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ANAIS DA V SEMANA DE
LETRAS DO IFES
Ifes - campus Vitória
14 a 16 de maio de 2018.
INSTITUTO FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO
CURSO DE LICENCIATURA EM LETRAS-PORTUGUÊS
Comissão Organizadora:
Prof. Me. André Effgen de Aguiar
Profa. Dra. Andréia Penha Delmaschio
Profa. Dra. Camila David Dalvi
Prof. Dr. Etelvo Ramos Filho
Profa. Ma. Fabrícia Bittencourt Pazinatto Vago
Profa. Dra. Fernanda Borges Ferreira de Araújo
Profa. Dra. Ilioni Augusta da Costa
Profa. Ma. Ivania Cover
Profa. Dra. Karina Bersan Rocha
Profa. Dra. Letícia Queiroz de Carvalho
Prof. Dr. Lucas dos Passos e Silva
Profa. Dra. Maria Madalena Covre da Silva
Profa. Ma. Nastassia Santos Neves Coutinho
Técnica em assuntos educacionais:
Camila Belizário Ribeiro
Representante discente:
Roberta Patrocínio de Amorim
ANAIS DA V SEMANA DE LETRAS DO IFES
LÍNGUA E LITERATURA: RESISTÊNCIAS NA EDUCAÇÃO
Vitória
2019
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação
Biblioteca Nilo Peçanha do Instituto Federal do Espírito Santo – Campus Vitória
S471a Semana de Letras do IFES (5.: 2018: Vitória, ES)
Anais da V semana de Letras do IFES [recurso eletrônico] : Língua e literatura,
resistências na educação / Organizadores : André Effgen de Aguiar... [et al.]. – Vitória,
ES : Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Espírito Santo, 2018.
238 p. : il. 30 cm.
ISBN: 978-85-8263-406-6 (ebook).
1. Língua portuguesa. 2. Educação – Estudo e ensino. 3. Educação de crianças. 4.
Leitura – Estudo e ensino. 5. Textos - literatura I. Aguiar, André Effgen de. II. Instituto
Federal do Espírito Santo. III. Título.
CDD: 469
V SEMANA DE LETRAS DO IFES
LÍNGUA E LITERATURA: RESISTÊNCIAS NA EDUCAÇÃO
APRESENTAÇÃO
Em tempos de ataques aos direitos historicamente adquiridos pelas classes trabalhadoras e
diante das seguidas ameaças à liberdade fundamental ao exercício da profissão docente, a
comissão organizadora da V Semana de Letras do Instituto Federal do Espírito Santo propõe
aos seus alunos, servidores e à comunidade externa dedicar-se à reflexão crítica sobre o
momento que o país atravessa, a fim de fortalecer laços e formular estratégias de resistência
aos incessantes ataques à democracia. Para tanto, dispomos da escola, como espaço de
convívio e trocas; da educação, como meio de reflexão acerca das relações de poder; dos
estudos da linguagem, como forma de questionamento e transformação dos contextos e
estruturas opressores; e da literatura, como via de sensibilização política e fruto mais
elaborado do trabalho humano com a linguagem. Em torno desta proposta de base, contamos
com a participação não só de grupos que se encontram hoje estigmatizados ou sem voz que os
represente, mas também de representantes de outras disciplinas e de outras instituições que,
refletindo o passado, dedicam-se à construção de um país melhor, escrevendo no presente as
páginas de nosso futuro.
V SEMANA DE LETRAS DO IFES
LÍNGUA E LITERATURA: RESISTÊNCIAS NA EDUCAÇÃO
SUMÁRIO
Seção I: Literatura
1. Origem e resistência na escrita-mãe de Conceição Evaristo: uma breve análise do
conto olhos d’água
Nanine Renata Passos dos Santos Pereira.................................................................................8
2. Literatura infantil e a educação: a resistência em tempos de golpe
Mariana Passos Ramalhete......................................................................................................17
3. A pequena prisão, de Igor Mendes: resistência aos mecanismos de exclusão da voz
contestadora
Maria Isolina de Castro Soares ...............................................................................................28
4. “No seu pescoço” e “Amanhã é tarde demais”, de Chimamanda Adichie – um
convite à empatia
Isis Cristina Marins Pereira e Thays Sacramento...................................................................39
5. Dois autores entre nós: as narrativas de Nelson Martinelli Filho e Paulo
Bustamante Júnior em suas relações com aspectos biográficos
Camila David Dalvi .................................................................................................................52
6. A contemporaneidade do teatro crítico de Caio Fernando Abreu
Marcela Oliveira de Paula.......................................................................................................62
7. Esboço para um panorama do verso (e seus avessos) na poesia brasileira pós-1970
Lucas dos Passos......................................................................................................................70
8. A repetição da história em “fazenda modelo”, de Chico Buarque: uma alegoria
válida para o brasil pós-golpe/16
Emerson Campos Gonçalves....................................................................................................80
9. Poesia e sociedade: experiências da forma em Arnaldo Antunes
Raphael Athayde Portela Milfont.............................................................................................87
10. Poesia e sociedade: som e comportamento nos versos de chacal
V SEMANA DE LETRAS DO IFES
LÍNGUA E LITERATURA: RESISTÊNCIAS NA EDUCAÇÃO
Sâmela Meireles de Freitas......................................................................................................94
11. Poesia e sociedade: formas do verso crítico de Angélica Freitas
Suellen Neres Pimentel...........................................................................................................102
12. Poesia e sociedade: experiências do verso medido em Antonio Cicero
Thays Maria Balardino Mascarelo........................................................................................113
Seção II: Linguística
13. A variação dos verbos ter e haver existenciais em modalidade escrita capixaba
Amanda Henriques Machado.................................................................................................124
14. Breve análise de variantes linguísticas sonoras em duas variedades do português
brasileiro
Fernanda Valandro Rodrigues e Vanessa Comper................................................................135
Seção III: Ensino de Língua e Literatura
15. Gênero discursivo, produção de texto e literatura brasileira: uma interface em
contos e cartas
Rosani Muniz Marlow e Aline Prúcoli de Souza....................................................................143
16. Reflexões sobre o currículo de ensino dos internos do Iases: rumo à emancipação
ou subalternização?
Gisele de Arruda ....................................................................................................................159
17. Ensino da leitura nos anos iniciais do ensino fundamental no município de Aracruz
Adriana Recla Sarcinelli e Lainay Cumin Alvarenga Ramos ................................................171
18. O significado das palavras no gênero textual “problema matemático”
Karla Renata Assis de Aquino................................................................................................180
V SEMANA DE LETRAS DO IFES
LÍNGUA E LITERATURA: RESISTÊNCIAS NA EDUCAÇÃO
19. Educação estética e experiências dialógicas: um encontro de potencialidades ante
aos desafios à formação do leitor
Samira da Costa Sten.............................................................................................................192
20. Ensino da língua inglesa no curso técnico em portos: uma reflexão em tempo de
cotas
Isaura Maria de Carvalho Monteiro......................................................................................200
21. Um fazer tramático na educação teatral: o início depende do fim
Roberta Moratori ...................................................................................................................209
22. O discurso na canção
Larissa Alcoforado.................................................................................................................220
23. Contextualização de atividade sobre o livro Quarto de despejo a partir dos estudos
sobre gêneros textuais
Carlilio Louzada de Oliveira Junior, Fernanda Valandro Rodrigues e Carlos Eduardo
Deoclécio................................................................................................................................232
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LÍNGUA E LITERATURA: RESISTÊNCIAS NA EDUCAÇÃO
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ORIGEM E RESISTÊNCIA NA ESCRITA-MÃE DE CONCEIÇÃO
EVARISTO: UMA BREVE ANÁLISE DO CONTO OLHOS D’ÁGUA
Nanine Renata Passos dos Santos Pereira1
Quem não tem amigos mas tem livros tem uma estrada.
Carolina Maria de Jesus
Resumo: Em tempos sombrios, os quais anunciam retrocesso e ausência de diálogo, é preciso
resistir. A poesia sempre se apresenta como uma possibilidade de enfrentamento que liberta a
humanidade das amarras da austeridade e da intolerância. É a palavra revestida de potência.
Conceição Evaristo, mulher negra, que tem sua existência forjada a partir do lugar reservado
aos negros neste país, por meio de uma escrita que ela mesma define como “escrevivência”,
nos leva a refletir de maneira intensa sobre origem e ancestralidade. Utiliza, para tanto,
narrativas breves, porém intensas no modo como descortinam a cultura negra, a qual vem
sendo por séculos de história invisibilizada e suprimida pelo preconceito de uma sociedade
que, apesar de formada por uma expressiva maioria de afrodescendentes, ainda é dominada
pela cultura letrada masculina, branca.
Palavras-chave: Origem. Resistência. Escrita-mãe.
INTRODUÇÃO
Aproximar-se do texto de Conceição Evaristo é repetidamente questionar ou
questionar-se sobre o porquê de não ter conhecido anteriormente a obra da escritora.
Obviamente não há nada de inaceitável nesse fato, pois o meio acadêmico permaneceu por
muito tempo fechado à literatura produzida por negros, sobretudo por mulheres negras.
Conforme explicita Djamila Ribeiro (2017), “A reflexão fundamental a ser feita é
perceber que quando pessoas negras estão reivindicando o direito a ter voz, elas estão
reivindicando o direito à própria vida.” O que dizer de mulheres negras diante disso? Se as
estruturas de apagamento sobrepostas sobre toda a cultura negra foram forjadas para tentar
1
Mestra em Letras. Instituto Federal do Espírito Santo.
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silenciar, a voz de autoria insiste como força para resistir à opressão a fim de que a
sobrevivência seja garantida. Algumas dessas vozes surgiram e se estenderam como eco em
outras vozes, formando um movimento contínuo e infinito de preservação e, por assim dizer,
ressignificação.
Em pesquisa realizada a partir de 2003, Regina Dalcastagnè (2011) apresenta um
recorte de um dos elementos do texto literário, o personagem, em obras literárias publicadas
por três grandes editoras do país entre os anos de 1990 a 2004. Nesse trabalho, em que se
objetivou realizar uma quantificação de dados relevantes para compreender as práticas que
envolvem o mercado editorial no país no meio acadêmico, a autora e seu grupo de pesquisa
chegaram à seguinte conclusão:
Os negros são 7,9% das personagens, mas apenas 5,8% dos protagonistas e 2,7%
dos narradores; embora em proporção menos drástica, uma redução similar ocorre
no caso dos mestiços. Assim, os brancos não apenas compõem a ampla maioria das
personagens identificadas no corpus; eles também monopolizam as posições de
maior visibilidade e de voz própria. (DALCASTAGNÈ, 2011, p. 46)
E a autora reitera que
A pequena presença de negros e negras entre as personagens sugere uma ausência
temática na narrativa brasileira contemporânea, que o contato com as obras, dentro e
fora do corpus, contos e romances, confirma: o racismo. Trata-se de um dos traços
dominantes da estrutura social brasileira, que se perpetua e se atualiza desde a
Colônia, mas que passa ao largo da literatura recente. Se é possível encontrar, aqui e
ali, reprodução paródica do discurso racista, com intenção crítica, ficam de fora a
opressão cotidiana das populações negras e as barreiras que a discriminação impõe
às suas trajetórias de vida. O mito persistente da “democracia racial” elimina tais
questões dos discursos públicos – entre eles, como se vê, o romance. (Idem, 2011, p.
46).
Há muito o que se pensar em termos de produção literária no Brasil, se se considera o
apagamento autorizado do negro das obras. E talvez nunca se tenha falado tanto nisso ou
refletido sobre essa questão como nesse momento. É que o próprio negro se pôs a transpor
barreiras culturais e penetrou no mundo branco da cultura letrada para garantir sua existência
por meio dos registros de sua história e de sua cultura. Quando não este, outros que, mesmo
embranquecidos pelo sistema, muitas vezes tratados pelos compêndios de literatura como
brancos propriamente, encontraram em sua produção literária a possibilidade de sua força
identitária.
V SEMANA DE LETRAS DO IFES
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Conforme afirma Domício Proença Filho (2004), por exemplo, acerca da voz poética
de Castro Alves em “O navio negreiro”,
Se em sua visão idealizadora o poeta não consegue escapar do estereótipo, se ele não
dá voz ao negro, mas se comporta como um advogado de defesa que quer comover a
plateia e provar a injustiça da situação que denuncia, tenhamos presente, entretanto,
que é ele quem assume na literatura brasileira o brado de revolta contra a
escravidão, abre espaços para a problemática do negro escravo, num momento
histórico em que o negro era, como assinala Antonio Cândido, “a realidade
degradante, sem categoria de arte, sem lenda histórica”. Trata-se, inegavelmente, de
um notável feito para a época. (PROENÇA FILHO, 2004, p. 164-165)
Portanto, ler hoje Conceição Evaristo é estar diante de séculos de história de uma luta
que foi representada ou representa-se a si mesma em um país cujas estruturas foram criadas
com a finalidade de conter e escamotear a realidade da servidão, da castração de direito à fala,
de cerceamento e impunidade que figuram com certa normalidade até no meio acadêmico,
revelando que ainda há muito a ser feito para que a identidade negra de homens e mulheres
negros seja respeitada e, mais que isso, compreendida com a profundidade que a complexa
formação e a memória de um incontável número de afrodescendentes trouxeram para a
formação do povo brasileiro.
Continuar a negar a presença marcante e preponderante dos negros e das negras como
essenciais na construção da cultura brasileira é ceder à visão de que, quer pelo conteúdo que
abarca a linguagem, a religiosidade, as histórias ou mesmo a relevância do sofrimento
imposto pela escravidão, quer pela nova estrutura de uma língua portuguesa rendida e
amalgamada a todas as demais línguas africanas registradas no solo brasileiro, a história de
povos africanos possa ser unificada pela visão eurocêntrica e só por essa seja definida, o que
é, sem dúvida alguma, um engano. Assim, a pergunta que se faz é: como seria possível à
literatura romper com a unilateralidade e aceitar a multiplicidade e a variedade na formação
da identidade cultural dessa nação?
Talvez a resposta não seja tão simples, pois são séculos de submissão ao padrão
imposto como a norma que orienta a estética e a produção literária. A escrita literária
pressupõe autoria e, para tanto, é necessário que se compreenda o que é o lugar de fala e como
se pode permitir ao negro sua manifestação plena. Para Djamila Ribeiro (2017), a questão não
é tão simples de ser solucionada, visto que não se pode uniformizar comportamentos, tão
pouco esperar que as expectativas e visões sejam pautadas numa consciência plural. Pelo
V SEMANA DE LETRAS DO IFES
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contrário, pode ser que, dada a complexidade do tema, o racismo se disfarce e, desse modo, se
perpetue sutilmente, revestindo-se de discursos que contribuem para a sua manutenção e
fortalecimento.
Há algumas respostas possíveis, mas uma delas expõe, com rara firmeza, o que pode
ser feito nesse sentido: O fato de uma pessoa ser negra não significa que ela saberá
refletir crítica e filosoficamente sobre as consequências do racismo. Inclusive, ela
até poderá dizer que nunca sentiu racismo, que sua vivência não comporta ou que ela
nunca passou por isso. E sabemos o quanto alguns grupos adoram fazer uso dessas
pessoas. Mas o fato dessa pessoa dizer que não sentiu racismo, não faz com que, por
conta de sua localização social, ela não tenha tido menos oportunidade e direitos.
(RIBEIRO, 2017, p. 67-68)
Não é simples enxergar uma condição num contexto em que ainda se sustenta o “mito
de igualdade racial” e, portanto, se libertar de valores e padrões que estão postos como
irrefutáveis na sociedade em séculos de história escravocrata. Não é um movimento simples.
Conceição criou sua “escrevivência” a fim de “escrever para a sobrevivência” de si
mesma, de seus antepassados, de sua gente, de tantas outras mulheres, criando histórias,
reproduzindo outras, conferindo novos significados às narrativas de tradição oral, com as
quais teve contato desde a sua infância, as quais permaneceram em sua memória. Podemos
definir sua escrita como um movimento libertador. Ler o conto Olhos d’água é se dar conta
dos valores que se tornam infinitamente presentes por meio da singularidade que há em se
enxergar no outro que é fruto das entranhas. Talvez seja exatamente essa a razão pela qual o
conto se apresente tão feminino e tão maternal, não deixando dúvidas de que a palavra na
boca e nas mãos de uma mulher é fonte que jorra para a eternidade, nada menos que a
eternidade. E é essa a proposta desse breve trabalho: falar de um texto cujas abundantes águas
saltam dos olhos e desembocam para uma compreensão da alma de um ser que, mesmo
marcado pelo sofrimento, resiste.
1 DO CONTO OLHOS D’ÁGUA: ORIGEM, ANCESTRALIDADE, ESCRITA-MÃE E
RESISTÊNCIA
Narrado em primeira pessoa, o conto apresenta uma voz feminina inquieta, que
necessita saber de que cor eram os olhos de sua mãe, após acordar no meio da noite com essa
indagação que lhe pertubava há algum tempo. O uso da primeira pessoa dá o tom testemunhal
da narrativa e, por assim dizer, traz ao leitor certa cumplicidade, aproximando-o da voz que
conta a história. Não há temporalidade definida, porque a memória, os sentimentos, as
V SEMANA DE LETRAS DO IFES
LÍNGUA E LITERATURA: RESISTÊNCIAS NA EDUCAÇÃO
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impressões e indagações podem durar uma noite, horas e dias. Fica a impressão de que essa
indefinição se dilui na narrativa. As recordações vêm naturalmente, sobretudo da infância
pobre que tivera e de como sua mãe protagonizou cenas das quais se recorda com sincera
ternura e riqueza de detalhes.
No entanto, o fato que perturba a protagonista é que ela se ressente de não conseguir
lembrar com clareza a cor dos olhos de sua mãe, mesmo se recordando com detalhes de outros
aspectos. Ao longo da narrativa, a personagem, de modo reticente, pergunta a si mesma qual
era a cor dos olhos de sua mãe. Não há qualquer alusão à figura paterna no conto; pelo
contrário, a memória só resgata a figura da mãe, e das irmãs, e das tias, e da santa e da deusa.
O que se percebe é uma temática voltada para a imagem da figura progenitora da
mulher negra, do cuidado e do zelo que a maternidade pressupõe. Um dos trechos mais belos
é exatamente o que descreve o momento em que o lúdico, a brincadeira inventada pela mãe, é
uma forma de aplacar a dor da fome, realidade social que, no texto, não se estabelece com um
conteúdo crítico, mas sim como adorno poético para tornar o momento de ternura e de amor
ainda mais singelo, um eufemismo sublimado pela arte da escrita.
Esse é um dos traços inegavelmente desconcertantes ao leitor, pois a sensação é de dor
e de encantamento. A aflição da narradora, que resolve, por fim, visitar sua terra natal em
Minas, é a de obter a resposta de que necessita. Não é possível deixar de ressaltar que a
essência, o mote, está na cor. A protagonista quer encontrar a cor, quer saber da cor, como se
a cor fosse uma obstinação constante e a causa maior. O significado dessa palavra, no
contexto do conto, revela algo que se confirma no momento em que, ao contemplar sua mãe, a
personagem então vê que olhos daquela mulher que está diante de si eram só lágrimas:
Vi só lágrimas e lágrimas. Entretanto, ela sorria feliz. Mas eram tantas lágrimas, que
eu me perguntei se minha mãe tinha olhos ou rios caudalosos sobre a face. E só
então compreendi. Minha mãe trazia, serenamente em si, águas correntezas. Por
isso, prantos e prantos a enfeitar o seu rosto. A cor dos olhos de minha mãe era cor
de olhos d'água. Águas de Mamãe Oxum! Rios calmos, mas profundos e enganosos
para quem contempla a vida apenas pela superfície. Sim, águas de Mamãe Oxum.
(EVARISTO, 2017, p. 18-19)
Os olhos de sua mãe tinham a “cor de olhos“ pelos quais escorrem, jorram, brotam a
vida, a transparência, a pureza, a negritude. A narradora finaliza a história afirmando que
alcançou a cor dos olhos de sua mãe e, brincando com sua filha, tentando descobrir a cor dos
V SEMANA DE LETRAS DO IFES
LÍNGUA E LITERATURA: RESISTÊNCIAS NA EDUCAÇÃO
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olhos da menina, em que os olhos de uma são o espelho dos olhos da outra, surpreende-se
quando sua filha lhe pergunta: “Mãe, qual é a cor tão úmida de seus olhos?“
A filha já percebe que no olhar da mãe a cor tem um sentido muito mais simbólico do
que o que pode ser visto, tanto que emprega um predicativo que é metáfora que alude à água,
elemento da natureza que não só remete à vida, à existência, mas também ao sofrimento, ao
choro, à dor, formando, assim, um paradoxo que perpassa todo o conto.
Segundo o professor Eduardo de Assis, em Memórias da dor, ensaio publicado no
Jornal Cândido, o texto de Conceição
[...] sustenta o compromisso realista de fazer da literatura espaço e receptáculo do
que define como “escrevivência” enquanto marca definidora de seu trabalho com a
palavra. Mas, atenção: tal postura não deve jamais ser confundida com o mero relato
ou “reflexo” de ocorrências inerentes ao processo histórico e social. Entre o
acontecimento em si e sua narrativa instala-se a escrita que dialoga com a vivência
subalternizada. E esta interpreta e confere sentido aos fatos guardados na memória
— e na imaginação — das vítimas e testemunhas. Entre o ato e a fala, entre a escuta
e o texto, são muitas as mediações. (DUARTE, 2017)
Patricia Ribeiro afirma que:
Com relação ao apagamento da maternidade para a mulher negra, observamos que
na literatura brasileira é frequente a representação de seu corpo, tendo como base
discursos patriarcais e de perspectiva masculina que associam esse corpo à
sensualidade e ao prazer, sendo também, como assinala Eduardo Assis Duarte
(2009), um corpo infértil, o que implica o questionamento da ideia de
afrodescendência.
Entretanto, em oposição a essa conjuntura, a poética de Evaristo insere, no meio
literário brasileiro, imagens de mulheres negras desempenhando a função materna,
pois a “flor petrificada” no seu “íntimo solo” (EVARISTO, 2008, p. 20) não
sucumbe, mesmo em contextos adversos para a maternidade dessas mulheres como
era a sociedade escravocrata. (RIBEIRO, 2014, p. 155)
O texto ratifica essa concepção ao trazer as imagens da infância, presentes em toda a
narrativa. Ao nomear o conto de Olhos d‘água, Conceição Evaristo resgata do imaginário
coletivo uma expressão usada frequentemente para se referir a pequenas fontes das quais
brotava uma água potável. São as nascentes, muito comuns em locais onde a natureza é
presente e a vida abundante. Havia nascentes nos quintais das casas. Era muito natural
encontrar nascentes em muitas cidades ainda não impactadas pelo crescimento desenfreado.
Esse resgate também comprova que a maternidade pode ser percebida como uma
nascente na obra de Conceição Evaristo e os olhos são o veículo condutor dessas águas
V SEMANA DE LETRAS DO IFES
LÍNGUA E LITERATURA: RESISTÊNCIAS NA EDUCAÇÃO
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abundantes formadas por experiências vividas pela mulher negra, por todas as mulheres
negras. Isso fala de uma origem comum, de um lugar de criação e de memória.
Assim, um dos fortes traços desse texto é a preservação da memória de uma
ancestralidade fêmea, protetora e sensível. De uma ancenstralidade que se vê representada na
chamada rainha das águas Oxum, mencionada no conto. A crença coaduna-se à sabedoria de
mulheres que preservaram a tradição de suas antepassadas e, como afirma a autora, são as
yabás, as mães rainhas que cuidam de suas filhas.
Portanto, a fim de resistir à dominação que tenta ocultar as mulheres negras,
considerando que a formação ocidental branca baseia-se na supressão da voz feminina,
sobretudo na literatura dominada por homens brancos, Conceição Evaristo nos apresenta um
texto com uma experiência própria de escritura, o qual representa comunidades negras que
perpetuaram sua história por meio da tradição oral e, desse modo, conseguiram sobreviver ao
processo de escravidão que tenta atingir não só o corpo, mas também, e quem sabe acima de
tudo, o pensamento.
O texto de Conceição Evaristo, delicado e fremente, escorre como poesia, em
vivacidade e precisão, ao lançar o leitor em um tempo incerto que, na verdade, são todos os
tempos possíveis, fechando um ciclo em que a mãe que escreve é a filha assombrada pela
angústia de não conseguir se lembrar da cor dos olhos de sua mãe. Essa filha é a mãe
incansável a perseguir e tentar encontrar a cor, a sua escrita, a sua voz, o seu rio caudaloso
que fará seu curso pelas páginas de sua criação, de sua literatura fêmea por entender-se
progenitora e repetidora de tudo o que viu, ouviu ou não, simplesmente inventou.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A literatura de Conceição Evaristo não cumpre um propósito banal. Ela rompe com
evidentes formas de invisibilização ao trazer para a cena a figura da mulher negra, tão
estigmatizada nas páginas das obras literárias canônicas.
O caminho encontrado pela autora para dar voz à mulher foi exatamente o mesmo que
descobriu para si mesma, carregado de autenticidade e poesia, de memória e inquietude.
Todos os dias mulheres negras choram a morte de seus filhos, choram porque sentem medo e
dor. Todos os dias os jornais noticiam a vida dos que formam a massa invisível de um país
V SEMANA DE LETRAS DO IFES
LÍNGUA E LITERATURA: RESISTÊNCIAS NA EDUCAÇÃO
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que ajudaram a construir pela lei do chicote, pelas correntes e pela violência. As lágrimas
maternais escorrem pela vida e também pela morte. São as águas que brotam dos olhos da
terra, da mãe, da origem.
O conto Olhos d’água permite contemplar, por meio das lentes da poesia, uma outra
história que não está escrita nos livros, que não pode ser lida a não ser pelos olhos dos que
entendem que ser humano está para além das cores e preconceitos.
Em um tempo no qual insistentemente tentam negar à mulher, sobretudo a negra,
direitos que são fundamentais para a sua efetiva emancipação e valorização, apesar da
implementação de políticas públicas, o clamor poético não pode ser calado. Deve ganhar
ainda mais força em outras bocas. O espaço outrora negado precisa ser aberto para que outras
escritoras encontrem sua própria voz e a façam reverberar na produção literária brasileira do
século XXI.
A escola e a universidade são alguns dos lugares em que é necessário permitir a
manifestação de autoria e autorias, do que é individual, mas também coletivo, legitimado pelo
desejo de expressão, o qual muitas vezes está presente na infância e é moldado ou manipulado
para a servidão. A submissão é uma condição que se perpetua se nada for feito para contê-la.
Não será a mão do sistema comprometido com uma visão colonizadora que promoverá a
liberdade, mas sim o grito do povo colonizado, sua insurreição, sua rebeldia. Esse é o sentido
de fazer da literatura a própria essência da vida: a luta, o compromisso, a missão derradeira e
perene. Literatura também pode significar militância e ternura.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BUTLER, Judith. Cuerpos que importam: sobre os limites materiais e discursivos do sexo.
Buenos Aires. Paidós, 2002.
COSTA; Fernando Braga da. Homens invisíveis: relatos de uma humilhação social. São
Paulo: Editora Globo, 2004.
DALCASTAGNÈ, Regina. Literatura brasileira contemporânea: um território contestado.
Vinhedo: Editora Horizonte; Rio de Janeiro: Editora da Uerj, 2012.
---------. A personagem do romance contemporâneo: 1990-2004. Estudos de Literatura
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em: <http://periodicos.unb.br/index.php/estudos/article/view/2123>. Acesso em: 27 jul. 2018.
V SEMANA DE LETRAS DO IFES
LÍNGUA E LITERATURA: RESISTÊNCIAS NA EDUCAÇÃO
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DUARTE, Eduardo de Assis. Por um conceito de literatura afro-brasileira. Terceira
Margem, [S.l.], v. 14, n. 23, p. 113-138, jun. 2017. ISSN 2358-727x. Disponível em:
<https://revistas.ufrj.br/index.php/tm/article/view/10953>. Acesso em: 27 jul. 2018.
---------. Memórias da dor. 2017. Disponível em: <http://www.candido.bpp.pr.gov.br/>.
Acesso em: 27 jul. 2018.
EVARISTO, Conceição. Olhos d’água. Rio de Janeiro: Pallas, Secretaria de Políticas de
Promoção da Igualdade Racial, 2017.
PROENÇA FILHO, Domício. A trajetória do negro na literatura brasileira. Estudos
Avançados, v. 18, n. 50, p. 161-193, janeiro/abril 2004. ISSN 0103-4014. Disponível em:
<http://dx.doi.org/10.1590/S0103-40142004000100017>. Acesso em: 27 jul. 2018.
RIBEIRO, Djamila. O que é lugar de fala? Belo Horizonte: Letramento: Justificando, 2017.
RIBEIRO, Patrícia. O papel de intelectual de Conceição Evaristo e Dionne Brand. Scripta,
[S.l.], v. 18, n. 35, p. 143-164, dez. 2014. ISSN 2358-3428. Disponível em:
<http://periodicos.pucminas.br/index.php/scripta/article/view/P.2358-
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SOUZA, Jessé (Org). A invisibilidade da desigualdade brasileira. Belo Horizonte: UFMG,
2006.
V SEMANA DE LETRAS DO IFES
LÍNGUA E LITERATURA: RESISTÊNCIAS NA EDUCAÇÃO
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LITERATURA INFANTIL E A EDUCAÇÃO: A RESISTÊNCIA EM
TEMPOS DE GOLPE
Mariana Passos Ramalhete2
Resumo: Este trabalho tece considerações acerca do caráter ousado, intrépido e subversivo de
obras que questiona(ra)m, ainda que sob a mira do autoritarismo, a democracia e a liberdade
tolhidas a Golpe. Discorre sobre quatro livros infantis de autoria de Ruth Rocha, lançadas em
plena Ditadura Militar e circunscritas na série O Reizinho Mandão. Ratifica a importância de
ser trazer à tona, também no contexto educacional, produções literárias que se estruturam a
partir da tríade ética, estética e política em face das artimanhas e vilanias próprias de regimes
antidemocráticos. Ao ancorar-se nos estudos de Zilberman e Magalhães (1984) sobre o caráter
emancipatório da literatura infantil, conclui que a autora lança mão da escrita como opção
poética e crítica de resistência.
Palavras-chave: Educação. Literatura Infantil. Rute Rocha.
PALAVRAS INICIAIS
Walter Benjamin, ao ponderar Sobre o conceito de História, em Magia e Técnica, Arte
e Política, obra cuja publicação original se deu em 1936, assegura que “A tradição dos
oprimidos nos ensina que o “estado de exceção” em que vivemos é na verdade a regra geral
(BENJAMIN, 1987, p. 226).
Márcia Tiburi, na obra Como conversar com um fascista, assevera que “[...] Juros
sociais e políticos não cessam de ser cobrados historicamente. O autoritarismo finge não
existir o tempo histórico e prega em nome de interesses imediatos” (TIBURI, 2015, p. 66). A
filósofa traz à baila uma constatação embaraçosa e incômoda: discursos de ódio, verdades
prontas, simplórias, rasteiras, violentas e imediatas custam. No contexto em que vivemos,
2
Doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGE) da Universidade Federal do Espírito Santo
(Ufes). Professora de Língua Portuguesa do Instituto Federal do Espírito Santo. Pesquisadora do Núcleo de
Estudos e Pesquisas em Educação e Filosofia da Ufes (Nepefil/CE/Ufes) e do grupo de pesquisa
interinstitucional Literatura e Educação.
V SEMANA DE LETRAS DO IFES
LÍNGUA E LITERATURA: RESISTÊNCIAS NA EDUCAÇÃO
18
cuja produção de lucro é um pilar, alguém paga. Um aviso quase que tautológico anuncia-se
sem temer: e paga caro.
Um folião, sob a égide da censura, é impedido de desfilar com sua fantasia vampiresca
completa na Sapucaí3
. Um escritor tem que prestar contas à justiça pelo conteúdo de sua obra
literária4
. Um conjunto de vereadores de uma cidade interiorana visa a constituir uma segunda
versão do Index Librorum Prohibitorum, à moda capixaba5
. Uma exposição artística é
interrompida em nome de Deus e dos bons costumes6
. Na educação, uma série de propostas
agiganta imodestamente os bolsos dos grandes banqueiros. Um Ministro da Educação ameaça
um professor universitário por causa da criação da disciplina “O Golpe de 2016 e o futuro da
democracia no Brasil”7
. Livros de literatura são retirados de escolas, sem qualquer diálogo, e
um delegado é ouvido ao invés de especialistas em literatura infantil8
. Armas, carregadas de
racismo, preconceito e discriminação, perfuram a população preta e pobre9
, amiúde.
Mulheres, na mira dos dedos em riste do machismo, têm seus corpos, todos os dias,
violentados, simbólica e fi-si-ca-men-te10
. Um general é o comandante máximo da Segurança
– Pública – do Rio de Janeiro11
. Uma mídia manipuladora cede palco, cenário e coopta
público para assistir a esse teatro. Propostas – indecorosas, indecentes, aviltantes, injustas –
que arranham a dignidade, a vida saudável e os sonhos dos trabalhadores se avolumam.
Reformas: disformam. Transformam. Conformam. O leque de notícias, incompatíveis com a
democracia, ainda que se assemelhe a um passado recente da história brasileira, são,
3
Disponível em: <http://congressoemfoco.uol.com.br/noticias/vampiro-presidente-da-tuiuti-e-proibido-de-usar-
faixa-presidencial-no-desfile-das-campeas/>. Acesso em: 20 fev. 2018.
4
Disponível em: <https://www.gazetaonline.com.br/entretenimento/cultura/2017/10/livro-pornografico-faz-pai-
processar-professora-da-rede-estadual-1014105000.html>. Acesso em 26 out. 2017.
5
Disponível em: <https://www.revistaforum.com.br/mais-censura-vereadores-de-marechal-floriano-querem-
criar-lista-de-livros-proibidos/>. Acesso em: 29 out. 2017.
6
Disponível em: <https://oglobo.globo.com/cultura/manifestacoes-contrarias-exposicao-queermuseu-foram-17-
vezes-mais-vistas-nas-redes-21873107>. Acesso em: 30 set. 2017.
7
Disponível em: <https://jornalggn.com.br/noticia/professor-da-unb-e-ameacado-por-curso-sobre-o-golpe>.
Acesso em: 22 fev. 2018.
8
Disponível em: <https://g1.globo.com/espirito-santo/educacao/noticia/livro-infantil-cita-casamento-entre-pai-e-
filha-e-prefeitura-de-vitoria-diz-que-vai-retirar-obras-das-escolas.ghtml>. Acesso em 02 jun. 2017.
9
Disponível em: <https://www.cartacapital.com.br/sociedade/atlas-da-violencia-2017-negros-e-jovens-sao-as-
maiores-vitimas>. Acesso em 02 dez. 2017.
10
Disponível em:<http://www.compromissoeatitude.org.br/dados-e-estatisticas-sobre-violencia-contra-as-
mulheres/ >. Acesso em 10 jan. 2018.
11
Disponível em: <http://www.forte.jor.br/2018/02/16/governo-federal-decide-decretar-intervencao-na-
seguranca-publica-do-rj/ >. Acesso em: 20 fev. 2018.
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19
infelizmente, atuais e comprovam, quase cem anos depois, a atualidade da tese de Benjamin
(1987).
De 1964 a 1985, o Brasil vivenciou um dos períodos mais tenebrosos e arrogantes de
sua história: a Ditadura Militar. Caracterizada pela repressão, cerceamento de liberdades
individuais, tortura, entrega de empresas ao capital estrangeiro, aumento da dívida externa,
violência e censura, esse período, contraditoriamente, registrou uma efervescência das
produções literárias destinadas ao público infantil e juvenil. Uma vez que a literatura infantil
ficou, durante muitos anos, reduzida às finalidades didatizantes e moralizantes
(ZILBERMAN, 2009), essa manifestação artística foi obscurecida pela crítica literária e, ao
mesmo tempo, relegada ao limbo aos olhos da censura. Escritores como Lygia Bojunga,
Ziraldo, Lucia Machado de Almeida, Odette de Barros Mott, Bartolomeu Campos de Queiroz,
Joel Rufino, Ana Maria Machado e Ruth Rocha, em um viés desconexo aos cerceamentos
pedagogizantes até então comuns à literatura infantil, tiveram suas obras publicadas mesmo
em um contexto de extrema hostilidade. Vertente também defendida por Coelho (1984),
Machado (2011, p. 108) salienta: “[...] (o chamado boom da literatura infantil e juvenil) tem
início no pior momento da ditadura militar. Como explicar que uma produção tão
marcadamente rebelde, subversiva e antiautoritária tenha nascido e crescido sob
circunstâncias tão desfavoráveis?”.
Segundo a autora, esse fenômeno se deu por três motivos: “explosão criativa”
(MACHADO, 2011, p. 109), devido a uma tradição herdada de Monteiro Lobato; a ausência
de uma leitura literária, pelos militares, a seus filhos e netos, o que evidencia um total
desconhecimento das produções da área, e, por fim, cogita-se: eles não davam importância
nenhuma às crianças. Machado (2011) ainda pondera que, embora alguns desses autores
tivessem sido perseguidos, presos e exilados, tais motivos se davam pelas suas respectivas
atuações profissionais enquanto jornalistas, professores, advogados, por exemplo, e não por
causa de suas produções literárias.
Morais (2011), ao tratar da literatura infantil produzida no período da Ditadura Militar
brasileira, analisa uma série de obras, ressaltando o caráter de denúncia próprio dessas
manifestações. Como a produção desse período é vasta e no intento de uma esquiva à
repetição, este trabalho tem como objetivo dialogar acerca do caráter ousado, intrépido e
V SEMANA DE LETRAS DO IFES
LÍNGUA E LITERATURA: RESISTÊNCIAS NA EDUCAÇÃO
20
subversivo de obras de literatura infantil que questiona(ra)m, ainda que sob a mira do
autoritarismo, a democracia e a liberdade tolhidas a Golpe.
Quatro obras infantis de autoria de Ruth Rocha e circunscritas na série O Reizinho
Mandão são trazidas à baila: O reizinho Mandão, (1978), O rei que não sabia de nada (1980)
O que os olhos não vêem (1981), Sapo vira rei vira sapo ou a volta do reizinho mandão
(1982)12
. É necessário advertir que tal escopo visa, sobretudo, a mapear algumas obras que
ousaram. O contexto atual é injusto, desigual e ignóbil. Mas a literatura direciona nossos
olhos a não naturalizarmos o que é injusto, desigual e ignóbil. Há, portanto, resistência.
LITERATURA INFANTIL E MULHERES: O DESACATO
Concentremo-nos, por ora, nossas atenções em algumas produções de literatura
infantil de autoria de Ruth Rocha, autora notável de literatura infantil. Convém salientar, no
entanto, que estudo semelhante a esta proposta foi empreendido por Mariano (2012), por
exemplo. A autora, ao fazer a análise das obras que serão tratadas também neste trabalho,
traça um estudo comparativo com obras portuguesas de José Cardoso Pires, e salienta que
todas as produções denunciam as situações históricas dos dois países assolados por regimes
militares e reforçam a importância do Estado democrático. Em um movimento semelhante,
Rosa (2014), em sua tese, salienta que a literatura infantil tornou-se palco metafórico de
resistência ao regime ditadorial.
A ousadia da série O reizinho Mandão é vislumbrada já nos títulos. Afinal, “Ruth
Rocha vale-se de uma alegoria para representar o Brasil dos anos 70, dominado por um
regime autoritário que calava a oposição e que buscava encontrar meios de expressão para
furar o bloqueio da censura e da repressão” (ZILBERMAN, 2009, p. 61).
O reizinho Mandão (1978) já se inicia com uma afronta: “Quando deus enganar gente,
Passarinho não voar... A viola não tocar, Quando o atrás for na frente, No dia que o mar secar,
Quando prego for martelo, Quando cobra usar chinelo, Cantador vai se calar... (ROCHA,
1995, p. 5)”. Trata-se de uma história um reizinho mandão, prepotente e mimado que dava
ordem aos seus súditos para que se calassem. Amedrontadas, as pessoas se calavam. Se
12
Para composição deste trabalho, foram utilizadas para diálogo versões mais recentes das obras.
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calavam tanto que desaprenderam a falar. Culpado, já que não tinha com quem conversar, o
reizinho procurou ajuda para tentar resolver o problema e se defronta, mais tarde, com a
ousadia de uma menina a desafiar suas ordens.
Figura 1 – Capa do livro O reizinho Mandão
Trata-se, portanto, de obra que rompe triplamente, em um contexto social
antidemocrático, com uma visão adultocêntrica de uma criança, com uma perspectiva
fragilizada da mulher e, ao mesmo tempo, questiona (e enfrenta) o autoritarismo.
O rei que não sabia de nada (1980) aborda a história de um monarca, acompanhado
de ministros néscios, que não se preocupavam com os anseios de seu povo e tomam a decisão
de substituir certos trabalhos de seres humanos pelos trabalhos de uma máquina. No entanto, a
máquina apresentou defeito que se estendiam desde a insistência de programas de rádio
enfadonhos e verborrágicos à acentuação da miséria do povo. Quando o rei resolve sair do
castelo para passear, defronta-se com a situação de penúria e é interpelado por uma menina.
Fonte: elaboração da autora
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Figura 2 – Capa do livro O rei que não sabia de nada
Fonte: elaboração da autora
Pela voz da personagem Cecília, é salientada a necessidade de se expressar, ainda que
diante dos abusos de poder, e descortinam-se as sérias consequências de um mandado, cujo
representande de um Estado desconhece as verdadeiras necessidades de seu povo e delega a
tarefa a pessoas que tampouco se importam com as mazelas sociais.
Sapo vira rei vira sapo ou a volta do reizinho mandão (1982) já pelo título propõe
uma desconstrução, ao antecipar que a narrativa tradicional será subvertida. Conta,
ironicamente, a história de um sapo feio que, após o beijo de uma princesa, virou um príncipe
bonitão, autoritário, negligente, autor de leis absurdas, tais como aumento na cobrança de
impostos e troca de nomes das pessoas.
Figura 1 – Capa do livro Sapo que vira rei vira sapo ou a volta do reizinho mandão
Fonte: elaboração da autora
V SEMANA DE LETRAS DO IFES
LÍNGUA E LITERATURA: RESISTÊNCIAS NA EDUCAÇÃO
23
Um dia, ao saber que as pessoas falavam mal dele, e que tais opiniões eram
verdadeiras, ordena:
Verdade? Eles dizem a verdade? Pois eu não gosto desta tal de verdade! Prendam a
verdade! Prendam todas as verdades! Percorram o reino! Vasculhem as cidades!
Corram pelas ruas, entrem pelas asas! Espiem em baixo das camas! Remexam nas
gavetas! E prendam todas as verdades! Quero todas muito bem presas no sótão real!
Todas, todinhas! Embrulhadas, amarradas, presas no sótão real! (ROCHA, 2012b, p.
25).
Mais uma vez, percebe-se a ousadia de uma escritora, que além de não seguir uma
estrutura dos contos de fadas tradicionais, questiona severamente a censura, a liberdade
cerceada, critica os mandos e desmandos, o abuso de poder, bem como salienta que, para se
reverter tal situação, é preciso que a classe espoliada se una em prol da conquista da
liberdade.
Escritos em versos, a obra O que os olhos não vêem (1981), por sua vez, narra a uma
estranha doença" que atinge o rei: “Pessoas grandes e fortes o rei enxergava bem. Mas se
fossem pequeninas, e se falassem baixinho, o rei não via ninguém” (ROCHA 2003, p. 10). Os
gigantes, que não só destacavam pela altura física, mas pelo timbre da voz, foram chamados a
viver no palácio, juntamente com o rei.
Figura 2 - Capa do livro O que os olhos não veem
Fonte: elaboração da autora
Dessa maneira, o reino fica dividido: os fortes e os fracos; as pessoas altas e as pessoas
baixas. A convivência entre ambos impede que estes enxerguem os súditos, que são baixos.
Essa situação só muda quando os oprimidos se juntam e obrigam o rei a enxergá-los. Logo, é
V SEMANA DE LETRAS DO IFES
LÍNGUA E LITERATURA: RESISTÊNCIAS NA EDUCAÇÃO
24
descortinada não só as discrepância de uma sociedade dividida em classes, a conivência do
Estado com a classe dominante, o interesse dessa mesma classe dominante na perpetuação
dessas mesmas desigualdades e o abismo existente entre o povo e seus governantes.
Como pode ser observado, nas quatro obras de autoria de Ruth Rocha, há sempre a
figura real alvo de críticas e de questionamentos, que nem mesmo os anos de chumbo foram
capazes freá-los. É quase impossível explicar que disposição, força são estas que motivam
escritores e, no caso deste trabalho, escritora, profissionais ou não, mundo afora, com
intrepidez, a narrarem a dor, o ódio, a náusea, a feiura, a vergonha, a guerra, a tirania, a
maldade, os golpes, a corrupção, os desmandos, a ditadura, o horror... Mas, sabemos que a
humanidade não é só beleza e que a necessidade que temos de narrar fatos, de sermos
ouvidos, de sermos compreendidos e de compreendermos o outro, o mundo, de provocar a
empatia, a estranheza, a esperança, a inquietação, a dúvida, o asco... tudo isso nos põe
imortais no tempo e realça em nós a nossa humanidade.
Na obra Literatura Infantil: autoritarismo e emancipação, de autoria de Regina
Zilberman e Ligia Cadermatori Magalhães, é salientado o histórico da literatura infantil em
cinco capítulos. No primeiro deles, Zilberman (1984) salienta o estatuto da literatura infantil e
seu vínculo inicial com a tradição pedagógica, de modo a assegurar os pressupostos
burgueses, bem como moralizar e padronizar o comportamento de crianças. Trata-se de um
aspecto que confirma uma das vertentes já salientadas no título da obra: o autoritarismo. No
último capítulo, Magalhães (1984) traça um histórico da literatura infantil brasileira, dando
ênfase ao distanciamento de algumas obras do viés moralizante já denunciado anteriormente.
Lista, para tanto, autores como Monteiro Lobato, Fernanda Lopes de Alemida, Lygia
Bojunga, Sérgio Caparelli. Ao analisar traços que notabilizam esses escritores, a autora
mostra como as produções em questão afastam-se do caráter meramente lúdico e/ou
moralizador tão comuns até então.
Zilberman (1984, p. 134) atesta que a literatura infantil é “[...] é essencialmente
formadora, mas não educativa no sentido escolar do termo; e cabe-lhe uma formação especial
que, antes de tudo, interrogue a circunstância social de onde provém o destinatário e seu lugar
dentro dela. Rute Rocha, nas obras elencadas neste trabalho, comunga da notabilidade, da
criticidade, da inovação e da percepção acurada, ainda que não tenha sido citada por
V SEMANA DE LETRAS DO IFES
LÍNGUA E LITERATURA: RESISTÊNCIAS NA EDUCAÇÃO
25
Magalhães (1984). Nesse sentido, ao dedicar-se à publicação de obras que interrogam e
afrontam o estabelecido, a norma, o medo, mostra-se o outro lado da moeda: a emancipação.
Safatle (2012, p. 16) adverte que “[...] a política é, em seu fundamento, a decisão a
respeito do que será visto como inegociável. Ela não é simplesmente a arte da negociação e do
consenso, mas a afirmação taxativa daquilo que não estamos dispostos a colocar na balança”.
Durante anos, a literatura infantil foi confinada ao ostracismo, à ignorância, ao abafamento, ao
desdém. Também por causa do apelo das cifras editoriais, no entanto, outros caminhos e
perspectivas têm sido traçados. Até hoje, é muito comum se deparar com uma visão
superficial, mas nociva e compromissada com interesses neoliberais, a reforçar que esta se
destina apenas ao mundo da fantasia, do deleite, do prazer, do não compromisso, do
entretenimento fugaz e pueril. Mas as obras de Rute Rocha ora referidas comprovam uma
indisposição a negociatas, a não compactuação com a ordem vigente e a não disponibilidade
de fazer concessões. Em síntse: o desacato, a rebeldia, a subversão.
PALAVRAS FINAIS
Há uma região no território norte-americano chamada Badlands (terras ruins), por se
caracterizar pela aridez, rachadura e a rispidez do solo. No entanto, na primavera13
, quando há
alguma umidade, a secura se transforma. Onde a possibilidade de vida era, até então, inóspita,
uma vastidão de cores aparece. Esse fenômeno se justifica, pois, nessa época do ano, as
plantas usam todas as energias oriundas dessa umidade, ainda que ínfima, para reprodução e
florescimento.
“Participar do debate político em um momento de ruptura da democracia, contaminar a
própria escrita, ou a crítica, em busca do desmascaramento de um processo autoritário é ainda
acreditar – nos homens e mulheres e na própria literatura como instrumento de ação”, pondera
sabiamente Dalcastagnè (2017). Ela ainda é incisiva: “Quando desistirmos de nossa
capacidade de acreditar, a luta, enfim, estará perdida” (DALCASTAGNÈ, 2017).
Andruetto (2017, p. 108) assegura, por sua vez, que “A escola não é somente o espaço
para instalar a leitura [...], mas também para construir consciência acerca de nós próprios e
13
Disponível em: <http://www.bontempo.com.br/design/badlands-um-deserto-repleto-de-flores-raras/>. Acesso
em: 18 fev. 2018.
V SEMANA DE LETRAS DO IFES
LÍNGUA E LITERATURA: RESISTÊNCIAS NA EDUCAÇÃO
26
desenvolver nosso pensamento, para não ter o mundo como certo. Assim, ratifica-se a
importância de ser trazer à tona, também no contexto educacional, obras literárias que se
estruturam a partir da tríade ética, estética e política em face das artimanhas e vilanias
próprias de regimes antidemocráticos.
Em Badlands, as flores, juntas, fazem um imenso esforço para sobreviverem em meio
ao intenso estio, ao caos, à escassez, à sequidão, à falta. Todavia, elas, subversivas, aguerridas
e fortes, lutam. A história vem mostrando ao longo do tempo que nada é peremptório, que há
outras possibilidades. Que mulheres não são bibelôs, nem super-heroínas, nem princesas à
espera de um príncipe que as salvem. Que “Somos o que vivemos e lemos, e somos o
resultado de questionar o que vivemos e lemos” (ANDRUETTO, 2017, p. 106). Talvez a
poesia da vida e a necessidade de utopia também residam também nessas constatações. E
Ruth Rocha sabem disso.
REFERÊNCIAS
ANDRUETTO, Maria Teresa. A leitura, outra revolução. Tradução de Newton Cunha. São
Paulo: Edições Sesc São Paulo, 2017. 168 p.
BENJAMIN, Walter. Magia e técnica, arte e política: ensaios sobre literatura e história da
cultura. Tradução: Sérgio Paulo Rouanet. 3. ed. São Paulo: Brasiliense, 1987.
COELHO, Nelly Novaes. A Literatura Infantil. 3. ed. São Paulo: Global, 1984.
DALCASTAGNÈ, Regina. Literatura e Resistência no Brasil Hoje. 2017. Disponível em:
<http://www.suplementopernambuco.com.br/artigos/1936-literatura-e-resistência-no-brasil-
hoje.html>. Acesso em: 12 ago. 2017.
MACHADO, Ana Maria. Silenciosa Algazarra. São Paulo: Companhia das Letras, 2011.
MARIANO, Juliana Camargo. A literatura infantil e o autoritarismo no século XX: um
estudo comparativo entre Ruth Rocha e José Cardoso Pires. 2012. 129 f. Dissertação
(Mestrado) – Programa de Pós-graduação em Estudos Comparados de Literaturas de Língua
Portuguesa, Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo,
São Paulo, 2012.
MORAIS, Josenildo Oliveira de. A Literatura Infantil Como Instrumento de Denúncia da
Ditadura Militar. 2011. 108 f. Dissertação (Mestrado) - Curso de Mestrado em Literatura e
Interculturalidade, Pró-reitoria de Pós- Graduação, Universidade Estadual da Paraíba,
Campina Grande, 2011.
V SEMANA DE LETRAS DO IFES
LÍNGUA E LITERATURA: RESISTÊNCIAS NA EDUCAÇÃO
27
ROSA, Daniela Botti da. O rei está nu: o discurso da literatura infantil durante a ditadura
militar no Brasil. 2014. 249 f. Tese (Doutorado) - Programa de Pós-graduação em Letras e
Linguística, Faculdade de Letras, Universidade Federal de Alagoas, Maceió, 2014.
ROCHA, Ruth. O reizinho mandão. 27. ed. São Paulo: Salamandra, 2013. 40 p. (Série: O
reizinho mandão). Ilustrações de Walter Ono.
___________. O Rei que não sabia de nada. 17. ed. Rio de Janeiro: Salamandra, 2012a.
(Série: O reizinho mandão). Ilustrações de Carlos Brito.
___________. O que os olhos não veem. 2. ed. Rio de Janeiro: Salamandra, 2003. (Série: O
reizinho mandão). Ilustrações de Carlos Brito.
___________. Sapo vira rei vira sapo, ou, A volta do reizinho mandão. 2. ed. São Paulo:
Salamandra, 2012b. 40 p. (Série: O reizinho mandão). Ilustrações de Walter Ono.
SAFATLE, Vladimir. A esquerda que não teme dizer seu nome. 1. Ed. São Paulo: Três Estrelas, 2013. 87 p.
TIBURI, Márcia. Como conversar com um fascista. Rio de Janeiro: Record, 2015. 185 p.
ZILBERMAN, Regina. Como e por que ler a Literatura Infantil Brasileira. Rio de
Janeiro: Objetiva, 2009. 181 p.
ZILBERMAN, Regina & MAGALHÃES, Lígia C. Literatura infantil: autoritarismo e
emancipação. 2ªed. São Paulo: ática, 1984.
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A PEQUENA PRISÃO, DE IGOR MENDES: RESISTÊNCIA AOS
MECANISMOS DE EXCLUSÃO DA VOZ CONTESTADORA
Maria Isolina de Castro Soares14
Resumo: A obra A Pequena Prisão (2017), de Igor Mendes, catalogada como da área de
Ciências Políticas, é uma obra de testemunho da prisão do autor no Complexo Penitenciário
de Gericinó, condenado por participar das jornadas de junho de 2013. É também uma obra de
denúncia contra o poder político, que legisla procurando manter privilégios que aumentam a
concentração de riqueza no país. O livro não deixa de assinalar, com frequência, a
comparação do que ocorre nas prisões brasileiras com o que ocorria nas prisões, oficiais ou
não, do regime militar no Brasil, de 1964 a 1985. Analisa-se o texto à luz de teóricos que
estudam o testemunho e os mecanismos colocados em prática no que Agamben denomina
estado de exceção.
Palavras-chave: Testemunho. Prisão. Resistência.
A V Semana de Letras do Ifes, Campus Vitória, apresentou, como proposta de base,
uma “[...] reflexão crítica sobre o momento por que o país atravessa, a fim de fortalecer laços
e formular estratégias de resistência aos incessantes ataques à democracia”, ressaltando a
profissão docente como um dos alvos visados pelas mudanças autoritárias, assim como os
direitos dos trabalhadores em geral. A Educação e os direitos trabalhistas, no entanto, não
estão isolados nos ataques a uma cultura democrática e de respeito aos direitos
constitucionais. Os movimentos contestatórios de esquerda existentes no Brasil
contemporâneo são reprimidos com estratégias que vão desde o auxílio da imprensa em
demonizar esses movimentos até a prisão de militantes que se colocam frontalmente contra o
sistema político-social do país, que, sendo legislativamente uma democracia, utiliza
mecanismos característicos de estado de exceção para anular opositores. A obra A pequena
prisão (2017), de Igor Mendes, é uma denúncia de situações em que o poder político burla a
Constituição, violando os direitos sociais e individuais dos cidadãos, não apenas dos que se
14
Doutoranda em Letras (Ifes/Ufes/Capes).
V SEMANA DE LETRAS DO IFES
LÍNGUA E LITERATURA: RESISTÊNCIAS NA EDUCAÇÃO
29
colocam contra o poder como também da maioria da população em geral e dos milhares de
seres que, tendo contas a acertar com a justiça, são tratados de forma sub-humana nas prisões
brasileiras. Seu olhar denuncia:
É inegável que a vida da imensa maioria do nosso povo se parece muito com um
pesadelo. As calçadas das grandes cidades brasileiras viraram dormitórios, as favelas
imensas prisões a céu aberto, as prisões odiosas câmaras de tortura. O trabalho
precário converte os que o realizam em mercadorias mais baratas que os artigos que
produzem (MENDES, 2017, p. 369).
Em um país de enorme concentração de renda15
e com a terceira maior população
carcerária do mundo16
, os problemas relativos à violência só têm-se agravado. O professor
Jaime Ginzburg cita um artigo17
de Renato Janine Ribeiro, no qual o filósofo postula ter a
sociedade brasileira vivido em sua formação dois traumas fundamentais: a violenta
exploração colonial e a cruel escravidão, que a fizeram herdeira
[...] de duas experiências dolorosas, de sujeição à agressão, de ausência de senso
coletivo, de absoluta falta de consideração com relação à maioria dos habitantes por
parte das elites. Nossa formação social é resultado de um processo intensamente
truculento, cujas consequências se fazem sentir até o presente, pois suas dores ainda
não foram inteiramente superadas (GINZBURG, 2010, p. 133).
Situações como as que o país vive configuram um esfacelamento do Estado
democrático, com os direitos e garantias fundamentais do cidadão sendo constantemente
violados. Segundo Jaime Ginzburg
A conservação de valores por parte das elites, estrategicamente articulada com uma
política educacional e cultural dedicada à preservação da desigualdade de condições
de acesso ao conhecimento, tem permitido que, mesmo em períodos considerados
democráticos, várias das grandes instituições legislativas, executivas, educacionais
responsáveis pela saúde e pelos problemas sociais se comportem de modo a manter
a desigualdade e a hierarquia, cultivando ideologias autoritárias (GINZBURG, 2010,
p. 136).
Pode causar estranheza que se fale em autoritarismo em um país que, após 21 anos de
regime ditatorial, de 1964 a 1985, promulgou, em 1988, a Constituição Cidadã, na qual os
15
Apenas 1% dos habitantes detém quase 30% da renda do país, segundo a Pesquisa Desigualdade Mundial
2018, coordenada, entre outros, pelo economista francês Thomas Piketty. Disponível em:
<https://brasil.elpais.com/brasil/2017/12/13/internacional/1513193348_895757.html>. Acesso em: 22 abr. 2018.
16
O número exato de presos no sistema penitenciário brasileiro somou 726.712 pessoas em junho de 2016 –
último dado tabulado. Disponível em: <http://www.justica.gov.br/news/ha-726-712-pessoas-presas-no-brasil>.
Acesso em: 22 abr. 2018.
17
Renato Janine Ribeiro: “A dor e a injustiça”.
V SEMANA DE LETRAS DO IFES
LÍNGUA E LITERATURA: RESISTÊNCIAS NA EDUCAÇÃO
30
direitos e deveres dos cidadãos ganharam extensão como nunca antes ocorrera e que enuncia
como fundamentos a cidadania, a dignidade da pessoa humana e o pluralismo político
(BRASIL, 2018).
Uma parcela considerável da população, no entanto, desconhece a prática desses
fundamentos, como mostram pesquisas de indicadores sociais da realidade brasileira
publicados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em dezembro de 2017:
“Cerca de 50 milhões de brasileiros, o equivalente a 25,4% da população, vivem na linha de
pobreza e têm renda familiar equivalente a R$ 387,07 – ou US$ 5,5 por dia, valor adotado
pelo Banco Mundial para definir se uma pessoa é pobre” (AGÊNCIA BRASIL, 2018).
É também preocupante o percentual da população que vive em “aglomerados
subnormais”18
, o que não inclui a população carcerária.
Conhecidos como favelas, invasões, grotas, baixadas, comunidades, vilas, ressacas,
mocambos ou palafitas, essas áreas abrigam os lares de 11.425.644 pessoas, ou 6%
da população brasileira. O estudo feito pelo IBGE mostra que 5,6% (3.224.529) do
total de domicílios brasileiros estão localizados nessas áreas. Em todo o País foram
identificadas 6.329 favelas espalhadas em 323 municípios (ISTOÉ, 2018).
Esses indicadores estão frontalmente contra o que preconiza a Constituição da
República Federativa do Brasil. No Capítulo II, Dos Direitos Sociais, o caput do Artigo 6º
afirma: “São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o
transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a
assistência aos desamparados, na forma desta Constituição” (BRASIL, 2018).
Saúde com qualidade, trabalho formal, moradia salubre, segurança eficaz, transporte
decente, assim como os outros direitos que o artigo da Constituição relaciona, são itens
distantes da população pobre brasileira. Hoje a segurança é tão precária que aterroriza os
moradores das áreas nobres da cidade, com as balas perdidas extrapolando os guetos
desassistidos da população marginalizada. A Educação atravessa um momento crítico, com a
18
Um aglomerado subnormal é, segundo o IBGE, “[...] o conjunto constituído por 51 ou mais unidades
habitacionais caracterizadas por ausência de título de propriedade e pelo menos uma das características abaixo:
- irregularidade das vias de circulação e do tamanho e forma dos lotes e/ou
-carência de serviços públicos essenciais (como coleta de lixo, rede de esgoto, rede de água, energia elétrica e
iluminação pública). Disponível em:
<https://ww2.ibge.gov.br/home/presidencia/noticias/imprensa/ppts/00000015164811202013480105748802.pdf>
. Acesso em: 23 abr. 2018.
V SEMANA DE LETRAS DO IFES
LÍNGUA E LITERATURA: RESISTÊNCIAS NA EDUCAÇÃO
31
implantação de uma Base Nacional Comum Curricular da Educação Infantil ao Ensino Médio,
mobilizando professores e outros intelectuais na discussão de mais um plano educacional
colocado em prática e tendo pretensamente recebido “12 milhões de contribuições”.
E no dia 22 de dezembro de 2017 foi publicada a Resolução CNE/CP nº 2, que
institui e orienta a implantação da Base Nacional Comum Curricular a ser respeitada
obrigatoriamente ao longo das etapas e respectivas modalidades no âmbito da
Educação Básica. Lembrando que a BNCC aprovada se refere à Educação Infantil e
ao Ensino Fundamental, sendo que a Base do Ensino Médio será objeto de
elaboração e deliberação posteriores (BRASIL, MEC, 2018).
Segundo o site jus.com.br, uma resolução é um ato legislativo que tem força de lei se
foi promulgada para regular uma lei, o que é o caso da Resolução CNE/CP nº 2, de 22 de
dezembro de 201719
, assinada pelo presidente do Conselho Nacional de Educação (CNE). O
documento referente ao Ensino Médio foi entregue pelo Ministério da Educação ao CNE no
dia 3 de abril de 2018, e até o final do ano deve ser objeto de nova Resolução desse Conselho.
Esse painel de alguns problemas enfrentados pela sociedade brasileira indica que se vive, no
Brasil, um estado de exceção.
O jurista sueco Herbert Tingsten (1896-1973) é citado por Agamben na obra Estado
de Exceção (2004), a respeito da expansão dos poderes governamentais durante e após a
Primeira Guerra (1914-1918):
A análise de Tingsten concentra-se num problema técnico essencial que marca
profundamente a evolução dos regimes parlamentares modernos: a extensão dos
poderes do executivo no âmbito legislativo por meio da promulgação de decretos e
disposições, como consequência da delegação contida em leis ditas de “plenos
poderes”20
(AGAMBEN, 2004, p. 18).
Esses decretos e disposições podem, se usados como regra geral, provocar a queda de
um regime democrático (TINGSTEN, 1934, p. 333 apud AGAMBEN, 2004, p. 19). Passa-se
a legislar por mecanismos que são emendas à Constituição: decretos, resoluções, atos
institucionais e demais mecanismos excluídos de apreciação judicial e que são característicos
19
Informações disponíveis em: <https://jus.com.br/duvidas/258075/portaria-e-resolucao-tem-forca-de-lei>.
Acesso em: 23 abr. 2018.
20
Agamben cita Tingsten: “Entendemos por leis de plenos poderes aquelas por meio das quais se atribui ao
executivo um poder de regulamentação excepcionalmente amplo, em particular o poder de modificar e de anular,
por decretos, as leis em vigor” (TINGSTEN, 1934, p. 13 apud AGAMBEN, 2004, p. 18-19).
V SEMANA DE LETRAS DO IFES
LÍNGUA E LITERATURA: RESISTÊNCIAS NA EDUCAÇÃO
32
de um estado de exceção, inclusive a promulgação de novas leis que alteram ou revogam leis
anteriores. Para incriminar os manifestantes que desde junho de 2013 tomaram as ruas do
país, a Presidência da República sancionou, no dia 2 de agosto de 2013, a lei 12.850,
conhecida como lei de organizações criminosas21
.
No testemunho de Igor Mendes, os artifícios usados para aprisionar 23 manifestantes
na véspera da final da Copa do Mundo FIFA 2014 caracterizam ação realizada de forma
inconstitucional:
Na véspera da final da Copa do Mundo, no dia 12 de julho, tive, juntamente com
duas dezenas de outros ativistas, minha prisão decretada. O objetivo explícito do
governo, que era impedir a realização do protesto convocado para o dia seguinte, foi
frustrado, pois milhares de pessoas se concentraram na Praça Saens Peña, próxima
ao Maracanã. [...] Em agosto, o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro concedeu
definitivamente liberdade provisória aos 23 ativistas processados por, supostamente,
planejarem protestos violentos durante a Copa. Foi-nos imposta uma série de
restrições, uma das quais, inexistente tanto no Código de Processo Penal como na
própria Constituição: a proibição de frequentar manifestações (MENDES, 2017, p.
43).
O direito de manifestação é constitucional. O fato de os ativistas terem sido presos
num momento crucial para a imagem de tranquilidade política que o Brasil precisava manter e
terem sido libertados no mês seguinte pode ser um indicativo de que a prisão dos
manifestantes foi uma prisão política. Igor Mendes não se cansa de repetir que é um preso
político. Ao chegar a Bangu 10, a prisão de triagem masculina do sistema penitenciário do
estado do Rio de Janeiro, Igor se recusa a deixarem passar a máquina zero em seus cabelos: “-
Sou um preso político e me recuso a raspar o cabelo!” (MENDES, 2017, p. 76). Na sequência,
um guarda o interpela:
- O que foi que você disse, seu filho da puta?
Olhei fundo nos seus olhos, cometendo outro sacrilégio imperdoável, e repeti:
- Sou um preso político e me recuso a raspar o cabelo!
- Preso político é o caralho! Vamos ver se você não vai raspar o cabelo!
E veio em minha direção, com os olhos faiscando, como um cão desvairado, mau.
Ciente de que seria espancado, reafirmei minha condição, acrescentando:
- Vou denunciar qualquer agressão contra mim!
21
A lei 12.850/13 “Define organização criminosa e dispõe sobre a investigação criminal, os meios de obtenção
da prova, infrações penais correlatas e o procedimento criminal; altera o Decreto-Lei no
2.848, de 7 de dezembro
de 1940 (Código Penal); revoga a Lei no
9.034, de 3 de maio de 1995; e dá outras providências”. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2013/lei/l12850.htm>. Acesso em: 29 abr. 2018.
V SEMANA DE LETRAS DO IFES
LÍNGUA E LITERATURA: RESISTÊNCIAS NA EDUCAÇÃO
33
Nisso, o sujeito já estava na minha frente. Tentou me dar um chute, do qual desviei,
mas foi suficiente para arrebentar o chinelo “resistente” que o Estado havia me dado
(MENDES, 2017, p. 76-77).
Agressões, xingamentos, humilhações, espancamentos, torturas são frequentes no
ambiente carcerário. Aqueles que estavam acostumados a isso apenas diziam aos neófitos: “-
É cadeia, mano” (MENDES, 2017, p. 137). Igor Mendes, no entanto, vê mais longe:
Com o passar dos dias, entretanto, fui me dando conta de algo muito mais sério:
nada ali é fortuito, mas obedece a uma lógica rigorosa, certamente perversa, mas
metodicamente calculada. Os funcionários que sujam suas mãos para realizá-la não
se veem como torturadores, mas como meros servidores públicos, fazendo aquilo
que a sociedade espera. Senão a sociedade, ao menos os seus superiores. Não se dão
conta que a tortura é mundialmente reconhecida como um crime de lesa-
humanidade, muito mais grave que a delinquência ordinária que pretendem
combater (MENDES, 2017, p. 138).
Essas transgressões estão no submundo de um sistema político que é, na letra da lei,
uma democracia. Sobre essa questão, Zaverucha expõe:
A democracia deve ser vista como a tentativa de minimização da dominação de uns
indivíduos sobre outros. É impossível minimizar tal dominação, no Brasil, sem levar
em conta o relacionamento entre o poder político e a disparidade na distribuição de
renda e riqueza. E mais, tal assimetria atinge o ordenamento jurídico do país. Uns
não têm acesso à justiça e outros estão acima das leis. Possuem direitos, mas não
deveres. Os incluídos contam com direitos e os excluídos com o destino. Os
excluídos, portanto, são tanto materialmente como juridicamente pobres. São
exclusões superpostas. E o que é pior, uma atrai a outra (ZAVERUCHA, 2010, p.
75).
A dominação a que se refere Zaverucha pode ser observada em diferentes âmbitos da
sociedade brasileira, com diferentes formas de exercício de poder de uns elementos sobre
outros, de instituições sobre aqueles a respeito dos quais têm algum tipo de autoridade. Ao
constatar crimes desse tipo, Igor Mendes reflete:
Mas não apontemos apenas aqueles que emprestam suas mãos para que se consume
o crime. A sucessão de responsabilidades é longa. Inclui o juiz que decreta a prisão,
indiferente e mesmo hostil àqueles que são objeto de sua decisão, pouco se
importando para onde será enviado e em que condições será mantido o “seu” preso.
Abrange os políticos que, em troca de votos, fazem o fácil discurso populista,
prometendo leis ainda mais duras e maior encarceramento, investindo mais em
construção de prisões e armamento das polícias do que na assistência à nossa
juventude. Passa pelos burocratas dos milhares de órgãos que, de um jeito ou de
outro, são responsáveis pela fiscalização do sistema penal, até chegar aos diretores e
subdiretores que costumam fechar os olhos ante o “excesso” de seus homens. Isso
para ficarmos restritos aos que operam o sistema penal, não discutindo as causas
econômicas e sociais desses males, com raízes ainda mais profundas em nossa
história (MENDES, 2017, p. 138-139).
V SEMANA DE LETRAS DO IFES
LÍNGUA E LITERATURA: RESISTÊNCIAS NA EDUCAÇÃO
34
A população brasileira tem-se visto sujeita a esses grilhões que acorrentam
principalmente aquela parcela significativa dos excluídos, mas não só os excluídos
materialmente. Têm ocorrido distorções no sistema político que indicam perda de poderes das
instituições que deveriam zelar pelas leis. Giorgio Agamben postula:
[...] a progressiva erosão dos poderes legislativos do Parlamento, que hoje se limita,
com frequência, a ratificar disposições promulgadas pelo executivo sob a forma de
decretos com força de lei, tornou-se desde então uma prática comum. A Primeira
Guerra Mundial – e os anos seguintes – aparece, nessa perspectiva, como o
laboratório em que se experimentaram e se aperfeiçoaram os mecanismos e
dispositivos funcionais do estado de exceção como paradigmas de governo. Uma das
características essenciais do estado de exceção – a abolição provisória da distinção
entre poder legislativo, executivo e judiciário – mostra, aqui, sua tendência a
transformar-se em prática duradoura de governo (AGAMBEN, 2004, p. 19).
O Executivo “legisla” à revelia do Legislativo, que aprova o que está de acordo com
grupos de poder. No Brasil, há grupos fortes que legislam em causa própria, como, dentre
outros, a bancada ruralista, a bancada da bala e a bancada evangélica. A cadeia é um
microcosmo de um mundo imenso em decomposição que nela reproduz seus modelos. A
respeito de um prisioneiro de nome Vitão, Igor Mendes relata o que o preso lhe contara:
Voltou a matar, sempre na zona oeste, a serviço de políticos, gente ligada a
transporte alternativo, bicheiros, milicianos. Seus patrões – normalmente os chefes
de segurança daquelas figuras – eram quase todos policiais ou ex-policiais, militares
das forças armadas, agentes penitenciários graduados (MENDES, 2017, p. 156).
Denúncias como essas são velhas conhecidas da população dos grupamentos
subnormais deste país. Os agentes da lei são os comandantes da falta de lei que oprime muitos
dos que vivem nas “comunidades”, e também os que ousam denunciar os crimes praticados
por esses grupos. Numa outra oportunidade, Vitão diz a Igor: “- Eu acho que vocês estão
certos, esse país tá todo errado. Mas toma cuidado, irmãozinho. Conheço como as coisas
funcionam, um político desses contrata alguém pra matar vocês, não dá em nada (MENDES,
2017, p. 157-158). Não há como não relacionar a advertência do presidiário à execução da
vereadora da cidade do Rio de Janeiro, Marielle Franco, do Partido Socialismo e Liberdade
(PSOL). Marielle foi executada com 4 tiros na cabeça no dia 14 de março deste ano de 2018,
crime que atingiu também o motorista do carro da parlamentar. No período da V Semana de
Letras do Ifes haviam transcorrido exatos dois meses da execução, e não se elucidara o crime,
com a hipótese mais provável de que tenha sido encomendado por políticos e milicianos,
V SEMANA DE LETRAS DO IFES
LÍNGUA E LITERATURA: RESISTÊNCIAS NA EDUCAÇÃO
35
desses mesmos sobre os quais Vitão já alertara Igor Mendes. Marielle incomodava esses
grupos porque acusava a Polícia Militar do Rio de Janeiro de execuções nas periferias mais
pobres da cidade, além de se colocar contra a intervenção federal no Rio iniciada em fevereiro
de 2018. Era também defensora das causas das mulheres, negros e LGBTs, além das pautas
dos direitos humanos de modo geral22
.
Marielle foi calada definitivamente por poderes que extrapolam o aparato jurídico do
país e agem em causa própria, infundindo o terror aos que ousam contrariar seus interesses. A
liberdade de expressão e de manifestação, como direitos constitucionais, em muitas situações
significam sentença de morte.
Esses direitos foram também violados no episódio que levou Igor Mendes de volta à
prisão, já que o juiz determinara, dentre outras restrições, que os então libertos
provisoriamente estavam proibidos de frequentar manifestações. Como não aceitara tal
imposição, até mesmo por sabê-la inconstitucional, Igor Mendes voltou à luta por seus ideais:
Em 15 de outubro, participei, ao lado das companheiras Elisa (Sininho) e Karlayne
(Moa), de uma atividade cultural na Praça Cinelândia em memória do Dia do
Professor e da repressão desatada um ano antes nas escadarias da Câmara Municipal.
Então, mais de 200 ativistas foram presos e cerca de 70 enviados para presídios em
Bangu, o sombrio espectro que pairava, cada vez mais, sobre aqueles que ousavam
permanecer nas ruas (MENDES, 2017, p. 44).
Em decorrência da participação nesse evento, no dia 2 de dezembro de 2014 o juiz da
27ª Vara Criminal da Capital, Flávio Itabaiana de Oliveira Nicolau, decretou pela quarta vez a
prisão de Elisa de Quadros Pinto Sanzi, de Igor Mendes da Silva e de Karlayne Moraes da
Silva Pinheiro. O despacho do juiz explicita os motivos:
[...] participaram de um protesto realizado em 15/10/2014 na Cinelândia, em frente à
Câmara Municipal do Rio de Janeiro, descumprindo, assim, a medida cautelar que
proíbe a participação em manifestações e protestos [...] e para garantia da ordem
pública, decreto a prisão preventiva dos acusados [...] (MENDES, 2017, p. 45).
A prisão de Igor Mendes se concretiza no dia 3 de dezembro de 2014 e ele fica 204
dias preso, até o dia 25 de junho de 2015, quase sete meses em presídios de segurança
máxima por um crime que, na Constituição Cidadã de 1988, é um direito. Segundo Igor,
quando perguntavam a ele qual crime havia cometido, ele invariavelmente respondia ser um
22
Informações disponíveis em: <https://brasil.elpais.com/brasil/2018/04/13/politica/1523616356_309777.html>.
Acesso em: 28 abr. 2018.
V SEMANA DE LETRAS DO IFES
LÍNGUA E LITERATURA: RESISTÊNCIAS NA EDUCAÇÃO
36
preso político. Os companheiros de presídio, familiarizados com os noticiários das redes de
televisão, consideravam-no um black bloc, apesar de Igor negar pertencer a esse grupo.
Muitos não achavam possível ele estar ali apenas por ser preso político. Sua prisão pode ser
enquadrada numa medida característica de um estado de exceção:
Do ponto de vista estritamente jurídico, a acusação que me imputavam (associação
criminosa, artigo 288 do Código Penal), aliada à minha condição de réu primário,
tornavam muito improvável que, mesmo em caso de condenação, eu tivesse de
cumprir pena em regime fechado. Não conheci, nas minhas andanças a caminho do
Fórum e nas prisões pelas quais passei – três presídios diferentes em alguns meses -,
ninguém em condições análogas às minhas.
Ocorre que, nem o processo contra os 23, nem a minha prisão, podem ser entendidos
num âmbito estritamente jurídico. Trata-se, indiscutivelmente, de perseguição
política, verdadeiro acerto de contas do Estado com aqueles considerados típicos
representantes da juventude que tomou as ruas a partir das jornadas de junho de
2013 (MENDES, 2017, p. 355).
Trata-se, também, se se buscar o entendimento em Agamben, de uma violação da lei
por mecanismos que têm força de lei. Para o filósofo, a transgressão à lei tornou-se norma na
contemporaneidade, e afirma:
[...] é determinante que, em sentido técnico, o sintagma “força de lei” se refira, tanto
na doutrina moderna quanto na antiga, não à lei, mas àqueles decretos – que têm,
justamente, como se diz, força de lei – que o poder executivo pode, em alguns casos,
- particularmente, no estado de exceção – promulgar (AGAMBEN, 2004, p. 60).
O Brasil vive uma situação em que o poder Executivo promulga leis, decretos,
emendas às leis mas que, ao mesmo tempo, tornou-se refém do poder Judiciário, agindo de
acordo com os interesses desse poder. Em análise de Renato Janine Ribeiro, o Executivo
brasileiro ficou muito fraco a partir do segundo mandato de Dilma Rousseff, dando espaço
para que o Legislativo assumisse o vácuo existente. Eduardo Cunha, então presidente da
Câmara dos Deputados, não usou esse poder em benefício do país, o que provocou um vácuo
também no Legislativo. Ribeiro analisa:
O poder deslocou-se de Dilma para Eduardo Cunha, mas dado o vazio de Eduardo
Cunha, ele foi recuperado pelo Judiciário, que é o único poder constitucional não
eleito, o que significa uma falência interna, uma implosão, praticamente podemos
dizer, no que é propriamente político, eleito, no que é propriamente democrático.
[...] O Judiciário chegou até mesmo a determinar qual o ritmo do impeachment. [...]
Seria uma prerrogativa do Congresso, que tinha que votar isso. E finalmente o
próprio STF mostrou como continua se mostrando muitas vezes incapaz de dar
soluções a crises grandes [...] (RIBEIRO, 2018).
V SEMANA DE LETRAS DO IFES
LÍNGUA E LITERATURA: RESISTÊNCIAS NA EDUCAÇÃO
37
No testemunho de Igor Mendes, o vácuo dos poderes constitucionais do Brasil se faz
sentir seja quanto à ilegalidade das prisões políticas, seja quanto ao tratamento dado aos
presos. Em determinada ocasião, cerca de 50 presos gritavam pedindo água, no que foram
atendidos com jatos d’água lançados sadicamente sobre todos na apertada cela. Como os
gritos continuassem após o banho forçado, o chefe do plantão voltou com um grupo de
guardas munidos de pedaços de paus e cintos e retiraram da cela dois que se disseram
responsáveis pelos gritos.
O primeiro esboçou um argumento:
-Meu chefe, é que...
Antes que terminasse, levou um “telefone” (um golpe em que o agressor bate, com
toda a força, as palmas das mãos no ouvido do agredido). A partir daí a pancadaria
começou. Não víamos o que acontecia, pois os dois foram levados para a parede do
lado direito da galeria, mas podíamos ouvir as pancadas secas de punhos, pernas e
paus moendo, rasgando e massacrando carne humana (MENDES, 2017, p. 144).
Rasga-se a carne dos presos como se rasga a Constituição da República Federativa do
Brasil. Agamben afirma que “O estado de exceção é um espaço anômico onde o que está em
jogo é uma força de lei sem lei” (AGAMBEN, 2004, p. 61), ou seja, a norma está em vigor,
mas sem força e atitudes ilegais se tornam norma. Nesse estado de coisas, a insatisfação se
generaliza no país. Após sair da prisão, Igor encontra um ex-subdiretor do Bandeira Stampa
(Bangu 9) em uma manifestação de servidores públicos em dezembro de 2016:
-Quem diria, seu Calazans... Agora, estamos do mesmo lado, hein?
Ele me olha como se também espantasse a situação, mas responde sem demora:
-Igor, nós sempre estivemos do mesmo lado.
Comentamos, brevemente, sobre a prisão do Cabral, o imenso aparato policial
mobilizado para uma manifestação que conta com adesão dos próprios funcionários
da segurança pública:
-Na última manifestação – diz-me -, vários colegas saíram feridos com bala de
borracha. Agora mesmo já veio um cara me enquadrando, querendo saber o que eu
tenho na mochila, pode? Já estamos vivendo um militarismo, só que um militarismo
disfarçado (MENDES, 2017, p. 365-366).
O espaço de anomia de que fala Agamben se instala de inúmeras formas no Brasil
contemporâneo: no militarismo disfarçado, no entender de seu Calazans; no extermínio
recorrente nas áreas pobres das periferias; nas reformas das leis que garantiam direitos aos
trabalhadores e aposentados; na intervenção federal na cidade do Rio de Janeiro, para citar
apenas algumas situações. A pequena prisão faz o leitor pensar sobre essas e muitas outras
questões que compõem o universo político de qualquer cidadão, denunciando não só o iníquo
V SEMANA DE LETRAS DO IFES
LÍNGUA E LITERATURA: RESISTÊNCIAS NA EDUCAÇÃO
38
sistema prisional brasileiro mas sobretudo os mecanismos que fazem com que a realidade
brasileira seja uma imensa prisão da qual ele, Igor Mendes, faz um pequeno recorte.
REFERÊNCIAS
AGAMBEN. Giorgio. Estado de Exceção. Homo Sacer, II, 1. Tradução de Iraci D. Poleti. 2.
ed. São Paulo: Boitempo, 2004. (Coleção Estado de Sítio)
AGÊNCIA BRASIL. IBGE: 50 milhões de brasileiros vivem na linha de pobreza. Disponível
em: <http://agenciabrasil.ebc.com.br/economia/noticia/2017-12/ibge-brasil-tem-14-de-sua-
populacao-vivendo-na-linha-de-pobreza>. Acesso em: 23 abr. 2017.
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm>. Acesso em:
22 abr. 2018.
BRASIL. Ministério da Educação. Base Nacional Comum Curricular (BNCC). Disponível
em: <http://portal.mec.gov.br/conselho-nacional-de-educacao/base-nacional-comum-
curricular-bncc>. Acesso em: 23 abr. 2018.
GINZBURG, Jaime. “Escritas da Tortura”. In: TELLES, Edson; SAFATLE, Vladimir (Org.).
O que resta da ditadura. São Paulo: Boitempo, 2010. p. 133-149.
ISTOÉ. IBGE: 6% da população brasileira mora em favelas. Disponível em:
<https://istoe.com.br/183856_IBGE+6+DA+POPULACAO+BRASILEIRA+MORA+EM+F
AVELAS/>. Acesso em: 23 abr. 2018.
MENDES, Igor. A Pequena Prisão. São Paulo: n-1 edições, 2017.
RIBEIRO, Renato Janine. Ética e Cidadania. Rádio USP [áudio da coluna de 25/04/2018].
Disponível em: <https://jornal.usp.br/atualidades/colunista-analisa-crescimento-do-judiciario-
no-cenario-politico/>. Acesso em: 09 mai. 2018.
ZAVERUCHA, Jorge. “Relações civil-militares: O legado autoritário da Constituição
Brasileira de 1988”. In: TELLES, Edson; SAFATLE, Vladimir (Org.). O que resta da
ditadura, São Paulo: Boitempo, 2010. p. 41-76.
V SEMANA DE LETRAS DO IFES
LÍNGUA E LITERATURA: RESISTÊNCIAS NA EDUCAÇÃO
39
“NO SEU PESCOÇO” E “AMANHÃ É TARDE DEMAIS”, DE
CHIMAMANDA ADICHIE – UM CONVITE À EMPATIA
Isis Cristina Marins Pereira1
Thays Sacramento2
Resumo: Chimamanda Ngozi Adichie é uma escritora nigeriana mais conhecida por seus
discursos na TED Talks intitulados de O perigo da história única (2009) e Sejamos todos
feministas (2013). Desse modo, o presente ensaio tem por objetivo tratar das questões
feministas e da visão deturpada que o ocidente tem do oriente nos contos “No seu pescoço” e
“Amanhã é tarde demais” ambos na obra No seu pescoço (2007). Utilizaremos como base os
textos “A África imaginada e a África real” (2004), de Selma Pantoja, Orientalismo: o
Oriente como invenção do Ocidente (1990), de Edward Said, a obra A Dominação
Masculina (2002), de Pierre Bourdieu, e Problemas de gênero – Feminismo e subversão da
identidade, de Judith Butler, não ignorando os discursos proferidos e ensaios da própria
autora.
Palavras-chave: Chimamanda Ngozi Adichie. No seu pescoço. Literatura africana.
Os contos “No seu pescoço” e “Amanhã é tarde demais” publicados, originalmente, no
ano de 2007, no livro No seu pescoço, reúne protagonistas mulheres e homens nigerianos que
fazem questionamentos acerca da opressão, machismo, racismo e nacionalismo. Sem contar
que também são um convite à empatia.
Escritora nigeriana, Chimamanda Adichie nasceu no estado de Anambra, na Nigéria,
mas cresceu na cidade de Nsukka, onde situa a Universidade da Nigéria. Escreveu seus
primeiros contos quando ainda tinha 7 anos e aos 26 anos publicou seu primeiro romance,
Hibisco Roxo, que, assim como o segundo, Meio Sol Amarelo, tem como tema central seu
país natal. Conhecida por seus discursos feministas na TED Talks, Adichie conta com obras
literárias que já foram traduzidas para o português e publicados pela Companhia das Letras.
1
Instituto Federal do Espírito Santo.
2
Instituto Federal do Espírito Santo.
V SEMANA DE LETRAS DO IFES
LÍNGUA E LITERATURA: RESISTÊNCIAS NA EDUCAÇÃO
40
Antes de procedermos, de fato, a análise do conto “Amanhã é tarde demais”, é
importante salientarmos brevemente alguns pontos acerca do feminismo. Ao contrário do que
muitos ainda acreditam o feminismo não é o antônimo de machismo. O machismo, de acordo
com o dicionário Michaelis é a “ideologia da supremacia do macho que nega a igualdade de
direitos para homens e mulheres.” O feminismo não prega que a mulher seja superior ao
homem. Ao contrário disso, prega a igualdade entre os sexos.
O feminismo busca repensar e recriar a identidade de sexo sob uma ótica em que o
indivíduo, seja ele homem ou mulher, não tenha que adaptar-se a modelos
hierarquizados, e onde as qualidades “femininas” ou “masculinas” sejam atributos
do ser humano em sua globalidade. [...] Que as diferenças entre os sexos não se
traduzam em relações de poder (ALVES; PITANGUY, 1981, p. 9-10).
A ideia de que a mulher é inferior ao homem está enraizada, infelizmente, em nossa
cultura há milhares de anos. Historicamente, o salário da mulher sempre foi inferior ao do
homem, mesmo exercendo a mesma função, e continua assim na atualidade. Tarefas
domésticas “são coisas de mulher”, segundo a sociedade machista. Há muito se acredita que a
mulher deve ser submissa ao homem (ideia que é difundida por muitas religiões). O
movimento feminista veio, dentre outras coisas, para tentar reverter essa situação de
inferioridade da mulher, tendo em vista que devem ter os mesmos direitos e deveres de um
homem. Sendo assim, as análises que faremos sobre o prisma do feminismo, irão desconstruir
as ideias machistas muito propagadas na sociedade.
A priori, destacaremos os pontos principais do conto “Amanhã é tarde demais”. Esse
conto, escrito em segunda pessoa, nos fala de uma família Nigeriana, em que a avó da
personagem principal, tem um pensamento totalmente machista e conservador. Tal
pensamento e, consequentemente atitudes, deixam a menina e o seu primo Dozie muito
enciumados, inconformados e até mesmo revoltados, em especial, a menina. Isso porque, a
avó das crianças favorece nitidamente o irmão da garota, Nonso. Esse favorecimento se dá,
pois, Nonso é o neto mais velho (e homem), e a avó acredita que somente ele pode perpetuar
o sobrenome da família.
O conto inicia com o narrador contando sobre o último verão que a personagem
principal (em nenhum momento do texto é mencionado o seu nome) passou na Nigéria na
casa de sua avó, verão que antecedeu o divórcio de seus pais. “À noite, a vovó deixava apenas
seu irmão Nonso subir nas árvores para sacudir um galho cheio de frutas, apesar de você saber
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trepar em árvores melhor do que ele” (ADICHIE, 2017, p. 112). Já no início do conto, fica
evidente o preferencialismo que a avó tem com o irmão mais velho, bem como o pensamento
machista que a senhora reproduz, o que fica claro, no decorrer da narrativa. Isso nos mostra
que, o machismo, inicia-se, antes de tudo, na esfera familiar, como Bourdieu:
Realmente, creio que, se a unidade doméstica é um dos lugares em que a dominação
masculina se manifesta de maneira mais indiscutível (e não só através do recurso à
violência física), o princípio de perpetuação das relações de força materiais e
simbólicas que aí se exercem se coloca fora desta unidade, em instância como a
Igreja, a Escola ou o Estado e em suas ações propriamente políticas, declaradas ou
escondidas, oficiais ou oficiosas [...] (BOURDIEU, 2002, p.138).
É irrefutável que a ideia de que o homem é superior à mulher, inicia-se na família,
tendo em vista que, desde a infância é ensinado aos meninos que eles têm que se enquadrar
num estereótipo de masculinidade e as meninas devem ser mais dóceis e gentis. Há ainda,
nesse contexto, o que culturalmente a sociedade chama de “coisa de menino” e “coisa de
menina.” No entanto, em seu discurso na TED Talks, Chimamanda nos chama atenção, ao
dizer que “a cultura não faz as pessoas, as pessoas fazem a cultura.” Por isso, cabe a cada um,
descontruir o pensamento machista que há muito se instalou (e ficou) na sociedade.
Em outros momentos do conto, evidencia-se o favoritismo da avó com Nonso. Ela o
ensinou a subir no coqueiro e a pegar os cocos, o que não ensinou para a garota pois,
“meninas nunca catavam coco”. Além disso, “a vovó presidia o ritual dos goles para ter
certeza de que Nonso beberia primeiro” (ADICHIE, 2017, p. 112).
A menina, então, perguntou à avó porque Nonso sempre bebia primeiro e não Dozie,
já que era o mais velho. A avó explicou que era porque Nonso era o único filho de seu filho,
aquele que perpetuaria o nome da família, enquanto Dozie era apenas um filho de sua filha. E
mais uma vez, a avó reproduz um pensamento machista e patriarcal e, diríamos, que até
mesmo egoísta. Egoísta por pensar apenas na perpetuação do sobrenome da família e, não
pensar que as consequências de seus atos afetariam aquelas crianças. Até mesmo Nonso seria
afetado de forma negativa, pois, a avó depositava expectativas demais no menino. E se eu não
correspondesse às expectativas? O menino poderia indagar. Essa pressão poderia afetar
negativamente Nonso, assim como afeta muitas crianças e adolescentes. Muitos pais e outros
familiares colocam expectativas demais nos meninos, ensinando-os desde cedo, que estes
devem ser os provedores e o pilar da família. No entanto, tais responsabilidades, não cabem
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somente a eles. A partir do momento que uma família é constituída, cabe ao casal zelar pelo
bem da mesma, não só ao homem.
O fato da avó, notoriamente, preferir a Nonso, fez com que a própria irmã o odiasse.
“[...] o verão em que seu ódio pelo seu irmão Nonso cresceu tanto que você podia senti-lo
vazando por suas narinas [...]”.
O trecho supracitado, nos mostra que, não é o fato do homem ser homem que causa
revolta nas mulheres. Mas sim, em como a sociedade endeusa, por assim dizer, o sexo
masculino. Em como, culturalmente, o homem é considerado superior à mulher. E, como já
mencionado, em diversas áreas.
Nesse mesmo verão, Nonso morreu. “A vovó gritou com ele – com seu corpo inerte –
dizendo i laputago m, que ele a havia traído, perguntando-lhe quem perpetuaria o nome da
família Nnbuisi agora, quem protegeria a nossa linhagem.” Evidencia-se mais uma vez a
questão do patriarcado, tendo em vista que a avó acreditava que somente Nonso poderia
propagar o sobrenome da família. Com a fala da senhora, ela deixa claro que não se importava
tanto assim com o garoto em si, mas com o sobrenome Nbuisi.
Além do favoritismo da avó com Nonso, a mãe das crianças também tinha esse
favoritismo para com ele, como expresso no trecho:
Quando sua mãe entrava no quarto de Nonso para dar boa-noite, sempre saía de lá
dando aquela risada. Muitas vezes, você apertava as palmas das mãos contra os
ouvidos para abafar o som, e continuava apertando até quando ela entrava no seu
quarto para dizer Boa noite, querida, durma bem. Ela nunca saía do seu quarto
dando aquela risada (ADICHIE, 2017, p. 113).
Passaram-se dezoito anos desde a morte de Nonso e a menina nunca voltara a Nigéria,
até então. No entanto, ela retornou para se despedir da avó que havia falecido. Dozie a
buscara no aeroporto e disse que estava surpreso com o retorno da menina, que agora se
tornara mulher, tendo em vista o tamanho do ódio que ela tinha pela avó. “Aquela palavra –
“ódio” – fica suspensa no ar entre vocês dois, como uma acusação.” (ADICHIE, 2017, p.
114).
A menina sabia que o segredo sobre a morte de Nonso estava seguro com o primo.
Sim, segredo. Até o momento, não se sabe como de fato o menino havia morrido. Era um
mistério que ainda não havia sido revelado.
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Então, em dado momento do conto, retorna-se ao ocorrido – a morte de Nonso. No
velório, a mãe não falara nada aos que estavam presentes, nem mesmo à filha. Ao empacotar
as coisas do menino, a mãe não perguntou a garota se ela queria ficar com algum pertence
dele, o que a menina revela que a deixara aliviada. “Você não queria nenhum dos cadernos
dele, com aquela letra que sua mãe dizia ser mais bonita do que letra de máquina.”
(ADICHIE, 2017, p. 115). O ciúme que a menina tinha do irmão, não era infundado. Tanto a
mãe como a avó, explicitamente, supervalorizavam tudo que Nonso fazia e, tudo que ele
representava.
Após três meses da morte de Nonso, a mãe disse que se divorciaria do pai e afirmou
que não tinha nada a ver com o menino. Ora, parecia que não a menina não era levada em
consideração, tal comentário soou como se somente Nonso pudesse ser a causa do divórcio.
Então, finalmente a mãe pergunta como Nonso morreu e, parece que o mistério estaria, enfim,
resolvido. A menina conta que a avó pediu para que o menino provasse que já era homem
subindo no galho mais alto do abacateiro. E então, o assustara, de brincadeira, segundo a
garota, dizendo que havia uma cobra a echi eteka no galho ao lado. Por isso, o garoto acabou
soltando o galho e caiu no chão. Quando ele caiu, de acordo com a menina, ele ainda estava
vivo, no entanto, “a vovó simplesmente ficou ali, gritando com o seu corpo despedaçado até
ele morrer” (ADICHIE, 2017, p. 116). Disse que o menino a havia traído e que os ancestrais
ficariam insatisfeitos.
A mãe ficou revoltada e ligou para o pai. “Sua mãe é a culpada! Ela o deixou em
pânico e fez com que ele caísse! Podia ter feito alguma coisa depois, mas ficou parada, porque
é uma africana idiota e cheia de crendices [...]” (ADICHIE, 2017, p. 116). Mas será mesmo
que a avó era a culpada? Em certa parte, sim. Até certo ponto, até mesmo a mãe tinha alguma
culpa na morte do garoto.
Aquele verão, dezoito anos atrás, foi o verão em que você teve sua primeira
revelação. O verão em que soube que algo precisava acontecer a Nonso para que
você pudesse sobreviver. Apesar de ter só dez anos, você soube que algumas
pessoas podem ocupar espaço demais apenas sendo; que, apenas existindo, algumas
pessoas podem sufocar as outras. A ideia de assustar Nonso com a echi eteka foi só
sua. Mas você explicou isso a Dozie, que vocês dois precisavam que Nonso se
machucasse – que ficasse aleijado, talvez, que quebrasse as pernas. Você queria
macular a perfeição de seu corpo ágil, torna-lo menos adorável, menos capaz de
fazer tudo o que fazia. Menos capaz de ocupar o seu espaço (ADICHIE, 2017, p.
116).
V SEMANA DE LETRAS DO IFES
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O trecho acima, retirado do conto em análise, parece resolver todo o mistério da morte
da Nonso. Acreditamos que esse seja o ponto principal do conto – que explica o que
aconteceu, de fato, e o porquê aconteceu. A menina mentira para mãe ao dizer que Nonso
morreu porque a avó o assustara. Na realidade, a garota o fizera. Mas será que foi apenas por
ciúme tolo? Não. A menina acreditava que para ser alguém, que para ser notada, algo deveria
macular a imagem de Nonso, algo deveria lhe acontecer para que ele se tornasse menos
“perfeito.” Não queria que ele morresse, “torná-lo menos adorável” de alguma forma. Esse
pensamento da garota originou-se de todo o favoritismo que era dado a Nonso por ele ser
homem e ser o primogênito – aquele que perpetuaria o nome da família, o salvador. Assim
sendo, todos tiveram sua parcela de culpa na morte de Nonso.
Ao final do conto, é lembrado de que a avó sempre cozinhava para Nonso. “Para quem
você acha que fiz isso tudo?” (ADICHIE, 2017, p. 116). Outro fato de que o menino era mais
importante do que Dozie e do que a garota. E a avó não fazia questão de esconder isso. E, às
vezes, quando estava cozinhando e a menina observando a avó dizia “é bom você estar
aprendendo, um dia vai cuidar assim do seu marido” (ADICHIE, 2007, p. 116). A única vez
que a avó quisera ensinar a menina algo, era para que a garota pudesse cuidar, futuramente, do
marido. Como se a menina estivesse fadada a casar, como se, caso ela casasse, seria obrigação
cuidar do marido, como se a mulher servisse apenas para isso, para servir ao homem.
Bourdieu afirma:
A lógica, essencialmente social, do que chamamos de “vocação”, tem por efeito
produzir tais encontros harmoniosos entre as disposições e as posições, encontros
que fazem com que as vitimas da dominação simbólica possam cumprir com
felicidade (no duplo sentido do termo) as tarefas subordinadas ou subalternas que
lhe são atribuídas por suas virtudes de submissão, de gentileza, de docibilidade, de
devotamento e abnegação (BOURDIEU, 2002, p. 72-72).
Acredita-se, ainda hoje, que é dever da mulher cuidar do marido, cuidar das tarefas
domésticas, cuidar dos filhos, entre outras coisas, pois elas nasceram com tal “vocação”, e são
mais dóceis, gentis e abnegadas. Infelizmente, é esse o pensamento que a sociedade reproduz.
Muitas vezes, não é nem culpa da pessoa que reproduz o machismo ter tal pensamento, já que
está enraizado na sociedade desde sempre. É difícil desconstruir um pensamento que esteve
presente em toda uma vida. No entanto, é importante que essa ideia retrógada de que a mulher
é inferior ao homem, seja diluída, mesmo que esse processo seja lento. Ao longo dos anos, as
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  • 1. ANAIS DA V SEMANA DE LETRAS DO IFES Ifes - campus Vitória 14 a 16 de maio de 2018.
  • 2. INSTITUTO FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO CURSO DE LICENCIATURA EM LETRAS-PORTUGUÊS Comissão Organizadora: Prof. Me. André Effgen de Aguiar Profa. Dra. Andréia Penha Delmaschio Profa. Dra. Camila David Dalvi Prof. Dr. Etelvo Ramos Filho Profa. Ma. Fabrícia Bittencourt Pazinatto Vago Profa. Dra. Fernanda Borges Ferreira de Araújo Profa. Dra. Ilioni Augusta da Costa Profa. Ma. Ivania Cover Profa. Dra. Karina Bersan Rocha Profa. Dra. Letícia Queiroz de Carvalho Prof. Dr. Lucas dos Passos e Silva Profa. Dra. Maria Madalena Covre da Silva Profa. Ma. Nastassia Santos Neves Coutinho Técnica em assuntos educacionais: Camila Belizário Ribeiro Representante discente: Roberta Patrocínio de Amorim ANAIS DA V SEMANA DE LETRAS DO IFES LÍNGUA E LITERATURA: RESISTÊNCIAS NA EDUCAÇÃO Vitória 2019
  • 3. Dados Internacionais de Catalogação na Publicação Biblioteca Nilo Peçanha do Instituto Federal do Espírito Santo – Campus Vitória S471a Semana de Letras do IFES (5.: 2018: Vitória, ES) Anais da V semana de Letras do IFES [recurso eletrônico] : Língua e literatura, resistências na educação / Organizadores : André Effgen de Aguiar... [et al.]. – Vitória, ES : Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Espírito Santo, 2018. 238 p. : il. 30 cm. ISBN: 978-85-8263-406-6 (ebook). 1. Língua portuguesa. 2. Educação – Estudo e ensino. 3. Educação de crianças. 4. Leitura – Estudo e ensino. 5. Textos - literatura I. Aguiar, André Effgen de. II. Instituto Federal do Espírito Santo. III. Título. CDD: 469
  • 4. V SEMANA DE LETRAS DO IFES LÍNGUA E LITERATURA: RESISTÊNCIAS NA EDUCAÇÃO APRESENTAÇÃO Em tempos de ataques aos direitos historicamente adquiridos pelas classes trabalhadoras e diante das seguidas ameaças à liberdade fundamental ao exercício da profissão docente, a comissão organizadora da V Semana de Letras do Instituto Federal do Espírito Santo propõe aos seus alunos, servidores e à comunidade externa dedicar-se à reflexão crítica sobre o momento que o país atravessa, a fim de fortalecer laços e formular estratégias de resistência aos incessantes ataques à democracia. Para tanto, dispomos da escola, como espaço de convívio e trocas; da educação, como meio de reflexão acerca das relações de poder; dos estudos da linguagem, como forma de questionamento e transformação dos contextos e estruturas opressores; e da literatura, como via de sensibilização política e fruto mais elaborado do trabalho humano com a linguagem. Em torno desta proposta de base, contamos com a participação não só de grupos que se encontram hoje estigmatizados ou sem voz que os represente, mas também de representantes de outras disciplinas e de outras instituições que, refletindo o passado, dedicam-se à construção de um país melhor, escrevendo no presente as páginas de nosso futuro.
  • 5. V SEMANA DE LETRAS DO IFES LÍNGUA E LITERATURA: RESISTÊNCIAS NA EDUCAÇÃO SUMÁRIO Seção I: Literatura 1. Origem e resistência na escrita-mãe de Conceição Evaristo: uma breve análise do conto olhos d’água Nanine Renata Passos dos Santos Pereira.................................................................................8 2. Literatura infantil e a educação: a resistência em tempos de golpe Mariana Passos Ramalhete......................................................................................................17 3. A pequena prisão, de Igor Mendes: resistência aos mecanismos de exclusão da voz contestadora Maria Isolina de Castro Soares ...............................................................................................28 4. “No seu pescoço” e “Amanhã é tarde demais”, de Chimamanda Adichie – um convite à empatia Isis Cristina Marins Pereira e Thays Sacramento...................................................................39 5. Dois autores entre nós: as narrativas de Nelson Martinelli Filho e Paulo Bustamante Júnior em suas relações com aspectos biográficos Camila David Dalvi .................................................................................................................52 6. A contemporaneidade do teatro crítico de Caio Fernando Abreu Marcela Oliveira de Paula.......................................................................................................62 7. Esboço para um panorama do verso (e seus avessos) na poesia brasileira pós-1970 Lucas dos Passos......................................................................................................................70 8. A repetição da história em “fazenda modelo”, de Chico Buarque: uma alegoria válida para o brasil pós-golpe/16 Emerson Campos Gonçalves....................................................................................................80 9. Poesia e sociedade: experiências da forma em Arnaldo Antunes Raphael Athayde Portela Milfont.............................................................................................87 10. Poesia e sociedade: som e comportamento nos versos de chacal
  • 6. V SEMANA DE LETRAS DO IFES LÍNGUA E LITERATURA: RESISTÊNCIAS NA EDUCAÇÃO Sâmela Meireles de Freitas......................................................................................................94 11. Poesia e sociedade: formas do verso crítico de Angélica Freitas Suellen Neres Pimentel...........................................................................................................102 12. Poesia e sociedade: experiências do verso medido em Antonio Cicero Thays Maria Balardino Mascarelo........................................................................................113 Seção II: Linguística 13. A variação dos verbos ter e haver existenciais em modalidade escrita capixaba Amanda Henriques Machado.................................................................................................124 14. Breve análise de variantes linguísticas sonoras em duas variedades do português brasileiro Fernanda Valandro Rodrigues e Vanessa Comper................................................................135 Seção III: Ensino de Língua e Literatura 15. Gênero discursivo, produção de texto e literatura brasileira: uma interface em contos e cartas Rosani Muniz Marlow e Aline Prúcoli de Souza....................................................................143 16. Reflexões sobre o currículo de ensino dos internos do Iases: rumo à emancipação ou subalternização? Gisele de Arruda ....................................................................................................................159 17. Ensino da leitura nos anos iniciais do ensino fundamental no município de Aracruz Adriana Recla Sarcinelli e Lainay Cumin Alvarenga Ramos ................................................171 18. O significado das palavras no gênero textual “problema matemático” Karla Renata Assis de Aquino................................................................................................180
  • 7. V SEMANA DE LETRAS DO IFES LÍNGUA E LITERATURA: RESISTÊNCIAS NA EDUCAÇÃO 19. Educação estética e experiências dialógicas: um encontro de potencialidades ante aos desafios à formação do leitor Samira da Costa Sten.............................................................................................................192 20. Ensino da língua inglesa no curso técnico em portos: uma reflexão em tempo de cotas Isaura Maria de Carvalho Monteiro......................................................................................200 21. Um fazer tramático na educação teatral: o início depende do fim Roberta Moratori ...................................................................................................................209 22. O discurso na canção Larissa Alcoforado.................................................................................................................220 23. Contextualização de atividade sobre o livro Quarto de despejo a partir dos estudos sobre gêneros textuais Carlilio Louzada de Oliveira Junior, Fernanda Valandro Rodrigues e Carlos Eduardo Deoclécio................................................................................................................................232
  • 8. V SEMANA DE LETRAS DO IFES LÍNGUA E LITERATURA: RESISTÊNCIAS NA EDUCAÇÃO 8 ORIGEM E RESISTÊNCIA NA ESCRITA-MÃE DE CONCEIÇÃO EVARISTO: UMA BREVE ANÁLISE DO CONTO OLHOS D’ÁGUA Nanine Renata Passos dos Santos Pereira1 Quem não tem amigos mas tem livros tem uma estrada. Carolina Maria de Jesus Resumo: Em tempos sombrios, os quais anunciam retrocesso e ausência de diálogo, é preciso resistir. A poesia sempre se apresenta como uma possibilidade de enfrentamento que liberta a humanidade das amarras da austeridade e da intolerância. É a palavra revestida de potência. Conceição Evaristo, mulher negra, que tem sua existência forjada a partir do lugar reservado aos negros neste país, por meio de uma escrita que ela mesma define como “escrevivência”, nos leva a refletir de maneira intensa sobre origem e ancestralidade. Utiliza, para tanto, narrativas breves, porém intensas no modo como descortinam a cultura negra, a qual vem sendo por séculos de história invisibilizada e suprimida pelo preconceito de uma sociedade que, apesar de formada por uma expressiva maioria de afrodescendentes, ainda é dominada pela cultura letrada masculina, branca. Palavras-chave: Origem. Resistência. Escrita-mãe. INTRODUÇÃO Aproximar-se do texto de Conceição Evaristo é repetidamente questionar ou questionar-se sobre o porquê de não ter conhecido anteriormente a obra da escritora. Obviamente não há nada de inaceitável nesse fato, pois o meio acadêmico permaneceu por muito tempo fechado à literatura produzida por negros, sobretudo por mulheres negras. Conforme explicita Djamila Ribeiro (2017), “A reflexão fundamental a ser feita é perceber que quando pessoas negras estão reivindicando o direito a ter voz, elas estão reivindicando o direito à própria vida.” O que dizer de mulheres negras diante disso? Se as estruturas de apagamento sobrepostas sobre toda a cultura negra foram forjadas para tentar 1 Mestra em Letras. Instituto Federal do Espírito Santo.
  • 9. V SEMANA DE LETRAS DO IFES LÍNGUA E LITERATURA: RESISTÊNCIAS NA EDUCAÇÃO 9 silenciar, a voz de autoria insiste como força para resistir à opressão a fim de que a sobrevivência seja garantida. Algumas dessas vozes surgiram e se estenderam como eco em outras vozes, formando um movimento contínuo e infinito de preservação e, por assim dizer, ressignificação. Em pesquisa realizada a partir de 2003, Regina Dalcastagnè (2011) apresenta um recorte de um dos elementos do texto literário, o personagem, em obras literárias publicadas por três grandes editoras do país entre os anos de 1990 a 2004. Nesse trabalho, em que se objetivou realizar uma quantificação de dados relevantes para compreender as práticas que envolvem o mercado editorial no país no meio acadêmico, a autora e seu grupo de pesquisa chegaram à seguinte conclusão: Os negros são 7,9% das personagens, mas apenas 5,8% dos protagonistas e 2,7% dos narradores; embora em proporção menos drástica, uma redução similar ocorre no caso dos mestiços. Assim, os brancos não apenas compõem a ampla maioria das personagens identificadas no corpus; eles também monopolizam as posições de maior visibilidade e de voz própria. (DALCASTAGNÈ, 2011, p. 46) E a autora reitera que A pequena presença de negros e negras entre as personagens sugere uma ausência temática na narrativa brasileira contemporânea, que o contato com as obras, dentro e fora do corpus, contos e romances, confirma: o racismo. Trata-se de um dos traços dominantes da estrutura social brasileira, que se perpetua e se atualiza desde a Colônia, mas que passa ao largo da literatura recente. Se é possível encontrar, aqui e ali, reprodução paródica do discurso racista, com intenção crítica, ficam de fora a opressão cotidiana das populações negras e as barreiras que a discriminação impõe às suas trajetórias de vida. O mito persistente da “democracia racial” elimina tais questões dos discursos públicos – entre eles, como se vê, o romance. (Idem, 2011, p. 46). Há muito o que se pensar em termos de produção literária no Brasil, se se considera o apagamento autorizado do negro das obras. E talvez nunca se tenha falado tanto nisso ou refletido sobre essa questão como nesse momento. É que o próprio negro se pôs a transpor barreiras culturais e penetrou no mundo branco da cultura letrada para garantir sua existência por meio dos registros de sua história e de sua cultura. Quando não este, outros que, mesmo embranquecidos pelo sistema, muitas vezes tratados pelos compêndios de literatura como brancos propriamente, encontraram em sua produção literária a possibilidade de sua força identitária.
  • 10. V SEMANA DE LETRAS DO IFES LÍNGUA E LITERATURA: RESISTÊNCIAS NA EDUCAÇÃO 10 Conforme afirma Domício Proença Filho (2004), por exemplo, acerca da voz poética de Castro Alves em “O navio negreiro”, Se em sua visão idealizadora o poeta não consegue escapar do estereótipo, se ele não dá voz ao negro, mas se comporta como um advogado de defesa que quer comover a plateia e provar a injustiça da situação que denuncia, tenhamos presente, entretanto, que é ele quem assume na literatura brasileira o brado de revolta contra a escravidão, abre espaços para a problemática do negro escravo, num momento histórico em que o negro era, como assinala Antonio Cândido, “a realidade degradante, sem categoria de arte, sem lenda histórica”. Trata-se, inegavelmente, de um notável feito para a época. (PROENÇA FILHO, 2004, p. 164-165) Portanto, ler hoje Conceição Evaristo é estar diante de séculos de história de uma luta que foi representada ou representa-se a si mesma em um país cujas estruturas foram criadas com a finalidade de conter e escamotear a realidade da servidão, da castração de direito à fala, de cerceamento e impunidade que figuram com certa normalidade até no meio acadêmico, revelando que ainda há muito a ser feito para que a identidade negra de homens e mulheres negros seja respeitada e, mais que isso, compreendida com a profundidade que a complexa formação e a memória de um incontável número de afrodescendentes trouxeram para a formação do povo brasileiro. Continuar a negar a presença marcante e preponderante dos negros e das negras como essenciais na construção da cultura brasileira é ceder à visão de que, quer pelo conteúdo que abarca a linguagem, a religiosidade, as histórias ou mesmo a relevância do sofrimento imposto pela escravidão, quer pela nova estrutura de uma língua portuguesa rendida e amalgamada a todas as demais línguas africanas registradas no solo brasileiro, a história de povos africanos possa ser unificada pela visão eurocêntrica e só por essa seja definida, o que é, sem dúvida alguma, um engano. Assim, a pergunta que se faz é: como seria possível à literatura romper com a unilateralidade e aceitar a multiplicidade e a variedade na formação da identidade cultural dessa nação? Talvez a resposta não seja tão simples, pois são séculos de submissão ao padrão imposto como a norma que orienta a estética e a produção literária. A escrita literária pressupõe autoria e, para tanto, é necessário que se compreenda o que é o lugar de fala e como se pode permitir ao negro sua manifestação plena. Para Djamila Ribeiro (2017), a questão não é tão simples de ser solucionada, visto que não se pode uniformizar comportamentos, tão pouco esperar que as expectativas e visões sejam pautadas numa consciência plural. Pelo
  • 11. V SEMANA DE LETRAS DO IFES LÍNGUA E LITERATURA: RESISTÊNCIAS NA EDUCAÇÃO 11 contrário, pode ser que, dada a complexidade do tema, o racismo se disfarce e, desse modo, se perpetue sutilmente, revestindo-se de discursos que contribuem para a sua manutenção e fortalecimento. Há algumas respostas possíveis, mas uma delas expõe, com rara firmeza, o que pode ser feito nesse sentido: O fato de uma pessoa ser negra não significa que ela saberá refletir crítica e filosoficamente sobre as consequências do racismo. Inclusive, ela até poderá dizer que nunca sentiu racismo, que sua vivência não comporta ou que ela nunca passou por isso. E sabemos o quanto alguns grupos adoram fazer uso dessas pessoas. Mas o fato dessa pessoa dizer que não sentiu racismo, não faz com que, por conta de sua localização social, ela não tenha tido menos oportunidade e direitos. (RIBEIRO, 2017, p. 67-68) Não é simples enxergar uma condição num contexto em que ainda se sustenta o “mito de igualdade racial” e, portanto, se libertar de valores e padrões que estão postos como irrefutáveis na sociedade em séculos de história escravocrata. Não é um movimento simples. Conceição criou sua “escrevivência” a fim de “escrever para a sobrevivência” de si mesma, de seus antepassados, de sua gente, de tantas outras mulheres, criando histórias, reproduzindo outras, conferindo novos significados às narrativas de tradição oral, com as quais teve contato desde a sua infância, as quais permaneceram em sua memória. Podemos definir sua escrita como um movimento libertador. Ler o conto Olhos d’água é se dar conta dos valores que se tornam infinitamente presentes por meio da singularidade que há em se enxergar no outro que é fruto das entranhas. Talvez seja exatamente essa a razão pela qual o conto se apresente tão feminino e tão maternal, não deixando dúvidas de que a palavra na boca e nas mãos de uma mulher é fonte que jorra para a eternidade, nada menos que a eternidade. E é essa a proposta desse breve trabalho: falar de um texto cujas abundantes águas saltam dos olhos e desembocam para uma compreensão da alma de um ser que, mesmo marcado pelo sofrimento, resiste. 1 DO CONTO OLHOS D’ÁGUA: ORIGEM, ANCESTRALIDADE, ESCRITA-MÃE E RESISTÊNCIA Narrado em primeira pessoa, o conto apresenta uma voz feminina inquieta, que necessita saber de que cor eram os olhos de sua mãe, após acordar no meio da noite com essa indagação que lhe pertubava há algum tempo. O uso da primeira pessoa dá o tom testemunhal da narrativa e, por assim dizer, traz ao leitor certa cumplicidade, aproximando-o da voz que conta a história. Não há temporalidade definida, porque a memória, os sentimentos, as
  • 12. V SEMANA DE LETRAS DO IFES LÍNGUA E LITERATURA: RESISTÊNCIAS NA EDUCAÇÃO 12 impressões e indagações podem durar uma noite, horas e dias. Fica a impressão de que essa indefinição se dilui na narrativa. As recordações vêm naturalmente, sobretudo da infância pobre que tivera e de como sua mãe protagonizou cenas das quais se recorda com sincera ternura e riqueza de detalhes. No entanto, o fato que perturba a protagonista é que ela se ressente de não conseguir lembrar com clareza a cor dos olhos de sua mãe, mesmo se recordando com detalhes de outros aspectos. Ao longo da narrativa, a personagem, de modo reticente, pergunta a si mesma qual era a cor dos olhos de sua mãe. Não há qualquer alusão à figura paterna no conto; pelo contrário, a memória só resgata a figura da mãe, e das irmãs, e das tias, e da santa e da deusa. O que se percebe é uma temática voltada para a imagem da figura progenitora da mulher negra, do cuidado e do zelo que a maternidade pressupõe. Um dos trechos mais belos é exatamente o que descreve o momento em que o lúdico, a brincadeira inventada pela mãe, é uma forma de aplacar a dor da fome, realidade social que, no texto, não se estabelece com um conteúdo crítico, mas sim como adorno poético para tornar o momento de ternura e de amor ainda mais singelo, um eufemismo sublimado pela arte da escrita. Esse é um dos traços inegavelmente desconcertantes ao leitor, pois a sensação é de dor e de encantamento. A aflição da narradora, que resolve, por fim, visitar sua terra natal em Minas, é a de obter a resposta de que necessita. Não é possível deixar de ressaltar que a essência, o mote, está na cor. A protagonista quer encontrar a cor, quer saber da cor, como se a cor fosse uma obstinação constante e a causa maior. O significado dessa palavra, no contexto do conto, revela algo que se confirma no momento em que, ao contemplar sua mãe, a personagem então vê que olhos daquela mulher que está diante de si eram só lágrimas: Vi só lágrimas e lágrimas. Entretanto, ela sorria feliz. Mas eram tantas lágrimas, que eu me perguntei se minha mãe tinha olhos ou rios caudalosos sobre a face. E só então compreendi. Minha mãe trazia, serenamente em si, águas correntezas. Por isso, prantos e prantos a enfeitar o seu rosto. A cor dos olhos de minha mãe era cor de olhos d'água. Águas de Mamãe Oxum! Rios calmos, mas profundos e enganosos para quem contempla a vida apenas pela superfície. Sim, águas de Mamãe Oxum. (EVARISTO, 2017, p. 18-19) Os olhos de sua mãe tinham a “cor de olhos“ pelos quais escorrem, jorram, brotam a vida, a transparência, a pureza, a negritude. A narradora finaliza a história afirmando que alcançou a cor dos olhos de sua mãe e, brincando com sua filha, tentando descobrir a cor dos
  • 13. V SEMANA DE LETRAS DO IFES LÍNGUA E LITERATURA: RESISTÊNCIAS NA EDUCAÇÃO 13 olhos da menina, em que os olhos de uma são o espelho dos olhos da outra, surpreende-se quando sua filha lhe pergunta: “Mãe, qual é a cor tão úmida de seus olhos?“ A filha já percebe que no olhar da mãe a cor tem um sentido muito mais simbólico do que o que pode ser visto, tanto que emprega um predicativo que é metáfora que alude à água, elemento da natureza que não só remete à vida, à existência, mas também ao sofrimento, ao choro, à dor, formando, assim, um paradoxo que perpassa todo o conto. Segundo o professor Eduardo de Assis, em Memórias da dor, ensaio publicado no Jornal Cândido, o texto de Conceição [...] sustenta o compromisso realista de fazer da literatura espaço e receptáculo do que define como “escrevivência” enquanto marca definidora de seu trabalho com a palavra. Mas, atenção: tal postura não deve jamais ser confundida com o mero relato ou “reflexo” de ocorrências inerentes ao processo histórico e social. Entre o acontecimento em si e sua narrativa instala-se a escrita que dialoga com a vivência subalternizada. E esta interpreta e confere sentido aos fatos guardados na memória — e na imaginação — das vítimas e testemunhas. Entre o ato e a fala, entre a escuta e o texto, são muitas as mediações. (DUARTE, 2017) Patricia Ribeiro afirma que: Com relação ao apagamento da maternidade para a mulher negra, observamos que na literatura brasileira é frequente a representação de seu corpo, tendo como base discursos patriarcais e de perspectiva masculina que associam esse corpo à sensualidade e ao prazer, sendo também, como assinala Eduardo Assis Duarte (2009), um corpo infértil, o que implica o questionamento da ideia de afrodescendência. Entretanto, em oposição a essa conjuntura, a poética de Evaristo insere, no meio literário brasileiro, imagens de mulheres negras desempenhando a função materna, pois a “flor petrificada” no seu “íntimo solo” (EVARISTO, 2008, p. 20) não sucumbe, mesmo em contextos adversos para a maternidade dessas mulheres como era a sociedade escravocrata. (RIBEIRO, 2014, p. 155) O texto ratifica essa concepção ao trazer as imagens da infância, presentes em toda a narrativa. Ao nomear o conto de Olhos d‘água, Conceição Evaristo resgata do imaginário coletivo uma expressão usada frequentemente para se referir a pequenas fontes das quais brotava uma água potável. São as nascentes, muito comuns em locais onde a natureza é presente e a vida abundante. Havia nascentes nos quintais das casas. Era muito natural encontrar nascentes em muitas cidades ainda não impactadas pelo crescimento desenfreado. Esse resgate também comprova que a maternidade pode ser percebida como uma nascente na obra de Conceição Evaristo e os olhos são o veículo condutor dessas águas
  • 14. V SEMANA DE LETRAS DO IFES LÍNGUA E LITERATURA: RESISTÊNCIAS NA EDUCAÇÃO 14 abundantes formadas por experiências vividas pela mulher negra, por todas as mulheres negras. Isso fala de uma origem comum, de um lugar de criação e de memória. Assim, um dos fortes traços desse texto é a preservação da memória de uma ancestralidade fêmea, protetora e sensível. De uma ancenstralidade que se vê representada na chamada rainha das águas Oxum, mencionada no conto. A crença coaduna-se à sabedoria de mulheres que preservaram a tradição de suas antepassadas e, como afirma a autora, são as yabás, as mães rainhas que cuidam de suas filhas. Portanto, a fim de resistir à dominação que tenta ocultar as mulheres negras, considerando que a formação ocidental branca baseia-se na supressão da voz feminina, sobretudo na literatura dominada por homens brancos, Conceição Evaristo nos apresenta um texto com uma experiência própria de escritura, o qual representa comunidades negras que perpetuaram sua história por meio da tradição oral e, desse modo, conseguiram sobreviver ao processo de escravidão que tenta atingir não só o corpo, mas também, e quem sabe acima de tudo, o pensamento. O texto de Conceição Evaristo, delicado e fremente, escorre como poesia, em vivacidade e precisão, ao lançar o leitor em um tempo incerto que, na verdade, são todos os tempos possíveis, fechando um ciclo em que a mãe que escreve é a filha assombrada pela angústia de não conseguir se lembrar da cor dos olhos de sua mãe. Essa filha é a mãe incansável a perseguir e tentar encontrar a cor, a sua escrita, a sua voz, o seu rio caudaloso que fará seu curso pelas páginas de sua criação, de sua literatura fêmea por entender-se progenitora e repetidora de tudo o que viu, ouviu ou não, simplesmente inventou. CONSIDERAÇÕES FINAIS A literatura de Conceição Evaristo não cumpre um propósito banal. Ela rompe com evidentes formas de invisibilização ao trazer para a cena a figura da mulher negra, tão estigmatizada nas páginas das obras literárias canônicas. O caminho encontrado pela autora para dar voz à mulher foi exatamente o mesmo que descobriu para si mesma, carregado de autenticidade e poesia, de memória e inquietude. Todos os dias mulheres negras choram a morte de seus filhos, choram porque sentem medo e dor. Todos os dias os jornais noticiam a vida dos que formam a massa invisível de um país
  • 15. V SEMANA DE LETRAS DO IFES LÍNGUA E LITERATURA: RESISTÊNCIAS NA EDUCAÇÃO 15 que ajudaram a construir pela lei do chicote, pelas correntes e pela violência. As lágrimas maternais escorrem pela vida e também pela morte. São as águas que brotam dos olhos da terra, da mãe, da origem. O conto Olhos d’água permite contemplar, por meio das lentes da poesia, uma outra história que não está escrita nos livros, que não pode ser lida a não ser pelos olhos dos que entendem que ser humano está para além das cores e preconceitos. Em um tempo no qual insistentemente tentam negar à mulher, sobretudo a negra, direitos que são fundamentais para a sua efetiva emancipação e valorização, apesar da implementação de políticas públicas, o clamor poético não pode ser calado. Deve ganhar ainda mais força em outras bocas. O espaço outrora negado precisa ser aberto para que outras escritoras encontrem sua própria voz e a façam reverberar na produção literária brasileira do século XXI. A escola e a universidade são alguns dos lugares em que é necessário permitir a manifestação de autoria e autorias, do que é individual, mas também coletivo, legitimado pelo desejo de expressão, o qual muitas vezes está presente na infância e é moldado ou manipulado para a servidão. A submissão é uma condição que se perpetua se nada for feito para contê-la. Não será a mão do sistema comprometido com uma visão colonizadora que promoverá a liberdade, mas sim o grito do povo colonizado, sua insurreição, sua rebeldia. Esse é o sentido de fazer da literatura a própria essência da vida: a luta, o compromisso, a missão derradeira e perene. Literatura também pode significar militância e ternura. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BUTLER, Judith. Cuerpos que importam: sobre os limites materiais e discursivos do sexo. Buenos Aires. Paidós, 2002. COSTA; Fernando Braga da. Homens invisíveis: relatos de uma humilhação social. São Paulo: Editora Globo, 2004. DALCASTAGNÈ, Regina. Literatura brasileira contemporânea: um território contestado. Vinhedo: Editora Horizonte; Rio de Janeiro: Editora da Uerj, 2012. ---------. A personagem do romance contemporâneo: 1990-2004. Estudos de Literatura Brasileira Contemporânea, [S.l.], n. 26, p. 13-71, jan. 2011. ISSN 2316-4018. Disponível em: <http://periodicos.unb.br/index.php/estudos/article/view/2123>. Acesso em: 27 jul. 2018.
  • 16. V SEMANA DE LETRAS DO IFES LÍNGUA E LITERATURA: RESISTÊNCIAS NA EDUCAÇÃO 16 DUARTE, Eduardo de Assis. Por um conceito de literatura afro-brasileira. Terceira Margem, [S.l.], v. 14, n. 23, p. 113-138, jun. 2017. ISSN 2358-727x. Disponível em: <https://revistas.ufrj.br/index.php/tm/article/view/10953>. Acesso em: 27 jul. 2018. ---------. Memórias da dor. 2017. Disponível em: <http://www.candido.bpp.pr.gov.br/>. Acesso em: 27 jul. 2018. EVARISTO, Conceição. Olhos d’água. Rio de Janeiro: Pallas, Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial, 2017. PROENÇA FILHO, Domício. A trajetória do negro na literatura brasileira. Estudos Avançados, v. 18, n. 50, p. 161-193, janeiro/abril 2004. ISSN 0103-4014. Disponível em: <http://dx.doi.org/10.1590/S0103-40142004000100017>. Acesso em: 27 jul. 2018. RIBEIRO, Djamila. O que é lugar de fala? Belo Horizonte: Letramento: Justificando, 2017. RIBEIRO, Patrícia. O papel de intelectual de Conceição Evaristo e Dionne Brand. Scripta, [S.l.], v. 18, n. 35, p. 143-164, dez. 2014. ISSN 2358-3428. Disponível em: <http://periodicos.pucminas.br/index.php/scripta/article/view/P.2358- 3428.2014v18n35p143>. Acesso em: 07 ago. 2018. SOUZA, Jessé (Org). A invisibilidade da desigualdade brasileira. Belo Horizonte: UFMG, 2006.
  • 17. V SEMANA DE LETRAS DO IFES LÍNGUA E LITERATURA: RESISTÊNCIAS NA EDUCAÇÃO 17 LITERATURA INFANTIL E A EDUCAÇÃO: A RESISTÊNCIA EM TEMPOS DE GOLPE Mariana Passos Ramalhete2 Resumo: Este trabalho tece considerações acerca do caráter ousado, intrépido e subversivo de obras que questiona(ra)m, ainda que sob a mira do autoritarismo, a democracia e a liberdade tolhidas a Golpe. Discorre sobre quatro livros infantis de autoria de Ruth Rocha, lançadas em plena Ditadura Militar e circunscritas na série O Reizinho Mandão. Ratifica a importância de ser trazer à tona, também no contexto educacional, produções literárias que se estruturam a partir da tríade ética, estética e política em face das artimanhas e vilanias próprias de regimes antidemocráticos. Ao ancorar-se nos estudos de Zilberman e Magalhães (1984) sobre o caráter emancipatório da literatura infantil, conclui que a autora lança mão da escrita como opção poética e crítica de resistência. Palavras-chave: Educação. Literatura Infantil. Rute Rocha. PALAVRAS INICIAIS Walter Benjamin, ao ponderar Sobre o conceito de História, em Magia e Técnica, Arte e Política, obra cuja publicação original se deu em 1936, assegura que “A tradição dos oprimidos nos ensina que o “estado de exceção” em que vivemos é na verdade a regra geral (BENJAMIN, 1987, p. 226). Márcia Tiburi, na obra Como conversar com um fascista, assevera que “[...] Juros sociais e políticos não cessam de ser cobrados historicamente. O autoritarismo finge não existir o tempo histórico e prega em nome de interesses imediatos” (TIBURI, 2015, p. 66). A filósofa traz à baila uma constatação embaraçosa e incômoda: discursos de ódio, verdades prontas, simplórias, rasteiras, violentas e imediatas custam. No contexto em que vivemos, 2 Doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGE) da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes). Professora de Língua Portuguesa do Instituto Federal do Espírito Santo. Pesquisadora do Núcleo de Estudos e Pesquisas em Educação e Filosofia da Ufes (Nepefil/CE/Ufes) e do grupo de pesquisa interinstitucional Literatura e Educação.
  • 18. V SEMANA DE LETRAS DO IFES LÍNGUA E LITERATURA: RESISTÊNCIAS NA EDUCAÇÃO 18 cuja produção de lucro é um pilar, alguém paga. Um aviso quase que tautológico anuncia-se sem temer: e paga caro. Um folião, sob a égide da censura, é impedido de desfilar com sua fantasia vampiresca completa na Sapucaí3 . Um escritor tem que prestar contas à justiça pelo conteúdo de sua obra literária4 . Um conjunto de vereadores de uma cidade interiorana visa a constituir uma segunda versão do Index Librorum Prohibitorum, à moda capixaba5 . Uma exposição artística é interrompida em nome de Deus e dos bons costumes6 . Na educação, uma série de propostas agiganta imodestamente os bolsos dos grandes banqueiros. Um Ministro da Educação ameaça um professor universitário por causa da criação da disciplina “O Golpe de 2016 e o futuro da democracia no Brasil”7 . Livros de literatura são retirados de escolas, sem qualquer diálogo, e um delegado é ouvido ao invés de especialistas em literatura infantil8 . Armas, carregadas de racismo, preconceito e discriminação, perfuram a população preta e pobre9 , amiúde. Mulheres, na mira dos dedos em riste do machismo, têm seus corpos, todos os dias, violentados, simbólica e fi-si-ca-men-te10 . Um general é o comandante máximo da Segurança – Pública – do Rio de Janeiro11 . Uma mídia manipuladora cede palco, cenário e coopta público para assistir a esse teatro. Propostas – indecorosas, indecentes, aviltantes, injustas – que arranham a dignidade, a vida saudável e os sonhos dos trabalhadores se avolumam. Reformas: disformam. Transformam. Conformam. O leque de notícias, incompatíveis com a democracia, ainda que se assemelhe a um passado recente da história brasileira, são, 3 Disponível em: <http://congressoemfoco.uol.com.br/noticias/vampiro-presidente-da-tuiuti-e-proibido-de-usar- faixa-presidencial-no-desfile-das-campeas/>. Acesso em: 20 fev. 2018. 4 Disponível em: <https://www.gazetaonline.com.br/entretenimento/cultura/2017/10/livro-pornografico-faz-pai- processar-professora-da-rede-estadual-1014105000.html>. Acesso em 26 out. 2017. 5 Disponível em: <https://www.revistaforum.com.br/mais-censura-vereadores-de-marechal-floriano-querem- criar-lista-de-livros-proibidos/>. Acesso em: 29 out. 2017. 6 Disponível em: <https://oglobo.globo.com/cultura/manifestacoes-contrarias-exposicao-queermuseu-foram-17- vezes-mais-vistas-nas-redes-21873107>. Acesso em: 30 set. 2017. 7 Disponível em: <https://jornalggn.com.br/noticia/professor-da-unb-e-ameacado-por-curso-sobre-o-golpe>. Acesso em: 22 fev. 2018. 8 Disponível em: <https://g1.globo.com/espirito-santo/educacao/noticia/livro-infantil-cita-casamento-entre-pai-e- filha-e-prefeitura-de-vitoria-diz-que-vai-retirar-obras-das-escolas.ghtml>. Acesso em 02 jun. 2017. 9 Disponível em: <https://www.cartacapital.com.br/sociedade/atlas-da-violencia-2017-negros-e-jovens-sao-as- maiores-vitimas>. Acesso em 02 dez. 2017. 10 Disponível em:<http://www.compromissoeatitude.org.br/dados-e-estatisticas-sobre-violencia-contra-as- mulheres/ >. Acesso em 10 jan. 2018. 11 Disponível em: <http://www.forte.jor.br/2018/02/16/governo-federal-decide-decretar-intervencao-na- seguranca-publica-do-rj/ >. Acesso em: 20 fev. 2018.
  • 19. V SEMANA DE LETRAS DO IFES LÍNGUA E LITERATURA: RESISTÊNCIAS NA EDUCAÇÃO 19 infelizmente, atuais e comprovam, quase cem anos depois, a atualidade da tese de Benjamin (1987). De 1964 a 1985, o Brasil vivenciou um dos períodos mais tenebrosos e arrogantes de sua história: a Ditadura Militar. Caracterizada pela repressão, cerceamento de liberdades individuais, tortura, entrega de empresas ao capital estrangeiro, aumento da dívida externa, violência e censura, esse período, contraditoriamente, registrou uma efervescência das produções literárias destinadas ao público infantil e juvenil. Uma vez que a literatura infantil ficou, durante muitos anos, reduzida às finalidades didatizantes e moralizantes (ZILBERMAN, 2009), essa manifestação artística foi obscurecida pela crítica literária e, ao mesmo tempo, relegada ao limbo aos olhos da censura. Escritores como Lygia Bojunga, Ziraldo, Lucia Machado de Almeida, Odette de Barros Mott, Bartolomeu Campos de Queiroz, Joel Rufino, Ana Maria Machado e Ruth Rocha, em um viés desconexo aos cerceamentos pedagogizantes até então comuns à literatura infantil, tiveram suas obras publicadas mesmo em um contexto de extrema hostilidade. Vertente também defendida por Coelho (1984), Machado (2011, p. 108) salienta: “[...] (o chamado boom da literatura infantil e juvenil) tem início no pior momento da ditadura militar. Como explicar que uma produção tão marcadamente rebelde, subversiva e antiautoritária tenha nascido e crescido sob circunstâncias tão desfavoráveis?”. Segundo a autora, esse fenômeno se deu por três motivos: “explosão criativa” (MACHADO, 2011, p. 109), devido a uma tradição herdada de Monteiro Lobato; a ausência de uma leitura literária, pelos militares, a seus filhos e netos, o que evidencia um total desconhecimento das produções da área, e, por fim, cogita-se: eles não davam importância nenhuma às crianças. Machado (2011) ainda pondera que, embora alguns desses autores tivessem sido perseguidos, presos e exilados, tais motivos se davam pelas suas respectivas atuações profissionais enquanto jornalistas, professores, advogados, por exemplo, e não por causa de suas produções literárias. Morais (2011), ao tratar da literatura infantil produzida no período da Ditadura Militar brasileira, analisa uma série de obras, ressaltando o caráter de denúncia próprio dessas manifestações. Como a produção desse período é vasta e no intento de uma esquiva à repetição, este trabalho tem como objetivo dialogar acerca do caráter ousado, intrépido e
  • 20. V SEMANA DE LETRAS DO IFES LÍNGUA E LITERATURA: RESISTÊNCIAS NA EDUCAÇÃO 20 subversivo de obras de literatura infantil que questiona(ra)m, ainda que sob a mira do autoritarismo, a democracia e a liberdade tolhidas a Golpe. Quatro obras infantis de autoria de Ruth Rocha e circunscritas na série O Reizinho Mandão são trazidas à baila: O reizinho Mandão, (1978), O rei que não sabia de nada (1980) O que os olhos não vêem (1981), Sapo vira rei vira sapo ou a volta do reizinho mandão (1982)12 . É necessário advertir que tal escopo visa, sobretudo, a mapear algumas obras que ousaram. O contexto atual é injusto, desigual e ignóbil. Mas a literatura direciona nossos olhos a não naturalizarmos o que é injusto, desigual e ignóbil. Há, portanto, resistência. LITERATURA INFANTIL E MULHERES: O DESACATO Concentremo-nos, por ora, nossas atenções em algumas produções de literatura infantil de autoria de Ruth Rocha, autora notável de literatura infantil. Convém salientar, no entanto, que estudo semelhante a esta proposta foi empreendido por Mariano (2012), por exemplo. A autora, ao fazer a análise das obras que serão tratadas também neste trabalho, traça um estudo comparativo com obras portuguesas de José Cardoso Pires, e salienta que todas as produções denunciam as situações históricas dos dois países assolados por regimes militares e reforçam a importância do Estado democrático. Em um movimento semelhante, Rosa (2014), em sua tese, salienta que a literatura infantil tornou-se palco metafórico de resistência ao regime ditadorial. A ousadia da série O reizinho Mandão é vislumbrada já nos títulos. Afinal, “Ruth Rocha vale-se de uma alegoria para representar o Brasil dos anos 70, dominado por um regime autoritário que calava a oposição e que buscava encontrar meios de expressão para furar o bloqueio da censura e da repressão” (ZILBERMAN, 2009, p. 61). O reizinho Mandão (1978) já se inicia com uma afronta: “Quando deus enganar gente, Passarinho não voar... A viola não tocar, Quando o atrás for na frente, No dia que o mar secar, Quando prego for martelo, Quando cobra usar chinelo, Cantador vai se calar... (ROCHA, 1995, p. 5)”. Trata-se de uma história um reizinho mandão, prepotente e mimado que dava ordem aos seus súditos para que se calassem. Amedrontadas, as pessoas se calavam. Se 12 Para composição deste trabalho, foram utilizadas para diálogo versões mais recentes das obras.
  • 21. V SEMANA DE LETRAS DO IFES LÍNGUA E LITERATURA: RESISTÊNCIAS NA EDUCAÇÃO 21 calavam tanto que desaprenderam a falar. Culpado, já que não tinha com quem conversar, o reizinho procurou ajuda para tentar resolver o problema e se defronta, mais tarde, com a ousadia de uma menina a desafiar suas ordens. Figura 1 – Capa do livro O reizinho Mandão Trata-se, portanto, de obra que rompe triplamente, em um contexto social antidemocrático, com uma visão adultocêntrica de uma criança, com uma perspectiva fragilizada da mulher e, ao mesmo tempo, questiona (e enfrenta) o autoritarismo. O rei que não sabia de nada (1980) aborda a história de um monarca, acompanhado de ministros néscios, que não se preocupavam com os anseios de seu povo e tomam a decisão de substituir certos trabalhos de seres humanos pelos trabalhos de uma máquina. No entanto, a máquina apresentou defeito que se estendiam desde a insistência de programas de rádio enfadonhos e verborrágicos à acentuação da miséria do povo. Quando o rei resolve sair do castelo para passear, defronta-se com a situação de penúria e é interpelado por uma menina. Fonte: elaboração da autora
  • 22. V SEMANA DE LETRAS DO IFES LÍNGUA E LITERATURA: RESISTÊNCIAS NA EDUCAÇÃO 22 Figura 2 – Capa do livro O rei que não sabia de nada Fonte: elaboração da autora Pela voz da personagem Cecília, é salientada a necessidade de se expressar, ainda que diante dos abusos de poder, e descortinam-se as sérias consequências de um mandado, cujo representande de um Estado desconhece as verdadeiras necessidades de seu povo e delega a tarefa a pessoas que tampouco se importam com as mazelas sociais. Sapo vira rei vira sapo ou a volta do reizinho mandão (1982) já pelo título propõe uma desconstrução, ao antecipar que a narrativa tradicional será subvertida. Conta, ironicamente, a história de um sapo feio que, após o beijo de uma princesa, virou um príncipe bonitão, autoritário, negligente, autor de leis absurdas, tais como aumento na cobrança de impostos e troca de nomes das pessoas. Figura 1 – Capa do livro Sapo que vira rei vira sapo ou a volta do reizinho mandão Fonte: elaboração da autora
  • 23. V SEMANA DE LETRAS DO IFES LÍNGUA E LITERATURA: RESISTÊNCIAS NA EDUCAÇÃO 23 Um dia, ao saber que as pessoas falavam mal dele, e que tais opiniões eram verdadeiras, ordena: Verdade? Eles dizem a verdade? Pois eu não gosto desta tal de verdade! Prendam a verdade! Prendam todas as verdades! Percorram o reino! Vasculhem as cidades! Corram pelas ruas, entrem pelas asas! Espiem em baixo das camas! Remexam nas gavetas! E prendam todas as verdades! Quero todas muito bem presas no sótão real! Todas, todinhas! Embrulhadas, amarradas, presas no sótão real! (ROCHA, 2012b, p. 25). Mais uma vez, percebe-se a ousadia de uma escritora, que além de não seguir uma estrutura dos contos de fadas tradicionais, questiona severamente a censura, a liberdade cerceada, critica os mandos e desmandos, o abuso de poder, bem como salienta que, para se reverter tal situação, é preciso que a classe espoliada se una em prol da conquista da liberdade. Escritos em versos, a obra O que os olhos não vêem (1981), por sua vez, narra a uma estranha doença" que atinge o rei: “Pessoas grandes e fortes o rei enxergava bem. Mas se fossem pequeninas, e se falassem baixinho, o rei não via ninguém” (ROCHA 2003, p. 10). Os gigantes, que não só destacavam pela altura física, mas pelo timbre da voz, foram chamados a viver no palácio, juntamente com o rei. Figura 2 - Capa do livro O que os olhos não veem Fonte: elaboração da autora Dessa maneira, o reino fica dividido: os fortes e os fracos; as pessoas altas e as pessoas baixas. A convivência entre ambos impede que estes enxerguem os súditos, que são baixos. Essa situação só muda quando os oprimidos se juntam e obrigam o rei a enxergá-los. Logo, é
  • 24. V SEMANA DE LETRAS DO IFES LÍNGUA E LITERATURA: RESISTÊNCIAS NA EDUCAÇÃO 24 descortinada não só as discrepância de uma sociedade dividida em classes, a conivência do Estado com a classe dominante, o interesse dessa mesma classe dominante na perpetuação dessas mesmas desigualdades e o abismo existente entre o povo e seus governantes. Como pode ser observado, nas quatro obras de autoria de Ruth Rocha, há sempre a figura real alvo de críticas e de questionamentos, que nem mesmo os anos de chumbo foram capazes freá-los. É quase impossível explicar que disposição, força são estas que motivam escritores e, no caso deste trabalho, escritora, profissionais ou não, mundo afora, com intrepidez, a narrarem a dor, o ódio, a náusea, a feiura, a vergonha, a guerra, a tirania, a maldade, os golpes, a corrupção, os desmandos, a ditadura, o horror... Mas, sabemos que a humanidade não é só beleza e que a necessidade que temos de narrar fatos, de sermos ouvidos, de sermos compreendidos e de compreendermos o outro, o mundo, de provocar a empatia, a estranheza, a esperança, a inquietação, a dúvida, o asco... tudo isso nos põe imortais no tempo e realça em nós a nossa humanidade. Na obra Literatura Infantil: autoritarismo e emancipação, de autoria de Regina Zilberman e Ligia Cadermatori Magalhães, é salientado o histórico da literatura infantil em cinco capítulos. No primeiro deles, Zilberman (1984) salienta o estatuto da literatura infantil e seu vínculo inicial com a tradição pedagógica, de modo a assegurar os pressupostos burgueses, bem como moralizar e padronizar o comportamento de crianças. Trata-se de um aspecto que confirma uma das vertentes já salientadas no título da obra: o autoritarismo. No último capítulo, Magalhães (1984) traça um histórico da literatura infantil brasileira, dando ênfase ao distanciamento de algumas obras do viés moralizante já denunciado anteriormente. Lista, para tanto, autores como Monteiro Lobato, Fernanda Lopes de Alemida, Lygia Bojunga, Sérgio Caparelli. Ao analisar traços que notabilizam esses escritores, a autora mostra como as produções em questão afastam-se do caráter meramente lúdico e/ou moralizador tão comuns até então. Zilberman (1984, p. 134) atesta que a literatura infantil é “[...] é essencialmente formadora, mas não educativa no sentido escolar do termo; e cabe-lhe uma formação especial que, antes de tudo, interrogue a circunstância social de onde provém o destinatário e seu lugar dentro dela. Rute Rocha, nas obras elencadas neste trabalho, comunga da notabilidade, da criticidade, da inovação e da percepção acurada, ainda que não tenha sido citada por
  • 25. V SEMANA DE LETRAS DO IFES LÍNGUA E LITERATURA: RESISTÊNCIAS NA EDUCAÇÃO 25 Magalhães (1984). Nesse sentido, ao dedicar-se à publicação de obras que interrogam e afrontam o estabelecido, a norma, o medo, mostra-se o outro lado da moeda: a emancipação. Safatle (2012, p. 16) adverte que “[...] a política é, em seu fundamento, a decisão a respeito do que será visto como inegociável. Ela não é simplesmente a arte da negociação e do consenso, mas a afirmação taxativa daquilo que não estamos dispostos a colocar na balança”. Durante anos, a literatura infantil foi confinada ao ostracismo, à ignorância, ao abafamento, ao desdém. Também por causa do apelo das cifras editoriais, no entanto, outros caminhos e perspectivas têm sido traçados. Até hoje, é muito comum se deparar com uma visão superficial, mas nociva e compromissada com interesses neoliberais, a reforçar que esta se destina apenas ao mundo da fantasia, do deleite, do prazer, do não compromisso, do entretenimento fugaz e pueril. Mas as obras de Rute Rocha ora referidas comprovam uma indisposição a negociatas, a não compactuação com a ordem vigente e a não disponibilidade de fazer concessões. Em síntse: o desacato, a rebeldia, a subversão. PALAVRAS FINAIS Há uma região no território norte-americano chamada Badlands (terras ruins), por se caracterizar pela aridez, rachadura e a rispidez do solo. No entanto, na primavera13 , quando há alguma umidade, a secura se transforma. Onde a possibilidade de vida era, até então, inóspita, uma vastidão de cores aparece. Esse fenômeno se justifica, pois, nessa época do ano, as plantas usam todas as energias oriundas dessa umidade, ainda que ínfima, para reprodução e florescimento. “Participar do debate político em um momento de ruptura da democracia, contaminar a própria escrita, ou a crítica, em busca do desmascaramento de um processo autoritário é ainda acreditar – nos homens e mulheres e na própria literatura como instrumento de ação”, pondera sabiamente Dalcastagnè (2017). Ela ainda é incisiva: “Quando desistirmos de nossa capacidade de acreditar, a luta, enfim, estará perdida” (DALCASTAGNÈ, 2017). Andruetto (2017, p. 108) assegura, por sua vez, que “A escola não é somente o espaço para instalar a leitura [...], mas também para construir consciência acerca de nós próprios e 13 Disponível em: <http://www.bontempo.com.br/design/badlands-um-deserto-repleto-de-flores-raras/>. Acesso em: 18 fev. 2018.
  • 26. V SEMANA DE LETRAS DO IFES LÍNGUA E LITERATURA: RESISTÊNCIAS NA EDUCAÇÃO 26 desenvolver nosso pensamento, para não ter o mundo como certo. Assim, ratifica-se a importância de ser trazer à tona, também no contexto educacional, obras literárias que se estruturam a partir da tríade ética, estética e política em face das artimanhas e vilanias próprias de regimes antidemocráticos. Em Badlands, as flores, juntas, fazem um imenso esforço para sobreviverem em meio ao intenso estio, ao caos, à escassez, à sequidão, à falta. Todavia, elas, subversivas, aguerridas e fortes, lutam. A história vem mostrando ao longo do tempo que nada é peremptório, que há outras possibilidades. Que mulheres não são bibelôs, nem super-heroínas, nem princesas à espera de um príncipe que as salvem. Que “Somos o que vivemos e lemos, e somos o resultado de questionar o que vivemos e lemos” (ANDRUETTO, 2017, p. 106). Talvez a poesia da vida e a necessidade de utopia também residam também nessas constatações. E Ruth Rocha sabem disso. REFERÊNCIAS ANDRUETTO, Maria Teresa. A leitura, outra revolução. Tradução de Newton Cunha. São Paulo: Edições Sesc São Paulo, 2017. 168 p. BENJAMIN, Walter. Magia e técnica, arte e política: ensaios sobre literatura e história da cultura. Tradução: Sérgio Paulo Rouanet. 3. ed. São Paulo: Brasiliense, 1987. COELHO, Nelly Novaes. A Literatura Infantil. 3. ed. São Paulo: Global, 1984. DALCASTAGNÈ, Regina. Literatura e Resistência no Brasil Hoje. 2017. Disponível em: <http://www.suplementopernambuco.com.br/artigos/1936-literatura-e-resistência-no-brasil- hoje.html>. Acesso em: 12 ago. 2017. MACHADO, Ana Maria. Silenciosa Algazarra. São Paulo: Companhia das Letras, 2011. MARIANO, Juliana Camargo. A literatura infantil e o autoritarismo no século XX: um estudo comparativo entre Ruth Rocha e José Cardoso Pires. 2012. 129 f. Dissertação (Mestrado) – Programa de Pós-graduação em Estudos Comparados de Literaturas de Língua Portuguesa, Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2012. MORAIS, Josenildo Oliveira de. A Literatura Infantil Como Instrumento de Denúncia da Ditadura Militar. 2011. 108 f. Dissertação (Mestrado) - Curso de Mestrado em Literatura e Interculturalidade, Pró-reitoria de Pós- Graduação, Universidade Estadual da Paraíba, Campina Grande, 2011.
  • 27. V SEMANA DE LETRAS DO IFES LÍNGUA E LITERATURA: RESISTÊNCIAS NA EDUCAÇÃO 27 ROSA, Daniela Botti da. O rei está nu: o discurso da literatura infantil durante a ditadura militar no Brasil. 2014. 249 f. Tese (Doutorado) - Programa de Pós-graduação em Letras e Linguística, Faculdade de Letras, Universidade Federal de Alagoas, Maceió, 2014. ROCHA, Ruth. O reizinho mandão. 27. ed. São Paulo: Salamandra, 2013. 40 p. (Série: O reizinho mandão). Ilustrações de Walter Ono. ___________. O Rei que não sabia de nada. 17. ed. Rio de Janeiro: Salamandra, 2012a. (Série: O reizinho mandão). Ilustrações de Carlos Brito. ___________. O que os olhos não veem. 2. ed. Rio de Janeiro: Salamandra, 2003. (Série: O reizinho mandão). Ilustrações de Carlos Brito. ___________. Sapo vira rei vira sapo, ou, A volta do reizinho mandão. 2. ed. São Paulo: Salamandra, 2012b. 40 p. (Série: O reizinho mandão). Ilustrações de Walter Ono. SAFATLE, Vladimir. A esquerda que não teme dizer seu nome. 1. Ed. São Paulo: Três Estrelas, 2013. 87 p. TIBURI, Márcia. Como conversar com um fascista. Rio de Janeiro: Record, 2015. 185 p. ZILBERMAN, Regina. Como e por que ler a Literatura Infantil Brasileira. Rio de Janeiro: Objetiva, 2009. 181 p. ZILBERMAN, Regina & MAGALHÃES, Lígia C. Literatura infantil: autoritarismo e emancipação. 2ªed. São Paulo: ática, 1984.
  • 28. V SEMANA DE LETRAS DO IFES LÍNGUA E LITERATURA: RESISTÊNCIAS NA EDUCAÇÃO 28 A PEQUENA PRISÃO, DE IGOR MENDES: RESISTÊNCIA AOS MECANISMOS DE EXCLUSÃO DA VOZ CONTESTADORA Maria Isolina de Castro Soares14 Resumo: A obra A Pequena Prisão (2017), de Igor Mendes, catalogada como da área de Ciências Políticas, é uma obra de testemunho da prisão do autor no Complexo Penitenciário de Gericinó, condenado por participar das jornadas de junho de 2013. É também uma obra de denúncia contra o poder político, que legisla procurando manter privilégios que aumentam a concentração de riqueza no país. O livro não deixa de assinalar, com frequência, a comparação do que ocorre nas prisões brasileiras com o que ocorria nas prisões, oficiais ou não, do regime militar no Brasil, de 1964 a 1985. Analisa-se o texto à luz de teóricos que estudam o testemunho e os mecanismos colocados em prática no que Agamben denomina estado de exceção. Palavras-chave: Testemunho. Prisão. Resistência. A V Semana de Letras do Ifes, Campus Vitória, apresentou, como proposta de base, uma “[...] reflexão crítica sobre o momento por que o país atravessa, a fim de fortalecer laços e formular estratégias de resistência aos incessantes ataques à democracia”, ressaltando a profissão docente como um dos alvos visados pelas mudanças autoritárias, assim como os direitos dos trabalhadores em geral. A Educação e os direitos trabalhistas, no entanto, não estão isolados nos ataques a uma cultura democrática e de respeito aos direitos constitucionais. Os movimentos contestatórios de esquerda existentes no Brasil contemporâneo são reprimidos com estratégias que vão desde o auxílio da imprensa em demonizar esses movimentos até a prisão de militantes que se colocam frontalmente contra o sistema político-social do país, que, sendo legislativamente uma democracia, utiliza mecanismos característicos de estado de exceção para anular opositores. A obra A pequena prisão (2017), de Igor Mendes, é uma denúncia de situações em que o poder político burla a Constituição, violando os direitos sociais e individuais dos cidadãos, não apenas dos que se 14 Doutoranda em Letras (Ifes/Ufes/Capes).
  • 29. V SEMANA DE LETRAS DO IFES LÍNGUA E LITERATURA: RESISTÊNCIAS NA EDUCAÇÃO 29 colocam contra o poder como também da maioria da população em geral e dos milhares de seres que, tendo contas a acertar com a justiça, são tratados de forma sub-humana nas prisões brasileiras. Seu olhar denuncia: É inegável que a vida da imensa maioria do nosso povo se parece muito com um pesadelo. As calçadas das grandes cidades brasileiras viraram dormitórios, as favelas imensas prisões a céu aberto, as prisões odiosas câmaras de tortura. O trabalho precário converte os que o realizam em mercadorias mais baratas que os artigos que produzem (MENDES, 2017, p. 369). Em um país de enorme concentração de renda15 e com a terceira maior população carcerária do mundo16 , os problemas relativos à violência só têm-se agravado. O professor Jaime Ginzburg cita um artigo17 de Renato Janine Ribeiro, no qual o filósofo postula ter a sociedade brasileira vivido em sua formação dois traumas fundamentais: a violenta exploração colonial e a cruel escravidão, que a fizeram herdeira [...] de duas experiências dolorosas, de sujeição à agressão, de ausência de senso coletivo, de absoluta falta de consideração com relação à maioria dos habitantes por parte das elites. Nossa formação social é resultado de um processo intensamente truculento, cujas consequências se fazem sentir até o presente, pois suas dores ainda não foram inteiramente superadas (GINZBURG, 2010, p. 133). Situações como as que o país vive configuram um esfacelamento do Estado democrático, com os direitos e garantias fundamentais do cidadão sendo constantemente violados. Segundo Jaime Ginzburg A conservação de valores por parte das elites, estrategicamente articulada com uma política educacional e cultural dedicada à preservação da desigualdade de condições de acesso ao conhecimento, tem permitido que, mesmo em períodos considerados democráticos, várias das grandes instituições legislativas, executivas, educacionais responsáveis pela saúde e pelos problemas sociais se comportem de modo a manter a desigualdade e a hierarquia, cultivando ideologias autoritárias (GINZBURG, 2010, p. 136). Pode causar estranheza que se fale em autoritarismo em um país que, após 21 anos de regime ditatorial, de 1964 a 1985, promulgou, em 1988, a Constituição Cidadã, na qual os 15 Apenas 1% dos habitantes detém quase 30% da renda do país, segundo a Pesquisa Desigualdade Mundial 2018, coordenada, entre outros, pelo economista francês Thomas Piketty. Disponível em: <https://brasil.elpais.com/brasil/2017/12/13/internacional/1513193348_895757.html>. Acesso em: 22 abr. 2018. 16 O número exato de presos no sistema penitenciário brasileiro somou 726.712 pessoas em junho de 2016 – último dado tabulado. Disponível em: <http://www.justica.gov.br/news/ha-726-712-pessoas-presas-no-brasil>. Acesso em: 22 abr. 2018. 17 Renato Janine Ribeiro: “A dor e a injustiça”.
  • 30. V SEMANA DE LETRAS DO IFES LÍNGUA E LITERATURA: RESISTÊNCIAS NA EDUCAÇÃO 30 direitos e deveres dos cidadãos ganharam extensão como nunca antes ocorrera e que enuncia como fundamentos a cidadania, a dignidade da pessoa humana e o pluralismo político (BRASIL, 2018). Uma parcela considerável da população, no entanto, desconhece a prática desses fundamentos, como mostram pesquisas de indicadores sociais da realidade brasileira publicados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em dezembro de 2017: “Cerca de 50 milhões de brasileiros, o equivalente a 25,4% da população, vivem na linha de pobreza e têm renda familiar equivalente a R$ 387,07 – ou US$ 5,5 por dia, valor adotado pelo Banco Mundial para definir se uma pessoa é pobre” (AGÊNCIA BRASIL, 2018). É também preocupante o percentual da população que vive em “aglomerados subnormais”18 , o que não inclui a população carcerária. Conhecidos como favelas, invasões, grotas, baixadas, comunidades, vilas, ressacas, mocambos ou palafitas, essas áreas abrigam os lares de 11.425.644 pessoas, ou 6% da população brasileira. O estudo feito pelo IBGE mostra que 5,6% (3.224.529) do total de domicílios brasileiros estão localizados nessas áreas. Em todo o País foram identificadas 6.329 favelas espalhadas em 323 municípios (ISTOÉ, 2018). Esses indicadores estão frontalmente contra o que preconiza a Constituição da República Federativa do Brasil. No Capítulo II, Dos Direitos Sociais, o caput do Artigo 6º afirma: “São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição” (BRASIL, 2018). Saúde com qualidade, trabalho formal, moradia salubre, segurança eficaz, transporte decente, assim como os outros direitos que o artigo da Constituição relaciona, são itens distantes da população pobre brasileira. Hoje a segurança é tão precária que aterroriza os moradores das áreas nobres da cidade, com as balas perdidas extrapolando os guetos desassistidos da população marginalizada. A Educação atravessa um momento crítico, com a 18 Um aglomerado subnormal é, segundo o IBGE, “[...] o conjunto constituído por 51 ou mais unidades habitacionais caracterizadas por ausência de título de propriedade e pelo menos uma das características abaixo: - irregularidade das vias de circulação e do tamanho e forma dos lotes e/ou -carência de serviços públicos essenciais (como coleta de lixo, rede de esgoto, rede de água, energia elétrica e iluminação pública). Disponível em: <https://ww2.ibge.gov.br/home/presidencia/noticias/imprensa/ppts/00000015164811202013480105748802.pdf> . Acesso em: 23 abr. 2018.
  • 31. V SEMANA DE LETRAS DO IFES LÍNGUA E LITERATURA: RESISTÊNCIAS NA EDUCAÇÃO 31 implantação de uma Base Nacional Comum Curricular da Educação Infantil ao Ensino Médio, mobilizando professores e outros intelectuais na discussão de mais um plano educacional colocado em prática e tendo pretensamente recebido “12 milhões de contribuições”. E no dia 22 de dezembro de 2017 foi publicada a Resolução CNE/CP nº 2, que institui e orienta a implantação da Base Nacional Comum Curricular a ser respeitada obrigatoriamente ao longo das etapas e respectivas modalidades no âmbito da Educação Básica. Lembrando que a BNCC aprovada se refere à Educação Infantil e ao Ensino Fundamental, sendo que a Base do Ensino Médio será objeto de elaboração e deliberação posteriores (BRASIL, MEC, 2018). Segundo o site jus.com.br, uma resolução é um ato legislativo que tem força de lei se foi promulgada para regular uma lei, o que é o caso da Resolução CNE/CP nº 2, de 22 de dezembro de 201719 , assinada pelo presidente do Conselho Nacional de Educação (CNE). O documento referente ao Ensino Médio foi entregue pelo Ministério da Educação ao CNE no dia 3 de abril de 2018, e até o final do ano deve ser objeto de nova Resolução desse Conselho. Esse painel de alguns problemas enfrentados pela sociedade brasileira indica que se vive, no Brasil, um estado de exceção. O jurista sueco Herbert Tingsten (1896-1973) é citado por Agamben na obra Estado de Exceção (2004), a respeito da expansão dos poderes governamentais durante e após a Primeira Guerra (1914-1918): A análise de Tingsten concentra-se num problema técnico essencial que marca profundamente a evolução dos regimes parlamentares modernos: a extensão dos poderes do executivo no âmbito legislativo por meio da promulgação de decretos e disposições, como consequência da delegação contida em leis ditas de “plenos poderes”20 (AGAMBEN, 2004, p. 18). Esses decretos e disposições podem, se usados como regra geral, provocar a queda de um regime democrático (TINGSTEN, 1934, p. 333 apud AGAMBEN, 2004, p. 19). Passa-se a legislar por mecanismos que são emendas à Constituição: decretos, resoluções, atos institucionais e demais mecanismos excluídos de apreciação judicial e que são característicos 19 Informações disponíveis em: <https://jus.com.br/duvidas/258075/portaria-e-resolucao-tem-forca-de-lei>. Acesso em: 23 abr. 2018. 20 Agamben cita Tingsten: “Entendemos por leis de plenos poderes aquelas por meio das quais se atribui ao executivo um poder de regulamentação excepcionalmente amplo, em particular o poder de modificar e de anular, por decretos, as leis em vigor” (TINGSTEN, 1934, p. 13 apud AGAMBEN, 2004, p. 18-19).
  • 32. V SEMANA DE LETRAS DO IFES LÍNGUA E LITERATURA: RESISTÊNCIAS NA EDUCAÇÃO 32 de um estado de exceção, inclusive a promulgação de novas leis que alteram ou revogam leis anteriores. Para incriminar os manifestantes que desde junho de 2013 tomaram as ruas do país, a Presidência da República sancionou, no dia 2 de agosto de 2013, a lei 12.850, conhecida como lei de organizações criminosas21 . No testemunho de Igor Mendes, os artifícios usados para aprisionar 23 manifestantes na véspera da final da Copa do Mundo FIFA 2014 caracterizam ação realizada de forma inconstitucional: Na véspera da final da Copa do Mundo, no dia 12 de julho, tive, juntamente com duas dezenas de outros ativistas, minha prisão decretada. O objetivo explícito do governo, que era impedir a realização do protesto convocado para o dia seguinte, foi frustrado, pois milhares de pessoas se concentraram na Praça Saens Peña, próxima ao Maracanã. [...] Em agosto, o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro concedeu definitivamente liberdade provisória aos 23 ativistas processados por, supostamente, planejarem protestos violentos durante a Copa. Foi-nos imposta uma série de restrições, uma das quais, inexistente tanto no Código de Processo Penal como na própria Constituição: a proibição de frequentar manifestações (MENDES, 2017, p. 43). O direito de manifestação é constitucional. O fato de os ativistas terem sido presos num momento crucial para a imagem de tranquilidade política que o Brasil precisava manter e terem sido libertados no mês seguinte pode ser um indicativo de que a prisão dos manifestantes foi uma prisão política. Igor Mendes não se cansa de repetir que é um preso político. Ao chegar a Bangu 10, a prisão de triagem masculina do sistema penitenciário do estado do Rio de Janeiro, Igor se recusa a deixarem passar a máquina zero em seus cabelos: “- Sou um preso político e me recuso a raspar o cabelo!” (MENDES, 2017, p. 76). Na sequência, um guarda o interpela: - O que foi que você disse, seu filho da puta? Olhei fundo nos seus olhos, cometendo outro sacrilégio imperdoável, e repeti: - Sou um preso político e me recuso a raspar o cabelo! - Preso político é o caralho! Vamos ver se você não vai raspar o cabelo! E veio em minha direção, com os olhos faiscando, como um cão desvairado, mau. Ciente de que seria espancado, reafirmei minha condição, acrescentando: - Vou denunciar qualquer agressão contra mim! 21 A lei 12.850/13 “Define organização criminosa e dispõe sobre a investigação criminal, os meios de obtenção da prova, infrações penais correlatas e o procedimento criminal; altera o Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal); revoga a Lei no 9.034, de 3 de maio de 1995; e dá outras providências”. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2013/lei/l12850.htm>. Acesso em: 29 abr. 2018.
  • 33. V SEMANA DE LETRAS DO IFES LÍNGUA E LITERATURA: RESISTÊNCIAS NA EDUCAÇÃO 33 Nisso, o sujeito já estava na minha frente. Tentou me dar um chute, do qual desviei, mas foi suficiente para arrebentar o chinelo “resistente” que o Estado havia me dado (MENDES, 2017, p. 76-77). Agressões, xingamentos, humilhações, espancamentos, torturas são frequentes no ambiente carcerário. Aqueles que estavam acostumados a isso apenas diziam aos neófitos: “- É cadeia, mano” (MENDES, 2017, p. 137). Igor Mendes, no entanto, vê mais longe: Com o passar dos dias, entretanto, fui me dando conta de algo muito mais sério: nada ali é fortuito, mas obedece a uma lógica rigorosa, certamente perversa, mas metodicamente calculada. Os funcionários que sujam suas mãos para realizá-la não se veem como torturadores, mas como meros servidores públicos, fazendo aquilo que a sociedade espera. Senão a sociedade, ao menos os seus superiores. Não se dão conta que a tortura é mundialmente reconhecida como um crime de lesa- humanidade, muito mais grave que a delinquência ordinária que pretendem combater (MENDES, 2017, p. 138). Essas transgressões estão no submundo de um sistema político que é, na letra da lei, uma democracia. Sobre essa questão, Zaverucha expõe: A democracia deve ser vista como a tentativa de minimização da dominação de uns indivíduos sobre outros. É impossível minimizar tal dominação, no Brasil, sem levar em conta o relacionamento entre o poder político e a disparidade na distribuição de renda e riqueza. E mais, tal assimetria atinge o ordenamento jurídico do país. Uns não têm acesso à justiça e outros estão acima das leis. Possuem direitos, mas não deveres. Os incluídos contam com direitos e os excluídos com o destino. Os excluídos, portanto, são tanto materialmente como juridicamente pobres. São exclusões superpostas. E o que é pior, uma atrai a outra (ZAVERUCHA, 2010, p. 75). A dominação a que se refere Zaverucha pode ser observada em diferentes âmbitos da sociedade brasileira, com diferentes formas de exercício de poder de uns elementos sobre outros, de instituições sobre aqueles a respeito dos quais têm algum tipo de autoridade. Ao constatar crimes desse tipo, Igor Mendes reflete: Mas não apontemos apenas aqueles que emprestam suas mãos para que se consume o crime. A sucessão de responsabilidades é longa. Inclui o juiz que decreta a prisão, indiferente e mesmo hostil àqueles que são objeto de sua decisão, pouco se importando para onde será enviado e em que condições será mantido o “seu” preso. Abrange os políticos que, em troca de votos, fazem o fácil discurso populista, prometendo leis ainda mais duras e maior encarceramento, investindo mais em construção de prisões e armamento das polícias do que na assistência à nossa juventude. Passa pelos burocratas dos milhares de órgãos que, de um jeito ou de outro, são responsáveis pela fiscalização do sistema penal, até chegar aos diretores e subdiretores que costumam fechar os olhos ante o “excesso” de seus homens. Isso para ficarmos restritos aos que operam o sistema penal, não discutindo as causas econômicas e sociais desses males, com raízes ainda mais profundas em nossa história (MENDES, 2017, p. 138-139).
  • 34. V SEMANA DE LETRAS DO IFES LÍNGUA E LITERATURA: RESISTÊNCIAS NA EDUCAÇÃO 34 A população brasileira tem-se visto sujeita a esses grilhões que acorrentam principalmente aquela parcela significativa dos excluídos, mas não só os excluídos materialmente. Têm ocorrido distorções no sistema político que indicam perda de poderes das instituições que deveriam zelar pelas leis. Giorgio Agamben postula: [...] a progressiva erosão dos poderes legislativos do Parlamento, que hoje se limita, com frequência, a ratificar disposições promulgadas pelo executivo sob a forma de decretos com força de lei, tornou-se desde então uma prática comum. A Primeira Guerra Mundial – e os anos seguintes – aparece, nessa perspectiva, como o laboratório em que se experimentaram e se aperfeiçoaram os mecanismos e dispositivos funcionais do estado de exceção como paradigmas de governo. Uma das características essenciais do estado de exceção – a abolição provisória da distinção entre poder legislativo, executivo e judiciário – mostra, aqui, sua tendência a transformar-se em prática duradoura de governo (AGAMBEN, 2004, p. 19). O Executivo “legisla” à revelia do Legislativo, que aprova o que está de acordo com grupos de poder. No Brasil, há grupos fortes que legislam em causa própria, como, dentre outros, a bancada ruralista, a bancada da bala e a bancada evangélica. A cadeia é um microcosmo de um mundo imenso em decomposição que nela reproduz seus modelos. A respeito de um prisioneiro de nome Vitão, Igor Mendes relata o que o preso lhe contara: Voltou a matar, sempre na zona oeste, a serviço de políticos, gente ligada a transporte alternativo, bicheiros, milicianos. Seus patrões – normalmente os chefes de segurança daquelas figuras – eram quase todos policiais ou ex-policiais, militares das forças armadas, agentes penitenciários graduados (MENDES, 2017, p. 156). Denúncias como essas são velhas conhecidas da população dos grupamentos subnormais deste país. Os agentes da lei são os comandantes da falta de lei que oprime muitos dos que vivem nas “comunidades”, e também os que ousam denunciar os crimes praticados por esses grupos. Numa outra oportunidade, Vitão diz a Igor: “- Eu acho que vocês estão certos, esse país tá todo errado. Mas toma cuidado, irmãozinho. Conheço como as coisas funcionam, um político desses contrata alguém pra matar vocês, não dá em nada (MENDES, 2017, p. 157-158). Não há como não relacionar a advertência do presidiário à execução da vereadora da cidade do Rio de Janeiro, Marielle Franco, do Partido Socialismo e Liberdade (PSOL). Marielle foi executada com 4 tiros na cabeça no dia 14 de março deste ano de 2018, crime que atingiu também o motorista do carro da parlamentar. No período da V Semana de Letras do Ifes haviam transcorrido exatos dois meses da execução, e não se elucidara o crime, com a hipótese mais provável de que tenha sido encomendado por políticos e milicianos,
  • 35. V SEMANA DE LETRAS DO IFES LÍNGUA E LITERATURA: RESISTÊNCIAS NA EDUCAÇÃO 35 desses mesmos sobre os quais Vitão já alertara Igor Mendes. Marielle incomodava esses grupos porque acusava a Polícia Militar do Rio de Janeiro de execuções nas periferias mais pobres da cidade, além de se colocar contra a intervenção federal no Rio iniciada em fevereiro de 2018. Era também defensora das causas das mulheres, negros e LGBTs, além das pautas dos direitos humanos de modo geral22 . Marielle foi calada definitivamente por poderes que extrapolam o aparato jurídico do país e agem em causa própria, infundindo o terror aos que ousam contrariar seus interesses. A liberdade de expressão e de manifestação, como direitos constitucionais, em muitas situações significam sentença de morte. Esses direitos foram também violados no episódio que levou Igor Mendes de volta à prisão, já que o juiz determinara, dentre outras restrições, que os então libertos provisoriamente estavam proibidos de frequentar manifestações. Como não aceitara tal imposição, até mesmo por sabê-la inconstitucional, Igor Mendes voltou à luta por seus ideais: Em 15 de outubro, participei, ao lado das companheiras Elisa (Sininho) e Karlayne (Moa), de uma atividade cultural na Praça Cinelândia em memória do Dia do Professor e da repressão desatada um ano antes nas escadarias da Câmara Municipal. Então, mais de 200 ativistas foram presos e cerca de 70 enviados para presídios em Bangu, o sombrio espectro que pairava, cada vez mais, sobre aqueles que ousavam permanecer nas ruas (MENDES, 2017, p. 44). Em decorrência da participação nesse evento, no dia 2 de dezembro de 2014 o juiz da 27ª Vara Criminal da Capital, Flávio Itabaiana de Oliveira Nicolau, decretou pela quarta vez a prisão de Elisa de Quadros Pinto Sanzi, de Igor Mendes da Silva e de Karlayne Moraes da Silva Pinheiro. O despacho do juiz explicita os motivos: [...] participaram de um protesto realizado em 15/10/2014 na Cinelândia, em frente à Câmara Municipal do Rio de Janeiro, descumprindo, assim, a medida cautelar que proíbe a participação em manifestações e protestos [...] e para garantia da ordem pública, decreto a prisão preventiva dos acusados [...] (MENDES, 2017, p. 45). A prisão de Igor Mendes se concretiza no dia 3 de dezembro de 2014 e ele fica 204 dias preso, até o dia 25 de junho de 2015, quase sete meses em presídios de segurança máxima por um crime que, na Constituição Cidadã de 1988, é um direito. Segundo Igor, quando perguntavam a ele qual crime havia cometido, ele invariavelmente respondia ser um 22 Informações disponíveis em: <https://brasil.elpais.com/brasil/2018/04/13/politica/1523616356_309777.html>. Acesso em: 28 abr. 2018.
  • 36. V SEMANA DE LETRAS DO IFES LÍNGUA E LITERATURA: RESISTÊNCIAS NA EDUCAÇÃO 36 preso político. Os companheiros de presídio, familiarizados com os noticiários das redes de televisão, consideravam-no um black bloc, apesar de Igor negar pertencer a esse grupo. Muitos não achavam possível ele estar ali apenas por ser preso político. Sua prisão pode ser enquadrada numa medida característica de um estado de exceção: Do ponto de vista estritamente jurídico, a acusação que me imputavam (associação criminosa, artigo 288 do Código Penal), aliada à minha condição de réu primário, tornavam muito improvável que, mesmo em caso de condenação, eu tivesse de cumprir pena em regime fechado. Não conheci, nas minhas andanças a caminho do Fórum e nas prisões pelas quais passei – três presídios diferentes em alguns meses -, ninguém em condições análogas às minhas. Ocorre que, nem o processo contra os 23, nem a minha prisão, podem ser entendidos num âmbito estritamente jurídico. Trata-se, indiscutivelmente, de perseguição política, verdadeiro acerto de contas do Estado com aqueles considerados típicos representantes da juventude que tomou as ruas a partir das jornadas de junho de 2013 (MENDES, 2017, p. 355). Trata-se, também, se se buscar o entendimento em Agamben, de uma violação da lei por mecanismos que têm força de lei. Para o filósofo, a transgressão à lei tornou-se norma na contemporaneidade, e afirma: [...] é determinante que, em sentido técnico, o sintagma “força de lei” se refira, tanto na doutrina moderna quanto na antiga, não à lei, mas àqueles decretos – que têm, justamente, como se diz, força de lei – que o poder executivo pode, em alguns casos, - particularmente, no estado de exceção – promulgar (AGAMBEN, 2004, p. 60). O Brasil vive uma situação em que o poder Executivo promulga leis, decretos, emendas às leis mas que, ao mesmo tempo, tornou-se refém do poder Judiciário, agindo de acordo com os interesses desse poder. Em análise de Renato Janine Ribeiro, o Executivo brasileiro ficou muito fraco a partir do segundo mandato de Dilma Rousseff, dando espaço para que o Legislativo assumisse o vácuo existente. Eduardo Cunha, então presidente da Câmara dos Deputados, não usou esse poder em benefício do país, o que provocou um vácuo também no Legislativo. Ribeiro analisa: O poder deslocou-se de Dilma para Eduardo Cunha, mas dado o vazio de Eduardo Cunha, ele foi recuperado pelo Judiciário, que é o único poder constitucional não eleito, o que significa uma falência interna, uma implosão, praticamente podemos dizer, no que é propriamente político, eleito, no que é propriamente democrático. [...] O Judiciário chegou até mesmo a determinar qual o ritmo do impeachment. [...] Seria uma prerrogativa do Congresso, que tinha que votar isso. E finalmente o próprio STF mostrou como continua se mostrando muitas vezes incapaz de dar soluções a crises grandes [...] (RIBEIRO, 2018).
  • 37. V SEMANA DE LETRAS DO IFES LÍNGUA E LITERATURA: RESISTÊNCIAS NA EDUCAÇÃO 37 No testemunho de Igor Mendes, o vácuo dos poderes constitucionais do Brasil se faz sentir seja quanto à ilegalidade das prisões políticas, seja quanto ao tratamento dado aos presos. Em determinada ocasião, cerca de 50 presos gritavam pedindo água, no que foram atendidos com jatos d’água lançados sadicamente sobre todos na apertada cela. Como os gritos continuassem após o banho forçado, o chefe do plantão voltou com um grupo de guardas munidos de pedaços de paus e cintos e retiraram da cela dois que se disseram responsáveis pelos gritos. O primeiro esboçou um argumento: -Meu chefe, é que... Antes que terminasse, levou um “telefone” (um golpe em que o agressor bate, com toda a força, as palmas das mãos no ouvido do agredido). A partir daí a pancadaria começou. Não víamos o que acontecia, pois os dois foram levados para a parede do lado direito da galeria, mas podíamos ouvir as pancadas secas de punhos, pernas e paus moendo, rasgando e massacrando carne humana (MENDES, 2017, p. 144). Rasga-se a carne dos presos como se rasga a Constituição da República Federativa do Brasil. Agamben afirma que “O estado de exceção é um espaço anômico onde o que está em jogo é uma força de lei sem lei” (AGAMBEN, 2004, p. 61), ou seja, a norma está em vigor, mas sem força e atitudes ilegais se tornam norma. Nesse estado de coisas, a insatisfação se generaliza no país. Após sair da prisão, Igor encontra um ex-subdiretor do Bandeira Stampa (Bangu 9) em uma manifestação de servidores públicos em dezembro de 2016: -Quem diria, seu Calazans... Agora, estamos do mesmo lado, hein? Ele me olha como se também espantasse a situação, mas responde sem demora: -Igor, nós sempre estivemos do mesmo lado. Comentamos, brevemente, sobre a prisão do Cabral, o imenso aparato policial mobilizado para uma manifestação que conta com adesão dos próprios funcionários da segurança pública: -Na última manifestação – diz-me -, vários colegas saíram feridos com bala de borracha. Agora mesmo já veio um cara me enquadrando, querendo saber o que eu tenho na mochila, pode? Já estamos vivendo um militarismo, só que um militarismo disfarçado (MENDES, 2017, p. 365-366). O espaço de anomia de que fala Agamben se instala de inúmeras formas no Brasil contemporâneo: no militarismo disfarçado, no entender de seu Calazans; no extermínio recorrente nas áreas pobres das periferias; nas reformas das leis que garantiam direitos aos trabalhadores e aposentados; na intervenção federal na cidade do Rio de Janeiro, para citar apenas algumas situações. A pequena prisão faz o leitor pensar sobre essas e muitas outras questões que compõem o universo político de qualquer cidadão, denunciando não só o iníquo
  • 38. V SEMANA DE LETRAS DO IFES LÍNGUA E LITERATURA: RESISTÊNCIAS NA EDUCAÇÃO 38 sistema prisional brasileiro mas sobretudo os mecanismos que fazem com que a realidade brasileira seja uma imensa prisão da qual ele, Igor Mendes, faz um pequeno recorte. REFERÊNCIAS AGAMBEN. Giorgio. Estado de Exceção. Homo Sacer, II, 1. Tradução de Iraci D. Poleti. 2. ed. São Paulo: Boitempo, 2004. (Coleção Estado de Sítio) AGÊNCIA BRASIL. IBGE: 50 milhões de brasileiros vivem na linha de pobreza. Disponível em: <http://agenciabrasil.ebc.com.br/economia/noticia/2017-12/ibge-brasil-tem-14-de-sua- populacao-vivendo-na-linha-de-pobreza>. Acesso em: 23 abr. 2017. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm>. Acesso em: 22 abr. 2018. BRASIL. Ministério da Educação. Base Nacional Comum Curricular (BNCC). Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/conselho-nacional-de-educacao/base-nacional-comum- curricular-bncc>. Acesso em: 23 abr. 2018. GINZBURG, Jaime. “Escritas da Tortura”. In: TELLES, Edson; SAFATLE, Vladimir (Org.). O que resta da ditadura. São Paulo: Boitempo, 2010. p. 133-149. ISTOÉ. IBGE: 6% da população brasileira mora em favelas. Disponível em: <https://istoe.com.br/183856_IBGE+6+DA+POPULACAO+BRASILEIRA+MORA+EM+F AVELAS/>. Acesso em: 23 abr. 2018. MENDES, Igor. A Pequena Prisão. São Paulo: n-1 edições, 2017. RIBEIRO, Renato Janine. Ética e Cidadania. Rádio USP [áudio da coluna de 25/04/2018]. Disponível em: <https://jornal.usp.br/atualidades/colunista-analisa-crescimento-do-judiciario- no-cenario-politico/>. Acesso em: 09 mai. 2018. ZAVERUCHA, Jorge. “Relações civil-militares: O legado autoritário da Constituição Brasileira de 1988”. In: TELLES, Edson; SAFATLE, Vladimir (Org.). O que resta da ditadura, São Paulo: Boitempo, 2010. p. 41-76.
  • 39. V SEMANA DE LETRAS DO IFES LÍNGUA E LITERATURA: RESISTÊNCIAS NA EDUCAÇÃO 39 “NO SEU PESCOÇO” E “AMANHÃ É TARDE DEMAIS”, DE CHIMAMANDA ADICHIE – UM CONVITE À EMPATIA Isis Cristina Marins Pereira1 Thays Sacramento2 Resumo: Chimamanda Ngozi Adichie é uma escritora nigeriana mais conhecida por seus discursos na TED Talks intitulados de O perigo da história única (2009) e Sejamos todos feministas (2013). Desse modo, o presente ensaio tem por objetivo tratar das questões feministas e da visão deturpada que o ocidente tem do oriente nos contos “No seu pescoço” e “Amanhã é tarde demais” ambos na obra No seu pescoço (2007). Utilizaremos como base os textos “A África imaginada e a África real” (2004), de Selma Pantoja, Orientalismo: o Oriente como invenção do Ocidente (1990), de Edward Said, a obra A Dominação Masculina (2002), de Pierre Bourdieu, e Problemas de gênero – Feminismo e subversão da identidade, de Judith Butler, não ignorando os discursos proferidos e ensaios da própria autora. Palavras-chave: Chimamanda Ngozi Adichie. No seu pescoço. Literatura africana. Os contos “No seu pescoço” e “Amanhã é tarde demais” publicados, originalmente, no ano de 2007, no livro No seu pescoço, reúne protagonistas mulheres e homens nigerianos que fazem questionamentos acerca da opressão, machismo, racismo e nacionalismo. Sem contar que também são um convite à empatia. Escritora nigeriana, Chimamanda Adichie nasceu no estado de Anambra, na Nigéria, mas cresceu na cidade de Nsukka, onde situa a Universidade da Nigéria. Escreveu seus primeiros contos quando ainda tinha 7 anos e aos 26 anos publicou seu primeiro romance, Hibisco Roxo, que, assim como o segundo, Meio Sol Amarelo, tem como tema central seu país natal. Conhecida por seus discursos feministas na TED Talks, Adichie conta com obras literárias que já foram traduzidas para o português e publicados pela Companhia das Letras. 1 Instituto Federal do Espírito Santo. 2 Instituto Federal do Espírito Santo.
  • 40. V SEMANA DE LETRAS DO IFES LÍNGUA E LITERATURA: RESISTÊNCIAS NA EDUCAÇÃO 40 Antes de procedermos, de fato, a análise do conto “Amanhã é tarde demais”, é importante salientarmos brevemente alguns pontos acerca do feminismo. Ao contrário do que muitos ainda acreditam o feminismo não é o antônimo de machismo. O machismo, de acordo com o dicionário Michaelis é a “ideologia da supremacia do macho que nega a igualdade de direitos para homens e mulheres.” O feminismo não prega que a mulher seja superior ao homem. Ao contrário disso, prega a igualdade entre os sexos. O feminismo busca repensar e recriar a identidade de sexo sob uma ótica em que o indivíduo, seja ele homem ou mulher, não tenha que adaptar-se a modelos hierarquizados, e onde as qualidades “femininas” ou “masculinas” sejam atributos do ser humano em sua globalidade. [...] Que as diferenças entre os sexos não se traduzam em relações de poder (ALVES; PITANGUY, 1981, p. 9-10). A ideia de que a mulher é inferior ao homem está enraizada, infelizmente, em nossa cultura há milhares de anos. Historicamente, o salário da mulher sempre foi inferior ao do homem, mesmo exercendo a mesma função, e continua assim na atualidade. Tarefas domésticas “são coisas de mulher”, segundo a sociedade machista. Há muito se acredita que a mulher deve ser submissa ao homem (ideia que é difundida por muitas religiões). O movimento feminista veio, dentre outras coisas, para tentar reverter essa situação de inferioridade da mulher, tendo em vista que devem ter os mesmos direitos e deveres de um homem. Sendo assim, as análises que faremos sobre o prisma do feminismo, irão desconstruir as ideias machistas muito propagadas na sociedade. A priori, destacaremos os pontos principais do conto “Amanhã é tarde demais”. Esse conto, escrito em segunda pessoa, nos fala de uma família Nigeriana, em que a avó da personagem principal, tem um pensamento totalmente machista e conservador. Tal pensamento e, consequentemente atitudes, deixam a menina e o seu primo Dozie muito enciumados, inconformados e até mesmo revoltados, em especial, a menina. Isso porque, a avó das crianças favorece nitidamente o irmão da garota, Nonso. Esse favorecimento se dá, pois, Nonso é o neto mais velho (e homem), e a avó acredita que somente ele pode perpetuar o sobrenome da família. O conto inicia com o narrador contando sobre o último verão que a personagem principal (em nenhum momento do texto é mencionado o seu nome) passou na Nigéria na casa de sua avó, verão que antecedeu o divórcio de seus pais. “À noite, a vovó deixava apenas seu irmão Nonso subir nas árvores para sacudir um galho cheio de frutas, apesar de você saber
  • 41. V SEMANA DE LETRAS DO IFES LÍNGUA E LITERATURA: RESISTÊNCIAS NA EDUCAÇÃO 41 trepar em árvores melhor do que ele” (ADICHIE, 2017, p. 112). Já no início do conto, fica evidente o preferencialismo que a avó tem com o irmão mais velho, bem como o pensamento machista que a senhora reproduz, o que fica claro, no decorrer da narrativa. Isso nos mostra que, o machismo, inicia-se, antes de tudo, na esfera familiar, como Bourdieu: Realmente, creio que, se a unidade doméstica é um dos lugares em que a dominação masculina se manifesta de maneira mais indiscutível (e não só através do recurso à violência física), o princípio de perpetuação das relações de força materiais e simbólicas que aí se exercem se coloca fora desta unidade, em instância como a Igreja, a Escola ou o Estado e em suas ações propriamente políticas, declaradas ou escondidas, oficiais ou oficiosas [...] (BOURDIEU, 2002, p.138). É irrefutável que a ideia de que o homem é superior à mulher, inicia-se na família, tendo em vista que, desde a infância é ensinado aos meninos que eles têm que se enquadrar num estereótipo de masculinidade e as meninas devem ser mais dóceis e gentis. Há ainda, nesse contexto, o que culturalmente a sociedade chama de “coisa de menino” e “coisa de menina.” No entanto, em seu discurso na TED Talks, Chimamanda nos chama atenção, ao dizer que “a cultura não faz as pessoas, as pessoas fazem a cultura.” Por isso, cabe a cada um, descontruir o pensamento machista que há muito se instalou (e ficou) na sociedade. Em outros momentos do conto, evidencia-se o favoritismo da avó com Nonso. Ela o ensinou a subir no coqueiro e a pegar os cocos, o que não ensinou para a garota pois, “meninas nunca catavam coco”. Além disso, “a vovó presidia o ritual dos goles para ter certeza de que Nonso beberia primeiro” (ADICHIE, 2017, p. 112). A menina, então, perguntou à avó porque Nonso sempre bebia primeiro e não Dozie, já que era o mais velho. A avó explicou que era porque Nonso era o único filho de seu filho, aquele que perpetuaria o nome da família, enquanto Dozie era apenas um filho de sua filha. E mais uma vez, a avó reproduz um pensamento machista e patriarcal e, diríamos, que até mesmo egoísta. Egoísta por pensar apenas na perpetuação do sobrenome da família e, não pensar que as consequências de seus atos afetariam aquelas crianças. Até mesmo Nonso seria afetado de forma negativa, pois, a avó depositava expectativas demais no menino. E se eu não correspondesse às expectativas? O menino poderia indagar. Essa pressão poderia afetar negativamente Nonso, assim como afeta muitas crianças e adolescentes. Muitos pais e outros familiares colocam expectativas demais nos meninos, ensinando-os desde cedo, que estes devem ser os provedores e o pilar da família. No entanto, tais responsabilidades, não cabem
  • 42. V SEMANA DE LETRAS DO IFES LÍNGUA E LITERATURA: RESISTÊNCIAS NA EDUCAÇÃO 42 somente a eles. A partir do momento que uma família é constituída, cabe ao casal zelar pelo bem da mesma, não só ao homem. O fato da avó, notoriamente, preferir a Nonso, fez com que a própria irmã o odiasse. “[...] o verão em que seu ódio pelo seu irmão Nonso cresceu tanto que você podia senti-lo vazando por suas narinas [...]”. O trecho supracitado, nos mostra que, não é o fato do homem ser homem que causa revolta nas mulheres. Mas sim, em como a sociedade endeusa, por assim dizer, o sexo masculino. Em como, culturalmente, o homem é considerado superior à mulher. E, como já mencionado, em diversas áreas. Nesse mesmo verão, Nonso morreu. “A vovó gritou com ele – com seu corpo inerte – dizendo i laputago m, que ele a havia traído, perguntando-lhe quem perpetuaria o nome da família Nnbuisi agora, quem protegeria a nossa linhagem.” Evidencia-se mais uma vez a questão do patriarcado, tendo em vista que a avó acreditava que somente Nonso poderia propagar o sobrenome da família. Com a fala da senhora, ela deixa claro que não se importava tanto assim com o garoto em si, mas com o sobrenome Nbuisi. Além do favoritismo da avó com Nonso, a mãe das crianças também tinha esse favoritismo para com ele, como expresso no trecho: Quando sua mãe entrava no quarto de Nonso para dar boa-noite, sempre saía de lá dando aquela risada. Muitas vezes, você apertava as palmas das mãos contra os ouvidos para abafar o som, e continuava apertando até quando ela entrava no seu quarto para dizer Boa noite, querida, durma bem. Ela nunca saía do seu quarto dando aquela risada (ADICHIE, 2017, p. 113). Passaram-se dezoito anos desde a morte de Nonso e a menina nunca voltara a Nigéria, até então. No entanto, ela retornou para se despedir da avó que havia falecido. Dozie a buscara no aeroporto e disse que estava surpreso com o retorno da menina, que agora se tornara mulher, tendo em vista o tamanho do ódio que ela tinha pela avó. “Aquela palavra – “ódio” – fica suspensa no ar entre vocês dois, como uma acusação.” (ADICHIE, 2017, p. 114). A menina sabia que o segredo sobre a morte de Nonso estava seguro com o primo. Sim, segredo. Até o momento, não se sabe como de fato o menino havia morrido. Era um mistério que ainda não havia sido revelado.
  • 43. V SEMANA DE LETRAS DO IFES LÍNGUA E LITERATURA: RESISTÊNCIAS NA EDUCAÇÃO 43 Então, em dado momento do conto, retorna-se ao ocorrido – a morte de Nonso. No velório, a mãe não falara nada aos que estavam presentes, nem mesmo à filha. Ao empacotar as coisas do menino, a mãe não perguntou a garota se ela queria ficar com algum pertence dele, o que a menina revela que a deixara aliviada. “Você não queria nenhum dos cadernos dele, com aquela letra que sua mãe dizia ser mais bonita do que letra de máquina.” (ADICHIE, 2017, p. 115). O ciúme que a menina tinha do irmão, não era infundado. Tanto a mãe como a avó, explicitamente, supervalorizavam tudo que Nonso fazia e, tudo que ele representava. Após três meses da morte de Nonso, a mãe disse que se divorciaria do pai e afirmou que não tinha nada a ver com o menino. Ora, parecia que não a menina não era levada em consideração, tal comentário soou como se somente Nonso pudesse ser a causa do divórcio. Então, finalmente a mãe pergunta como Nonso morreu e, parece que o mistério estaria, enfim, resolvido. A menina conta que a avó pediu para que o menino provasse que já era homem subindo no galho mais alto do abacateiro. E então, o assustara, de brincadeira, segundo a garota, dizendo que havia uma cobra a echi eteka no galho ao lado. Por isso, o garoto acabou soltando o galho e caiu no chão. Quando ele caiu, de acordo com a menina, ele ainda estava vivo, no entanto, “a vovó simplesmente ficou ali, gritando com o seu corpo despedaçado até ele morrer” (ADICHIE, 2017, p. 116). Disse que o menino a havia traído e que os ancestrais ficariam insatisfeitos. A mãe ficou revoltada e ligou para o pai. “Sua mãe é a culpada! Ela o deixou em pânico e fez com que ele caísse! Podia ter feito alguma coisa depois, mas ficou parada, porque é uma africana idiota e cheia de crendices [...]” (ADICHIE, 2017, p. 116). Mas será mesmo que a avó era a culpada? Em certa parte, sim. Até certo ponto, até mesmo a mãe tinha alguma culpa na morte do garoto. Aquele verão, dezoito anos atrás, foi o verão em que você teve sua primeira revelação. O verão em que soube que algo precisava acontecer a Nonso para que você pudesse sobreviver. Apesar de ter só dez anos, você soube que algumas pessoas podem ocupar espaço demais apenas sendo; que, apenas existindo, algumas pessoas podem sufocar as outras. A ideia de assustar Nonso com a echi eteka foi só sua. Mas você explicou isso a Dozie, que vocês dois precisavam que Nonso se machucasse – que ficasse aleijado, talvez, que quebrasse as pernas. Você queria macular a perfeição de seu corpo ágil, torna-lo menos adorável, menos capaz de fazer tudo o que fazia. Menos capaz de ocupar o seu espaço (ADICHIE, 2017, p. 116).
  • 44. V SEMANA DE LETRAS DO IFES LÍNGUA E LITERATURA: RESISTÊNCIAS NA EDUCAÇÃO 44 O trecho acima, retirado do conto em análise, parece resolver todo o mistério da morte da Nonso. Acreditamos que esse seja o ponto principal do conto – que explica o que aconteceu, de fato, e o porquê aconteceu. A menina mentira para mãe ao dizer que Nonso morreu porque a avó o assustara. Na realidade, a garota o fizera. Mas será que foi apenas por ciúme tolo? Não. A menina acreditava que para ser alguém, que para ser notada, algo deveria macular a imagem de Nonso, algo deveria lhe acontecer para que ele se tornasse menos “perfeito.” Não queria que ele morresse, “torná-lo menos adorável” de alguma forma. Esse pensamento da garota originou-se de todo o favoritismo que era dado a Nonso por ele ser homem e ser o primogênito – aquele que perpetuaria o nome da família, o salvador. Assim sendo, todos tiveram sua parcela de culpa na morte de Nonso. Ao final do conto, é lembrado de que a avó sempre cozinhava para Nonso. “Para quem você acha que fiz isso tudo?” (ADICHIE, 2017, p. 116). Outro fato de que o menino era mais importante do que Dozie e do que a garota. E a avó não fazia questão de esconder isso. E, às vezes, quando estava cozinhando e a menina observando a avó dizia “é bom você estar aprendendo, um dia vai cuidar assim do seu marido” (ADICHIE, 2007, p. 116). A única vez que a avó quisera ensinar a menina algo, era para que a garota pudesse cuidar, futuramente, do marido. Como se a menina estivesse fadada a casar, como se, caso ela casasse, seria obrigação cuidar do marido, como se a mulher servisse apenas para isso, para servir ao homem. Bourdieu afirma: A lógica, essencialmente social, do que chamamos de “vocação”, tem por efeito produzir tais encontros harmoniosos entre as disposições e as posições, encontros que fazem com que as vitimas da dominação simbólica possam cumprir com felicidade (no duplo sentido do termo) as tarefas subordinadas ou subalternas que lhe são atribuídas por suas virtudes de submissão, de gentileza, de docibilidade, de devotamento e abnegação (BOURDIEU, 2002, p. 72-72). Acredita-se, ainda hoje, que é dever da mulher cuidar do marido, cuidar das tarefas domésticas, cuidar dos filhos, entre outras coisas, pois elas nasceram com tal “vocação”, e são mais dóceis, gentis e abnegadas. Infelizmente, é esse o pensamento que a sociedade reproduz. Muitas vezes, não é nem culpa da pessoa que reproduz o machismo ter tal pensamento, já que está enraizado na sociedade desde sempre. É difícil desconstruir um pensamento que esteve presente em toda uma vida. No entanto, é importante que essa ideia retrógada de que a mulher é inferior ao homem, seja diluída, mesmo que esse processo seja lento. Ao longo dos anos, as