1. Padrões aéreos normais e patológicos no tubo digestivo do recém-nascido / Alvares BR et al.
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Padrões aéreos normais e patológicos
no tubo digestivo do recém-nascido:
achados radiológicos
Beatriz Regina Alvares1
, Inês Minniti Rodrigues Pereira1
, Maria Aparecida M. S. Mezzacappa2
,
Thais de Barros Mendes3
Ensaio Iconográfico
Recebido para publicação em 23/5/2007. Aceito,
após revisão, em 12/12/2007.
Trabalho realizado na Seção de Radiologia do Cen-
tro de Atenção Integral à Saúde da Mulher (CAISM)
da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp),
Campinas, SP
.
1
Professoras Doutoras do Departamento de Ra-
diologia da Faculdade de Ciências Médicas (FCM)
da Unicamp, Professoras Participantes do Curso de
Pós-Graduação Saúde da Criança e do Adolescente
da FCM-Unicamp.
2
Professora Doutora do Departamento de Pedia-
tria da FCM-Unicamp, Professora Plena do Curso
de Pós-Graduação Saúde da Criança e do Adoles-
cente da FCM-Unicamp.
3
Fisioterapeuta, Doutoranda do Curso de Pós-Gra-
duação Saúde da Criança e do Adolescente da
FCM-Unicamp.
Correspondência: Dra. Beatriz Regina Alvares. Rua
Alberto de Salvo, 238, Distrito de Barão Geraldo.
Campinas, SP
, 13084-759. E-mail: alvaresb@
terra.com.br
Resumo
Os objetivos deste trabalho foram demonstrar os padrões aéreos normais e patológicos do tubo
digestivo em radiografias simples de abdome do recém-nascido, com ênfase no diagnóstico dife-
rencial, sendo apresentados, em alguns casos, exames radiológicos contrastados.
Descritores:
Padrões aéreos; Tubo digestivo; Recém-
nascido; Aspectos radiológicos.
Oexame radiológico simples de abdome desempenha papel relevante no diag-
nóstico, acompanhamento e detecção das doenças do tubo digestivo em recém-
nascidos, sendo procedimento de rotina em unidades de tratamento intensivo neo-
natais.
O abdome do recém-nascido também costuma ser rotineiramente incluído em
radiografias de tórax, possibilitando avaliar padrões aéreos não-necessariamente as-
sociados a enfermidades[1]
.
PADRÕES AÉREOS NORMAIS
A presença de ar no trato gastrintestinal do recém-nascido é decorrente, pri-
mariamente, da deglutição. O ar é visto no estômago logo após o nascimento, no
intestino delgado após três horas, no intestino grosso em torno de cinco horas, e
atinge o reto entre seis a oito horas de vida. Assim, a quantidade de ar no tubo di-
gestivo deve sempre ser correlacionada com o número de horas de vida do recém-
nascido[1]
.
As alças intestinais do recém-nascido costumam apresentar forma poliédrica,
largura uniforme, e são facilmente comprimidas por estruturas anatômicas adjacen-
tes. Como as haustrações do intestino grosso ainda não estão desenvolvidas logo após
o nascimento, a localização anatômica das alças permite o diagnóstico diferencial
entre o intestino delgado e o grosso. O ar no intestino grosso costuma ser visualizado
mais perifericamente, e no intestino delgado localiza-se nas porções mais centrais
(Figs. 1 a 3).
PADRÕES AÉREOS PATOLÓGICOS
Distensão intestinal associada a pressão positiva contínua nas vias aéreas
Recém-nascidos submetidos a pressão positiva contínua nas vias aéreas (CPAP),
por via nasal ou faríngea, costumam apresentar distensão intestinal generalizada,
predominando naqueles que são prematuros.
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Fig. 1 – Radiografia de recém-
nascido com três horas de vida
revelando ar apenas no estômago
e primeiras alças do intestino del-
gado. Projeção do coto umbilical
no hemiabdome direito.
Fig. 2 – Radiografia de recém-
nascido com 24 horas de vida
evidenciando ar em todo o tubo
digestivo. Projeção do coto um-
bilical clampeado na pequena
pelve.
Fig. 3 – Radiografia de recém-
nascido mostrando distensão
gástrica normal.
Fig. 4 – Radiografia de recém-
nascido prematuro com doença
da membrana hialina submetido
a pressão positiva nasal contínua
nas vias aéreas, observando-se
distensão generalizada das alças
intestinais.
A distensão intestinal está relacionada à imaturidade
funcional do intestino do recém-nascido e é chamada
de continuous positive airway pressure (CPAP) belly syn-
drome. A radiografia simples de abdome evidencia di-
latação uniforme das alças intestinais, sem outras alte-
rações associadas[2,3]
(Fig. 4).
Hérnia diafragmática congênita
Recém-nascidos portadores de hérnia diafragmática
congênita podem apresentar alças intestinais e/ou vís-
ceras abdominais sólidas na cavidade torácica, em de-
corrência de uma falha no fechamento do diafragma
durante a vida intra-uterina[4]
.
O abdome do recém-nascido pode apresentar-se es-
cavado, devido à passagem do conteúdo intestinal para
a cavidade torácica. A radiografia simples de tórax e ab-
dome evidencia imagens de aspecto bolhoso ou denso
na cavidade torácica, com desvio contralateral das es-
truturas mediastinais, e distribuição anormal das alças
intestinais na cavidade abdominal[4]
(Fig. 5).
1 2
4
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Atresias do tubo digestivo
Recém-nascidos portadores de atresias do tubo di-
gestivo apresentam quadro radiológico variável, depen-
dendo do segmento comprometido. Na atresia do esô-
fago sem trajeto fístuloso para a traquéia, a radiografia
simples de tórax e abdome evidencia o esôfago proxi-
mal distendido e ausência de ar nos demais segmentos
do tubo digestivo. Radiografia efetuada com introdu-
ção de contraste por meio de sonda demonstra o seg-
mento esofágico proximal opacificado, distendido e em
fundo cego[5,6]
(Fig. 6).
Na atresia de duodeno, a radiografia simples de ab-
dome evidencia distensão aérea apenas no estômago e
bulbo duodenal, mais bem demonstrada após a intro-
dução de ar por meio de sonda nasogástrica, caracteri-
zando o “sinal da dupla bolha”[5–7]
(Fig. 7).
Nas demais atresias do intestino delgado observa-se
distensão das alças proximais ao processo obstrutivo,
enquanto os segmentos distais mostram ausência de ar.
Quanto maior o número de alças distendidas, mais bai-
xo é o nível de obstrução. Nessas situações, o enema opaco
demonstra microcólon por desuso[5–8]
(Figs. 8 e 9).
Fig. 6 – (A) Radiografia de recém-nascido portador de atresia de esôfago sem fístula, obser-
vando-se ausência completa de ar no tubo digestivo. A bolsa esofágica proximal apresenta-se
distendida por ar e em fundo cego. (B) Radiografia efetuada após a introdução de contraste
por meio de sonda demonstrando a bolsa esofágica proximal opacificada e em fundo cego.
B
A
Fig. 5 – Radiografia de recém-nascido com
diagnóstico pré-natal de hérnia diafragmática
congênita. Imagens bolhosas no hemitórax
esquerdo associadas à presença de alças intes-
tinais, desvio mediastinal contralateral, não-vi-
sualização da hemicúpula diafragmática es-
querda e ausência de alças intestinais na cavi-
dade abdominal.
Fig. 7 – Radiografia de recém-nascido com atresia de duodeno, após
a injeção de ar no estômago, observando-se o “sinal da dupla bolha”.
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Fig. 8 – (A) Radiografia de re-
cém-nascido com atresia de jeju-
no. Distensão gástrica e de alças
intestinais proximais com au-
sência de ar no intestino grosso.
(B) O enema opaco demonstrou
presença de microcólon por de-
suso.
A B
A B C
Fig. 9 – (A,B) Radiografias de recém-nascido com atresia de íleo, observando-se numerosas alças intestinais distendidas, com ausência de ar no
reto. (C) O enema opaco demonstrou presença de microcólon por desuso.
Imperfuração anal
Representa uma malformação congênita originada
em uma falha no desenvolvimento embrionário, carac-
terizada pela ausência do orifício anal. O reto termina
em fundo cego e, dependendo da localização da bolsa
retal proximal, visualizada em radiografias simples de
abdome, esta lesão pode ser classificada como alta, in-
termediária ou baixa. Nas primeiras 24 horas de vida,
antes da realização da colostomia, pode-se realizar o
invertograma, radiografando-se o recém-nascido em
posição prona, com a porção distal elevada e marcação
metálica na fosseta anal. Para fazer a classificação radio-
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lógica, utiliza-se a linha M, que passa horizontalmente
na junção do terço inferior com os dois terços superio-
res do ísquio, representando o nível do músculo pubo-
retal[5,8]
.
Freqüentemente, o ânus imperfurado se encontra
associado a outras malformações, entre elas a atresia de
esôfago[8,9]
(Figs. 10 e 11).
Obstrução funcional do recém-nascido ou íleo
da prematuridade
Representa quadro obstrutivo transitório em recém-
nascidos prematuros cujas manifestações clínicas ocor-
Fig. 10 – Invertograma de recém-nascido com ânus imperfurado de-
monstrando alças intestinais distendidas com níveis hidroaéreos e a
bolsa retal terminando em fundo cego. Reparo metálico na fosseta
anal.
rem no período pós-natal imediato e sem causas eviden-
tes de obstrução. A maioria das crianças melhora espon-
taneamente.
A radiografia simples de abdome demonstra disten-
são de alças intestinais, sendo sugestiva de processo obs-
trutivo baixo, e o enema opaco, quando realizado, não
revela anormalidades[1]
(Fig. 12).
Fig. 12 – (A,B) Radiogra-
fias de recém-nascido com
íleo da prematuridade. Pre-
sença de distensão genera-
lizada de alças intestinais e
ausência de ar no reto, su-
gerindo quadro obstrutivo.
B
A
Fig. 11 – (A,B) Radiografia de recém-nascido com ânus imperfurado
realizada com reparo metálico na fosseta anal demonstrando disten-
são de alças intestinais e ausência de ar no reto. Observa-se também
sonda opacificada no segmento proximal do esôfago, que termina em
fundo cego – o recém-nascido é, igualmente, portador de atresia de
esôfago com fístula traqueoesofágica.
A B
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CONCLUSÃO
O conhecimento dos padrões aéreos normais e pa-
tológicos em radiografias simples de abdome no recém-
nascido possibilita maior segurança na identificação das
doenças e auxilia a conduzir a investigação radiológica,
reduzindo a possibilidade de erros diagnósticos e con-
tribuindo para um atendimento mais efetivo desses pa-
cientes.
Agradecimento
As autoras agradecem ao fotógrafo Neder Piagen-
tini, da Assessoria Técnica e Científica do Centro de
Atenção Integral à Saúde da Mulher (ASTEC-CAISM),
pelo valoroso auxílio com as imagens.
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Abstract. Normal and abnormal bowel gas patterns in the newborn:
radiological features.
In order to evaluate normal and pathologic bowel gas patterns in
the newborn, we have retrospectively analyzed abdominal plain
films, and emphasized the differential diagnosis. In some cases,
we selected contrast gastrointestinal studies to illustrate the dif-
ferential diagnosis.
Keywords: Bowel gas patterns; Newborn; Radiological features.