , “qualquer dos contratantes pode utilizar-se da exceção do contrato não cumprido (exceptio non adimpleti contractus), para recusar a sua prestação, ao fundamento de que o demandante não cumpriu a que lhe competia” (GONÇALVES, 2004, p. 24). Quando a hipótese for de inadimplemento parcial ou adimplemento incompleto, estaremos diante da exceptio non rite adimpleti contractus, tratando-se, pois, de uma segunda espécie de exceção do contrato não cumprido, conforme assevera Flávio Monteiro de Barros: 12 Art. 476: “Nos contratos bilaterais, nenhum dos contratantes, antes de cumprida sua obrigação, pode exigir o implemento da do outro”.
  • 21. 20 Doutrinariamente, assim se diferenciam as duas exceções: a primeira (exceptio non adimpleti contractus) pressupõe completa e absoluta inexecução do contrato, enquanto a segunda [exceptio non rite adimpleti contractus] tem como pressuposto a execução insuficiente, defeituosa, diferente ou incompleta (MONTEIRO, 2003, p. 80). Eduardo Luiz Bussata defende que, na hipótese de exceptio non rite adimpleti contractus, a teoria do adimplemento substancial deve ser aplicada na exceção do contrato não cumprido, especialmente como forma de coibir o uso abusivo da exceção, asseverando que: Se o descumprimento da parte que está exigindo a prestação for leve, de pequena importância para a economia contratual, não há dúvida de que será abusivo o uso de tal exceção. De fato, se o inadimplemento de escassa importância mantém o vínculo contratual, não permitindo que o contratante não inadimplente busque dissolver o contrato, faz também com que fique vedado à parte, abusivamente, alegar o leve descumprimento contratual para não cumprir com a prestação que lhe cabe (BUSSATA, 2008, p. 105). Assim, nesta seara a teoria do adimplemento substancial servirá, em suma, como matéria defensiva àquele que imputar a exceção do contrato não cumprido frente ao contratante que adimpliu quase na totalidade sua obrigação. Isso porque, contraria os ditames da boa-fé objetiva a conduta do contratante de utilizar o direito de exceção, escusando-se de cumprir sua obrigação frente à um mínimo inadimplemento da parte inadimplente (ROSENVALD, 2011, p. 541-542), dando azo, inclusive, ao abuso de direito, vedado expressamente no nosso ordenamento como ato ilícito13 . Assim, na exceptio non rite adimpleti contractus, quando tratar-se de um pequeno descumprimento, ou de escassa importância, este inadimplemento não pode sustar a exigibilidade de toda a prestação do outro contratante, sob pena de converter-se em abuso do direito. 13 Art. 187 do Código Civil
  • 22. 21 Cumpre esclarecer que, caso a caso, urge a necessidade sempre de precisar a proporcionalidade entre a inexecução da contraparte e o exercício da exceção (ROSENVALD, 2011, p. 542) Neste sentido, Ruy Rosado de Aguiar Júnior, ensina que o exemplo mais significativo desse abuso, na função de controle do princípio da boa-fé objetiva é: [...] o da proibição do exercício do direito de resolver o contrato por inadimplemento ou suscitar a exceção de contrato não cumprido, quando o incumprimento é insignificante em relação ao contrato total. O princípio do adimplemento substancial, derivado da boa-fé, exclui a incidência da regra legal que permite a resolução quando não verificada a integralidade do adimplemento (AGUIAR JÚNIOR, 2003 p. 252). De igual modo, seja para aplicar a Teoria do Adimplemento Substancial, seja para afastá-la, imperando a arguição da contraparte de exceção de inadimplemento, o Superior Tribunal de Justiça vem mantendo o mesmo entendimento quanto a necessidade de verificar no caso concreto a proporcionalidade entre a inexecução do inadimplente e o exercício da exceção da contraparte: RECURSO ESPECIAL. CIVIL. EXCEÇÃO DO CONTRATO NÃO CUMPRIDO. DESCUMPRIMENTO PARCIAL DA AVENÇA. ESCASSA IMPORTÂNCIA. 1. Em havendo mora de um contratante (vendedor) de escassa importância, relativa a débito de IPTU, a suspensão indefinida do pagamento por parte do outro contratante (comprador) de importância de aproximadamente um milhão de reais, já estando aquele gravame tributário liquidado, com sua manutenção na posse do bem (imóvel), a exceptio favorece ao primeiro, acarretando a rescisão da avença. 2. A exceção, consoante a melhor doutrina, não pode "ser levada ao extremo de acobertar o descumprimento sob invocação de haver o outro deixado de executar parte mínima ou irrelevante da que é a seu cargo". 3. Recurso especial conhecido. (RESP Nº 883.990 - RJ [2006/0159555-1]) No mesmo sentido: REsp 1200105. Verifica-se que, ocorrendo inadimplemento de escassa importância, baseada em comparação com a obrigação da contraparte, esta não poderá invocar a exceção do contrato não cumprido para escusar-se do seu dever contratual, pois àquela haveria cumprido substancialmente o contrato.
  • 23. 22 Destarte, além de ilidir a resolução do contrato, o adimplemento substancial desautoriza o exercício da exceção de contrato não cumprido nas hipóteses vistas, mesmo porque a exceção sempre esteve vinculada a equivalência das prestações, inclusive no que tange ao grau de importância entre elas. Dessa forma, somente restará a contraparte que arguiu a exceção, e porquanto lesionada pelo inadimplemento, o direito de buscar em juízo a execução da parte inadimplida, acrescida de perdas e danos, se o caso. 5.3. Valoração do inadimplemento e parâmetros utilizados para aplicação da teoria. Durante o trabalho, muito foi falado à respeito do inadimplemento, sendo certo que a partir de tal analise se verificará a substancialidade do adimplemento ou, ao revés, a insignificância do inadimplemento, este último denominado como doutrinariamente como de “escassa importância”14 e imprescindível para aplicação da teoria. O problema está, pois, nos parâmetros que devem ser utilizados pelo julgador para averiguar se o inadimplemento é de “escassa importância”. Embora obviamente seja uma questão de extrema subjetividade, devendo a verificação da importância ou não ser realizada no caso concreto, o que se busca nesse momento são alguns parâmetros que possam de alguma forma auxiliar o magistrado. Assim, poderíamos considerar que o pagamento de 98% do preço devido no contrato de compra e venda seja substancial, não permitindo a resolução pelo inadimplemento de insignificante importância e, portanto, considerar a referida porcentagem como um parâmetro fixo para aplicação da teoria. Contudo, como já foi dito, a questão é de extrema subjetividade, e porquanto sendo imprescindível sua análise ao caso em concreto para analisar o inadimplemento não só quanto 14 Expressão muito utilizada por Eduardo Luiz Bussata, em Resolução dos Contratos e Teoria do Adimplemento Substancial. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 2008.
  • 24. 23 à sua extensão, mas sim sua intensidade e demais características para sua adjetivação de escassa importância. Por oportuno, basta imaginarmos no exemplo acima que a venda tenha ocorrido na modalidade ad mensuram, na qual o art. 500, §1º, do Código Civil, concede o direito ao comprador de resolver o contrato inobstante o pequeno descumprimento, para constatarmos que o inadimplemento dos 2% seria totalmente relevante e afastaria a aplicação da teoria. Na tentativa de amenizar o problema, a doutrina aponta dois critérios para valorar o inadimplemento de escassa importância e consequentemente utilizar como parâmetro a aplicação da teoria (BUSSATA, 2008, p. 108). O primeiro critério, denominado como subjetivo, baseia-se na vontade hipotética do contratante não inadimplente, medindo o interesse no plano do interessado. Assim, seria considerado grave o inadimplemento, dando azo à resolução, quando o julgador pudesse concluir que a parte inadimplente não realizaria a contratação se suspeitasse que o respectivo inadimplemento pudesse vir a ocorrer (BUSSATA, 2008, p. 108). O segundo critério, de caráter objetivo, deixa de lado qualquer valoração subjetiva que o próprio contratante possa fazer do seu interesse, levando em conta a economia do contrato, a totalidade da relação existente e o desequilíbrio ocasionado pelo descumprimento, fazendo, em suma, uma comparação entre tudo o que fora programado no contrato e aquilo que efetivamente foi realizado (BUSSATA, 2008, p. 109-110). Em algumas decisões do Superior Tribunal de Justiça, é possível verificar a utilização dessa última valoração, ao entender que “o cumprimento do contrato de financiamento, com a falta apenas da última prestação, não autoriza ai credor lançar mão da ação de busca e apreensão, em lugar da cobrança da parcela faltante”15 , hipótese na qual o valor inadimplido correspondia a menos de 20% do devido, bem como que “não viola a lei a decisão que indefere o pedido de liminar de busca e apreensão considerando o pequeno valor 15 REsp 272.739-MG, rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, 4ª Turma, j. 01/03/2001.
  • 25. 24 da dívida em relação ao valor do bem”16 e “a seguradora não pode dar por extinto o contrato de seguro, por falta de pagamento da última parcela do prêmio”17 Destarte, a jurisprudência brasileira vem utilizando o critério objetivo, notadamente nos contratos de execução diferida, acorde verificou dos julgados colacionados, sendo este quase que matemático, pois os julgados têm levado em consideração o adimplemento realizado e a aproximação com aquele que efetivamente deveria ser realizado de acordo com o contrato e, em seguida, analisa se o inadimplemento prejudicou a função econômico-social, ou se o cumprimento imperfeito ainda sim permita que cumpra essa função. Todavia, questão que insurge, seria o fato do inadimplemento versar apenas e tão somente sobre dever acessório ou lateral do contrato. Nesta hipótese estaria o inadimplemento apto a ensejar a resolução aplicando-se a teoria? Analise Becker assevera que haveria direito de resolução na hipótese da compra de um vestido de estilista famoso, na qual a exclusividade prometida foi descumprida, pois, mesmo que a obrigação principal tenha sido cumprida (entrega do vestido), o dever acessório (obrigação de não fazer) de exclusividade, não cumprido, esta apto a ensejar a resolução (BECKER, 1993, p. 64). Contrariando Autora o exemplo utilizado por Becker, Eduardo Luiz Bussata afirma que o descumprimento do referido dever acessório de exclusividade não acarreta a inutilidade da prestação principal, bem como não impede a realização do resultado típico, pelo que a resolução deve ser afasta com base na teoria do adimplemento substancial, restando aberta simplesmente a via ressarcitória para satisfação do lesionado (BUSSATA, 2008, p. 127). 16 REsp 469.577-SC, rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, 4ª Turma, j. 25/03/2003. 17 REsp 76.362-MG, rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, 4ª Turma, j. 25/03/2003.
  • 26. 25 8. Conclusão Seja baseado em cláusula resolutiva expressa ou no próprio direito potestativo insculpido no artigo 475 do Código Civil, já não mais se sustenta ao credor pedir a resolução do contrato, ao seu critério, pelo simples fato do inadimplemento do devedor. Para que o contrato seja resolvido, imprescindível minuciosa análise da relação jurídica contratual, caso a caso, avaliando julgador se o inadimplemento foi de tamanha envergadura que prejudicou a função econômico-social do negócio, tornando-o totalmente desinteressante para o credor o recebimento da prestação. Não se deixou de aplicar as regras contidas nos artigos 474 e 475 do Código Civil, tampouco tenham caído em desuso, apenas demonstrou a necessidade do julgador na observância de princípios de natureza cível-constitucional, notadamente a boa-fé objetiva e a função social do contrato, sob pena de converter o seu uso em abuso de direito (art. 187, CC). A vedação do uso desproporcional do direito de resolução, isto é, quando o inadimplemento for de escassa importância que não abale a economia do contrato, encontrou total fundamento na boa-fé objetiva, na função limitativa do exercício de direitos que, justamente por isso, está estritamente ligada à teoria do abuso de direito. No decorrer do estudo, foi possível verificar o surgimento de dois critérios para a análise da gravidade do inadimplemento para afastar a resolução do contrato e, consequentemente, a aplicação da teoria do adimplemento substancial. Um objetivo e outro subjetivo. A jurisprudência brasileira vem utilizando o primeiro deles, notadamente nos contratos de execução diferida, acorde verificou dos julgados colacionados. Quase que matemático, o parâmetro objetivo leva em consideração o adimplemento realizado e a aproximação com aquele que efetivamente deveria ser realizado de acordo com o contrato.
  • 27. 26 Em seguida, o julgador analisa se o inadimplemento prejudicou a função econômico- social, ou se o cumprimento imperfeito ainda sim permita que cumpra essa função, também denominado pela doutrina como “Teoria da Causa” do contrato. Na hipótese de exceptio non rite adimpleti contractus, a teoria do adimplemento substancial pode ser aplicada na exceção do contrato não cumprido, especialmente como forma de coibir o uso abusivo da exceção, encontrando, mais uma vez, fundamento na boa-fé objetiva e teoria do abuso de direito, na medida em que afasta o direito do credor sustar sua prestação frente à um mínimo inadimplemento da parte inadimplente. Quanto aos deveres acessórios ou laterais, verificou-se a necessidade de constatar objetivamente se o inadimplemento do respectivo dever causa inutilidade da prestação principal, ao revés, o direito de resolução deverá ser excluído com fundamento na teoria, com base quase que nos mesmos parâmetros utilizados pela jurisprudência para valorar a gravidade do inadimplemento.
  • 28. 27 BIBLIOGRAFIA AGUIAR JUNIOR, Ruy Rosado de Aguiar. Extinção dos Contratos por Incumprimento do Devedor, 2ª. Edição. Rio de Janeiro: AIDE, 2003. ASSIS, Araken de. Resolução do Contrato por Inadimplemento. 3. ed. São Paulo: RT, 1999. BARROS, Flávio A. Monteiro de. Manual de direito civil, direito das obrigações e contratos. 2. Ed. São Paulo: Método, 2008. BECKER, Anelise. “A Doutrina do Adimplemento Substancial no Direito Brasileiro e em Perspectiva Comparativista”. Revista da Faculdade de Direito da UFRGS, V. 9, nº 1. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1993, p. 60-77. BRASIL. REsp 76.362-MG, Rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, Quarta Turma, julgado em 25/03/2003, Brasília BRASIL. REsp 272.739/MG, Rel. Ministro Ruy Rosado de Aguiar Junior, Quarta Turma, julgado em 01/03/2001, DJ 02/04/2001, Brasília. p. 299. BRASIL. REsp 469.577-SC, Rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, Quarta Turma, julgado em 25/03/2003, Brasília. BRASIL. REsp nº 1.051.270/RS, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 04/08/2011 - Informativo STJ 480, 12/08/2011, Brasília. BUSSATA, Eduardo Luiz. Resolução dos Contratos e Teoria do Adimplemento Substancial. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 2008. CHARAF BDINE JR, Hamid. Código Civil Comentado, Coordenação do Ministro Cézar Peluso, 5ª ed. Barueri/SP: Manole, 2011.
  • 29. 28 GOMES, Orlando. Contratos. 26. ed. rev., atual. e aum. de acordo com o Código Civil de 2002. Atualizadores Antônio Junqueira de Azevedo e Francisco Paulo De Crescenzo Marino. Coordenador Edvaldo Brito. Rio de Janeiro: Forense, 2007. GONÇALVES, Carlos Roberto. Sinopses Jurídicas, Direito das Obrigações, Parte Especial - Tomo I, Vl. 6. São Paulo: Saraiva, 2004. Gustavo Tepedino e Anderson Schreiber, Os Efeitos da Constituição em Relação à Cláusula da Boa-fé no Código de Defesa do Consumidor e no Código Civil, in Revista da EMERJ, vol. 6, Rio de Janeiro, 2003. MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor, o novo regime de relações contratuais. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. MARTINS-COSTA, Judith. A boa-fé no direito privado. 1. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000 MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de Direito civil: direito das obrigações, 2ª parte. 34. ed. rev. e atual. por Carlos Alberto Dabus Maluf e Regina Beatriz Tavares da Silva, vol. 5. São Paulo: Saraiva, 2003. NORONHA, Fernando. Direito dos Contratos e seus princípios fundamentais: autonomia privada, boa-fé, justiça contratual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1994. ROSENVALD, Nelson. Código Civil Comentado, Coordenação do Ministro Cézar Peluso, 5ª ed. Barueri/SP: Manole, 2011. TEPEDINO, Gustavo. Temas de Direito Civil, Tomo II. Rio de Janeiro: Renovar, 2006.