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360
educação
Realização
Parceria Apoio
A
terceira edição
do Educação 360
aconteceu num
momento crucial para a
educação do país: no ano da
definição da Base Nacional
Comum Curricular e um dia
depois do anúncio da MP da
reforma do ensino médio. Os
dois assuntos pautaram muitas
discussões no evento. Mas o
debate sobre educação é muito
mais amplo. E envolve toda a
sociedade. Essa é a proposta
do encontro internacional, que
reuniu grandes pensadores,
debatedores dos quatro cantos
do país, e um público de três
mil pessoas, entre professores,
gestores, alunos, familiares,
membros da comunidade,
representantes de ONGs, e do
poder público e empresários,
que se encantaram com as
apresentações de dezenas de
exemplos de sucesso.
Realizado pelos jornais O
GLOBO e EXTRA, em parceria
com a Prefeitura do Rio e o
Sesc, e o apoio da Coca-Cola
Brasil, da TV Globo e do Canal
Futura, o seminário aconteceu
nos dias 23 e 24 de setembro
de 2016, na Escola Sesc de
Ensino Médio, no Rio de
Janeiro.
A programação foi tão eclética
quanto a plateia. As palestras
magnas foram ministradas
pelo catalão Manuel
Castells, um dos maiores
pensadores da atualidade,
o sociólogo francês Michel
Maffesoli, o reitor honorário
da Universidade de Lisboa
António Nóvoa e a secretária
executiva do MEC, Maria
Helena Guimarães. Oito mesas
abordaram tópicos como
Educação e Cultura, Gestão,
Clima Escolar, Inovação,
Currículo e Protagonismo do
Aluno. Cada mesa contou
com dois debatedores e a
apresentação de três estudos
de casos, exemplos que estão
dando certo em educação,
no país e no mundo, com o
objetivo de inspirar o público
para que sejam replicados.
apresentação
Roberta Ferraz,
coordenadora
22
Participaram delas o sociólogo
César Callegari, o educador
português José Pacheco,
o economista do Instituto
Ayrton Senna e professor
do Insper Ricardo Paes de
Barros, o diretor regional do
Sesc SP Danilo Miranda, a
pedagoga e ex-presidente da
União Nacional dos Dirigentes
Municipais de Educação
(Undime) Cleuza Repulho,
o presidente do Conselho
Nacional de Secretários de
Educação (Consed), Eduardo
Deschamps, o CEO do
Instituto Alana, Marcos Nisti,
e o pesquisador americano do
Media Lab do Massachusetts
Institute of Technology (MIT)
David Cavallo, entre outros.
As novidades deste ano foram
os espaços de degustação de
novidades tecnológicas em
educação e as oficinas maker
com aulas bem diversas,
onde se era possível aprender
desde holografia e realidade
aumentada até o uso de
smartphones na sala de aula.
Por ser um evento voltado
para a sociedade, e não
restrito a educadores, a
cenografia tinha um papel
fundamental e cumpriu sua
missão: integrar-se de forma
bela e criativa ao conteúdo.
Assinada por Abel Gomes, foi
inspirada em temas abordados
nas atividades. Fitas coloridas
simbolizavam as conexões em
rede e o compartilhamento
de informações, e cadeiras no
lago — marca registrada do
evento — a desconstrução
da sala de aula, reforçando
o conceito de que Educação
hoje está em todo lugar.
E deve ser discutida e
aprimorada por todos. A
terceira edição acabou, mas
a proposta do Educação 360
permanece o ano inteiro,
em encontros menores com
temas específicos, no site
www.educaçao360.com e na
página no Facebook. Junte-se
ao Educação 360: participe,
discuta, sugira, inspire-se,
informe-se, faça acontecer.
33
A
educação brasileira
precisa de ideias
inspiradoras para inovar.
Necessita também conhecer
mais e melhores práticas bem-
sucedidas, executadas por
educadores brasileiros nos mais
diferentes contextos. Tudo isso
precisa vir à tona, mas sem
deixar de debater de forma
franca e honesta nossas feridas
e graves problemas no setor.
Tudo isso aconteceu na terceira
edição do Educação 360.
Como nos anos
anteriores, o evento de 2016
contou com pensadores
de prestígio internacional,
como Manuel Castells,
Michel Maffesoli e António
Nóvoa. Mas a edição deste
ano ganhou ainda mais
temperatura pelo fato de ter
acontecido dois dias depois
de o governo ter enviado uma
proposta de reforma do ensino
médio, tema que ocupou boa
parte da apresentação de
Maria Helena Guimarães de
Castro e que acabou sendo
debatido pelo público em
várias outras apresentações
e em conversas durante os
intervalos das sessões.
Na edição de 2016,
houve também uma inovação
INSPIRAÇÃO E
EDUCAÇÃO DE
QUALIDADE
Antonio Gois,
colunista do Globo
44
no formato das mesas. O
público teve acesso a estudos
de casos apresentados por
seus protagonistas e depois
debatidos por especialistas
nos temas. Em praticamente
todas as mesas ficava uma
pergunta no ar: se somos
capazes, mesmo em contextos
desafiadores, de encontrar
soluções criativas e efetivas
para nossos problemas, por
que não conseguimos avançar
no ritmo que precisamos?
Quem estudou na
escola pública do passado
costuma dizer que lá havia
ensino de qualidade. Não há
avaliações que nos permitam
comparar com precisão os
níveis de aprendizagem dos
alunos em meados do século
passado e hoje, mas é bem
provável que seja verdade. A
questão, que nunca podemos
esquecer, é que aquela era
uma escola pública para
poucos. O Censo do IBGE de
1940, por exemplo, mostra
que apenas 31% das crianças
de 7 a 14 anos tinham acesso
à escola naquela época,
percentual hoje que está
próximo de 100%.
Perdemos muito tempo
e sofremos os efeitos desse
atraso histórico até hoje,
acreditando que era possível
ter desenvolvimento social e
econômico dando educação
de qualidade para poucos.
Hoje, o desafio é garantir
qualidade para todos. Temos
um grande esforço pela
frente, que exige investimento
e a garantia de que educação
seja mesmo prioridade. Se
analisarmos seriamente nossos
problemas, inspirarmos-nos no
que vem dando certo aqui ou
lá fora, e não deixar nunca de
buscar inspiração em grandes
ideias, essa tarefa ficará muito
mais fácil.
55
657.099PESSOAS ALCANÇADAS PELA
FANPAGE DO EVENTO
10hTRANSMISSÃO ON-LINE NOS
SITES DO GLOBO E DO EXTRA
10.125CURTIDAS NA FANPAGE NO
MÊS DO EVENTO
10.972INTERAÇÕES NOS
POSTS DO EVENTO
511MENÇÕES NAS REDES
SOCIAIS NA SEMANA
DO EVENTO
3.000PESSOAS PARTICIPARAM
DAS ATIVIDADES66
59PALESTRANTES
21ESTUDOS DE CASO
77
88
ÍNDICEMAGNAS
MARIA HELENA
GUIMARÃES
PÁGINA 10
MANUEL
CASTELLS
PÁGINA 14
MICHEL
MAFFESOLI
PÁGINA 18
ANTÓNIO
NÓVOA
PÁGINA 22
OFICINA
PÁGINA 80 TECNOLOGIA
PÁGINA 81
MESAS DE DEBATE
TECNOLOGIA E INOVAÇÃO .................PÁGINA 26
EDUCAÇÃO E CULTURA.......................PÁGINA 32
CLIMA ESCOLAR..................................PÁGINA 38
EDUCAÇÃO E COMUNIDADE ..............PÁGINA 44
GESTÃO................................................PÁGINA 50
O ALUNO COMO PROTAGONISTA....PÁGINA 56
CURRÍCULO E AVALIAÇÃO................PÁGINA 62
ESCOLA CONSCIENTE,
NUTRIÇÃO INTELIGENTE....................PÁGINA 68
TV GLOBO:
QUANTIDADE x QUALIDADE
MITOS & FATOS ............................ PÁGINA 72
CANAL FUTURA:
ESCOLAS QUE DERAM
A VOLTA POR CIMA...................... PÁGINA 76
99
MARIAHELENAGUIMARÃES
magnas
1010
A CRISE
SIGNIFICA
QUE O
MODELO
NÃO
FUNCIONA,
FALIU
E
m meio à polêmica do
anúncio de uma Medida Pro-
visória para reforma do ensino
médio, a secretária executiva do Mi-
nistério da Educação (MEC), Maria
Helena Guimarães, foi a primeira a
ministrar palestra na terceira edi-
ção do Educação 360. Em pauta
estavam os grandes desafios da
educação brasileira.
— Tivemos avanços impor-
tantes nos últimos 20 anos,
sobretudo em matéria de co-
bertura e inclusão. De forma
geral, o Brasil melhorou muito
no quesito da educação, mas
ainda temos alguns proble-
mas que, se não forem re-
solvidos, se transformarão
em dificuldades muito fortes
num futuro imediato — aler-
tou a secretária, que assumiu
o cargo em maio deste ano.
Para Maria Helena, o
aprendizado dos alunos de
forma geral está melhoran-
do devagar em comparação
com os investimentos que
foram feitos na educação. A
secretária também mostrou
que, segundo o Índice de De-
senvolvimento da Educação
Básica (Ideb), o desempenho
das crianças vem melhorando
desde 2007 nos anos iniciais
do ensino fundamental, mas
o mesmo não ocorre nos anos
finais e no ensino médio.
— De 2003 a 2014, os da-
dos do Inep (Instituto Nacional
de Estudos e Pesquisas Educa-
cionais Anísio Teixeira) mostram
a evolução do investimento em
educação pública, especialmen-
te na básica. No entanto, a me-
lhora do ensino não acompanhou
os investimentos feitos nos três
níveis de governo e no setor priva-
do. Temos um quadro muito preocu-
pante, os jovens de 14 e 15 anos não
estão alcançando o mínimo espe-
rado nem em Português nem em
Matemática. Os jovens não es-
tão preparados para enfrentar
o currículo do ensino médio —
declarou.
O mau desempenho dos jo-
vens no ensino médio é uma
grande preocupação da se-
cretária, que usou dados do
Ideb e do Sistema de Ava-
liação da Educação Básica
(Saeb) para mostrar como
essa etapa de ensino não
tem evoluído.
— No caso do ensino
médio, a situação é um
pouco pior. Não só o Ideb
não é alcançado, como nos
dados da prova do Saeb o
desempenho em matemá-
tica piorou em comparação
a 2013 e em Português fi-
cou estagnado.
Em relação às prioridades
do MEC, Maria Helena afir-
mou, durante a palestra, que
a de número um é a con-
clusão da Base Nacional Co-
mum Curricular (BNCC) para
o ensino infantil e fundamen-
tal, para ser enviada ao Con-
selho Nacional de Educação
até o final de 2016.
A formação de professo-
res foi considerada pela se-
cretária o maior desafio da
pasta, por conta da falta de
comunicação entre os pro-
jetos existentes nessa área.
Segundo Maria Helena, o
governo pretende articular os
cursos de formação existentes
em duas grandes linhas: uma
voltada para a formação inicial
e outra, para formação conti-
nuada.
— Não temos uma proposta
pronta, estamos iniciando um
grupo de trabalho. Vamos fazer
1111
debates e convidar as associa-
ções e entidades para discutir
a melhor forma de integração.
A necessidade de juntar esses
programas é enorme, para via-
bilizar a criação de uma política
de formação que leve em conta
os grandes desafios da educa-
ção brasileira.
O aumento do número de va-
gas nas creches e a universaliza-
ção da pré-escola também estão
na lista de urgências do MEC,
que, segundo Maria Helena, vai
buscar apoio de outras esferas
de poder para concluir a meta.
— Pretendemos incentivar os
estados e municípios para pro-
mover a ampliação da educação
infantil, especialmente a univer-
salização da pré-escola, que de-
veria ter sido concluída no final
deste ano, mas não aconteceu.
Temos ainda 700 mil crianças
fora da pré-escola, é uma meta
importante que precisa ser al-
cançada — afirmou.
Outro item destacado pela
secretária foi a alfabetização in-
fantil e a necessidade de maio-
res investimentos nos municí-
pios para viabilizar o alcance da
meta dessa etapa de ensino.
— Nossas crianças não estão
sendo devidamente alfabetiza-
das. Os municípios são respon-
sáveis por 82% das matrículas
nos anos iniciais e precisam de
apoio na formação de profes-
sores, no fornecimento de ma-
teriais e na criação de progra-
mas que funcionem bem para
a meta de alfabetização infantil
ser alcançada.
A secretária aproveitou sua
fala para tentar esclarecer as im-
plicações da Medida Provisória
da reforma do ensino médio,
que, por conta dos maus resulta-
dos que vem apresentando con-
tinuamente, é uma
das maiores prioridades
do MEC.
Os principais pontos do do-
cumento determinam a divisão
do ensino médio em duas par-
tes: uma obrigatória para todos,
definida pela BNCC do ensino
médio, que na época ainda não
existia; e a outra voltada para
o aprofundamento em cinco
ênfases que serão escolhidas
pelos alunos. Outra mudança
mostrada pela secretária du-
rante a palestra é a ampliação
gradual da jornada escolar para
turno integral.
— A flexibilização do cur-
rículo é a mudança principal.
Hoje nós temos as 13 discipli-
nas obrigatórias nos três anos.
O que será obrigatório é a base,
que ainda vai ser formulada. A
metade da carga horária total
do ensino médio pode ser flexí-
vel — contou.
Durante toda a palestra, o
mediador da mesa, o colunista
do GLOBO Antônio Gois, rece-
beu perguntas escritas pela pla-
teia sobre a reforma do ensino
médio. Para a sessão de deba-
tes, ele escolheu os tópicos mais
sensíveis do momento
e que geraram polêmica entre
profissionais da educação, para
esclarecer com a secretária.
Maria Helena foi questiona-
da sobre a utilização de uma
medida provisória para imple-
mentar as reformas; a queda
da obrigatoriedade no currículo
do ensino médio de Filosofia,
Sociologia, Artes e Educação
Física; a mudança das escolas
dessa etapa de ensino para o
horário integral; e a permissão
de professores com notório sa-
ber para dar aulas.
— A criação da MP não signi-
fica falta de debate e de conheci-
mento, mas, sim, o caráter de ur-
gência dessa questão. Sabemos
que o fracasso do ensino médio
brasileiro é um dado apontado
por especialistas na área. A cri-
se significa que o modelo não
funciona, faliu. O ensino médio
brasileiro é o único do mundo
1212
engessado com 13 dis-
ciplinas obrigatórias. O jovem
precisa ter a possibilidade de se
aprofundar em áreas de conhe-
cimento, faz muito mais sentido
para ele — explicou.
Em relação à verba de R$ 1,5
bilhão que será oferecida aos
estados para implementação
das medidas, principalmente
do ensino integral, a secretária
admitiu que é um valor peque-
no, considerando-se o tama-
nho da rede de ensino no país.
Porém, defendeu a importância
de expandir a integralização
aos poucos, conforme a meta
do Plano Nacional de Educação:
— O nosso projeto está mui-
to bem formulado e não que-
remos errar. O MEC tem inves-
tido muitos recursos em ensino
integral que não estão dando
resultado. Para ser bem feito,
precisa ser administrável, ter
acompanhamento e avaliação
para fazermos cor-
reções, melhorando o
projeto para expandir aos
poucos e não começar tudo de
uma vez, sem ter avaliação. As-
sim se gasta um monte de di-
nheiro e não se tem resultado.
Nosso objetivo é fazer com res-
ponsabilidade e muito cuidado.
Outra polêmica envolvendo a
leitura da MP e a falta de uma
BNCC aprovada é a confusão
em torno da obrigatoriedade ou
não de Educação Física, Artes,
Filosofia e Sociologia no currí-
culo. Maria Helena garantiu que
essas disciplinas estarão presen-
tes no documento e poderão
ser aprofundadas conforme as
escolas organizarem as áreas de
conhecimentos com ênfases em
determinados temas.
— Acho praticamente im-
possível imaginar essas quatro
disciplinas fora da BNCC, é
claro que estarão. Na metade
flexível do currículo, por exem-
plo, na ênfase em Humani-
dades, é possível contemplar
mais profundamente Filosofia,
Sociologia, História... Já numa
ênfase em Matemática, é possí-
vel contemplar arte, diagrama-
ção, linguagem de programa-
ção. Também vai ser possível,
por exemplo, criar uma ênfase
numa área que valorize o de-
senvolvimento do esporte e a
preparação de atletas. A escola
vai ter liberdade para fazer es-
sas escolhas — garantiu.
Quanto à questão do reco-
nhecimento de profissionais
com notório saber para dar au-
las em áreas afins à sua forma-
ção, a secretária esclareceu que
a medida foi pensada para en-
sino técnico e educação profis-
sional. Porém, ela garantiu que,
mesmo com o notório saber, os
profissionais obrigatoriamente
têm que ter um complemento
pedagógico para dar aulas.
— Sem essa complemen-
tação, não tem como o pro-
fissional ter a didática que ele
precisa para dar aulas e ser um
bom professor. Isso (o notório
saber) não exclui a importância
de ter uma complementação
didático-pedagógica para que
o profissional atue na escola —
assegurou.
A secretária também ressal-
tou a importância do papel da
formação de professores nos
próximos dois anos para imple-
mentação da reforma do ensi-
no médio e da BNCC:
— Já está sendo discutida
uma proposta de apoio aos es-
tados na área de formação. Os
recursos previstos para os dife-
rentes cursos vão ter um rede-
senho considerando a reforma
do ensino médio e a nova base.
A BNCC só vai se concretizar
se os professores estiverem
bem preparados para serem os
agentes dessa mudança.
1313
MANUELCASTELLS
1414
O SISTEMA
EDUCACIONAL
BRASILEIRO TEM
QUALIDADES
MAS É INJUSTO
O
renomado soció-
logo espanhol Ma-
nuel Castells encerrou
o primeiro dia do encon-
tro Educação 360 discursando so-
bre as condições da universidade
na sociedade contemporânea,
como ela está se transformando
e quais os principais obstáculos
burocráticos e econômicos para
essas mudanças. Autor da trilo-
gia “A era da informação: eco-
nomia, sociedade e cultura”,
o acadêmico também criticou
a divisão entre instituições
públicas e privadas no Brasil,
ressaltando que esse modelo
reproduz a desigualdade so-
cial do país.
— O sistema educacional
brasileiro tem qualidades,
mas é injusto. As universida-
des públicas são de relativa
boa qualidade, algumas a ní-
veis internacionais e são em
grande parte gratuitas. Por
conta dos critérios de sele-
ção, elas são destinadas para
a classe média. E os setores
populares pagam muito mais
caro por universidades priva-
das que têm qualidade du-
vidosa. Isso é um sistema de
injustiça social — avaliou.
Castells criticou a burocrati-
zação do ensino superior e a
falta de adaptação de algumas
instituições ao seu entorno tec-
nológico. Outro ponto que pre-
cisa sofrer mudanças urgentes,
segundo o sociólogo, que teve
apoio da plateia, é a tendência
de as instituições servirem aos
interesses dos professores, antes
dos do aluno. Para ele, isso é ca-
racterizado pelo conflito entre en-
sinar bem e publicar artigos cien-
tíficos, cobrados pelo sistema como
forma de promoção dos docentes.
— Nos pagam para ensinar, mas
nos promovem por publicar. A
minha paixão, a minha vida é a
universidade, por isso posso cri-
ticá-la. Se não formos capazes
de mudar o ensino superior,
perderemos o privilégio que é
dedicar a vida à educação —
afirmou.
Outro problema do ensi-
no superior atualmente, de
acordo com o especialista,
é a facilidade do setor em
se tornar vulnerável às deci-
sões mercadológicas.
— A universidade é o mer-
cado mais apetecível para
grandes empresas mercená-
rias. Precisamos defender a
universidade das deforma-
ções causadas pelo merca-
do. Em todo o mundo está
se perdendo a legitimidade
por conta disso.
O sociólogo também ana-
lisou os diferentes modelos
de universidade que existi-
ram ao longo da História e
que, hoje, combinam-se nas
distintas funções atribuídas
ao ensino superior.
— Em primeiro lugar, as
universidades se destina-
vam à produção de valores
e à sua legitimação social.
Depois, passaram a fazer a
seleção das elites e a forma-
ção dos núcleos de poder,
tanto na educação especia-
lizada quanto na formação
de um meio social dirigente
da sociedade. É o caso da Ivy
League, nos Estados Unidos,
e de Oxford e Cambridge, na
Inglaterra. No Brasil, a USP é
a matriz das elites nacionais.
Essas universidades são um
clube privado de relações so-
ciais — brincou.
Outra função das universi-
dades, segundo Castells, é a
1515
formação de profissionais fun-
damentais para o sistema pro-
dutivo e para a organização da
sociedade.
— No Brasil sempre se deu
muita ênfase às escolas de for-
mação de engenheiros e de
advogados. Mais tarde, histo-
ricamente, as escolas de negó-
cios ingressaram nesse cenário,
convertendo-se num dos inves-
timentos dominantes dos siste-
mas universitários.
De acordo com Castells, a
universidade científica, com or-
ganização econômica e produ-
tiva voltada para a produção de
conhecimento avançado, con-
vertido em informação de alto
nível, é recente. O sociólogo
citou como exemplo a experi-
ência das instituições públicas
americanas. Outro modelo de
ensino mencionado na pales-
tra é mais generalista e voltado
para melhorar o nível da educa-
ção no conjunto da sociedade
e acontece em instituições fran-
cesas, italianas, espanholas e
latino-americanas, a partir dos
anos 40.
— Um modelo que
vamos encontrar em
qualquer instituição, com
ênfases diferentes, é a univer-
sidade empreendedora. Ela se
organiza em torno do desenvol-
vimento de capacidades profis-
sionais ligadas à cadeia produ-
tiva, sobretudo com a iniciativa
privada. Mas, de qualquer ma-
neira, todas essas funções es-
tão presentes hoje de formas
distintas em cada sistema de
ensino superior — explicou.
Para o sociólogo espanhol,
a produção de conhecimento
e inovação tecnológica são a
base da riqueza contemporâ-
nea e se tornaram essenciais
para a sociedade em rede,
o que justifica, mais do que
quaisquer outros fatores, a im-
portância das universidades.
Outro aspecto importante é a
mudança na força de trabalho
que vem acontecendo nos últi-
mos anos e que ainda vai trans-
formar muito as profissões no
futuro. Castells acredita que o
mais importante para o traba-
lhador é adquirir a capacidade
de ser autoprogramável.
— No nosso tipo de econo-
mia, as especialidades
concretas que existem hoje vão
desaparecer em cinco anos. O
trabalhador precisa se adaptar,
e uma formação muito especia-
lizada não permite a capacida-
de de adaptação tecnológica.
Falta uma reciclagem constante
em toda a etapa profissional,
mas isso é muito difícil porque
tem que ser feito ao mesmo
tempo em que se trabalha.
Nesse aspecto, as universidades
à distância são fundamentais
porque permitem essa atualiza-
ção sem sair da rotina pessoal e
profissional — defendeu.
Nessa linha, Castells de-
fendeu que uma função im-
portantíssima não só das uni-
versidades, mas do sistema
educacional como um todo
atualmente, é a formação de
indivíduos com um novo tipo
de personalidade que seja, so-
bretudo, mutável ao longo da
“Falta uma
reciclagem
constante em
toda a etapa
profissional, mas
isso é muito difícil
porque tem que
ser feito ao mesmo
tempo em que se
trabalha”
1616
vida. O sociólogo acre-
dita que alguns valores preci-
sam ser reforçados para fortale-
cer a capacidade de adaptação.
— As condições de vida vão
mudar constantemente. Isso re-
quer pessoas com personalida-
des flexíveis e adaptáveis, mas
que ao mesmo tempo sejam
suficientemente firmes para
não se romperem em tempos
de crise e manterem uma tra-
jetória de vida. A família, não
importa o tipo, é o valor mais
importante do mundo no sen-
tido profundo do termo, de
que você sempre poderá contar
com as pessoas. Isso se mol-
da na escola primária, mas se
acentua na universidade e pre-
cisa de reforço — explicou.
Apesar da importância atri-
buída ao ensino à distância
para atualização profissional,
Castells defendeu a importân-
cia da existência das univer-
sidades presenciais,
que, segundo ele, são
essenciais na formação dos
jovens por se tratarem de um
meio social. O sociólogo res-
saltou, no entanto, que a dis-
tinção feita entre universidades
virtuais e reais é antiga e precisa
ser repensada.
— Essa diferenciação não cor-
responde à realidade. Todas as
universidades são híbridas, elas
combinam o real e o virtual. Os
alunos passam muito tempo on-
-line, assim como os professores,
que trocam muitas informações
dessa maneira. O professor tem
uma relação pessoal com o alu-
no, mas no conjunto do sistema
universitário move-se para uma
nova pedagogia que integre os
diferentes modos de comunica-
ção no dia a dia das universida-
des — avaliou.
Castells também criticou a
explosão de universidades à
distância no mundo porque,
segundo ele, na maioria das
vezes são instituições de má
qualidade, que visam apenas
ao lucro dos seus donos e não
geram inovação e avanços tec-
nológicos. O sociólogo citou o
sistema de regulação do Chile,
que passou a regulamentar ins-
tituições desse tipo, retirando
sua acreditação quando não
era atestada qualidade mínima.
— O grande problema dessas
universidades digitais é a falta de
qualidade por serem um simples
negócio. O contato regular com
os estudantes e as aulas são ex-
tremamente limitados. A univer-
sidade de qualidade é mais cara
porque requer mais recursos,
como monitoria individual por
estudante — disse.
O sociólogo também conde-
nou a divisão do sistema univer-
sitário em disciplinas, alegando
que a interdisciplinaridade é a
base da formação e da ciência
moderna.
— As fronteiras das discipli-
nas desapareceram. As univer-
sidades que mantêm a divisão
por disciplina obrigam os pes-
quisadores a colaborarem entre
si em segredo. Nunca entendi a
distinção entre ciência política e
sociologia política — brincou,
arrancando risos da plateia.
A falta de autonomia do en-
sino superior em relação aos ór-
gãos públicos foi apontada por
Castells como um dos maiores
entraves para o fomento da
inovação no ensino superior.
— A inovação aproveita as
brechas do sistema. Existe uma
esfera maior que é o Ministério
da Educação que foi feito para
não permitir inovação. No Bra-
sil, vocês têm mais flexibilida-
de... Na Espanha, o ministério
decide o programa de todas as
disciplinas, de todas as universi-
dade. Isso é o contrário de pro-
gresso. O grande segredo das
universidades americanas é que
não há ministério da educação,
elas têm autonomia total.
1717
MICHELMAFFESOLI
1818
O
sociológo fran-
cês Michel Maffe-
soli abriu o segundo
dia do encontro Edu-
cação 360 descrevendo uma era
dos afetos. Na avaliação dele, a
era moderna chegou ao fim em
meados do século XX, junto de
seus paradigmas. O individua-
lismo deu lugar à “pessoa plu-
ral”, a crença no presente saiu
de cena para a valorização do
presente, e o racionalismo
caiu diante do sentimento.
Este é, para o professor da
Universidade Sorbonne, na
França, o “espírito coletivo”
da pós-modernidade.
— O que está em jogo
na contemporaneidade é
a diversidade, em todos os
setores: cultural, sexual, reli-
gioso. O século XIX buscava
reduzir tudo a um, diminuir
as diferenças. Não pode-
mos mais. A imagem atual
é como um mosaico. Existe
uma coerência no todo, po-
rém cada peça mantém sua
própria configuração. Um
policulturalismo. Pode haver
uma harmonia a partir das
diferenças, uma harmonia
conflituosa. A diversidade é
o fundamento da pós-mo-
dernidade — afirmou o pen-
sador.
O centro da fala de Maf-
fesoli são as formas de socia-
lização. Segundo o autor, a
educação é o processo de tirar
a criança da barbárie e inseri-la
na civilização, e isso funcionou
bem para a modernidade. Mas
não mais. Na avaliação do soci-
ólogo, a História do mundo não
é linear ou progressista — Maf-
fesoli critica a ideia de que a Hu-
manidade saiu de um ponto de bar-
bárie para um ponto de progresso.
O FIM DE
UM MUNDO
NÃO É O FIM
DO MUNDO
Segundo ele, a História do mundo
é pendular.
— Para lembrar a etimologia
da palavra, “época” significa,
em grego, parênteses, que
se abre e fecha. Estamos fe-
chando o parênteses da épo-
ca moderna e abrindo a pós-
-modernidade — disse ele.
— Quando há mudanças de
época, existe um processo
de saturação. A saturação
é um conceito proposto por
um sociólogo americano
usando o exemplo da sa-
turação química. Em certo
ponto, as moléculas que
formam um corpo não po-
dem mais ficar juntas. Exis-
te, então, uma destruição
desse corpo e, ao mesmo
tempo, essas mesmas mo-
léculas vão entrar em ou-
tro corpo, uma recomposi-
ção. O fim de um mundo
não é o fim do mundo.
É nesse ponto de re-
construção que estamos
vivendo, avalia Maffesoli.
Há, inclusive, o desafio de
nomeá-lo com exatidão.
Segundo o sociólogo, cha-
mamos isso de crise. Não
só econômica, mas social.
Cada época tem um imagi-
nário específico. Um clima.
E também uma “atmosfera
mental” diferente.
Na modernidade, o ho-
mem era centrado no in-
divíduo — aliás, para o
professor, é o conceito de
individualidade, que nasce
no século XIX, a fundação
dessa era. Naquele momen-
to, a Reforma Protestante
traduziu a Bíblia para as lín-
guas profanas e pregou a va-
lorização do trabalho — antes,
associado à desonra. A crença
1919
num futuro melhor — a ideia
de que o mundo é um terreno
de transição – e a dialética em
alta criaram outras duas mar-
cas dessa época: a postergação
do gozo (a valorização do que
vem depois) e o racionalismo
(a crença absoluta na razão).
— Esses aspectos consti-
tuem a paranoia moderna,
que também chamo de para-
noia educativa. Paranoia signi-
fica um pensamento que vem
do alto, que vai se impor. Isso
me parece saturado, mas ain-
da existe. Não acredito que
podemos desperdiçar energia
juvenil com esses valores. Os
astrofísicos nos explicaram que
ainda vemos a luz de uma es-
trela muito depois de ela mor-
rer. Vivemos essa situação. A
grande paranoia moderna,
que contribuiu para coisas lin-
das, está saturada e não nos
demos conta.
Michel Maffesoli é um teóri-
co da pós-modernidade e um
fenomenólogo das tribos. E é
com base em suas especialida-
des que ele prevê o futuro da
socialização das crianças. Sua
hipótese é que, com a pós-
-modernidade, a forma como
socializamos nossas crianças
não seja mais baseada na edu-
cação, mas, sim, no conceito
antropológico de iniciação —
“Com outra palavra, talvez”,
ressalta ele —, como numa
volta ao passado das tribos.
— O desafio é como vamos
mobilizar a energia dos jovens
sem castrá-la demais. A gente
vai acentuar imaginários cole-
tivos, sonhos, ideais, fantasias.
Existe nessas jovens gerações
uma coisa que vai acentuar as
emoções vividas em comum,
dos afetos e sentimentos —
analisa: — As tribos são for-
madas por compartilhamentos
de gostos, não de ideias. Um
gosto sexual, musical, esporti-
vo. Não estamos mais enclau-
surados no “eu mestre de mim
mesmo”, mas, em primeiro lu-
gar, privilegiamos a tribo onde
vivemos.
Outra mudança seria a do
tempo. O presente passa a
ser mais valorizado. O aqui e
agora, como ele diz. O traba-
lho perde valor para o sentido
de criação. Na visão de Maffe-
soli, o sonho agora é transfor-
mar a própria vida em obra de
arte. Há, segundo ele, ainda
uma relação entre essa valori-
zação do presente com o culto
ao corpo:
— Não sentimos mais, como
(Sigmund) Freud afirmou so-
bre a modernidade, o poster-
gamento do gozo, mas agora
é o repatriamento do gozo. O
correlato é a importância do
corpo, que se veste, e a mus-
culação. Presenteísmo é como
eu chamo a importância do
corpo.
Na avaliação de Maffesoli,
a passagem da modernidade
“Pode haver uma
harmonia a partir
das diferenças,
uma harmonia
conflituosa.
A diversidade é
o fundamento da
pós-modernidade”
2020
marca o fim do racionalismo:
os seres pós-modernos acen-
tuam o sentimento e as vibra-
ções espirituais e artísticas.
Segundo ele, a melhor palavra
é “sintonia”, ou seja, estar no
tom com os outros humanos.
Para o autor, trata-se de uma
ética da estética.
— Está se construindo um
cimento ético a partir das emo-
ções e do compartilhamento
dos afetos. Essa ética da es-
tética é que vamos encontrar
nas diversas artes e esportes.
As apostas são colocadas não
mais na independência, mas
na interdependência. Para
mim, isso é que vai constituir a
ordem pós-moderna.
Na visão do sociólogo, ou a
escola passa por essas trans-
formações ou será extinta.
As mudanças de paradigma
reivindicam o fim da verticali-
zação da educação. É por isso
que os alunos nas salas de aula
hoje precisam ser ouvidos:
— A educação está basea-
da na verticalidade. O oposto
da paranoia vertical é o nas-
cimento de um saber juve-
nil que temos que compor e
acompanhar, saber que isso
vai reinvestir, reutilizar e reinte-
grar uma série de parâmetros,
como o lúdico, que está sendo
colocado de lado. Não há mais
separação entre corpo e men-
te — disse Maffesoli: — A lei
dos irmãos está em construção
no pacto da sociedade basea-
do no sentimento. É isso o que
precisamos encontrar. Cada
época sonha com a próxima,
e é preciso acompanhar esse
sentimento. É isso que está em
jogo hoje em dia.
E se a escola resistir às mu-
danças?, foi perguntado a Ma-
ffesoli. O caminho seria a mor-
te, assim como acontece com
a política. De acordo com o
pensador, o risco é a escola se
tornar um dinossauro: aquele
que morre por não saber se
adaptar ao clima:
— Ou vai morrer ou vamos
saber nos ajustar na horizonta-
lidade. Foi isso que chamei de
iniciação. Dou aula há 30 anos
na Sorbonne. Há uns 10 anos,
eu estava em uma aula com
cem alunos, todos com note-
book aberto. Um dia, um es-
tudante falou: “O senhor está
errado. Isso não aconteceu em
1826, e sim em 1823.” Existia
a necessidade de interação.
Com o desenvolvimento tec-
nológico, não podemos mais
impor as palavras. As escolas
podem ser rígidas ou serem
inteligentes de se adaptar. Há
de se ficar atento a essa nova
cultura para não ter uma des-
conexão entre quem tem a pa-
lavra, o professor, e a cultura
juvenil.
“O desafio é
como vamos
mobilizar a
energia dos
jovens sem
castrá-la demais.
A gente vai
acentuar os ima-
ginários coletivos,
sonhos, ideais,
fantasias”
2121
ANTÓNIONÓVOA
2222
qualquer”. Na mesma semana
em que foi realizado o Educa-
ção 360, o governo brasileiro
lançou uma Medida Provisória
(MP) que tirava essas discipli-
nas da grade obrigatória do
ensino médio nacional. Um
dia depois, voltou atrás e
afirmou que elas não deixa-
rão de ser obrigatórias.
— Deixo a seguinte pro-
vocação: é preciso subs-
tituir o aborrecimento do
viver, de jogar um vide-
ogame, pela alegria de
trabalhar, de pensar. E
só uma escola com cami-
nhos, cooperação, comu-
nicação e criação é capaz
de resolver essa situação.
O professor tem que en-
sinar duas grandes coisas:
a condição humana, que
é tudo o que nos faz es-
tar em paz com o outro,
e a identidade terrena.
Precisamos de um currícu-
lo com a inteligência do
mundo. Não um currículo
de “especialistas especial-
mente especializados”,
como diria um amigo meu
de forma irônica, em que
tudo é cortado em fatias
e não há inteligência —
defendeu o educador por-
tuguês, sem citar a MP.
— Reformas curriculares
têm sido condenadas ao
fracasso nos países. Só os
que desistiram de fazer isso
são os que deram certo.
Nóvoa ainda defendeu a
liberdade para os professo-
res nas escolas. Ele diz que
é comum ouvir o argumento
de que as escolas brasileiras
não estão preparadas para ter
mais liberdade e que os pro-
fessores não são bem forma-
E
ducação para unir e li-
bertar as crianças. Esse é
o rumo proposto pelo portu-
guês António Nóvoa, reitor hono-
rário e professor catedrático do
Instituto de Educação da Univer-
sidade de Lisboa, em Portugal.
Na avaliação do especialista, é
preciso ampliar o debate sobre
as transformações da escola.
— Talvez consigamos en-
contrar o que possa nos unir,
sabendo que a escola atual
não vai continuar igual, que
há um movimento de tran-
sição. O nosso trabalho é
menos pedagógico, menos
organizacional, menos so-
bre a formação do professor
e é mais do ponto de vista
de uma reflexão filosófica
da educação — defendeu o
especialista: — Temos que
aprender juntos os cami-
nhos de cada aluno. A esco-
la é o lugar da união. Só em
comum, ou seja, uns com os
outros, nos educaremos. De
outra maneira, não percebe-
mos os desafios da comuni-
cação. Pertencer ao comum
não implica homogeneiza-
ção. Ao contrário. Significa
o esforço de nos libertar-
mos. Esses são movimentos
que devemos fazer para não
perdermos o ato educativo –
afirmou.
Nóvoa ainda criticou pro-
postas de currículos “corta-
dos em fatias”. Ele defende
ser necessário que a grade de
conteúdos tenha capacidade
de interligar o mundo em tor-
no de grandes temas e de gran-
des problemas. Na avaliação do
especialista, não se consegue
chegar a esse objetivo “diminuin-
do as filosofias ou as artes ou as
educações físicas ou outra coisa
A ESCOLA
É O LUGAR
DA UNIÃO
2323
dos para isso. Mas rebate.
— Se isso for verdade, en-
tão, que se formem melhor os
professores e se reforce a es-
cola — defendeu.
O educador ainda criticou
“projetos que proliferam no
ano de 2016 que tentam fe-
char as crianças” em seus
meios sociais, como a famí-
lia, a religião, a cultura ou
a comunidade. Esse foi um
posicionamento contrário às
ideias da “escola sem parti-
do” (uma suposta proibição a
que os estudantes sofram ide-
ologização nas salas de aula).
De acordo com Nóvoa, o en-
raizamento é importante, mas
é preciso apresentar o mun-
do aos estudantes, para uma
educação libertadora.
— Claro que comunidade,
família e religião têm direito
e obrigação de educar. Mas a
educação escolar é de outro
tipo. Nós professores apresen-
tamos o conjunto de toda a
humanidade e visões do mun-
do para que a criança queira
novos olhares. Muitas políticas
educativas são erradas porque
acham que a educação é um
serviço e as crianças, clientes.
A escola não é um serviço, é
uma instituição. É aquilo que
nos institui como seres huma-
nos e na vida em democracia.
O professor
defende ainda que
os professores assu-
mam a formação uns
dos outros, em troca de co-
nhecimento. De acordo com
Nóvoa, a educação não pode
ser fechada apenas dentro da
escola. Há, hoje, uma capilari-
dade educativa que cria uma
malha de conhecimento. Uma
trama de possibilidades, como
diz Nóvoa, que existe nas
nossas cidades e sociedades.
E esse espaço ocupado pela
escola deve ter liberdade, par-
ticipação e deliberação — se-
gundo o especialista, não há
compromisso sem essas con-
dições. Os rumos das políticas
públicas da educação não po-
dem ser “ditados” apenas pe-
los políticos.
— Nessa trama em que se
faz o espaço público da edu-
cação, o espaço da escola tem
que ter, ao mesmo tempo,
liberdade, participação e po-
der de decisão. Nós (profes-
sores) temos que decidir sobre
a educação. Não podem ser
apenas os políticos. A educa-
ção existe num espaço público
de liberdade,
participação e de-
liberação. Nós professores te-
mos a nossa palavra a dizer.
Essa deliberação é absoluta-
mente central. O espaço pú-
blico tem que ser deliberativo,
onde se envolvem professores
e os pais, não como clientes
do serviço, mas como cida-
dãos com direito a falar sobre
a instituição escola — afirmou
Nóvoa: — Não há trabalho
mais forte na pedagogia do
que a palavra cooperação. Ela
vem de muito tempo atrás.
Vamos formar mutuamente
uns aos outros. Sabemos que
os alunos aprendem mais uns
com os outros do que com o
professor, o que não diminuiu
em nada o nosso trabalho e
nossa responsabilidade, mas
nos faz organizar o trabalho
de maneira diferente.
O esforço, segundo ele, é
“Muitas políticas
educativas são
erradas porque
acham que a
educação é um
serviço e as
crianças, clientes”
2424
parte funda-
mental do proces-
so de aprendizado. Segundo
Nóvoa, “a aprendizagem só
acontece quando, juntos, nos
descobrimos e nos recriamos”.
Para ele, quando alunos e pro-
fessores não fazem esforço,
ficam “amputados” de uma
parte da humanidade, daquilo
que ele acredita que permite
enxergar. Para Nóvoa, esse é
um trabalho de autoconheci-
mento, de interconhecimento,
que une os atores da educa-
ção em um conhecimento
com consciência humana.
— O meu maior pesadelo
é a indiferença. Esse pesade-
lo estava adormecido há uns
anos, mas renasceu muito
forte para a preparação dessa
palestra. Lembro-me de uma
citação brutal. Dizia que a Pri-
meira Grande Guerra Mundial
não aconteceu porque havia
o mal, o crime
e pessoas violen-
tas. Não foi por isso.
Aconteceu, sobretudo,
pela indiferença de quase
todos nós. Foi a incapacida-
de de perceber que estava
acontecendo alguma coisa
que permitiu a guerra. Nós
professores não podemos nos
esquecer disso. Na escola, não
podemos cultivar a indiferen-
ça ou um conhecimento que
não tenha humanidade — re-
sumiu Nóvoa: — Nada substi-
tui o bom professor.
O português ainda fez uma
crítica à formação inicial do
professor no Brasil. Para ele,
há uma enorme fragmentação
na graduação brasileira. Ele
também cobrou maior parti-
cipação das universidades do
país. De acordo com Nóvoa,
o Brasil tem um conjunto de
boas universidades, sobretudo
públicas, mas que não têm as-
sumido um compromisso for-
te com a educação básica. Por
outro lado, ele vê uma multi-
plicação perigosa de institui-
ções privadas que, tirando,
como diz, notáveis exceções,
têm pouca qualidade e recor-
rem de forma muito generali-
zada e medíocre a cursos de
educação à distância.
— Digo duas coisas sobre
a formação dos professores
no Brasil. A primeira é sobre
a formação inicial. A meu ver,
isso acontece aqui de uma
forma muito fragmentada.
Há licenciaturas disso, daqui-
lo, faculdades, institutos...
Essa fragmentação impede
que haja um lugar dentro
da universidade que tenha
como funcionalidade formar
o professor. Todas as profis-
sões têm. Há um lugar para
os médicos serem formados,
a escola de Medicina. E não
há na Educação por quê? Por
causa do pressuposto de que
o professor exerce uma ativi-
dade fragmentada. Professor
de Matemática, de História...
Enquanto não houver esse lu-
gar, é muito difícil se construir
uma identidade da formação
de professores. Esse lugar é
difícil de construir. Porque,
além de ser um lugar dentro
da universidade, tem que ter
a profissão lá dentro. Não há
formação sem a profissão,
sem outros professores. Não
posso formar médicos apenas
com biólogos e químicos. Ao
mesmo tempo, não posso for-
mar médicos sem professores.
E ter a profissão não necessa-
riamente é ter a prática. É ser-
mos capazes de construir um
espaço em que essa formação
e essa socialização se fazem. É
fazermos a pergunta que nun-
ca fazemos: como formar um
professor profissional? Temos
medo da palavra “profissio-
nal“e não deveríamos ter —
afirmou Nóvoa.
2525
mesas
de
debate
TECNOLOGIA
E INOVAÇÃO
O
modelo tradicional de
sala de aula pouco mu-
dou no último século,
mas o advento de novas tecno-
logias tem transformado a rela-
ção dos alunos com o processo
de aprendizagem. Enquanto
alguns professores insistem
em considerar invasores ob-
jetos como smartphones e
tablets, outros já os veem
como importantes aliados.
O desafio dos educadores
diante da era tecnológica
foi o tema da mesa “Tec-
nologia e inovação”.
O debate, mediado pelo
jornalista Octavio Guedes,
contou com a presença da
professora Léa da Cruz Fa-
gundes, mestre em Educação e
doutora em Psicologia pela Uni-
versidade de São Paulo (USP), e
de David Cavallo, professor vi-
sitante da Universidade Federal
do Sul da Bahia (UFBS) e diretor
do grupo de pesquisa Future of
Learning no Media Lab do Ins-
tituto de Tecnologia de Massa-
chusetts (MIT).
Ao longo do debate, foram
apresentados três estudos de
caso que mostraram que a tec-
nologia pode — e deve — estar
presente no dia a dia dos estu-
dantes.
— No século passado, o profes-
sor tinha o papel de repetidor.
Mas o professor não tem mais
o mesmo papel, e a escola não
David Cavallo, Léa Fagundes, Bruna Waitman e André Ferreira
2626
deve ser mais esta que ainda
vemos hoje. A sala de aula é ab-
solutamente tradicional, fecha-
da, com 30 alunos da mesma
idade, estudando os mesmos
conteúdos — disse a profes-
sora Léa Cruz Fernandes, que
lançou a seguinte provocação
à plateia: — Por que tem que
ser assim? Por que não pode-
mos ter disposições diferentes,
modelos de ensino diferentes e
até alunos de diferentes idades
aprendendo juntos?
O primeiro estudo de caso apre-
sentado foi o do Media Educa-
tion Lab (MEL), uma organiza-
ção que acredita na rede digital
como ferramenta de conexão
entre alunos, empresas, gover-
nos e organizações sociais para
transformar a educação de for-
ma criativa. A ideia foi aplaudi-
da por David Cavallo.
— O projeto é fantástico. Curio-
samente, é a mesma filosofia
que nos levou a criar, há 32
anos, o Media Lab do MIT. Isso
me leva a pensar em uma única
crítica, não ao projeto apresen-
tado, mas ao problema estático
do sistema educacional, que
ainda funciona com soluções
tecnológicas criadas no século
XIX. Por isso precisamos incen-
tivar cada vez mais a inovação e
as boas ideias — diz.
No segundo estudo de caso, foi
apresentada a experiência da
Escola Sesc de Ensino Médio,
que investe na formação de do-
centes para o ensino híbrido,
no qual o formato tradicional
é compartilhado com a aplica-
ção de videoaulas. A metodolo-
gia inclui o uso de dispositivos
como smartphones e tablets em
sala de aula.
— Obrigado por compartilha-
rem isso conosco — brincou
a professora Léa, de 84 anos,
usando a linguagem das redes
sociais: — Não é comum ver
novas técnicas e novos recursos
nas escolas. Acho que ainda te-
mos muito a aprender e a avan-
çar.
O terceiro estudo de caso, de-
senvolvido por pesquisadores
da Universidade Federal do Rio
Grande do Sul (UFRGS), foi fo-
cado no uso de softwares edu-
cacionais livres para dispositi-
vos móveis. O professor Paulo
Slomp e o bolsista André Ferrei-
ra mostraram o site, criado por
eles: uma lista com mais de 300
softwares livres voltados para o
ensino que podem ser baixados
e acessados por qualquer pes-
soa.
Para David Cavallo, referência
mundial no uso de tecnologia
na educação, esse é o único ca-
minho possível para um país de
dimensões continentais, como
o Brasil, garantir o ensino de
qualidade a todos:
— Quando falamos no uso de
smartphones, tablets ou lap-
tops, muitos vêm logo dizer que
é caro. Há 32 anos, quando fun-
damos nosso grupo de estudos,
era impensável que hoje todos
tivessem um smartphone em
mãos. Quando todos começam
a usar, a tecnologia se torna
acessível. O baixo investimento
em tecnologia na educação não
ocorre por falta de recursos ou
por falta de avanço tecnológico,
mas, sim, por falta de vontade
de experimentar coisas novas.
Como oferecer educação de
qualidade em escala nacional?
Na minha opinião, sem tecnolo-
gia, é impossível.
“O professor não
tem mais o mesmo
papel, e a escola não
deve ser mais esta que
ainda vemos hoje”
LÉA DA CRUZ FAGUNDES
“O baixo investimento
em tecnologia na educa-
ção não ocorre por falta
de recursos ou por falta
de avanço tecnológico,
mas, sim, por falta de
vontade de experimentar
coisas novas”
DAVID CAVALLO
2727
ESCOLA SESC EQUILIBRA
O USO DE RECURSOS
DIGITAIS E CLÁSSICOS
A
educação híbrida sugere
que sejam repensados
os tempos e os espaços
da escolarização. Mas não é
só. Também propõe a reorga-
nização de currículos e meto-
dologias de ensino, e que os
processos sejam personalizados
e plugados na rede digital. Sem
esquecer, é claro, de convidar os
alunos para participar com pro-
tagonismo das novas propostas
pedagógicas. A formação de
professores para o ensino híbri-
do é o desafio que a Escola Sesc
de Ensino Médio abraça desde
a sua criação, em 2008.
— No ano que vem, vamos re-
ceber jovens nascidos no século
XXI. O que muda na forma deles
de pensar e sentir? Vimos dian-
te dos nossos jovens diferenças
enormes. Em 2008, recolhíamos
os notebooks para os alunos não
Paulo Slomp, André Ferreira, André Ferreira (SESC), David Cavallo, Léa Fagundes e Bruna Waitman
2828
brincarem depois do horário.
Mas esse processo foi derrubado
quando surgiu o smartphone —
contou André Ferreira, gerente
acadêmico da Escola Sesc, que
completou: — Não somos mais
o professor clássico que os alu-
nos reverenciavam e ouviam
com uma certa honraria e te-
mor. Também não somos os que
superam, com domínio pleno, a
tecnologia. Vivemos neste mun-
do de frustração.
Para os educadores, a entrada
nesse mundo de performances
virtuais não é menos complica-
da do que a já desafiadora sala
de aula física, na qual o caris-
ma, o domínio dos conteúdos
específicos e suas possíveis ar-
ticulações com outras áreas do
conhecimento, capacidade de
expressão e comunicação são
também fundamentais.
— No tempo do professor
clássico, matéria nova era re-
almente nova. Hoje, você en-
tra em sala para apresentar o
conteúdo aos estudantes e eles
abrem no Google e já encon-
tram tudo — disse Ferreira, que
prega a atualização da escola:
— Algumas instituições muda-
ram rapidamente. Os bancos
acompanharam a digitalização
dos processos, modificaram
os fluxos, reorganizaram-se. A
escola, não. Sair desse lugar é
difícil. Não só do ponto de vista
do professor, mas da sociedade,
que clama por expectativas sem
abrir mão de outras. Queremos
metodologia inovadora desde
que os resultados clássicos se-
jam mantidos.
Para o educador, o professor do
Terceiro Milênio deve valorizar
as coisas não apenas pelo que
guardam em si, mas pela sua
potência de conexão e com-
partilhamento. E, ainda, imple-
mentar suas ações educativas
com produtos que expressem a
força da invenção, da autentici-
dade e da originalidade:
— Não é de tecnologia que
estamos falando, mas de uma
nova forma de aprender. A
instantaneidade é uma carac-
terística do pensamento tecno-
lógico. A rede é outra. Mas eu
posso dar uma aula tradicional
usando um notebook e um
e-board. Uma aula ao redor de
uma mesa redonda pode ser
mais tecnológica do que uma
com alunos enfileirados. O va-
lor não está no objeto, seja o
notebook ou o iPad, mas na
potencialização da conexão hu-
mana. O valor do objeto está na
capacidade de criar interfaces.
Escola Sesc de Ensino Médio
esem@escolasesc.com.br
“O valor não
está no objeto,
seja o notebook
ou o iPad, mas na
potencialização da
conexão humana”
2929
U
m disseminador de pro-
dutos e soluções inova-
doras em educação. Essa
é a definição do Media Educa-
tion Lab (MEL) segundo seus
fundadores, o jornalista Ale-
xandre Sayad e a administrado-
ra Bruna Waitman. A organiza-
ção surgiu há quatro anos, com
o propósito de transformar a
educação por meio da tecnolo-
gia. Desde então, já nasce-
ram mais de 30 projetos
em parcerias com gover-
nos, empresas, escolas e
universidades que pro-
porcionaram desde me-
lhorias no processo do
ensino à distância até o
desenvolvimento de apli-
cativos educacionais.
— Em 2011, uma pesquisa
feita nos Estados Unidos cons-
tatou que 65% dos alunos da
educação básica teriam no fu-
turo profissões que ainda não
existem. Estamos falando de
uma escola que está preparan-
do adolescentes para criarem
até suas próprias profissões. É
preciso repensar o espaço da
escola no sentido de estimular
a criação, a autonomia e o pro-
tagonismo dos alunos — disse
Bruna.
O projeto mais recente do MEL é
a Plataforma Faz Sentido, lança-
da no dia 12 de agosto, em par-
ceria com as redes municipais de
ensino de São Miguel dos Cam-
pos, em Alagoas, e de Salvador,
na Bahia. O objetivo é redese-
nhar o segundo segmento do
ensino fundamental com inova-
ção e tecnologia. A plataforma,
que é acessada pela internet,
traz um compilado de 120 práti-
cas pedagógicas que podem ser
aplicadas em sala de aula.
— O intuito é pensar em algo
que faça mais sentido para os
alunos. Esse é um segmento
que tem grandes desafios em
relação ao Ideb e no qual os
estudantes estão enfrentando
uma grande transformação,
que é a chegada à adolescência
— explicou Bruna.
Outra ideia que nasceu no MEL
foi a Oficina de Mídia, que vem
mudando a rotina de uma ins-
MEDIA
EDUCATION
LAB
ELABORA
PROJETOS
QUE UNEM
TECNOLOGIA
A CONTEÚDO
tituição particular de ensino
em São Paulo, o Colégio Ban-
deirantes.
— Além de temáticas como li-
teratura, gramática e redação,
incluímos a alfabetização para
as mídias no currículo da dis-
ciplina Língua Portuguesa. Os
alunos mergulham na mídia,
conversam com produtores e,
no fim do ano, são convidados
a produzir um conteúdo para
um meio de comunicação es-
pecífico. O foco é na curadoria
e na publicação — disse a ad-
ministradora.
A aplicação da tecnologia, por
si só, não responde às necessi-
dades dos jovens de hoje. Para a
fundadora do MEL, é preciso bo-
tar as novas práticas a serviço da
customização da educação e do
protagonismo dos estudantes.
— Num país como o Brasil, a
tecnologia se mostra essencial
para que possamos contemplar
os interesses de cada estudan-
te e, ao mesmo tempo, aten-
der esses quase 40 milhões de
alunos. É preciso oferecer uma
educação para todos, mas tam-
bém para cada um — resumiu.
Media Education Lab
mediaeducationlab.com.br
“Os alunos
mergulham na
mídia, conversam com
produtores e, no fim do
ano, são convidados a
produzir um conteúdo
para um meio de
comunicação específico”
Bruna Waitman
3030
E
xistem centenas de aplicati-
vos para celulares e tablets
que foram criados com fi-
nalidade exclusivamente peda-
gógica. A dificuldade é saber
onde encontrá-los. Para facili-
tar a vida dos educadores que
querem trazer tecnologia para
dentro da sala de aula, o pro-
fessor Paulo Francisco Slomp e
o estudante André Ferreira Ma-
chado, ambos da Universidade
Federal do Rio Grande do Sul
(UFRGS), desenvolveram o pro-
jeto Software Educacional Livre
para Dispositivos Móveis.
O trabalho mapeou 305 apli-
cativos, divididos por áreas de
conhecimento, que podem
ser usados como complemen-
to para o processo de ensino-
-aprendizagem. Desses, 78 ser-
vem para a educação infantil;
154, para os anos iniciais do
ensino fundamental; 173, para
os anos finais do ensino fun-
damental; 181, para o ensino
médio; e 203, para o ensino su-
perior.
— Excluímos aplicativos como
editores de vídeo e de texto,
que também podem ser utili-
zados por professores com fi-
nalidade pedagógica em sala
de aula, mas não trazem tecno-
logia especificamente voltada
para o conteúdo escolar — es-
clareceu Slomp.
A opção por softwares livres
não se deu à toa. Na linguagem
digital, “livre” é um software li-
cenciado de forma pública, que
permite a qualquer pessoa inte-
ressada a alteração ou melhoria
do conteúdo.
— Às vezes, há uma certa in-
compreensão em torno da ex-
pressão “software livre”. Não é
um sinônimo para gratuito, em-
bora apenas dois dos 305 sof-
twares selecionados sejam
pagos, mas significa que o
programa preserva a liber-
dade do usuário — expli-
cou o professor, acrescen-
tando que a opção vai ao
encontro do protagonismo
estudantil: — Hoje, o alu-
no é criador do seu próprio
conteúdo. Por isso, o softwa-
re livre é o mais adequado para
ele, permitindo que se façam
alterações de acordo com suas
necessidades.
O trabalho de análise dos aplica-
tivos começou em abril de 2015.
O projeto foi finalizado em feve-
reiro de 2016, quando a compi-
lação foi lançada para o público,
em forma de uma tabela. A lista,
que pode ser acessada pela in-
ternet, foi criada com a mesma
configuração do site Wikipedia,
que permite contribuições dos
internautas. A tabela está dispo-
nível em português, inglês, fran-
cês e italiano.
— O site com a lista está hospe-
dado no portal da UFRGS. Para
acessar, basta digitar o nome do
projeto (“Software educacional
livre para dispositivos móveis”)
em qualquer sistema de busca e
encontrar o link — disse Slomp.
O próximo desafio do projeto
é traduzir os aplicativos para as
línguas nas quais a tabela está
disponível.
— Desses 300 aplicativos selec-
cionados, 250 não estavam dis-
poníveis em língua portuguesa.
A prioridade será a tradução de
programas já amplamente re-
conhecidos para computadores
de mesa que têm versão para
celulares e tablets — contou o
professor da UFRGS.
Software Educacional Livre
https://goo.gl/Hov6ju
“Hoje, o aluno
é criador do
seu próprio
conteúdo.
Por isso, o
software livre é
o mais adequado
para ele”
INICIATIVA
MAPEIA
CENTENAS DE
APLICATIVOS
EDUCACIONAIS
Paulo Slomp
3131
A
o pensar sobre o futuro
das escolas no país, não
são raros aqueles que
voltam o olhar para o ensino
integral, que é, inclusive, uma
das metas do Plano Nacional de
Educação (PNE) e foi priorizado
na reforma do ensino médio
proposta pelo governo. Na vi-
são de especialistas, no entanto,
mais do que se preocupar com
o turno da escola, é necessário
promover um ensino integral
num sentido amplo, capaz de
unir diversos campos e, princi-
palmente, a educação e a cultu-
ra. O tema foi debatido durante
a mesa “Educação e Cultura”.
— Quando a gente fala de en-
sino integral, estamos falando
de muito mais que horários de
estudo. Estamos falando de
outros aspectos dos quais sen-
timos falta na educação e que
almejamos ver integrados de
maneira completa — analisou
Danilo Miranda, diretor regional
do Sesc em São Paulo.
Segundo Miranda, é preciso
estabelecer a premissa de que
educação e cultura devem estar
entrelaçadas para promover um
ensino de qualidade, o que não
acontece em diversas escolas
do país, onde as áreas são vistas
isoladamente:
— Muitas vezes há uma certa
mentalidade que separa: edu-
cação é uma coisa; cultura é
outra. Na realidade, estamos fa-
lando da mesma coisa quando
imaginamos a educação inte-
gral ampla e completa.
Durante o debate, foram apre-
sentados três estudos de caso:
Pólen, dedicado à educação in-
fantil; o Coletivo Escola Família
Amazonas (Cefa), criado por
pais preocupados com a quali-
EDUCAÇÃO
E CULTURA
“Quando a gente fala
de ensino integral,
estamos falando de
muito mais que
horários de estudo”
DANILO MIRANDA
3232
dade do ensino oferecida a seus
filhos; e o sistema de ensino in-
tegral desenvolvido pela Secre-
taria Municipal de Educação do
Rio de Janeiro.
Após conhecer cada caso, os
pesquisadores evidenciaram a
necessidade de transformar a
educação brasileira para pro-
mover um ensino global, que
não leve em conta somente as-
pectos conteudistas das discipli-
nas, mas que esteja preparado
para impulsionar a capacidade
criativa e desenvolver habilida-
des emocionais dos alunos.
Fernando José de Almeida, edu-
cador e filósofo, concorda que
a mudança é necessária. Ele
sublinhou, no entanto, que as
pessoas precisam estar cientes
de que a escola não pode se
desviar de sua função. Para ele,
o aprendizado deve ser prazero-
so, mas é natural que não seja
assim o tempo todo.
— A gente imagina que o es-
pontâneo, o livre e o criativo é
o lugar da escola, que deve dar
prazer. Mas não vai dar prazer
o tempo todo. Tem uma hora
em que tem que sentar e es-
tudar. Tem hora que tem que
investir profundamente no que
se está aprendendo. Há a ideia
de imaginar que de um lado
está a criatividade espontânea
e, de outro, a organização ci-
vilizatória. Mas há outro lado,
está tudo do mesmo lado. Ou
aprendo com prazer, debate e
empenho ou não terei prazer
em aprender — argumentou o
educador.
Almeida defendeu ainda que a
sociedade tenha mais paciência
com a escola pública e lembrou
que faz pouco tempo que o
país conseguiu incluir a maior
parte das crianças nas escolas
e que isso deve ser celebrado.
Segundo ele, o sistema ainda
é falho, mas é necessário olhar
para os bons frutos do sistema
de ensino.
— Demoramos 500 anos para
colocar todas as crianças na
escola pública. Agora que co-
locamos, vamos dizer que ela é
ruim? Além de covardia, é uma
falsidade ideológica. A espe-
rança é que temos uma jovem
escola republicana. A paciência
que temos (com tudo), não te-
mos com a escola pública, que
deu um duro danado para colo-
car todas as crianças lá dentro
— defendeu Almeida, acres-
centando: — Bem ou mal, hoje
temos um nível de formação de
professores completamente di-
ferente de 15 anos atrás. Tam-
bém alimentamos as crianças.
Parte da responsabilidade pelo
fim da fome endêmica no Bra-
sil se deve à escola, que, mais
do que a Igreja e o Exército, é
o grande espaço de penetração
na civilização brasileira.
“Ou aprendo com
prazer, debate e
empenho ou não terei
prazer em aprender”
JOSÉ DE ALMEIDA
3333
NO PROJETO PÓLEN, CRIANÇAS
APRENDEM BRINCANDO“Acreditamos
que não
podemos
padronizar as
crianças. Por
exemplo,
crianças da
mesma idade
não precisam
ficar na mesma
sala, aprendendo
as mesmas
coisas.”
A
quebra do modelo con-
servador e a promoção
da liberdade criativa das
crianças são algumas das mar-
cas do projeto Pólen, do Rio de
Janeiro. A proposta é que as
crianças consigam otimizar seu
aprendizado na educação infan-
til por meio de um mecanismo
bastante simples: o livre brincar.
O aluno passa a descobrir o co-
nhecimento a partir de seus im-
pulsos criativos, e os professo-
res respondem às curiosidades
e estímulos que chegam a eles
por parte das crianças.
— Estamos falando de novas
atitudes. Há uma educação
que determina que as crianças
têm que chegar a algum lugar,
cumprir algum objetivo, alcan-
çar uma meta. Essa meta é nor-
malmente extrínseca, ou seja,
as crianças não participaram da
sua construção. Os educadores,
por sua vez, estão sempre pres-
sionados a cumprir o que o cro-
nograma diz. Precisamos atuali-
zar nossa cultura. Acreditamos
que não podemos padronizar as
crianças. Por exemplo, crianças
da mesma idade não precisam
ficar na mesma sala, aprenden-
do as mesmas coisas. Queremos
mudar esta estruturação que
temos na sociedade de adulti-
zar a infância — afirmou Ma-
riana Carvalho, coordenadora
do Pólen.
Nas palavras dos organizadores,
3434
trata-se de “uma educação para
crianças e adultos se conecta-
rem”. O projeto Pólen é uma
iniciativa-piloto para uma esco-
la de educação infantil que será
inaugurada no ano que vem, no
bairro do Cosme Velho, com o
nome de “Espaço Cria”. Atual-
mente, o Pólen atende 30 alu-
nos, que têm autonomia para
utilizar os espaços da escola sob
a supervisão de educadores.
— As crianças aprendem com
educadores sensíveis e que es-
tão dispostos a entrar em rela-
ção. Temos como foco o encon-
tro, a relação que se estabelece
entre a criança e o educador. É a
partir desse encontro que emer-
gem os contextos nos quais a
gente amplia território e cultu-
ra. Os alunos vão aprendendo
a partir dessas experiências —
argumentou Mariana Carvalho.
As atividades acontecem livre-
mente. Se a criança manifesta
seu interesse sobre uma planta,
os educadores orientam o de-
senvolvimento de atividades a
partir do que ela percebeu. Na
área externa do imóvel onde
funciona o Pólen, os alunos po-
dem, por exemplo, utilizar um
espaço destinado às artes plás-
ticas da maneira que quiserem e
pelo tempo que desejarem. As
tarefas lúdicas, de acordo com
Mariana Carvalho, potenciali-
zam o desenvolvimento senso-
rial e cognitivo dos pequenos:
— Educação é processo, não
é resultado. A criança tem que
ter tempo para aprender não só
cognitivamente, mas para utili-
zar todas as suas inteligências
emocionais, criativas, sensoriais
e poder de fato ter um aprendi-
zado integral.
Espaço Cria/ Pólen
www.espacocria.com.br
3535
ESCOLAS DO RIO DE JANEIRO
COMEÇAM A COLHER OS FRUTOS
DO TEMPO INTEGRAL
A
união entre a eficácia
no aprendizado e o pra-
zer em estudar é o que
busca a Secretaria municipal
de Educação do Rio de janeiro.
Para viabilizar o projeto, o mu-
nicípio concebeu um novo mo-
delo de escola. Foram criados
38 ginásios cariocas, nos quais
os alunos, que antes ficavam
na escola quatro horas e meia,
passaram a ter uma rotina de
sete a oito horas. Nessas esco-
las, além das disciplinas regu-
lares, os alunos têm matérias
eletivas e incentivo a outras ha-
bilidades, como artes.
De acordo com a secretária de
Educação, Helena Bomeny, as
turmas reorganizadas em turno
único têm correspondido às ex-
pectativas. No Índice de Desen-
volvimento da Educação Básica
(Ideb) de 2015, dos dez melho-
res resultados da rede, sete são
de ginásios experimentais.
— Vimos que a gente tinha que
mudar a organização das esco-
las e propor turno único de sete
horas. Estamos nesse processo
e, para organizar a rede inteira
dessa forma, precisamos cons-
truir mais escolas — contou
Helena.
Algumas unidades são foca-
das em outras atividades além
do ensino regular, como músi-
ca, artes plásticas e esportes, o
que, segundo a secretária, con-
tribui para reduzir os índices de
evasão. Em 34 ginásios, o turno
é de sete horas, enquanto em
outros quatro (voltados para o
esporte) a carga horária é de
oito horas por dia. No novo
modelo, os alunos têm algumas
disciplinas eletivas, como Pro-
jeto de Vida, em que os jovens
desenvolvem competências
emocionais, discutem valores,
aprendem a se relacionar com o
outro e traçam caminhos que os
ajudem a se aproximar de seus
sonhos e escolhas. Segundo
Helena, o formato encontrado
será gradativamente incorpo-
rado às demais unidades esco-
lares do município, atendendo
cerca de 640 mil alunos.
— A gente não pode fazer uma
coisa para um grupo pequeno
de escolas que depois não pos-
sa ser expandida para toda a
rede — defendeu.
Ao observar a transição do pri-
meiro segmento do ensino fun-
damental para o segundo seg-
mento, a secretaria identificou
que 25% dos alunos do sexto
ano eram reprovados. Entre as
causas está a mudança abrup-
ta de estrutura, já que do 1° ao
5° ano o aluno tem somente
uma professora e, quando pas-
sa para o 6°, tem cerca de oito
professores. Assim, a prefeitura
constituiu o 6° ano experimen-
tal. Nesse modelo, o professor
generalista é mantido nos mol-
des da estrutura do primário e,
além dele, as crianças têm aulas
com professores específicos de
Educação Física, Arte e Inglês.
Atualmente, há 273 escolas
totalizando 632 turmas que se-
guem o modelo.
Nas provas bimestrais e na Pro-
va Rio — avaliação feita nos
moldes da Prova Brasil —, o
desempenho do 6° ano expe-
rimental foi melhor que o dos
estudantes que estão em clas-
ses regulares. Em 2015, a mé-
dia dos alunos do novo modelo
na Prova Rio de Matemática foi
7,06, enquanto a média da rede
ficou em 6,27. Já na Prova Rio
de Português, os alunos do 6°
experimental obtiveram pontu-
ação 7,01, enquanto os demais
registraram 6,27.
De acordo com a Secretaria de
Educação, há 688 escolas com
classes em turno único no mu-
nicípio. Dessas, 214 no ensino
fundamental e 474 na educa-
ção infantil.
Secretaria municipal de
Educação do Rio de Janeiro
http://www.rio.rj.gov.br/web/
sme
Helena Bomeny
“Normalmente o
aluno encontra uma
escola e tem que se
adaptar a ela. Então,
fizemos um modelo
voltado para esse aluno
adolescente”
3636
EM MANAUS, GRUPO DE PAIS
GERA POLÍTICA PÚBLICA
E
scolher a escola para ma-
tricular o filho nem sempre
é fácil. Depois de procurar
aqui e ali, um grupo de pais
de Manaus, insatisfeitos com
o modelo que encontraram em
grande parte das escolas da ci-
dade, decidiu elaborar um for-
mato próprio com o que consi-
derava ideal para a educação de
seus filhos. Perceberam, então,
que uma boa escola não deve-
ria ser um privilégio de poucos
e resolveram se engajar na pro-
moção de uma educação públi-
ca inovadora e de qualidade. O
resultado foi o Coletivo Escola
Família Amazonas (Cefa), que
desenvolve projetos educacio-
nais em escolas públicas de Ma-
naus.
— Começamos em abril do ano
passado com um grupo de pais
e mães inquietos em busca de
alternativa escolar para seus fi-
lhos. Na rede particular, a gente
via um padrão de escolas con-
teudistas, mercantilizadas; na
rede pública, um padrão caóti-
co das escolas municipais e es-
taduais — contou Ana Bocchini,
uma das fundadoras do projeto.
Para encontrar seu modelo, o
Cefa buscou inspiração em es-
colas com um ensino que inte-
grasse melhor os alunos e os
pais no processo educacional.
Na conceito do projeto, des-
tacam-se algumas premissas,
como o envolvimento da famí-
lia e a participação dos alunos
nas decisões da escola, inclusi-
ve com a promoção de assem-
bleias estudantis, entre outras
iniciativas.
— A gente se encantou com as
escolas democráticas e a con-
cepção de educação integral.
Então, começamos a convidar
as pessoas a romper com a
escola tradicional — lembrou
Ana.
Cefa possui articulação direta
com três escolas da rede e auxi-
lia na formação de professores
da prefeitura de Manaus. Após
diversas reuniões com a Secre-
taria de Educação, a prefeitura
decidiu fazer um projeto-pilo-
to para seguir as premissas do
Cefa. Assim foi criada a Escola
Municipal Maria das Graças An-
drade Vasconcelos, conhecida
como “Gracinha”. Para imple-
mentar o novo formato, com
ensino integral, a escola come-
çou em julho deste ano ofere-
cendo somente o 1° e o 2° ano
do ensino fundamental, aten-
dendo 50 crianças transferidas
de outras escolas.
— É um desafio porque temos
que fazer uma caminhada de
desconstrução com os alunos,
com os pais, com os professo-
res, com gestores e servidores
para que possamos enxergar
uma nova maneira de educar
— afirmou Ana Regina Garcia,
diretora da escola.
Para a gestora, é preciso aten-
ção especial à adaptação dos
alunos ao novo ambiente esco-
lar, que concede mais liberdade.
No Gracinha, não há carteiras
enfileiradas, os alunos compar-
tilham mesas. Além disso, todas
as crianças estão em um amplo
salão, sob supervisão de três
professores.
“A gente se
encantou com
as escolas
democráticas
e a concepção
de educação
integral”
— Estamos num ambiente bo-
nito e amplo, e isso não faz
parte do cotidiano das crian-
ças. Geralmente, elas tinham
aula em prédios escuros, sem
quadra, sem área externa, com
carteiras uma atrás da outra.
Então, quando eles chegam
àquele espaço aberto, é quase
como uma colônia de férias. Aí
começamos a trabalhar a liber-
dade com responsabilidade —
explicou Ana Regina.
Cefa
coletivo.escola.familia.
am@gmail.com
Ana Bocchini
3737
O
s alunos se sentem aco-
lhidos na escola? Há es-
paço para resolver con-
flitos por meio do diálogo? Os
professores se sentem apoiados
e seguros? Se a resposta para
alguma dessas perguntas for
“não”, talvez seja a hora de
melhorar o ambiente.
Esse foi o tema da mesa “Cli-
ma escolar”, que contou com
a participação da pedagoga e
professora da Unicamp Telma
Vinha e de Ricardo Paes de Bar-
ros, economista-chefe do Insti-
tuto Ayrton Senna e professor
do Insper. Durante a conversa,
mediada pelo jornalista Octavio
Guedes, foram apresentados
três estudos de caso que mos-
traram estratégias criativas e
bem-sucedidas para melhorar o
humor de professores e alunos
em sala de aula.
— Quando se pensa em reforma
ou melhoria do clima escolar, é
preciso focar em alguns itens:
criar comunidades cooperati-
vas dentro da escola, promover
apoio a alunos e professores,
garantir espaço para resoluções
dialógicas de conflitos e incen-
tivar a participação estudantil.
Além disso, é preciso fazer com
que os indivíduos se sintam
respeitosamente desafiados. A
escola tem que levar o aluno à
superação de si mesmo — disse
Telma Vinha.
Foram esses os fatores que
transformaram a rotina do Cen-
tro Integrado de Educação de
Jovens e Adultos (Cieja) Cam-
po Limpo, na Zona Sul de São
Paulo. Há 18 anos, ao saber que
ficaria à frente de uma escola
no Capão Redondo, bairro com
maior índice de criminalidade
da capital paulista, a diretora
Êda Luiz abriu os portões para
“É preciso fazer com
que os indivíduos se
sintam respeitosamente
desafiados”
TELMA VINHA
CLIMA
ESCOLAR
3838
a comunidade e nunca mais
fechou. A iniciativa chamou a
atenção de Ricardo Paes.
— Se existe um lugar onde a
equidade da sociedade tem que
nascer, é na educação. Se a edu-
cação começar com desigualda-
des, a sociedade vai ser toda
desigual — disse o economista,
que acrescentou: — Não exis-
te educação sem quatro itens
fundamentais, que devem estar
presentes na formulação das
políticas públicas: acolhimento,
expectativa, protagonismo e ri-
queza em oportunidades.
O segundo estudo de caso fo-
cou na inclusão. Idealizadora
do Movimento Down, Maria
Antonia Goulart mostrou que,
com boa vontade e determina-
ção, qualquer escola é capaz de
atender alunos com necessida-
des especiais.
— Quando se fala em inclusão,
o grande desafio é a mudança
de cultura. Mais do que desen-
volver conteúdo curricular, é
preciso aprender a se relacio-
nar com o outro, a lidar com
a diversidade. Para essas crian-
ças, tanto a aprendizagem da
igualdade como a da diferença
se darão na escola — afirmou
Telma Vinha.
A alfabetização emocional foi
o tema do terceiro estudo de
caso. Depois de desenvolver
uma oficina no sul da Itália,
a artista plástica Lívia Moura
trouxe para a escola america-
na Our Lady of Mercy School
(OLM), no Rio, um projeto vol-
tado para as relações interpes-
soais e para o trato dos senti-
mentos.
— O cuidado de olhar para os
sentimentos é fundamental.
Ninguém comete suicídio ou
se divorcia porque não sabe
raiz quadrada ou não gravou
os nomes dos rios da Bacia do
Amazonas, mas, sim, porque
não soube expressar seus sen-
timentos ou lidar com os dos
outros. Olhar para os senti-
mentos e desenvolver questões
intrapessoais é o primeiro passo
para regular os atos dos estu-
dantes — analisou Telma Vinha.
Ao fim da apresentação dos
estudos de caso, Ricardo Paes
de Barros se mostrou impressio-
nado com as boas iniciativas e
provocou:
— Como um país que tem pro-
blemas educacionais tão gra-
ves apresenta soluções educa-
cionais tão brilhantes? Vimos
aqui três soluções fantásticas.
E não são exceções. Temos isso
espalhado pelo Brasil afora.
Por que, na educação, ideias
brilhantes não são copiadas?
Evidentemente teriam que ser
adaptadas, mas o problema
educacional brasileiro não é
falta de criatividade, é falta de
difusão de boas ideias.
“O problema
educacional brasileiro
não é falta de
criatividade, é falta de
difusão de boas ideias”
RICARDO PAES DE BARROS
3939
NO CAPÃO REDONDO (SP), PORTAS ABERTAS
TRANSFORMA O CLIMA NA ESCOLA
H
á 18 anos, ao saber que
ficaria à frente de uma
escola localizada no Ca-
pão Redondo, bairro com maior
índice de criminalidade da capi-
tal paulista, a diretora Êda Luiz
tomou uma atitude de cora-
gem: escancarou os portões da
unidade de ensino. Ainda hoje,
quem passa na porta do Centro
Integrado de Educação de Jo-
vens e Adultos (Cieja) Campo
Limpo, na Zona Sul de São Pau-
lo, sente-se convidado a entrar.
Não por acaso. O envolvimento
da comunidade é um dos pila-
res da construção de um bom
clima escolar.
— Começamos fazendo assem-
bleias para trabalhar o conceito
de público e privado. Percebe-
mos a necessidade de o prédio
ter uma boa aparência física.
Como o principal objetivo era
o acolhimento, perguntamos o
que eles gostariam de ter para
frequentar e acreditar numa es-
cola. Eles pediram carteiras para
se sentar. Então, pensamos que
eles também precisariam de um
espaço harmonioso, alegre, e
até de um bonito jardim — con-
tou Êda.
O Cieja conta atualmente com
1.300 alunos de 15 a 89 anos,
sendo 285 portadores de ne-
cessidades especiais. As aulas
acontecem de segunda a quin-
ta-feira. Na sexta-feira, os alu-
nos levam trabalhos para fazer
em casa, enquanto os professo-
res se reúnem para a formação
continuada. Os portões ficam
abertos das 7h às 21h30m.
— Fico me perguntando por
que uma escola pública é tão
fechada se é pública. A gente
trabalha com tanta sensibilida-
de que todo mundo entende
seu papel e respeita o espaço. A
sala de informática, por exem-
plo, é usada por toda a comuni-
dade, em horários combinados
— refletiu Êda.
Para aproximar os alunos do
conteúdo, no início do ano, os
educadores perguntam que te-
4040
“A gente
trabalha
com tanta
sensibilidade
que todo mundo
entende seu
papel e respeita
o espaço”
mas eles gostariam de estudar.
Os assuntos são selecionados e
agrupados e, normalmente, gi-
ram em torno de quatro temas
principais: trabalho, comida, fa-
mília, esporte/viagem. Os pro-
fessores trabalham por um mês
cada área de conhecimento.
Nessa escola, não há séries. Os
alunos aprendem em módulos.
— Percebemos que esses temas
eram as preocupações do nosso
público, que, de maneira geral,
é formado por excluídos ou por
quem, de alguma maneira, pas-
sou por uma escola, mas não
conseguiu concluir o estudo.
O acolhimento se dá pelo res-
peito. Fazemos um diagnóstico
para ver o que o aluno sabe,
como entende a escola e como
pretende se inserir nessa comu-
nidade — explicou Êda.
Em vez de disciplinas, a escola
trabalha com quatro grandes
áreas de conhecimento: lingua-
gens e códigos (Português e
Inglês), ciências humanas (Ge-
ografia e História), ciências do
pensamento (Ciências e Filoso-
fia) e ensaios lógicos e artísticos
(Matemática e Artes).
Os alunos estudam cada uma
delas durante quatro semanas e
desenvolvem o que chamam de
sequência a partir de problemas
que eles mesmos levam para as
aulas. Os professores fazem a
mediação do processo. Para
isso, são usados livros, jornais,
revistas e o que mais os estu-
dantes considerarem relevante
para a solução.
Cieja Campo Limpo
ciejacompolimpo@prefeitura.
sp.gov.br
4141
A
invisibilidade da defi-
ciência impressiona. A
constatação é da advo-
gada Maria Antonia Goulart,
uma das idealizadoras do Mo-
vimento Down, iniciativa que
reúne informações, conteúdos
e experiências que contribuem
para a inclusão de pessoas com
síndrome de Down e deficiência
intelectual na escola e em outros
espaços da sociedade.
Foi quando sua segunda filha
nasceu com síndrome de Down
que a gaúcha parou para pensar
sobre a deficiência e percebeu
que o tema não estava presente,
até então, em suas práticas ou
em suas preocupações. O mes-
mo acontece com as instituições
de ensino. A maioria das escolas
não está preparada para
lidar com a educação in-
clusiva.
— Quando a escola é
particular, diz na lata
que não tem vaga.
Quando é uma escola
pública, fala que vai re-
ceber o aluno, mas que
provavelmente ele não vai
aprender, pois a unidade
não está preparada. É preciso
romper esse paradigma. A gen-
te nunca está preparado para
algo que não é do nosso dia
a dia. Para lidar com um alu-
no que não se encaixa naquilo
que se esperava, é preciso reor-
ganizar tudo, desde o material
pedagógico até a nossa própria
postura como educador — dis-
se Maria Antonia.
O movimento tem uma parceria
com o Colégio Pedro II, para o
qual presta uma espécie de as-
sessoria. O desafio de receber o
aluno com deficiência foi abra-
çado há quase duas décadas
pelo Colégio Pedro II, no Rio de
Janeiro, desde que foi instituída
a admissão de alunos por sor-
teio. A mudança no perfil de
estudantes que ingressavam
na instituição federal provocou
algumas mudanças. No ano
2000, foi criado um laboratório
de aprendizagem. Depois, em
2004, criou-se uma secretaria
de educação especial, pois até
então a escola não tinha uma
seção que respondesse por es-
ses alunos. Em 2009, foram
implantadas salas de recurso
multifuncional e, mais recente-
mente, foram criados núcleos
de atendimento a pessoas com
necessidades específicas.
— Criamos um sistema de en-
sino colaborativo para acom-
panhar o aluno em sala. Além
MOVIMENTO
DOWN
DESENVOLVE
PROJETOS
VOLTADOS PARA
A INCLUSÃO
disso, damos apoio no contra-
turno e promovemos uma in-
teração constante com os pro-
fessores nas ações didáticas e na
elaboração de materiais didáti-
cos de estudo — disse Márcia
Marin, professora de primeiro
segmento do Colégio Pedro II.
A ideia do ensino colaborativo
pressupõe que o professor sirva
como mediador da aprendiza-
gem. Em alguns momentos, é
preciso individualizar o ensino,
ajustar estratégias para que o
objetivo comum seja alcançado.
— Às vezes, um aluno pergun-
ta: “Então ele é protegido?”.
Sim, claro. Para garantir a equi-
dade, é preciso tratar de forma
diferente. Se um estudante é
cego, não posso dar um texto
em tinta. Para garantir justiça,
é preciso garantir equidade —
afirmou Márcia.
Para a professora, a inclusão se
dá a partir do acesso, da per-
manência e da aprendizagem:
— Não é simples. Sofremos
muitos embates e enfrentamos
situações cotidianas difíceis. É
preciso pensar sempre os re-
cursos e estratégias pedagógi-
cas com um desenho universal,
de forma a precisar de menos
adaptações diante das mais va-
riadas necessidades — disse.
Movimento Down
movimentodown.org.br
“Para lidar
com um aluno que
não se encaixa
naquilo que se
esperava, é preciso
reorganizar tudo”
Maria Antonia Goulart
4242
ALFABETIZAÇÃO
EMOCIONAL ESTIMULA
O CUIDADO COM OS
SENTIMENTOS
A
falta de um trabalho vol-
tado diretamente para
as relações interpessoais
e para o trato dos sentimentos
na sua própria formação quando
criança motivou a artista plástica
Lívia Moura a desenvolver um
projeto de alfabetização emo-
cional voltado para os peque-
nos. Depois de desenvolver uma
oficina no sul da Itália, Lívia trou-
xe para a escola americana Our
Lady of Mercy School (OLM), no
Rio, um projeto voltado para as
relações interpessoais e para o
trato dos sentimentos.
Durante uma hora, uma vez por
semana, as cadeiras da sala de
aula são afastadas, e as crianças
se sentam no chão para dar iní-
cio à atividade.
— A ideia é trabalhar a liberação
das emoções e, depois de colo-
cá-las para fora, transformá-las.
É muito importante entrar em
contato com esses sentimentos.
A gente dá instrumentos para
que as crianças resolvam os
conflitos internos delas — disse
a artista plástica.
Cada aula tem uma dinâmica
diferente, mas costuma envol-
ver contação de histórias, ativi-
dades com música e meditação.
Depois, vem o ponto alto do
encontro, que envolve dança ou
teatro para liberar as emoções
das crianças.
Para encerrar, Lívia conver-
sa com os alunos sobre o que
eles sentiram na aula e oferece
uma atividade relacionada às
emoções do
encontro para
eles pensarem
durante a se-
mana. O projeto
foi realizado com
estudantes do 3° ano
do ensino fundamental.
A psicóloga da OLM, Dul-
ce Silveira, vinha ensinando
para as crianças relaxamento e
meditação, que, segundo ela,
casam perfeitamente com a
iniciativa de Lívia.
— Nós somos mais do que
uma escola tradicional, quere-
mos dar estímulos para a crian-
ça levar para a vida toda — ex-
plicou Dulce.
Diana Leite, professora da OLM,
também participou da apresen-
tação e acredita que a alfabe-
tização emocional seja tão im-
portante quanto o aprendizado
de Português e de Matemática.
— O projeto agregou não apenas
do ponto de vista da educação
formal, mas principalmente na
questão emocional. A gente per-
cebe como as crianças estavam
precisando disso. Dentro daquele
ambiente fechado, chega uma
hora em que precisam levantar
da cadeira e botar para fora os
sentimentos. Tivemos vários ti-
pos de catarse. Era um recreio
das emoções — disse Diana.
Alfabetização emocional
liviabmoura@gmail.com
“A gente dá
instrumentos
para que as
crianças
resolvam os
conflitos
internos delas”
Dulce Silveira
4343
P
rojetos que olham para o
futuro da educação. Foi
assim que a ex-secretária
nacional de Educação Básica do
Ministério da Educação Maria
do Pilar Lacerda e o sociólogo
e membro do Conselho Nacio-
nal de Educação César Callegari
observaram os estudos de caso
Territoriar, Alanna e Menino 23
apresentados na mesa “Educa-
ção e Comunidade”.
Pilar lembrou que a escola é
feita de muros, físicos e sim-
bólicos, que afastam as famí-
lia das unidades escolares. Na
avaliação de César Callegari, o
projeto Territoriar, que chama a
comunidade para debater quais
espaços serão reformados, tam-
bém se destaca por fazer essa
aproximação entre famílias,
professores, alunos e diretores.
A inicativa promove o espaço fí-
sico de escolas como motor de
uma transformação no aprendi-
zagem dos alunos.
— Não é a escola se colocando
num altar. É ela tendo um proje-
to de interação. Isso é indispen-
sável. Qualquer escola boa tem,
como prática, o envolvimento
efetivamente participativo —
defendeu.
Para os especialistas, a dispo-
sição das carteiras em círculo
torna o ambiente mais demo-
crático.
— Um atrás do outro é sempre
opressor. Esse projeto tem tudo
a ver com a educação integral
como concepção. Não está
pensando só na parte estética,
o que por si só já é importante,
está preocupado com o acolhi-
mento e como isso impacta no
projeto político-pedagógico do
colégio — disse Maria do Pilar.
O Instituto Alana apresentou o
prêmio Criativos da Escola para
o Brasil. Nele, projetos que valo-
rizem a empatia, o protagonis-
mo, a criatividade e o trabalho
em equipe recebem R$ 3 mil e
são destacados para que virem
exemplos para outras ideias
inovadoras. Para Callegari, o
trabalho de autoria, desenvol-
vido pela iniciativa, é um tema
central no processo educativo.
“O que se precisa
fazer são processos
integradores, que
tenham significados
aos alunos, que
sejam autorais”
CÉSAR CALLEGARI
EDUCAÇÃO E COMUNIDADE
4444
— Isso quebra a ideia clássica
de que o aluno não é o autor
e que só deveria receber infor-
mações. A natureza criativa é
fundamental para integrar co-
nhecimentos. Às vezes, você vê
propostas de reforma do ensino
médio que pretendem comba-
ter o número excessivo de dis-
ciplinas diminuindo o currículo.
E isso não é a solução. O que
se precisa fazer são processos
integradores, que tenham sig-
nificados aos alunos, que sejam
autorais — afirmou Callegari.
Já a professora Maria do Pilar
ressaltou que as característi-
cas buscadas nos projetos pelo
Criativos da Escola — como
protagonismo escolar, empa-
tia, criatividade, entre outros
— estão muito antenadas com
o “aprender no século XXI”. De
acordo com ela, intervenções
como essas fazem as crianças
ensinarem os professores.
— O projeto tem essa delicade-
za de colocar os meninos como
autores. Dá protagonismo, é
criativo e, ao mesmo tempo,
garante a aprendizagem. Esse
é o nosso desafio. Os jovens
são capazes de aprender muito
mais dessa maneira comparti-
lhada — afirmou a gestora.
Pilar e Callegari ainda comenta-
ram a participação do historia-
dor Sidney Aguilar Filho, autor
da tese de doutorado em Histó-
ria da Educação que se transfor-
mou no documentário “Meni-
no 23”. O filme conta a história
de 50 crianças negras levadas
de um orfanato no Rio de Ja-
neiro para a pequena Campina
de Monte Alegre, interior de
São Paulo, na década de 1930.
Na avaliação de Maria do Pilar,
a obra deve ser usada de forma
pedagógica.
— A gente tem essa coisa de
dizer que o Brasil não tem ra-
cismo. Lorota… O número de
mortes de negros no país é
impactante. Enquanto a gente
esteve falando aqui, morreram
quatro ou cinco. Ao negar o
direito à educação à juventude
negra e pobre, a gente conti-
nua negando a infância dessas
crianças, como aconteceu com
as crianças do filme — afirmou
Pilar.
Já Callegari observou que a his-
tória é um documento histórico
de algo que, segundo ele, está
sempre ameaçado: o direito à
aprendizagem. De acordo com
o especialista, esse problema
se reflete, no Brasil contempo-
râneo, em projetos como o de
escola sem partido:
— Eles pretendem amordaçar
escolas cerceando a discussão
de temas como gênero, sexua-
lidade, política e desigualdades.
Isso é ceifar os alunos da ne-
cessária conscientização e for-
mação completa. O estudante
não pode ficar alheio aos temas
sensíveis. Isso nos chama aten-
ção de que temos que estar vi-
gilantes e mobilizados. Não po-
demos permitir uma educação
pobre para os pobres.
4545
DOCUMENTÁRIO DESPERTA NOVAS
FORMAS DE ENSINAR E DE APRENDER
C
inquenta crianças negras
foram levadas de um or-
fanato do Rio de Janeiro
para a pequena Campina de
Monte Alegre, interior de São
Paulo, na década de 1930. Lá,
foram submetidas a trabalhos
forçados. A história teria fica-
do escondida caso o historiador
Sidney Aguilar Filho não tivesse
ouvido uma aluna. Durante uma
aula, em 1998, uma jovem con-
tou que havia tijolos com suás-
ticas, o símbolo nazista, em sua
fazenda. O pesquisador, então,
foi atrás e descobriu o enredo,
que virou uma tese de doutora-
do em História da Educação e
serviu de base para a produção
do documentário “Menino 23”,
de Belisario Franca.
— Uma das coisas mais encan-
tadoras que ouvi aqui foi a de-
fesa da necessidade de ouvir os
nossos alunos. Ainda é muito
comum nós, professores, não
levarmos a sério quando um
aluno fala. Isso é um erro — dis-
se Aguilar.
Em sua pesquisa, o historiador
conseguiu encontrar duas víti-
mas ainda vivas: Aloísio Silva e
Argemino Santos. Os então ga-
rotos viveram quase dez anos
na fazenda. Lá, eram tratados
apenas como números. Aloísio
Silva foi o menino 23, que dá
nome ao documentário. O cár-
cere terminou quando o presi-
dente Getúlio Vargas se aliou
aos Estados Unidos, na Segun-
da Guerra Mundial, e passou
a ser crime fazer menção ao
nazismo. “Eles (os fazendeiros)
abriram a porteira e mandaram
a gente embora. Simplesmen-
te, que nem gado”, lembra, na
obra, o menino 23, que morreu
em 2015.
— Fiz o trabalho com a preo-
cupação de formar professores.
A ideia era pensar como uma
história trágica de homens ricos
que pegam 50 meninos pretos
e pardos de 10 anos sob alega-
ções educacionais e os levam
para outro estado, que renas-
ceu em sala, poderia colabo-
rar para pensar a educação de
hoje, a educação do futuro. Já
ouvia meus alunos, mas ima-
ginava, de maneira arrogante,
que eu soubesse como educar.
Sidney Aguilar Filho
4646
“O filme
virou uma
ferramenta
para processo
de criação de
cidadania”
Esse estudo me impôs a neces-
sidade de repensar meu cotidia-
no, de tomar mais cuidado com
o que eu fazia e me indagar se
eu não estava fazendo alguma
coisa que hoje é natural, mas
que, depois, ao olhar para trás,
condenarei — contou Sidney.
A ideia de repensar as práticas
cotidianas levou a equipe do fil-
me a fazer uma campanha de
impacto para o debate. A res-
ponsável foi a produtora Ros-
sana Giesteira. O objetivo era
levar o filme para discussão em
diferentes espaços, uma sala
de aula expandida para outros
locais. Na avaliação com Agui-
lar, a equipe começou a refletir
com a sociedade os temas de
que o filme trata.
— A campanha serve para dis-
cutir as camadas que o filme
traz e para fazer com que consi-
ga ser, de fato, ferramenta para
ajudar projetos político-peda-
gógicos. Nós entendemos que
ele tem uma vocação pedagó-
gica e, por isso, começamos os
debates um ano antes do lança-
mento do filme com pequenos
grupos, gerando conteúdo nas
plataformas digitais — explica
Rossana: — O filme virou uma
ferramenta para processo de
criação de cidadania. A gente
aprendeu que, em cada con-
texto, o documentário é único.
Pode ver cem vezes que o con-
texto será único, porque a visão
daquelas pessoas vai ser sem-
pre diferente.
Produtora Giros
rossana@giros.com.br
Rossana Giesteira
4747
R
econhecer projetos que
valorizem a empatia, o
protagonismo, a criativi-
dade e o trabalho em equipe. É
isso que faz o prêmio Criativos
da Escola, promovido no Brasil
pelo Instituto Alana.
— A grande narrativa da educa-
ção fala sobre os piores, o que
não está dando certo, o que
é problema. Quando a gente
olha para os piores, parece que
o caminho é longo demais. A
questão que a gente sempre
pensou é como mudar essa nar-
rativa. O Criativos é um movi-
mento global, de protagonistas
em intervenções da realidade.
Esse prêmio é para as pessoas
que buscaram encontrar o que
incomoda naquela comunidade
– explicou a diretora de comu-
nicação do instituto, Carolina
Pasquali.
O
Criativos da Escola foi
criado em 2009 pela de-
signer indiana Kiran Bir
Sethi, com o movimento Design
for Change, que já se espalhou
por 35 países e impactou 25
milhões de crianças. Pasqua-
li conta que os dois pilares do
projeto são a defesa dos direi-
tos da criança e o desenvolvi-
mento integral dos estudantes.
— A gente sabia que aqui no
Brasil existiam muitas histórias
para contar e lançamos a cha-
mada com o objetivo de divul-
gá-las, conectá-las e inspirar
as pessoas. Existem escolas in-
críveis, com professores muito
engajados, projetos relevantes
e transformadores. Só no pri-
meiro ano, em 2015, chegaram
419 projetos de 201 municípios
do país — contou.
Um dos cinco projetos premia-
dos foi o “História construí-
da por blocos”, do Centro de
Educação Nery Lacerda. Lá, os
alunos tinham problemas na
aula de História, que era muito
distante da realidade deles. Foi
quando um estudante sugeriu
um jogo para aproximá-los do
que estava sendo aprendido. O
professor e a coordenadora não
conheciam o Minecraft, mas es-
tavam dispostos a ouvir. Os três
dias de aula passaram a ser dois
para teoria e um para o jogo.
— Eu falei para eles que, para
a gente poder passar uma aula
jogando, era preciso ter a me-
lhor aula teórica possível. E eles
cumpriram — lembrou o pro-
fessor Jefferson Alexandre Pra-
do e Souza.
INSTITUTO ALANA DÁ PRÊMIOS A
INICIATIVAS CRIATIVAS NAS ESCOLAS
O Minecraft é um jogo em que
o usuário constrói cenários e
objetos a partir de blocos que
se encaixam. Os estudantes,
então, passaram a fazer as suas
construções a partir daquilo
que eles aprendiam na aula de
História. Então, reproduziram
épocas como a Roma Antiga e
os engenhos de açúcar do Brasil
do século XVI.
— Eles tinham que prestar
atenção na aula para poder
construir os cenários daquela
época no jogo — explicou o
professor. — Quando fui con-
tratado nessa escola, uma das
minhas missões era diminuir
o número de alunos em recu-
peração em História. Tentei de
tudo: criei cineclube, fiz proje-
tos, um monte de coisas. Até
que um dia o aluno deu a ideia
do jogo. Quando deixei eles
falarem e passei a ouvi-los,
diminuiu o número de alunos
em recuperação. Eles sabiam
como resolver esse problema
— reconheceu o professor.
Instituto Alana
alana.org.br
“A gente sabia que
aqui no Brasil existiam
muitas histórias para
contar e lançamos a
chamada com o
objetivo de divulgá-las,
conectá-las e
inspirar as pessoas”
4848
TERRITORIAR DÁ
NOVOS SIGNIFICADOS AOS
AMBIENTES ESCOLARES
A
transformação do espaço
físico como motor para
as mudanças pedagógi-
cas. Essa é a ideia do projeto
Territoriar, que já passou por 15
escolas em quatro estados (Pa-
raná, Santa Catarina, São Paulo
e Minas Gerais). Nelas, são os
estudantes que decidem, a par-
tir de um amplo debate dentro
da escola, quais os ambientes
dos colégios serão reformados
— assim, são ressignificados,
como diz a coordenadora do
projeto, Scheila Pomilho.
— O diálogo começa sobre os
ambientes educativos como for-
ma de inspirar a aprendizagem
das crianças. A gente fala sobre o
quanto a qualidade dos espaços
pode contribuir com a qualidade
da educação. Decidimos que não
faríamos nenhuma intervenção
que não pudesse ser pensada
com a comunidade e as crianças
— contou Scheila.— É importan-
te olhar a qualidade dos espaços
educativos das escolas, sobretu-
do a escola pública. Percebemos
que a maior demanda é por colo-
car cor nas escolas.
A avaliação do grupo é que o
projeto não pode fazer uma in-
tervenção na escola, mas, sim,
dar uma ressignificação. Segun-
do Scheila, o trabalho é olhar a
potencialidade das escolas, pen-
sar junto e ver o que as crianças
gostariam de mudar na escola.
— Primeiro, a gente constitui
comitês, com os estudantes e
a comunidade, que vão discutir
o que gostariam de reformar. O
comitê elege três espaços para
serem ressignificados, dizem o
porquê e, ao final, definem o es-
paço. Depois, os comitês de di-
ferentes escolas em uma mesma
cidade se reúnem para pensar
juntos uma proposta curricular
para a cidade — explicou.
Marco Antônio Mattos de
Abreu, diretor da Escola Mu-
nicipal de Ensino Fundamental
Dama Entre Rios Verdes, de São
Paulo, contou a sua experiência
com o Territoriar. O colégio foi
um dos que tiveram um espaço
ressignificado a partir das discus-
sões fomentadas pelo projeto.
— O Territoriar abre os nossos
olhos para além do espaço da
sala de aula. Depois do proje-
to, chamamos a criança para
debater. A primeira coisa que
acontece é a violência cair.
Agora, ouvir é a prática que a
gente adotou no Dama. Fazer
assembleias, chamar os pais e
entender que, quando eles não
vão, não é porque não querem.
Tenho alunos, crianças, que se
cuidam sozinhos porque a mãe
mora no emprego. Não é desca-
so. Vale muito estar aberto para
olhar o que está ao redor do
aluno — apontou o educador.
O diretor contou ainda que sua
escola, como todas as outras que
ele conhece, foi construída se-
guindo um modelo que remete
às ideias de Michel Foucault so-
bre a sociedade, de vigiar e punir.
Ele explicou que a arquitetura do
local é formada por um quadri-
látero cujo objetivo seria apenas
trancar as crianças lá dentro:
— Aí, o Territorar nos ensi-
“Os comitês
de diferentes
escolas em uma
mesma cidade
se reúnem para
pensar juntos
uma proposta
curricular para a
cidade”
na que a escola é um espaço
de formação e que, portanto,
não pode ser árido, seco, sem
se comunicar com a criança.
O contato com o outro vai de-
finir como ele vai se constituir
como ser humano. E como é
esse contato na escola? Muitas
vezes violento, árido, totalitá-
rio. Quando a gente abriu es-
paço para as crianças falarem,
a violência desapareceu. Não
há briga, não há agressão física
ou verbal contra o educador. E
não é o paraíso. É um espaço
de construção e de luta.
Territoriar
territoriar.org.br
Scheila Pomilho
4949
U
ma boa gestão é capaz
de operar grandes feitos.
Essa foi a conclusão a
que chegaram os debatedores
Ricardo Henriques, superinten-
dente executivo do Instituto
Unibanco, e o educador Binho
Marques após a apresentação
dos estudos de caso da mesa
“Gestão”. Junior Achievement,
Aprender Linguagem e Escola
Darcy Ribeiro foram os exem-
plos que estimularam o debate.
Para os especialistas, o grande
desafio agora é multiplicar ini-
ciativas como essas.
— Chega a ser um paradoxo
o tamanho da crise que temos
(na educação) e tantas experi-
ências boas. Não se consegue
traduzir a boa experiência em
sistemas, padrões e regularida-
des que possam ser escalados
— afirmou Ricardo Henriques,
comentando em seguida: — O
caminho é simples, porém mui-
to trabalhoso. Os desafios da
educação pública, sobretudo da
gestão, são do campo do ordi-
nário e não do extraordinário,
mas nossa cultura é a de dificul-
tar tudo. O simples implica uma
mudança contínua, aprendiza-
do contínuo.
Nesse contexto, a formação de
professores é um passo funda-
mental para desenvolver a ca-
pacidade de transformação dos
docentes e impulsionar bons
exemplos nas escolas do país, já
que as instituições não podem
ficar dependentes de talentos
individuais.
— Ainda há dificuldade de se
ter um tempo relevante dedica-
do à didática na estrutura curri-
cular da licenciatura de Pedago-
gia. O peso disso na formação
inicial é muito baixo. A didática
não pode ficar refém de um es-
tágio, de alguns exemplos e da
capacidade criativa e inovado-
ra de cada professor. Isso é um
desrespeito com o professor.
Aliado a isso, o pesquisador
“Os desafios da
educação pública,
sobretudo da gestão,
são do campo do
ordinário e não do
extraordinário, mas
nossa cultura é a de
dificultar tudo”
RICARDO HENRIQUES
GESTÃO
Binho Marques
5050
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  • 2. A terceira edição do Educação 360 aconteceu num momento crucial para a educação do país: no ano da definição da Base Nacional Comum Curricular e um dia depois do anúncio da MP da reforma do ensino médio. Os dois assuntos pautaram muitas discussões no evento. Mas o debate sobre educação é muito mais amplo. E envolve toda a sociedade. Essa é a proposta do encontro internacional, que reuniu grandes pensadores, debatedores dos quatro cantos do país, e um público de três mil pessoas, entre professores, gestores, alunos, familiares, membros da comunidade, representantes de ONGs, e do poder público e empresários, que se encantaram com as apresentações de dezenas de exemplos de sucesso. Realizado pelos jornais O GLOBO e EXTRA, em parceria com a Prefeitura do Rio e o Sesc, e o apoio da Coca-Cola Brasil, da TV Globo e do Canal Futura, o seminário aconteceu nos dias 23 e 24 de setembro de 2016, na Escola Sesc de Ensino Médio, no Rio de Janeiro. A programação foi tão eclética quanto a plateia. As palestras magnas foram ministradas pelo catalão Manuel Castells, um dos maiores pensadores da atualidade, o sociólogo francês Michel Maffesoli, o reitor honorário da Universidade de Lisboa António Nóvoa e a secretária executiva do MEC, Maria Helena Guimarães. Oito mesas abordaram tópicos como Educação e Cultura, Gestão, Clima Escolar, Inovação, Currículo e Protagonismo do Aluno. Cada mesa contou com dois debatedores e a apresentação de três estudos de casos, exemplos que estão dando certo em educação, no país e no mundo, com o objetivo de inspirar o público para que sejam replicados. apresentação Roberta Ferraz, coordenadora 22
  • 3. Participaram delas o sociólogo César Callegari, o educador português José Pacheco, o economista do Instituto Ayrton Senna e professor do Insper Ricardo Paes de Barros, o diretor regional do Sesc SP Danilo Miranda, a pedagoga e ex-presidente da União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime) Cleuza Repulho, o presidente do Conselho Nacional de Secretários de Educação (Consed), Eduardo Deschamps, o CEO do Instituto Alana, Marcos Nisti, e o pesquisador americano do Media Lab do Massachusetts Institute of Technology (MIT) David Cavallo, entre outros. As novidades deste ano foram os espaços de degustação de novidades tecnológicas em educação e as oficinas maker com aulas bem diversas, onde se era possível aprender desde holografia e realidade aumentada até o uso de smartphones na sala de aula. Por ser um evento voltado para a sociedade, e não restrito a educadores, a cenografia tinha um papel fundamental e cumpriu sua missão: integrar-se de forma bela e criativa ao conteúdo. Assinada por Abel Gomes, foi inspirada em temas abordados nas atividades. Fitas coloridas simbolizavam as conexões em rede e o compartilhamento de informações, e cadeiras no lago — marca registrada do evento — a desconstrução da sala de aula, reforçando o conceito de que Educação hoje está em todo lugar. E deve ser discutida e aprimorada por todos. A terceira edição acabou, mas a proposta do Educação 360 permanece o ano inteiro, em encontros menores com temas específicos, no site www.educaçao360.com e na página no Facebook. Junte-se ao Educação 360: participe, discuta, sugira, inspire-se, informe-se, faça acontecer. 33
  • 4. A educação brasileira precisa de ideias inspiradoras para inovar. Necessita também conhecer mais e melhores práticas bem- sucedidas, executadas por educadores brasileiros nos mais diferentes contextos. Tudo isso precisa vir à tona, mas sem deixar de debater de forma franca e honesta nossas feridas e graves problemas no setor. Tudo isso aconteceu na terceira edição do Educação 360. Como nos anos anteriores, o evento de 2016 contou com pensadores de prestígio internacional, como Manuel Castells, Michel Maffesoli e António Nóvoa. Mas a edição deste ano ganhou ainda mais temperatura pelo fato de ter acontecido dois dias depois de o governo ter enviado uma proposta de reforma do ensino médio, tema que ocupou boa parte da apresentação de Maria Helena Guimarães de Castro e que acabou sendo debatido pelo público em várias outras apresentações e em conversas durante os intervalos das sessões. Na edição de 2016, houve também uma inovação INSPIRAÇÃO E EDUCAÇÃO DE QUALIDADE Antonio Gois, colunista do Globo 44
  • 5. no formato das mesas. O público teve acesso a estudos de casos apresentados por seus protagonistas e depois debatidos por especialistas nos temas. Em praticamente todas as mesas ficava uma pergunta no ar: se somos capazes, mesmo em contextos desafiadores, de encontrar soluções criativas e efetivas para nossos problemas, por que não conseguimos avançar no ritmo que precisamos? Quem estudou na escola pública do passado costuma dizer que lá havia ensino de qualidade. Não há avaliações que nos permitam comparar com precisão os níveis de aprendizagem dos alunos em meados do século passado e hoje, mas é bem provável que seja verdade. A questão, que nunca podemos esquecer, é que aquela era uma escola pública para poucos. O Censo do IBGE de 1940, por exemplo, mostra que apenas 31% das crianças de 7 a 14 anos tinham acesso à escola naquela época, percentual hoje que está próximo de 100%. Perdemos muito tempo e sofremos os efeitos desse atraso histórico até hoje, acreditando que era possível ter desenvolvimento social e econômico dando educação de qualidade para poucos. Hoje, o desafio é garantir qualidade para todos. Temos um grande esforço pela frente, que exige investimento e a garantia de que educação seja mesmo prioridade. Se analisarmos seriamente nossos problemas, inspirarmos-nos no que vem dando certo aqui ou lá fora, e não deixar nunca de buscar inspiração em grandes ideias, essa tarefa ficará muito mais fácil. 55
  • 6. 657.099PESSOAS ALCANÇADAS PELA FANPAGE DO EVENTO 10hTRANSMISSÃO ON-LINE NOS SITES DO GLOBO E DO EXTRA 10.125CURTIDAS NA FANPAGE NO MÊS DO EVENTO 10.972INTERAÇÕES NOS POSTS DO EVENTO 511MENÇÕES NAS REDES SOCIAIS NA SEMANA DO EVENTO 3.000PESSOAS PARTICIPARAM DAS ATIVIDADES66
  • 8. 88
  • 9. ÍNDICEMAGNAS MARIA HELENA GUIMARÃES PÁGINA 10 MANUEL CASTELLS PÁGINA 14 MICHEL MAFFESOLI PÁGINA 18 ANTÓNIO NÓVOA PÁGINA 22 OFICINA PÁGINA 80 TECNOLOGIA PÁGINA 81 MESAS DE DEBATE TECNOLOGIA E INOVAÇÃO .................PÁGINA 26 EDUCAÇÃO E CULTURA.......................PÁGINA 32 CLIMA ESCOLAR..................................PÁGINA 38 EDUCAÇÃO E COMUNIDADE ..............PÁGINA 44 GESTÃO................................................PÁGINA 50 O ALUNO COMO PROTAGONISTA....PÁGINA 56 CURRÍCULO E AVALIAÇÃO................PÁGINA 62 ESCOLA CONSCIENTE, NUTRIÇÃO INTELIGENTE....................PÁGINA 68 TV GLOBO: QUANTIDADE x QUALIDADE MITOS & FATOS ............................ PÁGINA 72 CANAL FUTURA: ESCOLAS QUE DERAM A VOLTA POR CIMA...................... PÁGINA 76 99
  • 11. A CRISE SIGNIFICA QUE O MODELO NÃO FUNCIONA, FALIU E m meio à polêmica do anúncio de uma Medida Pro- visória para reforma do ensino médio, a secretária executiva do Mi- nistério da Educação (MEC), Maria Helena Guimarães, foi a primeira a ministrar palestra na terceira edi- ção do Educação 360. Em pauta estavam os grandes desafios da educação brasileira. — Tivemos avanços impor- tantes nos últimos 20 anos, sobretudo em matéria de co- bertura e inclusão. De forma geral, o Brasil melhorou muito no quesito da educação, mas ainda temos alguns proble- mas que, se não forem re- solvidos, se transformarão em dificuldades muito fortes num futuro imediato — aler- tou a secretária, que assumiu o cargo em maio deste ano. Para Maria Helena, o aprendizado dos alunos de forma geral está melhoran- do devagar em comparação com os investimentos que foram feitos na educação. A secretária também mostrou que, segundo o Índice de De- senvolvimento da Educação Básica (Ideb), o desempenho das crianças vem melhorando desde 2007 nos anos iniciais do ensino fundamental, mas o mesmo não ocorre nos anos finais e no ensino médio. — De 2003 a 2014, os da- dos do Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educa- cionais Anísio Teixeira) mostram a evolução do investimento em educação pública, especialmen- te na básica. No entanto, a me- lhora do ensino não acompanhou os investimentos feitos nos três níveis de governo e no setor priva- do. Temos um quadro muito preocu- pante, os jovens de 14 e 15 anos não estão alcançando o mínimo espe- rado nem em Português nem em Matemática. Os jovens não es- tão preparados para enfrentar o currículo do ensino médio — declarou. O mau desempenho dos jo- vens no ensino médio é uma grande preocupação da se- cretária, que usou dados do Ideb e do Sistema de Ava- liação da Educação Básica (Saeb) para mostrar como essa etapa de ensino não tem evoluído. — No caso do ensino médio, a situação é um pouco pior. Não só o Ideb não é alcançado, como nos dados da prova do Saeb o desempenho em matemá- tica piorou em comparação a 2013 e em Português fi- cou estagnado. Em relação às prioridades do MEC, Maria Helena afir- mou, durante a palestra, que a de número um é a con- clusão da Base Nacional Co- mum Curricular (BNCC) para o ensino infantil e fundamen- tal, para ser enviada ao Con- selho Nacional de Educação até o final de 2016. A formação de professo- res foi considerada pela se- cretária o maior desafio da pasta, por conta da falta de comunicação entre os pro- jetos existentes nessa área. Segundo Maria Helena, o governo pretende articular os cursos de formação existentes em duas grandes linhas: uma voltada para a formação inicial e outra, para formação conti- nuada. — Não temos uma proposta pronta, estamos iniciando um grupo de trabalho. Vamos fazer 1111
  • 12. debates e convidar as associa- ções e entidades para discutir a melhor forma de integração. A necessidade de juntar esses programas é enorme, para via- bilizar a criação de uma política de formação que leve em conta os grandes desafios da educa- ção brasileira. O aumento do número de va- gas nas creches e a universaliza- ção da pré-escola também estão na lista de urgências do MEC, que, segundo Maria Helena, vai buscar apoio de outras esferas de poder para concluir a meta. — Pretendemos incentivar os estados e municípios para pro- mover a ampliação da educação infantil, especialmente a univer- salização da pré-escola, que de- veria ter sido concluída no final deste ano, mas não aconteceu. Temos ainda 700 mil crianças fora da pré-escola, é uma meta importante que precisa ser al- cançada — afirmou. Outro item destacado pela secretária foi a alfabetização in- fantil e a necessidade de maio- res investimentos nos municí- pios para viabilizar o alcance da meta dessa etapa de ensino. — Nossas crianças não estão sendo devidamente alfabetiza- das. Os municípios são respon- sáveis por 82% das matrículas nos anos iniciais e precisam de apoio na formação de profes- sores, no fornecimento de ma- teriais e na criação de progra- mas que funcionem bem para a meta de alfabetização infantil ser alcançada. A secretária aproveitou sua fala para tentar esclarecer as im- plicações da Medida Provisória da reforma do ensino médio, que, por conta dos maus resulta- dos que vem apresentando con- tinuamente, é uma das maiores prioridades do MEC. Os principais pontos do do- cumento determinam a divisão do ensino médio em duas par- tes: uma obrigatória para todos, definida pela BNCC do ensino médio, que na época ainda não existia; e a outra voltada para o aprofundamento em cinco ênfases que serão escolhidas pelos alunos. Outra mudança mostrada pela secretária du- rante a palestra é a ampliação gradual da jornada escolar para turno integral. — A flexibilização do cur- rículo é a mudança principal. Hoje nós temos as 13 discipli- nas obrigatórias nos três anos. O que será obrigatório é a base, que ainda vai ser formulada. A metade da carga horária total do ensino médio pode ser flexí- vel — contou. Durante toda a palestra, o mediador da mesa, o colunista do GLOBO Antônio Gois, rece- beu perguntas escritas pela pla- teia sobre a reforma do ensino médio. Para a sessão de deba- tes, ele escolheu os tópicos mais sensíveis do momento e que geraram polêmica entre profissionais da educação, para esclarecer com a secretária. Maria Helena foi questiona- da sobre a utilização de uma medida provisória para imple- mentar as reformas; a queda da obrigatoriedade no currículo do ensino médio de Filosofia, Sociologia, Artes e Educação Física; a mudança das escolas dessa etapa de ensino para o horário integral; e a permissão de professores com notório sa- ber para dar aulas. — A criação da MP não signi- fica falta de debate e de conheci- mento, mas, sim, o caráter de ur- gência dessa questão. Sabemos que o fracasso do ensino médio brasileiro é um dado apontado por especialistas na área. A cri- se significa que o modelo não funciona, faliu. O ensino médio brasileiro é o único do mundo 1212
  • 13. engessado com 13 dis- ciplinas obrigatórias. O jovem precisa ter a possibilidade de se aprofundar em áreas de conhe- cimento, faz muito mais sentido para ele — explicou. Em relação à verba de R$ 1,5 bilhão que será oferecida aos estados para implementação das medidas, principalmente do ensino integral, a secretária admitiu que é um valor peque- no, considerando-se o tama- nho da rede de ensino no país. Porém, defendeu a importância de expandir a integralização aos poucos, conforme a meta do Plano Nacional de Educação: — O nosso projeto está mui- to bem formulado e não que- remos errar. O MEC tem inves- tido muitos recursos em ensino integral que não estão dando resultado. Para ser bem feito, precisa ser administrável, ter acompanhamento e avaliação para fazermos cor- reções, melhorando o projeto para expandir aos poucos e não começar tudo de uma vez, sem ter avaliação. As- sim se gasta um monte de di- nheiro e não se tem resultado. Nosso objetivo é fazer com res- ponsabilidade e muito cuidado. Outra polêmica envolvendo a leitura da MP e a falta de uma BNCC aprovada é a confusão em torno da obrigatoriedade ou não de Educação Física, Artes, Filosofia e Sociologia no currí- culo. Maria Helena garantiu que essas disciplinas estarão presen- tes no documento e poderão ser aprofundadas conforme as escolas organizarem as áreas de conhecimentos com ênfases em determinados temas. — Acho praticamente im- possível imaginar essas quatro disciplinas fora da BNCC, é claro que estarão. Na metade flexível do currículo, por exem- plo, na ênfase em Humani- dades, é possível contemplar mais profundamente Filosofia, Sociologia, História... Já numa ênfase em Matemática, é possí- vel contemplar arte, diagrama- ção, linguagem de programa- ção. Também vai ser possível, por exemplo, criar uma ênfase numa área que valorize o de- senvolvimento do esporte e a preparação de atletas. A escola vai ter liberdade para fazer es- sas escolhas — garantiu. Quanto à questão do reco- nhecimento de profissionais com notório saber para dar au- las em áreas afins à sua forma- ção, a secretária esclareceu que a medida foi pensada para en- sino técnico e educação profis- sional. Porém, ela garantiu que, mesmo com o notório saber, os profissionais obrigatoriamente têm que ter um complemento pedagógico para dar aulas. — Sem essa complemen- tação, não tem como o pro- fissional ter a didática que ele precisa para dar aulas e ser um bom professor. Isso (o notório saber) não exclui a importância de ter uma complementação didático-pedagógica para que o profissional atue na escola — assegurou. A secretária também ressal- tou a importância do papel da formação de professores nos próximos dois anos para imple- mentação da reforma do ensi- no médio e da BNCC: — Já está sendo discutida uma proposta de apoio aos es- tados na área de formação. Os recursos previstos para os dife- rentes cursos vão ter um rede- senho considerando a reforma do ensino médio e a nova base. A BNCC só vai se concretizar se os professores estiverem bem preparados para serem os agentes dessa mudança. 1313
  • 15. O SISTEMA EDUCACIONAL BRASILEIRO TEM QUALIDADES MAS É INJUSTO O renomado soció- logo espanhol Ma- nuel Castells encerrou o primeiro dia do encon- tro Educação 360 discursando so- bre as condições da universidade na sociedade contemporânea, como ela está se transformando e quais os principais obstáculos burocráticos e econômicos para essas mudanças. Autor da trilo- gia “A era da informação: eco- nomia, sociedade e cultura”, o acadêmico também criticou a divisão entre instituições públicas e privadas no Brasil, ressaltando que esse modelo reproduz a desigualdade so- cial do país. — O sistema educacional brasileiro tem qualidades, mas é injusto. As universida- des públicas são de relativa boa qualidade, algumas a ní- veis internacionais e são em grande parte gratuitas. Por conta dos critérios de sele- ção, elas são destinadas para a classe média. E os setores populares pagam muito mais caro por universidades priva- das que têm qualidade du- vidosa. Isso é um sistema de injustiça social — avaliou. Castells criticou a burocrati- zação do ensino superior e a falta de adaptação de algumas instituições ao seu entorno tec- nológico. Outro ponto que pre- cisa sofrer mudanças urgentes, segundo o sociólogo, que teve apoio da plateia, é a tendência de as instituições servirem aos interesses dos professores, antes dos do aluno. Para ele, isso é ca- racterizado pelo conflito entre en- sinar bem e publicar artigos cien- tíficos, cobrados pelo sistema como forma de promoção dos docentes. — Nos pagam para ensinar, mas nos promovem por publicar. A minha paixão, a minha vida é a universidade, por isso posso cri- ticá-la. Se não formos capazes de mudar o ensino superior, perderemos o privilégio que é dedicar a vida à educação — afirmou. Outro problema do ensi- no superior atualmente, de acordo com o especialista, é a facilidade do setor em se tornar vulnerável às deci- sões mercadológicas. — A universidade é o mer- cado mais apetecível para grandes empresas mercená- rias. Precisamos defender a universidade das deforma- ções causadas pelo merca- do. Em todo o mundo está se perdendo a legitimidade por conta disso. O sociólogo também ana- lisou os diferentes modelos de universidade que existi- ram ao longo da História e que, hoje, combinam-se nas distintas funções atribuídas ao ensino superior. — Em primeiro lugar, as universidades se destina- vam à produção de valores e à sua legitimação social. Depois, passaram a fazer a seleção das elites e a forma- ção dos núcleos de poder, tanto na educação especia- lizada quanto na formação de um meio social dirigente da sociedade. É o caso da Ivy League, nos Estados Unidos, e de Oxford e Cambridge, na Inglaterra. No Brasil, a USP é a matriz das elites nacionais. Essas universidades são um clube privado de relações so- ciais — brincou. Outra função das universi- dades, segundo Castells, é a 1515
  • 16. formação de profissionais fun- damentais para o sistema pro- dutivo e para a organização da sociedade. — No Brasil sempre se deu muita ênfase às escolas de for- mação de engenheiros e de advogados. Mais tarde, histo- ricamente, as escolas de negó- cios ingressaram nesse cenário, convertendo-se num dos inves- timentos dominantes dos siste- mas universitários. De acordo com Castells, a universidade científica, com or- ganização econômica e produ- tiva voltada para a produção de conhecimento avançado, con- vertido em informação de alto nível, é recente. O sociólogo citou como exemplo a experi- ência das instituições públicas americanas. Outro modelo de ensino mencionado na pales- tra é mais generalista e voltado para melhorar o nível da educa- ção no conjunto da sociedade e acontece em instituições fran- cesas, italianas, espanholas e latino-americanas, a partir dos anos 40. — Um modelo que vamos encontrar em qualquer instituição, com ênfases diferentes, é a univer- sidade empreendedora. Ela se organiza em torno do desenvol- vimento de capacidades profis- sionais ligadas à cadeia produ- tiva, sobretudo com a iniciativa privada. Mas, de qualquer ma- neira, todas essas funções es- tão presentes hoje de formas distintas em cada sistema de ensino superior — explicou. Para o sociólogo espanhol, a produção de conhecimento e inovação tecnológica são a base da riqueza contemporâ- nea e se tornaram essenciais para a sociedade em rede, o que justifica, mais do que quaisquer outros fatores, a im- portância das universidades. Outro aspecto importante é a mudança na força de trabalho que vem acontecendo nos últi- mos anos e que ainda vai trans- formar muito as profissões no futuro. Castells acredita que o mais importante para o traba- lhador é adquirir a capacidade de ser autoprogramável. — No nosso tipo de econo- mia, as especialidades concretas que existem hoje vão desaparecer em cinco anos. O trabalhador precisa se adaptar, e uma formação muito especia- lizada não permite a capacida- de de adaptação tecnológica. Falta uma reciclagem constante em toda a etapa profissional, mas isso é muito difícil porque tem que ser feito ao mesmo tempo em que se trabalha. Nesse aspecto, as universidades à distância são fundamentais porque permitem essa atualiza- ção sem sair da rotina pessoal e profissional — defendeu. Nessa linha, Castells de- fendeu que uma função im- portantíssima não só das uni- versidades, mas do sistema educacional como um todo atualmente, é a formação de indivíduos com um novo tipo de personalidade que seja, so- bretudo, mutável ao longo da “Falta uma reciclagem constante em toda a etapa profissional, mas isso é muito difícil porque tem que ser feito ao mesmo tempo em que se trabalha” 1616
  • 17. vida. O sociólogo acre- dita que alguns valores preci- sam ser reforçados para fortale- cer a capacidade de adaptação. — As condições de vida vão mudar constantemente. Isso re- quer pessoas com personalida- des flexíveis e adaptáveis, mas que ao mesmo tempo sejam suficientemente firmes para não se romperem em tempos de crise e manterem uma tra- jetória de vida. A família, não importa o tipo, é o valor mais importante do mundo no sen- tido profundo do termo, de que você sempre poderá contar com as pessoas. Isso se mol- da na escola primária, mas se acentua na universidade e pre- cisa de reforço — explicou. Apesar da importância atri- buída ao ensino à distância para atualização profissional, Castells defendeu a importân- cia da existência das univer- sidades presenciais, que, segundo ele, são essenciais na formação dos jovens por se tratarem de um meio social. O sociólogo res- saltou, no entanto, que a dis- tinção feita entre universidades virtuais e reais é antiga e precisa ser repensada. — Essa diferenciação não cor- responde à realidade. Todas as universidades são híbridas, elas combinam o real e o virtual. Os alunos passam muito tempo on- -line, assim como os professores, que trocam muitas informações dessa maneira. O professor tem uma relação pessoal com o alu- no, mas no conjunto do sistema universitário move-se para uma nova pedagogia que integre os diferentes modos de comunica- ção no dia a dia das universida- des — avaliou. Castells também criticou a explosão de universidades à distância no mundo porque, segundo ele, na maioria das vezes são instituições de má qualidade, que visam apenas ao lucro dos seus donos e não geram inovação e avanços tec- nológicos. O sociólogo citou o sistema de regulação do Chile, que passou a regulamentar ins- tituições desse tipo, retirando sua acreditação quando não era atestada qualidade mínima. — O grande problema dessas universidades digitais é a falta de qualidade por serem um simples negócio. O contato regular com os estudantes e as aulas são ex- tremamente limitados. A univer- sidade de qualidade é mais cara porque requer mais recursos, como monitoria individual por estudante — disse. O sociólogo também conde- nou a divisão do sistema univer- sitário em disciplinas, alegando que a interdisciplinaridade é a base da formação e da ciência moderna. — As fronteiras das discipli- nas desapareceram. As univer- sidades que mantêm a divisão por disciplina obrigam os pes- quisadores a colaborarem entre si em segredo. Nunca entendi a distinção entre ciência política e sociologia política — brincou, arrancando risos da plateia. A falta de autonomia do en- sino superior em relação aos ór- gãos públicos foi apontada por Castells como um dos maiores entraves para o fomento da inovação no ensino superior. — A inovação aproveita as brechas do sistema. Existe uma esfera maior que é o Ministério da Educação que foi feito para não permitir inovação. No Bra- sil, vocês têm mais flexibilida- de... Na Espanha, o ministério decide o programa de todas as disciplinas, de todas as universi- dade. Isso é o contrário de pro- gresso. O grande segredo das universidades americanas é que não há ministério da educação, elas têm autonomia total. 1717
  • 19. O sociológo fran- cês Michel Maffe- soli abriu o segundo dia do encontro Edu- cação 360 descrevendo uma era dos afetos. Na avaliação dele, a era moderna chegou ao fim em meados do século XX, junto de seus paradigmas. O individua- lismo deu lugar à “pessoa plu- ral”, a crença no presente saiu de cena para a valorização do presente, e o racionalismo caiu diante do sentimento. Este é, para o professor da Universidade Sorbonne, na França, o “espírito coletivo” da pós-modernidade. — O que está em jogo na contemporaneidade é a diversidade, em todos os setores: cultural, sexual, reli- gioso. O século XIX buscava reduzir tudo a um, diminuir as diferenças. Não pode- mos mais. A imagem atual é como um mosaico. Existe uma coerência no todo, po- rém cada peça mantém sua própria configuração. Um policulturalismo. Pode haver uma harmonia a partir das diferenças, uma harmonia conflituosa. A diversidade é o fundamento da pós-mo- dernidade — afirmou o pen- sador. O centro da fala de Maf- fesoli são as formas de socia- lização. Segundo o autor, a educação é o processo de tirar a criança da barbárie e inseri-la na civilização, e isso funcionou bem para a modernidade. Mas não mais. Na avaliação do soci- ólogo, a História do mundo não é linear ou progressista — Maf- fesoli critica a ideia de que a Hu- manidade saiu de um ponto de bar- bárie para um ponto de progresso. O FIM DE UM MUNDO NÃO É O FIM DO MUNDO Segundo ele, a História do mundo é pendular. — Para lembrar a etimologia da palavra, “época” significa, em grego, parênteses, que se abre e fecha. Estamos fe- chando o parênteses da épo- ca moderna e abrindo a pós- -modernidade — disse ele. — Quando há mudanças de época, existe um processo de saturação. A saturação é um conceito proposto por um sociólogo americano usando o exemplo da sa- turação química. Em certo ponto, as moléculas que formam um corpo não po- dem mais ficar juntas. Exis- te, então, uma destruição desse corpo e, ao mesmo tempo, essas mesmas mo- léculas vão entrar em ou- tro corpo, uma recomposi- ção. O fim de um mundo não é o fim do mundo. É nesse ponto de re- construção que estamos vivendo, avalia Maffesoli. Há, inclusive, o desafio de nomeá-lo com exatidão. Segundo o sociólogo, cha- mamos isso de crise. Não só econômica, mas social. Cada época tem um imagi- nário específico. Um clima. E também uma “atmosfera mental” diferente. Na modernidade, o ho- mem era centrado no in- divíduo — aliás, para o professor, é o conceito de individualidade, que nasce no século XIX, a fundação dessa era. Naquele momen- to, a Reforma Protestante traduziu a Bíblia para as lín- guas profanas e pregou a va- lorização do trabalho — antes, associado à desonra. A crença 1919
  • 20. num futuro melhor — a ideia de que o mundo é um terreno de transição – e a dialética em alta criaram outras duas mar- cas dessa época: a postergação do gozo (a valorização do que vem depois) e o racionalismo (a crença absoluta na razão). — Esses aspectos consti- tuem a paranoia moderna, que também chamo de para- noia educativa. Paranoia signi- fica um pensamento que vem do alto, que vai se impor. Isso me parece saturado, mas ain- da existe. Não acredito que podemos desperdiçar energia juvenil com esses valores. Os astrofísicos nos explicaram que ainda vemos a luz de uma es- trela muito depois de ela mor- rer. Vivemos essa situação. A grande paranoia moderna, que contribuiu para coisas lin- das, está saturada e não nos demos conta. Michel Maffesoli é um teóri- co da pós-modernidade e um fenomenólogo das tribos. E é com base em suas especialida- des que ele prevê o futuro da socialização das crianças. Sua hipótese é que, com a pós- -modernidade, a forma como socializamos nossas crianças não seja mais baseada na edu- cação, mas, sim, no conceito antropológico de iniciação — “Com outra palavra, talvez”, ressalta ele —, como numa volta ao passado das tribos. — O desafio é como vamos mobilizar a energia dos jovens sem castrá-la demais. A gente vai acentuar imaginários cole- tivos, sonhos, ideais, fantasias. Existe nessas jovens gerações uma coisa que vai acentuar as emoções vividas em comum, dos afetos e sentimentos — analisa: — As tribos são for- madas por compartilhamentos de gostos, não de ideias. Um gosto sexual, musical, esporti- vo. Não estamos mais enclau- surados no “eu mestre de mim mesmo”, mas, em primeiro lu- gar, privilegiamos a tribo onde vivemos. Outra mudança seria a do tempo. O presente passa a ser mais valorizado. O aqui e agora, como ele diz. O traba- lho perde valor para o sentido de criação. Na visão de Maffe- soli, o sonho agora é transfor- mar a própria vida em obra de arte. Há, segundo ele, ainda uma relação entre essa valori- zação do presente com o culto ao corpo: — Não sentimos mais, como (Sigmund) Freud afirmou so- bre a modernidade, o poster- gamento do gozo, mas agora é o repatriamento do gozo. O correlato é a importância do corpo, que se veste, e a mus- culação. Presenteísmo é como eu chamo a importância do corpo. Na avaliação de Maffesoli, a passagem da modernidade “Pode haver uma harmonia a partir das diferenças, uma harmonia conflituosa. A diversidade é o fundamento da pós-modernidade” 2020
  • 21. marca o fim do racionalismo: os seres pós-modernos acen- tuam o sentimento e as vibra- ções espirituais e artísticas. Segundo ele, a melhor palavra é “sintonia”, ou seja, estar no tom com os outros humanos. Para o autor, trata-se de uma ética da estética. — Está se construindo um cimento ético a partir das emo- ções e do compartilhamento dos afetos. Essa ética da es- tética é que vamos encontrar nas diversas artes e esportes. As apostas são colocadas não mais na independência, mas na interdependência. Para mim, isso é que vai constituir a ordem pós-moderna. Na visão do sociólogo, ou a escola passa por essas trans- formações ou será extinta. As mudanças de paradigma reivindicam o fim da verticali- zação da educação. É por isso que os alunos nas salas de aula hoje precisam ser ouvidos: — A educação está basea- da na verticalidade. O oposto da paranoia vertical é o nas- cimento de um saber juve- nil que temos que compor e acompanhar, saber que isso vai reinvestir, reutilizar e reinte- grar uma série de parâmetros, como o lúdico, que está sendo colocado de lado. Não há mais separação entre corpo e men- te — disse Maffesoli: — A lei dos irmãos está em construção no pacto da sociedade basea- do no sentimento. É isso o que precisamos encontrar. Cada época sonha com a próxima, e é preciso acompanhar esse sentimento. É isso que está em jogo hoje em dia. E se a escola resistir às mu- danças?, foi perguntado a Ma- ffesoli. O caminho seria a mor- te, assim como acontece com a política. De acordo com o pensador, o risco é a escola se tornar um dinossauro: aquele que morre por não saber se adaptar ao clima: — Ou vai morrer ou vamos saber nos ajustar na horizonta- lidade. Foi isso que chamei de iniciação. Dou aula há 30 anos na Sorbonne. Há uns 10 anos, eu estava em uma aula com cem alunos, todos com note- book aberto. Um dia, um es- tudante falou: “O senhor está errado. Isso não aconteceu em 1826, e sim em 1823.” Existia a necessidade de interação. Com o desenvolvimento tec- nológico, não podemos mais impor as palavras. As escolas podem ser rígidas ou serem inteligentes de se adaptar. Há de se ficar atento a essa nova cultura para não ter uma des- conexão entre quem tem a pa- lavra, o professor, e a cultura juvenil. “O desafio é como vamos mobilizar a energia dos jovens sem castrá-la demais. A gente vai acentuar os ima- ginários coletivos, sonhos, ideais, fantasias” 2121
  • 23. qualquer”. Na mesma semana em que foi realizado o Educa- ção 360, o governo brasileiro lançou uma Medida Provisória (MP) que tirava essas discipli- nas da grade obrigatória do ensino médio nacional. Um dia depois, voltou atrás e afirmou que elas não deixa- rão de ser obrigatórias. — Deixo a seguinte pro- vocação: é preciso subs- tituir o aborrecimento do viver, de jogar um vide- ogame, pela alegria de trabalhar, de pensar. E só uma escola com cami- nhos, cooperação, comu- nicação e criação é capaz de resolver essa situação. O professor tem que en- sinar duas grandes coisas: a condição humana, que é tudo o que nos faz es- tar em paz com o outro, e a identidade terrena. Precisamos de um currícu- lo com a inteligência do mundo. Não um currículo de “especialistas especial- mente especializados”, como diria um amigo meu de forma irônica, em que tudo é cortado em fatias e não há inteligência — defendeu o educador por- tuguês, sem citar a MP. — Reformas curriculares têm sido condenadas ao fracasso nos países. Só os que desistiram de fazer isso são os que deram certo. Nóvoa ainda defendeu a liberdade para os professo- res nas escolas. Ele diz que é comum ouvir o argumento de que as escolas brasileiras não estão preparadas para ter mais liberdade e que os pro- fessores não são bem forma- E ducação para unir e li- bertar as crianças. Esse é o rumo proposto pelo portu- guês António Nóvoa, reitor hono- rário e professor catedrático do Instituto de Educação da Univer- sidade de Lisboa, em Portugal. Na avaliação do especialista, é preciso ampliar o debate sobre as transformações da escola. — Talvez consigamos en- contrar o que possa nos unir, sabendo que a escola atual não vai continuar igual, que há um movimento de tran- sição. O nosso trabalho é menos pedagógico, menos organizacional, menos so- bre a formação do professor e é mais do ponto de vista de uma reflexão filosófica da educação — defendeu o especialista: — Temos que aprender juntos os cami- nhos de cada aluno. A esco- la é o lugar da união. Só em comum, ou seja, uns com os outros, nos educaremos. De outra maneira, não percebe- mos os desafios da comuni- cação. Pertencer ao comum não implica homogeneiza- ção. Ao contrário. Significa o esforço de nos libertar- mos. Esses são movimentos que devemos fazer para não perdermos o ato educativo – afirmou. Nóvoa ainda criticou pro- postas de currículos “corta- dos em fatias”. Ele defende ser necessário que a grade de conteúdos tenha capacidade de interligar o mundo em tor- no de grandes temas e de gran- des problemas. Na avaliação do especialista, não se consegue chegar a esse objetivo “diminuin- do as filosofias ou as artes ou as educações físicas ou outra coisa A ESCOLA É O LUGAR DA UNIÃO 2323
  • 24. dos para isso. Mas rebate. — Se isso for verdade, en- tão, que se formem melhor os professores e se reforce a es- cola — defendeu. O educador ainda criticou “projetos que proliferam no ano de 2016 que tentam fe- char as crianças” em seus meios sociais, como a famí- lia, a religião, a cultura ou a comunidade. Esse foi um posicionamento contrário às ideias da “escola sem parti- do” (uma suposta proibição a que os estudantes sofram ide- ologização nas salas de aula). De acordo com Nóvoa, o en- raizamento é importante, mas é preciso apresentar o mun- do aos estudantes, para uma educação libertadora. — Claro que comunidade, família e religião têm direito e obrigação de educar. Mas a educação escolar é de outro tipo. Nós professores apresen- tamos o conjunto de toda a humanidade e visões do mun- do para que a criança queira novos olhares. Muitas políticas educativas são erradas porque acham que a educação é um serviço e as crianças, clientes. A escola não é um serviço, é uma instituição. É aquilo que nos institui como seres huma- nos e na vida em democracia. O professor defende ainda que os professores assu- mam a formação uns dos outros, em troca de co- nhecimento. De acordo com Nóvoa, a educação não pode ser fechada apenas dentro da escola. Há, hoje, uma capilari- dade educativa que cria uma malha de conhecimento. Uma trama de possibilidades, como diz Nóvoa, que existe nas nossas cidades e sociedades. E esse espaço ocupado pela escola deve ter liberdade, par- ticipação e deliberação — se- gundo o especialista, não há compromisso sem essas con- dições. Os rumos das políticas públicas da educação não po- dem ser “ditados” apenas pe- los políticos. — Nessa trama em que se faz o espaço público da edu- cação, o espaço da escola tem que ter, ao mesmo tempo, liberdade, participação e po- der de decisão. Nós (profes- sores) temos que decidir sobre a educação. Não podem ser apenas os políticos. A educa- ção existe num espaço público de liberdade, participação e de- liberação. Nós professores te- mos a nossa palavra a dizer. Essa deliberação é absoluta- mente central. O espaço pú- blico tem que ser deliberativo, onde se envolvem professores e os pais, não como clientes do serviço, mas como cida- dãos com direito a falar sobre a instituição escola — afirmou Nóvoa: — Não há trabalho mais forte na pedagogia do que a palavra cooperação. Ela vem de muito tempo atrás. Vamos formar mutuamente uns aos outros. Sabemos que os alunos aprendem mais uns com os outros do que com o professor, o que não diminuiu em nada o nosso trabalho e nossa responsabilidade, mas nos faz organizar o trabalho de maneira diferente. O esforço, segundo ele, é “Muitas políticas educativas são erradas porque acham que a educação é um serviço e as crianças, clientes” 2424
  • 25. parte funda- mental do proces- so de aprendizado. Segundo Nóvoa, “a aprendizagem só acontece quando, juntos, nos descobrimos e nos recriamos”. Para ele, quando alunos e pro- fessores não fazem esforço, ficam “amputados” de uma parte da humanidade, daquilo que ele acredita que permite enxergar. Para Nóvoa, esse é um trabalho de autoconheci- mento, de interconhecimento, que une os atores da educa- ção em um conhecimento com consciência humana. — O meu maior pesadelo é a indiferença. Esse pesade- lo estava adormecido há uns anos, mas renasceu muito forte para a preparação dessa palestra. Lembro-me de uma citação brutal. Dizia que a Pri- meira Grande Guerra Mundial não aconteceu porque havia o mal, o crime e pessoas violen- tas. Não foi por isso. Aconteceu, sobretudo, pela indiferença de quase todos nós. Foi a incapacida- de de perceber que estava acontecendo alguma coisa que permitiu a guerra. Nós professores não podemos nos esquecer disso. Na escola, não podemos cultivar a indiferen- ça ou um conhecimento que não tenha humanidade — re- sumiu Nóvoa: — Nada substi- tui o bom professor. O português ainda fez uma crítica à formação inicial do professor no Brasil. Para ele, há uma enorme fragmentação na graduação brasileira. Ele também cobrou maior parti- cipação das universidades do país. De acordo com Nóvoa, o Brasil tem um conjunto de boas universidades, sobretudo públicas, mas que não têm as- sumido um compromisso for- te com a educação básica. Por outro lado, ele vê uma multi- plicação perigosa de institui- ções privadas que, tirando, como diz, notáveis exceções, têm pouca qualidade e recor- rem de forma muito generali- zada e medíocre a cursos de educação à distância. — Digo duas coisas sobre a formação dos professores no Brasil. A primeira é sobre a formação inicial. A meu ver, isso acontece aqui de uma forma muito fragmentada. Há licenciaturas disso, daqui- lo, faculdades, institutos... Essa fragmentação impede que haja um lugar dentro da universidade que tenha como funcionalidade formar o professor. Todas as profis- sões têm. Há um lugar para os médicos serem formados, a escola de Medicina. E não há na Educação por quê? Por causa do pressuposto de que o professor exerce uma ativi- dade fragmentada. Professor de Matemática, de História... Enquanto não houver esse lu- gar, é muito difícil se construir uma identidade da formação de professores. Esse lugar é difícil de construir. Porque, além de ser um lugar dentro da universidade, tem que ter a profissão lá dentro. Não há formação sem a profissão, sem outros professores. Não posso formar médicos apenas com biólogos e químicos. Ao mesmo tempo, não posso for- mar médicos sem professores. E ter a profissão não necessa- riamente é ter a prática. É ser- mos capazes de construir um espaço em que essa formação e essa socialização se fazem. É fazermos a pergunta que nun- ca fazemos: como formar um professor profissional? Temos medo da palavra “profissio- nal“e não deveríamos ter — afirmou Nóvoa. 2525
  • 26. mesas de debate TECNOLOGIA E INOVAÇÃO O modelo tradicional de sala de aula pouco mu- dou no último século, mas o advento de novas tecno- logias tem transformado a rela- ção dos alunos com o processo de aprendizagem. Enquanto alguns professores insistem em considerar invasores ob- jetos como smartphones e tablets, outros já os veem como importantes aliados. O desafio dos educadores diante da era tecnológica foi o tema da mesa “Tec- nologia e inovação”. O debate, mediado pelo jornalista Octavio Guedes, contou com a presença da professora Léa da Cruz Fa- gundes, mestre em Educação e doutora em Psicologia pela Uni- versidade de São Paulo (USP), e de David Cavallo, professor vi- sitante da Universidade Federal do Sul da Bahia (UFBS) e diretor do grupo de pesquisa Future of Learning no Media Lab do Ins- tituto de Tecnologia de Massa- chusetts (MIT). Ao longo do debate, foram apresentados três estudos de caso que mostraram que a tec- nologia pode — e deve — estar presente no dia a dia dos estu- dantes. — No século passado, o profes- sor tinha o papel de repetidor. Mas o professor não tem mais o mesmo papel, e a escola não David Cavallo, Léa Fagundes, Bruna Waitman e André Ferreira 2626
  • 27. deve ser mais esta que ainda vemos hoje. A sala de aula é ab- solutamente tradicional, fecha- da, com 30 alunos da mesma idade, estudando os mesmos conteúdos — disse a profes- sora Léa Cruz Fernandes, que lançou a seguinte provocação à plateia: — Por que tem que ser assim? Por que não pode- mos ter disposições diferentes, modelos de ensino diferentes e até alunos de diferentes idades aprendendo juntos? O primeiro estudo de caso apre- sentado foi o do Media Educa- tion Lab (MEL), uma organiza- ção que acredita na rede digital como ferramenta de conexão entre alunos, empresas, gover- nos e organizações sociais para transformar a educação de for- ma criativa. A ideia foi aplaudi- da por David Cavallo. — O projeto é fantástico. Curio- samente, é a mesma filosofia que nos levou a criar, há 32 anos, o Media Lab do MIT. Isso me leva a pensar em uma única crítica, não ao projeto apresen- tado, mas ao problema estático do sistema educacional, que ainda funciona com soluções tecnológicas criadas no século XIX. Por isso precisamos incen- tivar cada vez mais a inovação e as boas ideias — diz. No segundo estudo de caso, foi apresentada a experiência da Escola Sesc de Ensino Médio, que investe na formação de do- centes para o ensino híbrido, no qual o formato tradicional é compartilhado com a aplica- ção de videoaulas. A metodolo- gia inclui o uso de dispositivos como smartphones e tablets em sala de aula. — Obrigado por compartilha- rem isso conosco — brincou a professora Léa, de 84 anos, usando a linguagem das redes sociais: — Não é comum ver novas técnicas e novos recursos nas escolas. Acho que ainda te- mos muito a aprender e a avan- çar. O terceiro estudo de caso, de- senvolvido por pesquisadores da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), foi fo- cado no uso de softwares edu- cacionais livres para dispositi- vos móveis. O professor Paulo Slomp e o bolsista André Ferrei- ra mostraram o site, criado por eles: uma lista com mais de 300 softwares livres voltados para o ensino que podem ser baixados e acessados por qualquer pes- soa. Para David Cavallo, referência mundial no uso de tecnologia na educação, esse é o único ca- minho possível para um país de dimensões continentais, como o Brasil, garantir o ensino de qualidade a todos: — Quando falamos no uso de smartphones, tablets ou lap- tops, muitos vêm logo dizer que é caro. Há 32 anos, quando fun- damos nosso grupo de estudos, era impensável que hoje todos tivessem um smartphone em mãos. Quando todos começam a usar, a tecnologia se torna acessível. O baixo investimento em tecnologia na educação não ocorre por falta de recursos ou por falta de avanço tecnológico, mas, sim, por falta de vontade de experimentar coisas novas. Como oferecer educação de qualidade em escala nacional? Na minha opinião, sem tecnolo- gia, é impossível. “O professor não tem mais o mesmo papel, e a escola não deve ser mais esta que ainda vemos hoje” LÉA DA CRUZ FAGUNDES “O baixo investimento em tecnologia na educa- ção não ocorre por falta de recursos ou por falta de avanço tecnológico, mas, sim, por falta de vontade de experimentar coisas novas” DAVID CAVALLO 2727
  • 28. ESCOLA SESC EQUILIBRA O USO DE RECURSOS DIGITAIS E CLÁSSICOS A educação híbrida sugere que sejam repensados os tempos e os espaços da escolarização. Mas não é só. Também propõe a reorga- nização de currículos e meto- dologias de ensino, e que os processos sejam personalizados e plugados na rede digital. Sem esquecer, é claro, de convidar os alunos para participar com pro- tagonismo das novas propostas pedagógicas. A formação de professores para o ensino híbri- do é o desafio que a Escola Sesc de Ensino Médio abraça desde a sua criação, em 2008. — No ano que vem, vamos re- ceber jovens nascidos no século XXI. O que muda na forma deles de pensar e sentir? Vimos dian- te dos nossos jovens diferenças enormes. Em 2008, recolhíamos os notebooks para os alunos não Paulo Slomp, André Ferreira, André Ferreira (SESC), David Cavallo, Léa Fagundes e Bruna Waitman 2828
  • 29. brincarem depois do horário. Mas esse processo foi derrubado quando surgiu o smartphone — contou André Ferreira, gerente acadêmico da Escola Sesc, que completou: — Não somos mais o professor clássico que os alu- nos reverenciavam e ouviam com uma certa honraria e te- mor. Também não somos os que superam, com domínio pleno, a tecnologia. Vivemos neste mun- do de frustração. Para os educadores, a entrada nesse mundo de performances virtuais não é menos complica- da do que a já desafiadora sala de aula física, na qual o caris- ma, o domínio dos conteúdos específicos e suas possíveis ar- ticulações com outras áreas do conhecimento, capacidade de expressão e comunicação são também fundamentais. — No tempo do professor clássico, matéria nova era re- almente nova. Hoje, você en- tra em sala para apresentar o conteúdo aos estudantes e eles abrem no Google e já encon- tram tudo — disse Ferreira, que prega a atualização da escola: — Algumas instituições muda- ram rapidamente. Os bancos acompanharam a digitalização dos processos, modificaram os fluxos, reorganizaram-se. A escola, não. Sair desse lugar é difícil. Não só do ponto de vista do professor, mas da sociedade, que clama por expectativas sem abrir mão de outras. Queremos metodologia inovadora desde que os resultados clássicos se- jam mantidos. Para o educador, o professor do Terceiro Milênio deve valorizar as coisas não apenas pelo que guardam em si, mas pela sua potência de conexão e com- partilhamento. E, ainda, imple- mentar suas ações educativas com produtos que expressem a força da invenção, da autentici- dade e da originalidade: — Não é de tecnologia que estamos falando, mas de uma nova forma de aprender. A instantaneidade é uma carac- terística do pensamento tecno- lógico. A rede é outra. Mas eu posso dar uma aula tradicional usando um notebook e um e-board. Uma aula ao redor de uma mesa redonda pode ser mais tecnológica do que uma com alunos enfileirados. O va- lor não está no objeto, seja o notebook ou o iPad, mas na potencialização da conexão hu- mana. O valor do objeto está na capacidade de criar interfaces. Escola Sesc de Ensino Médio esem@escolasesc.com.br “O valor não está no objeto, seja o notebook ou o iPad, mas na potencialização da conexão humana” 2929
  • 30. U m disseminador de pro- dutos e soluções inova- doras em educação. Essa é a definição do Media Educa- tion Lab (MEL) segundo seus fundadores, o jornalista Ale- xandre Sayad e a administrado- ra Bruna Waitman. A organiza- ção surgiu há quatro anos, com o propósito de transformar a educação por meio da tecnolo- gia. Desde então, já nasce- ram mais de 30 projetos em parcerias com gover- nos, empresas, escolas e universidades que pro- porcionaram desde me- lhorias no processo do ensino à distância até o desenvolvimento de apli- cativos educacionais. — Em 2011, uma pesquisa feita nos Estados Unidos cons- tatou que 65% dos alunos da educação básica teriam no fu- turo profissões que ainda não existem. Estamos falando de uma escola que está preparan- do adolescentes para criarem até suas próprias profissões. É preciso repensar o espaço da escola no sentido de estimular a criação, a autonomia e o pro- tagonismo dos alunos — disse Bruna. O projeto mais recente do MEL é a Plataforma Faz Sentido, lança- da no dia 12 de agosto, em par- ceria com as redes municipais de ensino de São Miguel dos Cam- pos, em Alagoas, e de Salvador, na Bahia. O objetivo é redese- nhar o segundo segmento do ensino fundamental com inova- ção e tecnologia. A plataforma, que é acessada pela internet, traz um compilado de 120 práti- cas pedagógicas que podem ser aplicadas em sala de aula. — O intuito é pensar em algo que faça mais sentido para os alunos. Esse é um segmento que tem grandes desafios em relação ao Ideb e no qual os estudantes estão enfrentando uma grande transformação, que é a chegada à adolescência — explicou Bruna. Outra ideia que nasceu no MEL foi a Oficina de Mídia, que vem mudando a rotina de uma ins- MEDIA EDUCATION LAB ELABORA PROJETOS QUE UNEM TECNOLOGIA A CONTEÚDO tituição particular de ensino em São Paulo, o Colégio Ban- deirantes. — Além de temáticas como li- teratura, gramática e redação, incluímos a alfabetização para as mídias no currículo da dis- ciplina Língua Portuguesa. Os alunos mergulham na mídia, conversam com produtores e, no fim do ano, são convidados a produzir um conteúdo para um meio de comunicação es- pecífico. O foco é na curadoria e na publicação — disse a ad- ministradora. A aplicação da tecnologia, por si só, não responde às necessi- dades dos jovens de hoje. Para a fundadora do MEL, é preciso bo- tar as novas práticas a serviço da customização da educação e do protagonismo dos estudantes. — Num país como o Brasil, a tecnologia se mostra essencial para que possamos contemplar os interesses de cada estudan- te e, ao mesmo tempo, aten- der esses quase 40 milhões de alunos. É preciso oferecer uma educação para todos, mas tam- bém para cada um — resumiu. Media Education Lab mediaeducationlab.com.br “Os alunos mergulham na mídia, conversam com produtores e, no fim do ano, são convidados a produzir um conteúdo para um meio de comunicação específico” Bruna Waitman 3030
  • 31. E xistem centenas de aplicati- vos para celulares e tablets que foram criados com fi- nalidade exclusivamente peda- gógica. A dificuldade é saber onde encontrá-los. Para facili- tar a vida dos educadores que querem trazer tecnologia para dentro da sala de aula, o pro- fessor Paulo Francisco Slomp e o estudante André Ferreira Ma- chado, ambos da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), desenvolveram o pro- jeto Software Educacional Livre para Dispositivos Móveis. O trabalho mapeou 305 apli- cativos, divididos por áreas de conhecimento, que podem ser usados como complemen- to para o processo de ensino- -aprendizagem. Desses, 78 ser- vem para a educação infantil; 154, para os anos iniciais do ensino fundamental; 173, para os anos finais do ensino fun- damental; 181, para o ensino médio; e 203, para o ensino su- perior. — Excluímos aplicativos como editores de vídeo e de texto, que também podem ser utili- zados por professores com fi- nalidade pedagógica em sala de aula, mas não trazem tecno- logia especificamente voltada para o conteúdo escolar — es- clareceu Slomp. A opção por softwares livres não se deu à toa. Na linguagem digital, “livre” é um software li- cenciado de forma pública, que permite a qualquer pessoa inte- ressada a alteração ou melhoria do conteúdo. — Às vezes, há uma certa in- compreensão em torno da ex- pressão “software livre”. Não é um sinônimo para gratuito, em- bora apenas dois dos 305 sof- twares selecionados sejam pagos, mas significa que o programa preserva a liber- dade do usuário — expli- cou o professor, acrescen- tando que a opção vai ao encontro do protagonismo estudantil: — Hoje, o alu- no é criador do seu próprio conteúdo. Por isso, o softwa- re livre é o mais adequado para ele, permitindo que se façam alterações de acordo com suas necessidades. O trabalho de análise dos aplica- tivos começou em abril de 2015. O projeto foi finalizado em feve- reiro de 2016, quando a compi- lação foi lançada para o público, em forma de uma tabela. A lista, que pode ser acessada pela in- ternet, foi criada com a mesma configuração do site Wikipedia, que permite contribuições dos internautas. A tabela está dispo- nível em português, inglês, fran- cês e italiano. — O site com a lista está hospe- dado no portal da UFRGS. Para acessar, basta digitar o nome do projeto (“Software educacional livre para dispositivos móveis”) em qualquer sistema de busca e encontrar o link — disse Slomp. O próximo desafio do projeto é traduzir os aplicativos para as línguas nas quais a tabela está disponível. — Desses 300 aplicativos selec- cionados, 250 não estavam dis- poníveis em língua portuguesa. A prioridade será a tradução de programas já amplamente re- conhecidos para computadores de mesa que têm versão para celulares e tablets — contou o professor da UFRGS. Software Educacional Livre https://goo.gl/Hov6ju “Hoje, o aluno é criador do seu próprio conteúdo. Por isso, o software livre é o mais adequado para ele” INICIATIVA MAPEIA CENTENAS DE APLICATIVOS EDUCACIONAIS Paulo Slomp 3131
  • 32. A o pensar sobre o futuro das escolas no país, não são raros aqueles que voltam o olhar para o ensino integral, que é, inclusive, uma das metas do Plano Nacional de Educação (PNE) e foi priorizado na reforma do ensino médio proposta pelo governo. Na vi- são de especialistas, no entanto, mais do que se preocupar com o turno da escola, é necessário promover um ensino integral num sentido amplo, capaz de unir diversos campos e, princi- palmente, a educação e a cultu- ra. O tema foi debatido durante a mesa “Educação e Cultura”. — Quando a gente fala de en- sino integral, estamos falando de muito mais que horários de estudo. Estamos falando de outros aspectos dos quais sen- timos falta na educação e que almejamos ver integrados de maneira completa — analisou Danilo Miranda, diretor regional do Sesc em São Paulo. Segundo Miranda, é preciso estabelecer a premissa de que educação e cultura devem estar entrelaçadas para promover um ensino de qualidade, o que não acontece em diversas escolas do país, onde as áreas são vistas isoladamente: — Muitas vezes há uma certa mentalidade que separa: edu- cação é uma coisa; cultura é outra. Na realidade, estamos fa- lando da mesma coisa quando imaginamos a educação inte- gral ampla e completa. Durante o debate, foram apre- sentados três estudos de caso: Pólen, dedicado à educação in- fantil; o Coletivo Escola Família Amazonas (Cefa), criado por pais preocupados com a quali- EDUCAÇÃO E CULTURA “Quando a gente fala de ensino integral, estamos falando de muito mais que horários de estudo” DANILO MIRANDA 3232
  • 33. dade do ensino oferecida a seus filhos; e o sistema de ensino in- tegral desenvolvido pela Secre- taria Municipal de Educação do Rio de Janeiro. Após conhecer cada caso, os pesquisadores evidenciaram a necessidade de transformar a educação brasileira para pro- mover um ensino global, que não leve em conta somente as- pectos conteudistas das discipli- nas, mas que esteja preparado para impulsionar a capacidade criativa e desenvolver habilida- des emocionais dos alunos. Fernando José de Almeida, edu- cador e filósofo, concorda que a mudança é necessária. Ele sublinhou, no entanto, que as pessoas precisam estar cientes de que a escola não pode se desviar de sua função. Para ele, o aprendizado deve ser prazero- so, mas é natural que não seja assim o tempo todo. — A gente imagina que o es- pontâneo, o livre e o criativo é o lugar da escola, que deve dar prazer. Mas não vai dar prazer o tempo todo. Tem uma hora em que tem que sentar e es- tudar. Tem hora que tem que investir profundamente no que se está aprendendo. Há a ideia de imaginar que de um lado está a criatividade espontânea e, de outro, a organização ci- vilizatória. Mas há outro lado, está tudo do mesmo lado. Ou aprendo com prazer, debate e empenho ou não terei prazer em aprender — argumentou o educador. Almeida defendeu ainda que a sociedade tenha mais paciência com a escola pública e lembrou que faz pouco tempo que o país conseguiu incluir a maior parte das crianças nas escolas e que isso deve ser celebrado. Segundo ele, o sistema ainda é falho, mas é necessário olhar para os bons frutos do sistema de ensino. — Demoramos 500 anos para colocar todas as crianças na escola pública. Agora que co- locamos, vamos dizer que ela é ruim? Além de covardia, é uma falsidade ideológica. A espe- rança é que temos uma jovem escola republicana. A paciência que temos (com tudo), não te- mos com a escola pública, que deu um duro danado para colo- car todas as crianças lá dentro — defendeu Almeida, acres- centando: — Bem ou mal, hoje temos um nível de formação de professores completamente di- ferente de 15 anos atrás. Tam- bém alimentamos as crianças. Parte da responsabilidade pelo fim da fome endêmica no Bra- sil se deve à escola, que, mais do que a Igreja e o Exército, é o grande espaço de penetração na civilização brasileira. “Ou aprendo com prazer, debate e empenho ou não terei prazer em aprender” JOSÉ DE ALMEIDA 3333
  • 34. NO PROJETO PÓLEN, CRIANÇAS APRENDEM BRINCANDO“Acreditamos que não podemos padronizar as crianças. Por exemplo, crianças da mesma idade não precisam ficar na mesma sala, aprendendo as mesmas coisas.” A quebra do modelo con- servador e a promoção da liberdade criativa das crianças são algumas das mar- cas do projeto Pólen, do Rio de Janeiro. A proposta é que as crianças consigam otimizar seu aprendizado na educação infan- til por meio de um mecanismo bastante simples: o livre brincar. O aluno passa a descobrir o co- nhecimento a partir de seus im- pulsos criativos, e os professo- res respondem às curiosidades e estímulos que chegam a eles por parte das crianças. — Estamos falando de novas atitudes. Há uma educação que determina que as crianças têm que chegar a algum lugar, cumprir algum objetivo, alcan- çar uma meta. Essa meta é nor- malmente extrínseca, ou seja, as crianças não participaram da sua construção. Os educadores, por sua vez, estão sempre pres- sionados a cumprir o que o cro- nograma diz. Precisamos atuali- zar nossa cultura. Acreditamos que não podemos padronizar as crianças. Por exemplo, crianças da mesma idade não precisam ficar na mesma sala, aprenden- do as mesmas coisas. Queremos mudar esta estruturação que temos na sociedade de adulti- zar a infância — afirmou Ma- riana Carvalho, coordenadora do Pólen. Nas palavras dos organizadores, 3434
  • 35. trata-se de “uma educação para crianças e adultos se conecta- rem”. O projeto Pólen é uma iniciativa-piloto para uma esco- la de educação infantil que será inaugurada no ano que vem, no bairro do Cosme Velho, com o nome de “Espaço Cria”. Atual- mente, o Pólen atende 30 alu- nos, que têm autonomia para utilizar os espaços da escola sob a supervisão de educadores. — As crianças aprendem com educadores sensíveis e que es- tão dispostos a entrar em rela- ção. Temos como foco o encon- tro, a relação que se estabelece entre a criança e o educador. É a partir desse encontro que emer- gem os contextos nos quais a gente amplia território e cultu- ra. Os alunos vão aprendendo a partir dessas experiências — argumentou Mariana Carvalho. As atividades acontecem livre- mente. Se a criança manifesta seu interesse sobre uma planta, os educadores orientam o de- senvolvimento de atividades a partir do que ela percebeu. Na área externa do imóvel onde funciona o Pólen, os alunos po- dem, por exemplo, utilizar um espaço destinado às artes plás- ticas da maneira que quiserem e pelo tempo que desejarem. As tarefas lúdicas, de acordo com Mariana Carvalho, potenciali- zam o desenvolvimento senso- rial e cognitivo dos pequenos: — Educação é processo, não é resultado. A criança tem que ter tempo para aprender não só cognitivamente, mas para utili- zar todas as suas inteligências emocionais, criativas, sensoriais e poder de fato ter um aprendi- zado integral. Espaço Cria/ Pólen www.espacocria.com.br 3535
  • 36. ESCOLAS DO RIO DE JANEIRO COMEÇAM A COLHER OS FRUTOS DO TEMPO INTEGRAL A união entre a eficácia no aprendizado e o pra- zer em estudar é o que busca a Secretaria municipal de Educação do Rio de janeiro. Para viabilizar o projeto, o mu- nicípio concebeu um novo mo- delo de escola. Foram criados 38 ginásios cariocas, nos quais os alunos, que antes ficavam na escola quatro horas e meia, passaram a ter uma rotina de sete a oito horas. Nessas esco- las, além das disciplinas regu- lares, os alunos têm matérias eletivas e incentivo a outras ha- bilidades, como artes. De acordo com a secretária de Educação, Helena Bomeny, as turmas reorganizadas em turno único têm correspondido às ex- pectativas. No Índice de Desen- volvimento da Educação Básica (Ideb) de 2015, dos dez melho- res resultados da rede, sete são de ginásios experimentais. — Vimos que a gente tinha que mudar a organização das esco- las e propor turno único de sete horas. Estamos nesse processo e, para organizar a rede inteira dessa forma, precisamos cons- truir mais escolas — contou Helena. Algumas unidades são foca- das em outras atividades além do ensino regular, como músi- ca, artes plásticas e esportes, o que, segundo a secretária, con- tribui para reduzir os índices de evasão. Em 34 ginásios, o turno é de sete horas, enquanto em outros quatro (voltados para o esporte) a carga horária é de oito horas por dia. No novo modelo, os alunos têm algumas disciplinas eletivas, como Pro- jeto de Vida, em que os jovens desenvolvem competências emocionais, discutem valores, aprendem a se relacionar com o outro e traçam caminhos que os ajudem a se aproximar de seus sonhos e escolhas. Segundo Helena, o formato encontrado será gradativamente incorpo- rado às demais unidades esco- lares do município, atendendo cerca de 640 mil alunos. — A gente não pode fazer uma coisa para um grupo pequeno de escolas que depois não pos- sa ser expandida para toda a rede — defendeu. Ao observar a transição do pri- meiro segmento do ensino fun- damental para o segundo seg- mento, a secretaria identificou que 25% dos alunos do sexto ano eram reprovados. Entre as causas está a mudança abrup- ta de estrutura, já que do 1° ao 5° ano o aluno tem somente uma professora e, quando pas- sa para o 6°, tem cerca de oito professores. Assim, a prefeitura constituiu o 6° ano experimen- tal. Nesse modelo, o professor generalista é mantido nos mol- des da estrutura do primário e, além dele, as crianças têm aulas com professores específicos de Educação Física, Arte e Inglês. Atualmente, há 273 escolas totalizando 632 turmas que se- guem o modelo. Nas provas bimestrais e na Pro- va Rio — avaliação feita nos moldes da Prova Brasil —, o desempenho do 6° ano expe- rimental foi melhor que o dos estudantes que estão em clas- ses regulares. Em 2015, a mé- dia dos alunos do novo modelo na Prova Rio de Matemática foi 7,06, enquanto a média da rede ficou em 6,27. Já na Prova Rio de Português, os alunos do 6° experimental obtiveram pontu- ação 7,01, enquanto os demais registraram 6,27. De acordo com a Secretaria de Educação, há 688 escolas com classes em turno único no mu- nicípio. Dessas, 214 no ensino fundamental e 474 na educa- ção infantil. Secretaria municipal de Educação do Rio de Janeiro http://www.rio.rj.gov.br/web/ sme Helena Bomeny “Normalmente o aluno encontra uma escola e tem que se adaptar a ela. Então, fizemos um modelo voltado para esse aluno adolescente” 3636
  • 37. EM MANAUS, GRUPO DE PAIS GERA POLÍTICA PÚBLICA E scolher a escola para ma- tricular o filho nem sempre é fácil. Depois de procurar aqui e ali, um grupo de pais de Manaus, insatisfeitos com o modelo que encontraram em grande parte das escolas da ci- dade, decidiu elaborar um for- mato próprio com o que consi- derava ideal para a educação de seus filhos. Perceberam, então, que uma boa escola não deve- ria ser um privilégio de poucos e resolveram se engajar na pro- moção de uma educação públi- ca inovadora e de qualidade. O resultado foi o Coletivo Escola Família Amazonas (Cefa), que desenvolve projetos educacio- nais em escolas públicas de Ma- naus. — Começamos em abril do ano passado com um grupo de pais e mães inquietos em busca de alternativa escolar para seus fi- lhos. Na rede particular, a gente via um padrão de escolas con- teudistas, mercantilizadas; na rede pública, um padrão caóti- co das escolas municipais e es- taduais — contou Ana Bocchini, uma das fundadoras do projeto. Para encontrar seu modelo, o Cefa buscou inspiração em es- colas com um ensino que inte- grasse melhor os alunos e os pais no processo educacional. Na conceito do projeto, des- tacam-se algumas premissas, como o envolvimento da famí- lia e a participação dos alunos nas decisões da escola, inclusi- ve com a promoção de assem- bleias estudantis, entre outras iniciativas. — A gente se encantou com as escolas democráticas e a con- cepção de educação integral. Então, começamos a convidar as pessoas a romper com a escola tradicional — lembrou Ana. Cefa possui articulação direta com três escolas da rede e auxi- lia na formação de professores da prefeitura de Manaus. Após diversas reuniões com a Secre- taria de Educação, a prefeitura decidiu fazer um projeto-pilo- to para seguir as premissas do Cefa. Assim foi criada a Escola Municipal Maria das Graças An- drade Vasconcelos, conhecida como “Gracinha”. Para imple- mentar o novo formato, com ensino integral, a escola come- çou em julho deste ano ofere- cendo somente o 1° e o 2° ano do ensino fundamental, aten- dendo 50 crianças transferidas de outras escolas. — É um desafio porque temos que fazer uma caminhada de desconstrução com os alunos, com os pais, com os professo- res, com gestores e servidores para que possamos enxergar uma nova maneira de educar — afirmou Ana Regina Garcia, diretora da escola. Para a gestora, é preciso aten- ção especial à adaptação dos alunos ao novo ambiente esco- lar, que concede mais liberdade. No Gracinha, não há carteiras enfileiradas, os alunos compar- tilham mesas. Além disso, todas as crianças estão em um amplo salão, sob supervisão de três professores. “A gente se encantou com as escolas democráticas e a concepção de educação integral” — Estamos num ambiente bo- nito e amplo, e isso não faz parte do cotidiano das crian- ças. Geralmente, elas tinham aula em prédios escuros, sem quadra, sem área externa, com carteiras uma atrás da outra. Então, quando eles chegam àquele espaço aberto, é quase como uma colônia de férias. Aí começamos a trabalhar a liber- dade com responsabilidade — explicou Ana Regina. Cefa coletivo.escola.familia. am@gmail.com Ana Bocchini 3737
  • 38. O s alunos se sentem aco- lhidos na escola? Há es- paço para resolver con- flitos por meio do diálogo? Os professores se sentem apoiados e seguros? Se a resposta para alguma dessas perguntas for “não”, talvez seja a hora de melhorar o ambiente. Esse foi o tema da mesa “Cli- ma escolar”, que contou com a participação da pedagoga e professora da Unicamp Telma Vinha e de Ricardo Paes de Bar- ros, economista-chefe do Insti- tuto Ayrton Senna e professor do Insper. Durante a conversa, mediada pelo jornalista Octavio Guedes, foram apresentados três estudos de caso que mos- traram estratégias criativas e bem-sucedidas para melhorar o humor de professores e alunos em sala de aula. — Quando se pensa em reforma ou melhoria do clima escolar, é preciso focar em alguns itens: criar comunidades cooperati- vas dentro da escola, promover apoio a alunos e professores, garantir espaço para resoluções dialógicas de conflitos e incen- tivar a participação estudantil. Além disso, é preciso fazer com que os indivíduos se sintam respeitosamente desafiados. A escola tem que levar o aluno à superação de si mesmo — disse Telma Vinha. Foram esses os fatores que transformaram a rotina do Cen- tro Integrado de Educação de Jovens e Adultos (Cieja) Cam- po Limpo, na Zona Sul de São Paulo. Há 18 anos, ao saber que ficaria à frente de uma escola no Capão Redondo, bairro com maior índice de criminalidade da capital paulista, a diretora Êda Luiz abriu os portões para “É preciso fazer com que os indivíduos se sintam respeitosamente desafiados” TELMA VINHA CLIMA ESCOLAR 3838
  • 39. a comunidade e nunca mais fechou. A iniciativa chamou a atenção de Ricardo Paes. — Se existe um lugar onde a equidade da sociedade tem que nascer, é na educação. Se a edu- cação começar com desigualda- des, a sociedade vai ser toda desigual — disse o economista, que acrescentou: — Não exis- te educação sem quatro itens fundamentais, que devem estar presentes na formulação das políticas públicas: acolhimento, expectativa, protagonismo e ri- queza em oportunidades. O segundo estudo de caso fo- cou na inclusão. Idealizadora do Movimento Down, Maria Antonia Goulart mostrou que, com boa vontade e determina- ção, qualquer escola é capaz de atender alunos com necessida- des especiais. — Quando se fala em inclusão, o grande desafio é a mudança de cultura. Mais do que desen- volver conteúdo curricular, é preciso aprender a se relacio- nar com o outro, a lidar com a diversidade. Para essas crian- ças, tanto a aprendizagem da igualdade como a da diferença se darão na escola — afirmou Telma Vinha. A alfabetização emocional foi o tema do terceiro estudo de caso. Depois de desenvolver uma oficina no sul da Itália, a artista plástica Lívia Moura trouxe para a escola america- na Our Lady of Mercy School (OLM), no Rio, um projeto vol- tado para as relações interpes- soais e para o trato dos senti- mentos. — O cuidado de olhar para os sentimentos é fundamental. Ninguém comete suicídio ou se divorcia porque não sabe raiz quadrada ou não gravou os nomes dos rios da Bacia do Amazonas, mas, sim, porque não soube expressar seus sen- timentos ou lidar com os dos outros. Olhar para os senti- mentos e desenvolver questões intrapessoais é o primeiro passo para regular os atos dos estu- dantes — analisou Telma Vinha. Ao fim da apresentação dos estudos de caso, Ricardo Paes de Barros se mostrou impressio- nado com as boas iniciativas e provocou: — Como um país que tem pro- blemas educacionais tão gra- ves apresenta soluções educa- cionais tão brilhantes? Vimos aqui três soluções fantásticas. E não são exceções. Temos isso espalhado pelo Brasil afora. Por que, na educação, ideias brilhantes não são copiadas? Evidentemente teriam que ser adaptadas, mas o problema educacional brasileiro não é falta de criatividade, é falta de difusão de boas ideias. “O problema educacional brasileiro não é falta de criatividade, é falta de difusão de boas ideias” RICARDO PAES DE BARROS 3939
  • 40. NO CAPÃO REDONDO (SP), PORTAS ABERTAS TRANSFORMA O CLIMA NA ESCOLA H á 18 anos, ao saber que ficaria à frente de uma escola localizada no Ca- pão Redondo, bairro com maior índice de criminalidade da capi- tal paulista, a diretora Êda Luiz tomou uma atitude de cora- gem: escancarou os portões da unidade de ensino. Ainda hoje, quem passa na porta do Centro Integrado de Educação de Jo- vens e Adultos (Cieja) Campo Limpo, na Zona Sul de São Pau- lo, sente-se convidado a entrar. Não por acaso. O envolvimento da comunidade é um dos pila- res da construção de um bom clima escolar. — Começamos fazendo assem- bleias para trabalhar o conceito de público e privado. Percebe- mos a necessidade de o prédio ter uma boa aparência física. Como o principal objetivo era o acolhimento, perguntamos o que eles gostariam de ter para frequentar e acreditar numa es- cola. Eles pediram carteiras para se sentar. Então, pensamos que eles também precisariam de um espaço harmonioso, alegre, e até de um bonito jardim — con- tou Êda. O Cieja conta atualmente com 1.300 alunos de 15 a 89 anos, sendo 285 portadores de ne- cessidades especiais. As aulas acontecem de segunda a quin- ta-feira. Na sexta-feira, os alu- nos levam trabalhos para fazer em casa, enquanto os professo- res se reúnem para a formação continuada. Os portões ficam abertos das 7h às 21h30m. — Fico me perguntando por que uma escola pública é tão fechada se é pública. A gente trabalha com tanta sensibilida- de que todo mundo entende seu papel e respeita o espaço. A sala de informática, por exem- plo, é usada por toda a comuni- dade, em horários combinados — refletiu Êda. Para aproximar os alunos do conteúdo, no início do ano, os educadores perguntam que te- 4040
  • 41. “A gente trabalha com tanta sensibilidade que todo mundo entende seu papel e respeita o espaço” mas eles gostariam de estudar. Os assuntos são selecionados e agrupados e, normalmente, gi- ram em torno de quatro temas principais: trabalho, comida, fa- mília, esporte/viagem. Os pro- fessores trabalham por um mês cada área de conhecimento. Nessa escola, não há séries. Os alunos aprendem em módulos. — Percebemos que esses temas eram as preocupações do nosso público, que, de maneira geral, é formado por excluídos ou por quem, de alguma maneira, pas- sou por uma escola, mas não conseguiu concluir o estudo. O acolhimento se dá pelo res- peito. Fazemos um diagnóstico para ver o que o aluno sabe, como entende a escola e como pretende se inserir nessa comu- nidade — explicou Êda. Em vez de disciplinas, a escola trabalha com quatro grandes áreas de conhecimento: lingua- gens e códigos (Português e Inglês), ciências humanas (Ge- ografia e História), ciências do pensamento (Ciências e Filoso- fia) e ensaios lógicos e artísticos (Matemática e Artes). Os alunos estudam cada uma delas durante quatro semanas e desenvolvem o que chamam de sequência a partir de problemas que eles mesmos levam para as aulas. Os professores fazem a mediação do processo. Para isso, são usados livros, jornais, revistas e o que mais os estu- dantes considerarem relevante para a solução. Cieja Campo Limpo ciejacompolimpo@prefeitura. sp.gov.br 4141
  • 42. A invisibilidade da defi- ciência impressiona. A constatação é da advo- gada Maria Antonia Goulart, uma das idealizadoras do Mo- vimento Down, iniciativa que reúne informações, conteúdos e experiências que contribuem para a inclusão de pessoas com síndrome de Down e deficiência intelectual na escola e em outros espaços da sociedade. Foi quando sua segunda filha nasceu com síndrome de Down que a gaúcha parou para pensar sobre a deficiência e percebeu que o tema não estava presente, até então, em suas práticas ou em suas preocupações. O mes- mo acontece com as instituições de ensino. A maioria das escolas não está preparada para lidar com a educação in- clusiva. — Quando a escola é particular, diz na lata que não tem vaga. Quando é uma escola pública, fala que vai re- ceber o aluno, mas que provavelmente ele não vai aprender, pois a unidade não está preparada. É preciso romper esse paradigma. A gen- te nunca está preparado para algo que não é do nosso dia a dia. Para lidar com um alu- no que não se encaixa naquilo que se esperava, é preciso reor- ganizar tudo, desde o material pedagógico até a nossa própria postura como educador — dis- se Maria Antonia. O movimento tem uma parceria com o Colégio Pedro II, para o qual presta uma espécie de as- sessoria. O desafio de receber o aluno com deficiência foi abra- çado há quase duas décadas pelo Colégio Pedro II, no Rio de Janeiro, desde que foi instituída a admissão de alunos por sor- teio. A mudança no perfil de estudantes que ingressavam na instituição federal provocou algumas mudanças. No ano 2000, foi criado um laboratório de aprendizagem. Depois, em 2004, criou-se uma secretaria de educação especial, pois até então a escola não tinha uma seção que respondesse por es- ses alunos. Em 2009, foram implantadas salas de recurso multifuncional e, mais recente- mente, foram criados núcleos de atendimento a pessoas com necessidades específicas. — Criamos um sistema de en- sino colaborativo para acom- panhar o aluno em sala. Além MOVIMENTO DOWN DESENVOLVE PROJETOS VOLTADOS PARA A INCLUSÃO disso, damos apoio no contra- turno e promovemos uma in- teração constante com os pro- fessores nas ações didáticas e na elaboração de materiais didáti- cos de estudo — disse Márcia Marin, professora de primeiro segmento do Colégio Pedro II. A ideia do ensino colaborativo pressupõe que o professor sirva como mediador da aprendiza- gem. Em alguns momentos, é preciso individualizar o ensino, ajustar estratégias para que o objetivo comum seja alcançado. — Às vezes, um aluno pergun- ta: “Então ele é protegido?”. Sim, claro. Para garantir a equi- dade, é preciso tratar de forma diferente. Se um estudante é cego, não posso dar um texto em tinta. Para garantir justiça, é preciso garantir equidade — afirmou Márcia. Para a professora, a inclusão se dá a partir do acesso, da per- manência e da aprendizagem: — Não é simples. Sofremos muitos embates e enfrentamos situações cotidianas difíceis. É preciso pensar sempre os re- cursos e estratégias pedagógi- cas com um desenho universal, de forma a precisar de menos adaptações diante das mais va- riadas necessidades — disse. Movimento Down movimentodown.org.br “Para lidar com um aluno que não se encaixa naquilo que se esperava, é preciso reorganizar tudo” Maria Antonia Goulart 4242
  • 43. ALFABETIZAÇÃO EMOCIONAL ESTIMULA O CUIDADO COM OS SENTIMENTOS A falta de um trabalho vol- tado diretamente para as relações interpessoais e para o trato dos sentimentos na sua própria formação quando criança motivou a artista plástica Lívia Moura a desenvolver um projeto de alfabetização emo- cional voltado para os peque- nos. Depois de desenvolver uma oficina no sul da Itália, Lívia trou- xe para a escola americana Our Lady of Mercy School (OLM), no Rio, um projeto voltado para as relações interpessoais e para o trato dos sentimentos. Durante uma hora, uma vez por semana, as cadeiras da sala de aula são afastadas, e as crianças se sentam no chão para dar iní- cio à atividade. — A ideia é trabalhar a liberação das emoções e, depois de colo- cá-las para fora, transformá-las. É muito importante entrar em contato com esses sentimentos. A gente dá instrumentos para que as crianças resolvam os conflitos internos delas — disse a artista plástica. Cada aula tem uma dinâmica diferente, mas costuma envol- ver contação de histórias, ativi- dades com música e meditação. Depois, vem o ponto alto do encontro, que envolve dança ou teatro para liberar as emoções das crianças. Para encerrar, Lívia conver- sa com os alunos sobre o que eles sentiram na aula e oferece uma atividade relacionada às emoções do encontro para eles pensarem durante a se- mana. O projeto foi realizado com estudantes do 3° ano do ensino fundamental. A psicóloga da OLM, Dul- ce Silveira, vinha ensinando para as crianças relaxamento e meditação, que, segundo ela, casam perfeitamente com a iniciativa de Lívia. — Nós somos mais do que uma escola tradicional, quere- mos dar estímulos para a crian- ça levar para a vida toda — ex- plicou Dulce. Diana Leite, professora da OLM, também participou da apresen- tação e acredita que a alfabe- tização emocional seja tão im- portante quanto o aprendizado de Português e de Matemática. — O projeto agregou não apenas do ponto de vista da educação formal, mas principalmente na questão emocional. A gente per- cebe como as crianças estavam precisando disso. Dentro daquele ambiente fechado, chega uma hora em que precisam levantar da cadeira e botar para fora os sentimentos. Tivemos vários ti- pos de catarse. Era um recreio das emoções — disse Diana. Alfabetização emocional liviabmoura@gmail.com “A gente dá instrumentos para que as crianças resolvam os conflitos internos delas” Dulce Silveira 4343
  • 44. P rojetos que olham para o futuro da educação. Foi assim que a ex-secretária nacional de Educação Básica do Ministério da Educação Maria do Pilar Lacerda e o sociólogo e membro do Conselho Nacio- nal de Educação César Callegari observaram os estudos de caso Territoriar, Alanna e Menino 23 apresentados na mesa “Educa- ção e Comunidade”. Pilar lembrou que a escola é feita de muros, físicos e sim- bólicos, que afastam as famí- lia das unidades escolares. Na avaliação de César Callegari, o projeto Territoriar, que chama a comunidade para debater quais espaços serão reformados, tam- bém se destaca por fazer essa aproximação entre famílias, professores, alunos e diretores. A inicativa promove o espaço fí- sico de escolas como motor de uma transformação no aprendi- zagem dos alunos. — Não é a escola se colocando num altar. É ela tendo um proje- to de interação. Isso é indispen- sável. Qualquer escola boa tem, como prática, o envolvimento efetivamente participativo — defendeu. Para os especialistas, a dispo- sição das carteiras em círculo torna o ambiente mais demo- crático. — Um atrás do outro é sempre opressor. Esse projeto tem tudo a ver com a educação integral como concepção. Não está pensando só na parte estética, o que por si só já é importante, está preocupado com o acolhi- mento e como isso impacta no projeto político-pedagógico do colégio — disse Maria do Pilar. O Instituto Alana apresentou o prêmio Criativos da Escola para o Brasil. Nele, projetos que valo- rizem a empatia, o protagonis- mo, a criatividade e o trabalho em equipe recebem R$ 3 mil e são destacados para que virem exemplos para outras ideias inovadoras. Para Callegari, o trabalho de autoria, desenvol- vido pela iniciativa, é um tema central no processo educativo. “O que se precisa fazer são processos integradores, que tenham significados aos alunos, que sejam autorais” CÉSAR CALLEGARI EDUCAÇÃO E COMUNIDADE 4444
  • 45. — Isso quebra a ideia clássica de que o aluno não é o autor e que só deveria receber infor- mações. A natureza criativa é fundamental para integrar co- nhecimentos. Às vezes, você vê propostas de reforma do ensino médio que pretendem comba- ter o número excessivo de dis- ciplinas diminuindo o currículo. E isso não é a solução. O que se precisa fazer são processos integradores, que tenham sig- nificados aos alunos, que sejam autorais — afirmou Callegari. Já a professora Maria do Pilar ressaltou que as característi- cas buscadas nos projetos pelo Criativos da Escola — como protagonismo escolar, empa- tia, criatividade, entre outros — estão muito antenadas com o “aprender no século XXI”. De acordo com ela, intervenções como essas fazem as crianças ensinarem os professores. — O projeto tem essa delicade- za de colocar os meninos como autores. Dá protagonismo, é criativo e, ao mesmo tempo, garante a aprendizagem. Esse é o nosso desafio. Os jovens são capazes de aprender muito mais dessa maneira comparti- lhada — afirmou a gestora. Pilar e Callegari ainda comenta- ram a participação do historia- dor Sidney Aguilar Filho, autor da tese de doutorado em Histó- ria da Educação que se transfor- mou no documentário “Meni- no 23”. O filme conta a história de 50 crianças negras levadas de um orfanato no Rio de Ja- neiro para a pequena Campina de Monte Alegre, interior de São Paulo, na década de 1930. Na avaliação de Maria do Pilar, a obra deve ser usada de forma pedagógica. — A gente tem essa coisa de dizer que o Brasil não tem ra- cismo. Lorota… O número de mortes de negros no país é impactante. Enquanto a gente esteve falando aqui, morreram quatro ou cinco. Ao negar o direito à educação à juventude negra e pobre, a gente conti- nua negando a infância dessas crianças, como aconteceu com as crianças do filme — afirmou Pilar. Já Callegari observou que a his- tória é um documento histórico de algo que, segundo ele, está sempre ameaçado: o direito à aprendizagem. De acordo com o especialista, esse problema se reflete, no Brasil contempo- râneo, em projetos como o de escola sem partido: — Eles pretendem amordaçar escolas cerceando a discussão de temas como gênero, sexua- lidade, política e desigualdades. Isso é ceifar os alunos da ne- cessária conscientização e for- mação completa. O estudante não pode ficar alheio aos temas sensíveis. Isso nos chama aten- ção de que temos que estar vi- gilantes e mobilizados. Não po- demos permitir uma educação pobre para os pobres. 4545
  • 46. DOCUMENTÁRIO DESPERTA NOVAS FORMAS DE ENSINAR E DE APRENDER C inquenta crianças negras foram levadas de um or- fanato do Rio de Janeiro para a pequena Campina de Monte Alegre, interior de São Paulo, na década de 1930. Lá, foram submetidas a trabalhos forçados. A história teria fica- do escondida caso o historiador Sidney Aguilar Filho não tivesse ouvido uma aluna. Durante uma aula, em 1998, uma jovem con- tou que havia tijolos com suás- ticas, o símbolo nazista, em sua fazenda. O pesquisador, então, foi atrás e descobriu o enredo, que virou uma tese de doutora- do em História da Educação e serviu de base para a produção do documentário “Menino 23”, de Belisario Franca. — Uma das coisas mais encan- tadoras que ouvi aqui foi a de- fesa da necessidade de ouvir os nossos alunos. Ainda é muito comum nós, professores, não levarmos a sério quando um aluno fala. Isso é um erro — dis- se Aguilar. Em sua pesquisa, o historiador conseguiu encontrar duas víti- mas ainda vivas: Aloísio Silva e Argemino Santos. Os então ga- rotos viveram quase dez anos na fazenda. Lá, eram tratados apenas como números. Aloísio Silva foi o menino 23, que dá nome ao documentário. O cár- cere terminou quando o presi- dente Getúlio Vargas se aliou aos Estados Unidos, na Segun- da Guerra Mundial, e passou a ser crime fazer menção ao nazismo. “Eles (os fazendeiros) abriram a porteira e mandaram a gente embora. Simplesmen- te, que nem gado”, lembra, na obra, o menino 23, que morreu em 2015. — Fiz o trabalho com a preo- cupação de formar professores. A ideia era pensar como uma história trágica de homens ricos que pegam 50 meninos pretos e pardos de 10 anos sob alega- ções educacionais e os levam para outro estado, que renas- ceu em sala, poderia colabo- rar para pensar a educação de hoje, a educação do futuro. Já ouvia meus alunos, mas ima- ginava, de maneira arrogante, que eu soubesse como educar. Sidney Aguilar Filho 4646
  • 47. “O filme virou uma ferramenta para processo de criação de cidadania” Esse estudo me impôs a neces- sidade de repensar meu cotidia- no, de tomar mais cuidado com o que eu fazia e me indagar se eu não estava fazendo alguma coisa que hoje é natural, mas que, depois, ao olhar para trás, condenarei — contou Sidney. A ideia de repensar as práticas cotidianas levou a equipe do fil- me a fazer uma campanha de impacto para o debate. A res- ponsável foi a produtora Ros- sana Giesteira. O objetivo era levar o filme para discussão em diferentes espaços, uma sala de aula expandida para outros locais. Na avaliação com Agui- lar, a equipe começou a refletir com a sociedade os temas de que o filme trata. — A campanha serve para dis- cutir as camadas que o filme traz e para fazer com que consi- ga ser, de fato, ferramenta para ajudar projetos político-peda- gógicos. Nós entendemos que ele tem uma vocação pedagó- gica e, por isso, começamos os debates um ano antes do lança- mento do filme com pequenos grupos, gerando conteúdo nas plataformas digitais — explica Rossana: — O filme virou uma ferramenta para processo de criação de cidadania. A gente aprendeu que, em cada con- texto, o documentário é único. Pode ver cem vezes que o con- texto será único, porque a visão daquelas pessoas vai ser sem- pre diferente. Produtora Giros rossana@giros.com.br Rossana Giesteira 4747
  • 48. R econhecer projetos que valorizem a empatia, o protagonismo, a criativi- dade e o trabalho em equipe. É isso que faz o prêmio Criativos da Escola, promovido no Brasil pelo Instituto Alana. — A grande narrativa da educa- ção fala sobre os piores, o que não está dando certo, o que é problema. Quando a gente olha para os piores, parece que o caminho é longo demais. A questão que a gente sempre pensou é como mudar essa nar- rativa. O Criativos é um movi- mento global, de protagonistas em intervenções da realidade. Esse prêmio é para as pessoas que buscaram encontrar o que incomoda naquela comunidade – explicou a diretora de comu- nicação do instituto, Carolina Pasquali. O Criativos da Escola foi criado em 2009 pela de- signer indiana Kiran Bir Sethi, com o movimento Design for Change, que já se espalhou por 35 países e impactou 25 milhões de crianças. Pasqua- li conta que os dois pilares do projeto são a defesa dos direi- tos da criança e o desenvolvi- mento integral dos estudantes. — A gente sabia que aqui no Brasil existiam muitas histórias para contar e lançamos a cha- mada com o objetivo de divul- gá-las, conectá-las e inspirar as pessoas. Existem escolas in- críveis, com professores muito engajados, projetos relevantes e transformadores. Só no pri- meiro ano, em 2015, chegaram 419 projetos de 201 municípios do país — contou. Um dos cinco projetos premia- dos foi o “História construí- da por blocos”, do Centro de Educação Nery Lacerda. Lá, os alunos tinham problemas na aula de História, que era muito distante da realidade deles. Foi quando um estudante sugeriu um jogo para aproximá-los do que estava sendo aprendido. O professor e a coordenadora não conheciam o Minecraft, mas es- tavam dispostos a ouvir. Os três dias de aula passaram a ser dois para teoria e um para o jogo. — Eu falei para eles que, para a gente poder passar uma aula jogando, era preciso ter a me- lhor aula teórica possível. E eles cumpriram — lembrou o pro- fessor Jefferson Alexandre Pra- do e Souza. INSTITUTO ALANA DÁ PRÊMIOS A INICIATIVAS CRIATIVAS NAS ESCOLAS O Minecraft é um jogo em que o usuário constrói cenários e objetos a partir de blocos que se encaixam. Os estudantes, então, passaram a fazer as suas construções a partir daquilo que eles aprendiam na aula de História. Então, reproduziram épocas como a Roma Antiga e os engenhos de açúcar do Brasil do século XVI. — Eles tinham que prestar atenção na aula para poder construir os cenários daquela época no jogo — explicou o professor. — Quando fui con- tratado nessa escola, uma das minhas missões era diminuir o número de alunos em recu- peração em História. Tentei de tudo: criei cineclube, fiz proje- tos, um monte de coisas. Até que um dia o aluno deu a ideia do jogo. Quando deixei eles falarem e passei a ouvi-los, diminuiu o número de alunos em recuperação. Eles sabiam como resolver esse problema — reconheceu o professor. Instituto Alana alana.org.br “A gente sabia que aqui no Brasil existiam muitas histórias para contar e lançamos a chamada com o objetivo de divulgá-las, conectá-las e inspirar as pessoas” 4848
  • 49. TERRITORIAR DÁ NOVOS SIGNIFICADOS AOS AMBIENTES ESCOLARES A transformação do espaço físico como motor para as mudanças pedagógi- cas. Essa é a ideia do projeto Territoriar, que já passou por 15 escolas em quatro estados (Pa- raná, Santa Catarina, São Paulo e Minas Gerais). Nelas, são os estudantes que decidem, a par- tir de um amplo debate dentro da escola, quais os ambientes dos colégios serão reformados — assim, são ressignificados, como diz a coordenadora do projeto, Scheila Pomilho. — O diálogo começa sobre os ambientes educativos como for- ma de inspirar a aprendizagem das crianças. A gente fala sobre o quanto a qualidade dos espaços pode contribuir com a qualidade da educação. Decidimos que não faríamos nenhuma intervenção que não pudesse ser pensada com a comunidade e as crianças — contou Scheila.— É importan- te olhar a qualidade dos espaços educativos das escolas, sobretu- do a escola pública. Percebemos que a maior demanda é por colo- car cor nas escolas. A avaliação do grupo é que o projeto não pode fazer uma in- tervenção na escola, mas, sim, dar uma ressignificação. Segun- do Scheila, o trabalho é olhar a potencialidade das escolas, pen- sar junto e ver o que as crianças gostariam de mudar na escola. — Primeiro, a gente constitui comitês, com os estudantes e a comunidade, que vão discutir o que gostariam de reformar. O comitê elege três espaços para serem ressignificados, dizem o porquê e, ao final, definem o es- paço. Depois, os comitês de di- ferentes escolas em uma mesma cidade se reúnem para pensar juntos uma proposta curricular para a cidade — explicou. Marco Antônio Mattos de Abreu, diretor da Escola Mu- nicipal de Ensino Fundamental Dama Entre Rios Verdes, de São Paulo, contou a sua experiência com o Territoriar. O colégio foi um dos que tiveram um espaço ressignificado a partir das discus- sões fomentadas pelo projeto. — O Territoriar abre os nossos olhos para além do espaço da sala de aula. Depois do proje- to, chamamos a criança para debater. A primeira coisa que acontece é a violência cair. Agora, ouvir é a prática que a gente adotou no Dama. Fazer assembleias, chamar os pais e entender que, quando eles não vão, não é porque não querem. Tenho alunos, crianças, que se cuidam sozinhos porque a mãe mora no emprego. Não é desca- so. Vale muito estar aberto para olhar o que está ao redor do aluno — apontou o educador. O diretor contou ainda que sua escola, como todas as outras que ele conhece, foi construída se- guindo um modelo que remete às ideias de Michel Foucault so- bre a sociedade, de vigiar e punir. Ele explicou que a arquitetura do local é formada por um quadri- látero cujo objetivo seria apenas trancar as crianças lá dentro: — Aí, o Territorar nos ensi- “Os comitês de diferentes escolas em uma mesma cidade se reúnem para pensar juntos uma proposta curricular para a cidade” na que a escola é um espaço de formação e que, portanto, não pode ser árido, seco, sem se comunicar com a criança. O contato com o outro vai de- finir como ele vai se constituir como ser humano. E como é esse contato na escola? Muitas vezes violento, árido, totalitá- rio. Quando a gente abriu es- paço para as crianças falarem, a violência desapareceu. Não há briga, não há agressão física ou verbal contra o educador. E não é o paraíso. É um espaço de construção e de luta. Territoriar territoriar.org.br Scheila Pomilho 4949
  • 50. U ma boa gestão é capaz de operar grandes feitos. Essa foi a conclusão a que chegaram os debatedores Ricardo Henriques, superinten- dente executivo do Instituto Unibanco, e o educador Binho Marques após a apresentação dos estudos de caso da mesa “Gestão”. Junior Achievement, Aprender Linguagem e Escola Darcy Ribeiro foram os exem- plos que estimularam o debate. Para os especialistas, o grande desafio agora é multiplicar ini- ciativas como essas. — Chega a ser um paradoxo o tamanho da crise que temos (na educação) e tantas experi- ências boas. Não se consegue traduzir a boa experiência em sistemas, padrões e regularida- des que possam ser escalados — afirmou Ricardo Henriques, comentando em seguida: — O caminho é simples, porém mui- to trabalhoso. Os desafios da educação pública, sobretudo da gestão, são do campo do ordi- nário e não do extraordinário, mas nossa cultura é a de dificul- tar tudo. O simples implica uma mudança contínua, aprendiza- do contínuo. Nesse contexto, a formação de professores é um passo funda- mental para desenvolver a ca- pacidade de transformação dos docentes e impulsionar bons exemplos nas escolas do país, já que as instituições não podem ficar dependentes de talentos individuais. — Ainda há dificuldade de se ter um tempo relevante dedica- do à didática na estrutura curri- cular da licenciatura de Pedago- gia. O peso disso na formação inicial é muito baixo. A didática não pode ficar refém de um es- tágio, de alguns exemplos e da capacidade criativa e inovado- ra de cada professor. Isso é um desrespeito com o professor. Aliado a isso, o pesquisador “Os desafios da educação pública, sobretudo da gestão, são do campo do ordinário e não do extraordinário, mas nossa cultura é a de dificultar tudo” RICARDO HENRIQUES GESTÃO Binho Marques 5050