1) O documento analisa os resultados eleitorais em Portugal nos últimos 40 anos, notando que o apoio aos partidos políticos tem permanecido estagnado, enquanto a abstenção e votos brancos/nulos têm crescido.
2) Isto revela que o regime político está bloqueado e incapaz de produzir democracia e bem-estar para os portugueses.
3) Em breve, a maioria das pessoas poderá se distanciar do sistema partidário, questionando a legitimidade de eleições com menos de metade dos eleitores
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Sobrevoando 40 anos de eleições em Portugal
A análise dos resultados revela que o regime
político está bloqueado e incapaz de
produzir democracia e bem-estar para quem
vive em Portugal. Em breve se verificará que
o rei vai nu, quando houver mais gente que
se distancia do sistema partidário do que a
apostar nele.
Sumário
1 - Votos e não votos
2 - O voto partidário
3 - Um pouco da história das legislativas e dos seus protagonistas
3.1 – O partido-estado e seus arredores
3.2 – O lado esquerdo do sistema partidário
3.3 – A direita assumida
O decurso das últimas eleições constituiu mais um elemento para a urgência
de um exercício sobre a qualidade da democracia em Portugal e na Europa.
Sendo isso uma tarefa de grande envergadura e com numerosos contornos,
iremos aqui e agora, centrar-nos nos dados referentes às eleições legislativas
celebradas desde 1975 – 15 no seu total - o que corresponde a um acto
eleitoral em cada período médio de 2 anos e oito meses; longe de refletir
qualquer instabilidade prejudicial ao funcionamento dos “mercados”. Pelo
contrário, é o entediante economicismo vigente no discurso e na prática das
classes políticas, é a centralização de poderes em instituições, claramente ao
serviço dos “mercados”, que desestabilizam a vida das pessoas e
empobrecem a democracia.
1 - Votos e não votos
Começamos por relacionar os inscritos no recenseamento, os votos dirigidos a
partidos e os “votos” que se não manifestam em preferências partidárias
(abstenções, votos brancos e nulos). Essa realidade arrasta o conhecido
problema dos “eleitores fantasmas”, de pessoas inscritas no recenseamento e
que jamais poderão votar por várias razões (mormente por falecimento); um
tema que nunca preocupou a classe política. Esta também nunca se
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interessou em fazer evoluir agilizando toda a mise en scène e a infraestrutura
eleitoral, que se mantém inalterável há 40 anos. Como o financiamento dos
partidos e o acesso ao pote não são afetados por estas disfunções…
Não nos espraiaremos com detalhe sobre o problema dos “eleitores
fantasmas”1 nem dos emigrantes recentemente impossibilitados de votar por
incúria dos serviços responsáveis pela emissão de cartões de cidadão. Quanto
aos emigrantes, o poder político limita-se a agradecer que tenham zarpado
para o exterior e, sobretudo, que mandem dinheiro para Portugal.
Torna-se claro que o crescimento do número de eleitores potenciais
acompanha não só o aumento da população como o seu envelhecimento,
traduzindo-se num aumento de 3.5 M de pessoas no período considerado, de
40 anos. Por seu turno, as manifestações de apoio aos partidos políticos
concorrentes mantêm-se constantes num estreito intervalo, demarcado entre
um máximo de 6028 milhares de pessoas em 1980 e um mínimo de 5409
milhares contabilizados no passado dia 4 de outubro, em nada refletindo a
evolução da demografia ou a composição etária da população.
A variável verdadeiramente dinâmica em quatro decénios é constituída pelas
opções de quem, de todo não vota e ainda, dos que votam em branco ou
anulam o boletim de voto; isso é revelador da baixa capacidade de
mobilização do regime político para a sua própria reprodução, havendo um
número crescente de pessoas que considera repelente o sistema partidário e
os seus membros, ou o modo de eleição (em partidos com o método do
Hondt, para prejuízo dos mais pequenos) ou ainda, o voto como algo
1
Elaborámos um estudo sobre o assunto em 2010 de onde resultou uma avaliação de 1.1 M
http://www.slideshare.net/durgarrai/um-sistema-eleitoral-falsificado-e-enganador
Sabemos ainda de uma avaliação de 2013 em 1 M
http://visao.sapo.pt/portugal-tem-mais-de-um-milhao-de-eleitores-fantasma=f708756#ixzz3hIUf5SXV
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irrelevante uma vez que o regime político se mostra autista e bloqueado,
incapaz de promover o bem-estar da população mas, em evidente benefício
da oligarquia financeira e da classe política.
A evolução registada no gráfico acima inserido poderá conduzir a um facto
pleno de significado, num futuro próximo: o dos eleitores que não escolherem
nenhum partido - abstencionistas e votos em branco ou nulos - superarem o
número daqueles que optem por um partido ou coligação.
Sabe-se que não há qualquer tipo de coesão ou organização entre aqueles
que não manifestam apoio expresso a partidos políticos, como se sabe que no
seio da classe política e dos seus avalistas e analistas, há uma tendência
deliberada para desvalorizar a relevância de tamanha massa de pessoas,
sobretudo dos que se abstêm; os que colocam em urna votos em branco ou
nulos não merecem mais consideração, mesmo que a sua atitude seja bem
mais vincada no antagonismo face ao sistema partidário. Este enorme
conjunto de pessoas que não vota em partidos é desprezado e envolvido
numa cortina de fumo para que fiquem ocultos; constitui, no entanto, um
verdadeiro espelho do regime e do seu caráter antidemocrático e oligárquico.
Quando votarem menos de metade dos inscritos em eleições legislativas
(como já acontece nas eleições para o Parlamento Europeu as quais ninguém
toma como relevantes) não deverá colocar-se a questão da legitimidade das
eleições e do regime existente? Que representatividade terão as instituições se
mais de metade da população não manifestar apoio aos candidatos à sua
gestão? E os eleitos que constituem o governo e a oposição, representando
uma parcela muito menor da população, poderão arrogar-se ao direito de
decidirem sobre as vidas de todos?
No caso de Cavaco que se tornou PR com 23% dos votos possíveis, a questão
é levantada por vezes para adornar a crítica às suas atitudes particularmente
nocivas. Mas as coisas parece passarem mais desapercebidas mesmo que
Passos tenha sido escolhido por 15248 membros do seu partido (34.5% do total)
em 20102 e António Costa por 22000 dos 47727 membros do PS3 em 2014,
passando ambos a partir daí por crivos sucessivos até uma nomeação para
funções que alcançam toda a gente, no âmbito daquilo que se chama
democracia orgânica, tão cara a Salazar e a Franco.
2
http://www.tvi24.iol.pt/politica/eleicoes/passos-coelho-eleito-lider-do-psd
3
http://www.jornaldenegocios.pt/economia/detalhe/antonio_costa_eleito_secretario_geral_do_ps_com_96_dos_votos.html
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Estas formas de escolha não configuram uma verdadeira democracia embora
nada na Constituição (CRP) coloque essa questão; pela simples razão que a
CRP mais não faz que legalizar a antidemocracia necessária e suficiente para
firmar o primado das oligarquias e a conveniente continuidade e a
consolidação de aspetos provenientes do regime fascista.
Democracia é a igualdade entre os eleitores para a candidatura a qualquer
função de representação; é a personalização dessa representação e não a
sua diluição em listas partidárias pré-cozinhadas; é a possibilidade dos eleitores
cassarem o mandato daqueles que elegeram; é a limitação de mandatos,
pois o exercício de representação política não é profissão mas, um dever de
cidadania; é a ausência de privilégios pelo exercício desse dever; etc. Um
regime democrático em Portugal exige uma outra CRP que, por razões bem
óbvias, não é prioridade da classe política, a não ser em aspetos que a
favoreçam e aos interesses económicos e financeiros que representam.
2 - O voto partidário
Um maior detalhe quanto aos votos dirigidos a partidos consiste na sua
arrumação em três grupos; a direita assumida, constituída pelo CDS e
pequenos grupos radicais de direita; o partido-estado PSD/PS ou PS/PSD - de
acordo com as conjunturas - e grupos na sua orla; e, finalmente, a esquerda,
maioritariamente constituída pelo BE e pelo PCP, para além de alguns grémios
de menor dimensão. No gráfico que se segue, o elemento complementar ao
voto partidário, para se atingir o volume total dos eleitores, é constituído pelas
abstenções e votos em branco ou nulos, o único elemento verdadeiramente
dinâmico sempre que se observam os actos eleitorais realizados durante o
regime de democracia de mercado.
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A estagnação do volume de votantes em partidos, nos últimos quarenta anos,
é acompanhada pelas escassas variações registadas entre os vários grandes
grupos de grémios, facto revelador de uma estabilidade política que se
interliga com a despolitização profunda da população, alimentando-se
ambas, uma da outra. É revelador também da segmentação hermética entre
a esmagadora maioria da plebe e o reduzido grupo de protagonistas da
classe política, para lá do que acontece face ao alto empresariato. Portugal é
um país dual.
As pessoas não são protagonistas da política, não a constroem, apenas têm
um incutido acesso à televisão e aos comentadores políticos, em regra,
próximos dos grupos dominantes da classe política que procedem a um
esmerado trabalho de manutenção da multidão num estado letárgico, de
permanente formatação ideológica, dirigida à aceitação resignada de uma
situação designada por TINA – There is no alternative. A omnipresença dos
chefes e porta-vozes partidários nos media, conjugada com a menoridade
política incutida nas pessoas, pretende elevar a classe política aos olhos das
pessoas e induz ao convencimento da inevitabilidade dessa mediação
partidária.
Finalmente, quando surgem focos de contestação, logo ocorrem funcionários
políticos ou sindicais para controlar a situação, em sintonia com intervenções
musculadas da polícia, se necessário. O único espaço de expressão popular
que o regime concede, como válvula de descompressão, são as regulares
eleições – as romarias eleitorais como preferimos designá-las - para
apresentarem aos incautos, esperanças de mudança que, não mudando os
protagonistas, nem as propostas, se configuram como logros.
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Como dizia Sartre em finais dos anos 60, “les elections sont une piège à cons”.
E, nessa ocasião, os sistemas partidários não estavam tão eficientemente
burocratizados como hoje, o controlo biopolítico era uma criança, havia
sistemas políticos considerados como alternativos e nas guerras anticoloniais
eram sentidas esperanças de mudança que não sobressaem nas de hoje, as
guerras do Império. Do ponto de vista político, as eleições são um instrumento
de expressão política que só têm significado – para a multidão - se conduzirem
a mudanças num regime oligárquico e empobrecedor; se essas mudanças
não são possíveis, a participação é um logro, a criação de ilusões junto das
pessoas menos politizadas, a legitimação da continuidade da oligarquia,
naturalmente ganhadora.
3 - Um pouco da história das legislativas e dos seus protagonistas
3.1 – O partido-estado e seus arredores
Na área do partido-estado há a considerar três fases para as suas marcas
eleitorais dos últimos 40 anos. Há uma quebra inicial em 1975/76, com os
valores mais baixos de sempre, no rescaldo dos seus nefastos comportamentos
durante o PREC; um período de regular crescimento que atinge o auge em
1991, alicerçado na última maioria de Cavaco, antes de se iniciar a crise
depressiva de 1993/95; e o período posterior de evidente declínio do apoio
eleitoral às formações políticas desta área de uma direita não assumida,
complexada.
A sua votação ultrapassou largamente os 4 M de pessoas entre 1987/2005,
com os resultados que tornaram Cavaco, Guterres, Barroso e Sócrates como
primeiros-ministros, captando em 2015 apoios equiparados aos do início dos
anos 80 (pouco acima de 3.5 M). Aquele período áureo é o do impacto da
entrada dos fundos comunitários – ansiado produto da dissolução na então
CEE - do cavaquismo, das privatizações, do crédito fácil, do boom imobiliário e
do consumismo desbragado, em contraste com a modéstia remediada dos
tempos do fascismo e da austeridade imposta pelo FMI em 1977/8 e 1983/85 e
que voltou com particular dureza e durabilidade a partir de 2011.
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Nota: Em 1980 a votação aqui atribuida ao CDS (incluido com o PSD e o PPM) na coligação
AD é a que resulta da parte proporcional aos votos de cada um em 1976
Em 2015 adoptámos critério idêntico para os membros da coligação PàF (PSD
e CDS), tomando como base as respetivas votações em 2011
O PS e o PSD, no seu entrelaçado, posicionam-se como as duas séries da
cadeia ADN confirmando assim a sua unidade enquanto partido-estado,
como ossatura do regime cleptocrático vigente.
No PS as votações somente ultrapassaram os 2 M no período 1995/2009, em
1983 e 1975 e no caso do PSD isso sucede apenas em 1987/95 e ainda em 2002
ou 2011. A ultrapassagem dessa fasquia não foi necessária para a constituição
do governo PS em 1976; só foi conseguida pelo PSD com o forte contributo do
CDS nos governos AD (1979/80); não foi suficiente para o PS ficar sozinho no
governo durante a crise 1983/85 (intervenção do FMI, bloco central) e foi de
todo dispensável para o primeiro governo (minoritário) de Cavaco dada a
erosão do PS e do epifenómeno PRD, de Eanes. A partir daí qualquer das alas
ganhadoras do partido-estado arrecada mais de 2 M de votos mesmo que a
fação derrotada também alcance essa marca em 1995 (PSD) ou 2002 (PS). No
momento atual, nenhuma dessas fações do partido-estado conseguirá
ultrapassar essa fasquia, traduzido em votos, sem apoios exteriores – o PSD,
atrelando Portas, com o concurso do PS todo ou apenas de alguns dos seus
valetes descontentes; ou o PS pagando o aliciamento do BE/PCP.
O primeiro período ascensional do PS observa-se em 1983 com o esfarelar da
AD e o casamento com o derrotado PSD, sem liderança, num bloco central
constituído para gerir a crise económica e aprontar os dossiers para a inclusão
na UE. O segundo período de crescimento inicia-se em 1985, com a
recuperação dos danos provocados pelo PRD e que culmina em 1995 com a
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eleição de Guterres sobre os escombros do cavaquismo. Há ainda a registar
um terceiro momento, que se seguiu à emigração de Barroso e à experiência
governamental intercalar do tonto Santana, durante cujo mandato foi
concebido um Sócrates para levar o PS à glória nas eleições de 2005.
Finalmente, a mais frouxa ascensão dos apoiantes do PS sucede em 2015, com
Antonio Costa; mesmo tendo como ponto de partida o baixo volume de votos
colhido em 2011.
Quanto ao PSD, tem um primeiro período ascensional com a AD de Sá
Carneiro em 1979/80, a qual se esfarelou depois de Camarate, permitindo ao
PS dominar o bloco central em 1983. Entre 1985/1991 registam-se os bons
resultados e o melhor período de sempre do PSD com Cavaco à sua frente e
fundos comunitários por detrás. A saída de Guterres e a Casa Pia chamuscam
a liderança do PS e favorecem o PSD mesmo com um tosco como Barroso à
frente; finalmente, em 2011, um outro chefe do PSD – Passos - mesmo
desqualificado na consideração de figuras gradas do partido (Cavaco e
Ferreira Leite, entre outros) consegue manter o ritmo da alternância entre as
duas formações rivais do partido-estado, apossando-se do pote perante um PS
apontado como responsável intervenção da troika; embora intervenção
tenha surgido, por imposição dos bancos no dia 6 de abril de 2011.
Sobre os outros partidos que constituem o volátil rechego nesta área política, a
sua relevância é quase nula, se excluirmos o PRD cuja votação em 1985
corresponde quase na íntegra às perdas do PS e cujo desmoronar dois anos
depois beneficiou claramente a grande maioria absoluta alcançada por
Cavaco. Finado o PRD, este conjunto de partidos mantém-se na
marginalidade, surgindo em 2015, com alguma relevância eleitoral no seu
total, o conjunto formado por novas agremiações como o PDR de Marinho
Pinto, heróico defensor do castelo perante uma investido de uma seita
herética; pelo Livre que mais se assemelhou a um aterro sanitário ou o NOS,
como miniatura do Ciudadanos espanhol.
3.2 – O lado esquerdo do sistema partidário
No que à esquerda do sistema se refere, há a considerar um período até 1985
durante o qual as votações ultrapassam um milhão, com um máximo de 24.1%
dos votos dirigidos a partidos em 1979. Contudo, a partir daqui há um declínio
que só se interrompe em 2005, muito porque o BE duplicou a sua votação face
a 2002 (então os seus partidos progenitores), ano do acto eleitoral que regista
o pior resultado da esquerda tradicional nos 40 anos do regime.
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Consideramos que para tal concorreram vários fatores. A entrada massiva de
fundos comunitários gerou uma ideia de prosperidade eterna; o ingresso na
então CEE com a abertura das fronteiras e o espetacular aumento das trocas
com Espanha; o discurso do cavaquismo sobre as virtudes da iniciativa privada
e das privatizações; a incapacidade da esquerda no seu conjunto de
compreender a globalização, o declínio dos estados-nação, as mudanças
políticas e no quadro ideológico decorrente da queda do Muro que constituiu
um apogeu para a narrativa neoliberal; e ainda a perspetiva atávica,
defensiva, da “consolidação democrática”, onde se inclui uma recusa
absoluta em apontar a Constituição como dócil instrumento ao serviço da
oligarquia. Por isso, os tempos do triunfalismo reacionário da AD, a passagem
pelo bloco central, a austeridade oriunda das duas intervenções do FMI, a
transição para os consulados de Cavaco, deste para Guterres e deste para
Durão não alteram o pendor decrescente da esquerda partidária que
somente termina em 2005, com a eleição de Sócrates, depois da crise iniciada
com o crash das dotcom.
Regista-se uma grande hegemonia do PCP (sob a forma de siglas ditas
unitárias, APU, CDU), durante a maior parte dos últimos 40 anos, apesar da
evidente erosão do seu eleitorado. O PCP ultrapassa um milhão de votos em
1979/83 para se fixar em valores da ordem dos 500 mil em 1991/99 e pouco
abaixo dos 450 mil desde 2005, com o ponto mais baixo em 2002 quando não
recolheu mais do que o apoio de 380 mil eleitores.
A evolução registada em todo este período para as votações do PCP mostra
pouca correspondência com as variações das outras formações desta área
política; isso é bastante claro nos últimos anos com as grandes mutações dos
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votos do BE cuja subida só poderá ter acontecido em detrimento do PCP em
1999 e 2002 e de modo muito limitado. Essa lenta involução entende-se como
consolidada, de recuperação impossível, materialização de uma
continuidade mais durável que noutros países, dada a anquilose das estruturas
sociais e culturais dos portugueses. Deve-se também à sólida estrutura
organizativa do partido, articulada com estruturas sindicais, autárquicas e
outras que permitem a geração de fidelidades e cumplicidades com efeitos
na manutenção de um núcleo duro de votantes, depois da deserção de
muitos milhares, para outros posicionamentos políticos ou pela evolução
demográfica, durante duas décadas.
No período 1975/2015 e para análise da área política constituída pelo BE,
tomámos para os anos anteriores à sua fundação (1999) as formações políticas
que lhe deram origem, mormente a UDP e o PSR. Embora com votações
superiores a 100 mil até 1987 (excepto 1983) é já com a sigla BE que se
consolida um crescimento claro entre 1999/2009 quando o partido ultrapassa
a contagem do PCP, o que voltou a acontecer este ano, após o estrondoso
desaire do BE em 2011.
Para além do referente ao PCP e ao BE há a registar votações, no seu
conjunto superiores a 100 mil votos, dirigidas a um diversificado leque de
grupos, em 1975/80 (MES, FSP…); a partir desse momento, o partido
hegemónico nesta área é o PCTP/MRPP que deixa de o ser em 2015,
ultrapassado pelo PAN que, surgido em 2011, já então se apresentou com um
bom resultado. Esta diversidade colocou este leque de grupos com uma valia
que recentemente atingiu os 155 mil votos.
Em suma, na esquerda institucional parece desenhar-se um definhamento do
PCP, com a consolidação do BE como força dominante, com maior potencial
de captação de apoios em outras áreas sociais e geográficas. Por outro lado,
nos próximos tempos se verá a capacidade de consolidação do PAN como
projeto ecologista e se o PCTP/MRPP consegue algo mais do que mimetizar as
posições políticas do PCP, após uma eventual saída de Garcia Pereira.
O PS tem um caudal histórico de atuações que o colocam numa posição bem
à direita no espetro já muito pouco radical dos partidos contidos no europeu
S&D e que, a continuar, poderá alimentar fugas de eleitorado para o BE. O
facto do PS se querer apresentar como partido de esquerda e ao mesmo
tempo mostrar um alinhamento claro e submisso face aos ditames do eixo
Bruxelas-Frankfurt-Berlim, poderá não ter um futuro eleitoral promissor a médio
prazo, como se observou com o Pasok grego. Esse processo de esvaziamento
dependerá também da habilidade política do BE, facilitada com o
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conhecimento do percurso já percorrido pelo Syriza que consolidou nas últimas
eleições gregas de julho a sua ocupação do espaço de uma social-
democracia que o Pasok ocupou nos seus melhores tempos com Andreas
Papandreu.
Um factor que distingue Portugal da Grécia é que não há activismo de
esquerda que crie qualquer coisa semelhante ao Syriza dos últimos anos e que,
entretanto se finou com a capitulação de Tsipras. Existe sim, uma memória,
algo difusa, de um PREC que a maioria não viveu, como elemento da
afirmação de uma caraterística genética do povo ou, de modo algo
quixotesco pelos militares, por exemplo, no âmbito das suas reivindicações
como assalariados. O que é muito pouco no mundo atual.
Não havendo activismo nem movimentação social, as mudanças políticas
reduzem-se aos efeitos de jogos dentro da classe política com a multidão a
assistir e a pautar as suas opiniões, enquanto volúvel espectadora de jornalistas
e comentaristas políticos enfeudados aos interesses económicos e à classe
política; e sem estratégia ou táticas construídas coletiva e democraticamente
como prática política, como atores em causa própria.
Esta situação de ausência de “vigilância popular” face aos oportunismos e
tentações entristas de grupos vanguardistas de tradição trotsko-estalinista ou
outros facilita a aproximação dos partidos da chamada esquerda a arranjos
com um PS que hoje se apresenta fortalecido como o fiel da balança na AR,
com a responsabilidade de definir regras e políticas.
Nesta linha, a esquerda não criará obstáculos e por dois motivos. Um, é que a
recusa desses arranjos com o PS facilitaria aproximações deste à direita e a
esquerda, sem alicerces em movimentação social, pouco poderia ir além de
diatribes parlamentares e procissões na avenida; o outro reside no facto, que
está na recordação de todos, da votação conjunta da esquerda com o PSD e
o CDS para derrubar o governo Sócrates, com péssimos resultados, não só
para o PS como para o BE.
Nesse contexto, poderá acontecer, não a transformação, por secagem
eleitoral, do PS, transformado numa versão lusa de um pequeno Pasok mas, a
cooptação, objetiva e não formal, da esquerda parlamentar por parte do PS,
num reforço da bipolarização reforçada entre as duas áreas de um partido-
estado engrandecido e asfixiante. A drenagem regular de gente proveniente
de partidos de esquerda para a direita, mormente o PS, tem centenas de
casos conhecidos.
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3.3 – A direita assumida
Em Portugal, uma das sequelas da radicalização política havida durante o
PREC foi a dos partidos da direita adoptarem designações respeitáveis que
lhes permitissem existir sem enxovalhos, demarcando-se assim das etiquetas
com nomes típicos de formações de direita ultra-conservadora que foram
extintos na sequência da manobra da “maioria silenciosa” ancorada em
Spinola ainda em 1974.
Assim, uma direita liberal à época, o PPD, encaminhou-se para o título de PSD
e até procurou ingressar na ditosa Internacional Socialista onde já estava
inscrito o PS, que tratou de inviabilizar a entrada da concorrência. Por seu
turno, o CDS que então pretenderia posicionar-se como de caráter
democrata-cristão passou a ser uma “coisa” indefinida que presta serviços às
instituições ligadas à Igreja e a renques de empresários que o financiam. O
CDS ficou à vontade quando o PDC, expressamente clerical, compareceu
pela última vez na formatura da parada eleitoral em 1987; e, já neste século, a
investida do PND criado por Manuel Monteiro, num caso de desavença entre
a criatura e o criador Paulo Portas, também não surtiu. Portas ficou dono do
terreno de uma direita descomplexada, hábil no concubinato com o PSD
(ainda designado por PPD/PSD por espantalhos como Santana) para
sobreviver.
Com o domínio do caráter anti-social inerente ao neoliberalismo a partir dos
anos 80, tornou-se vulgar a consideração da população como um vasto grupo
de serventuários dos empresários, elevados como empreendedores,
investidores, empregadores… benfeitores. Essa lógica, matizada, tomou conta
de partidos liberais, reformadores, conservadores e democratas-cristãos; os
partidos social-democratas e socialistas perderam as suas referências sociais
mantidas desde os tempos da I Guerra e até exacerbadas depois da derrota
do fascismo em 1945, para se tornarem gestores e ocupantes dos aparelhos
de estado, num regime de alternância com as hostes da comumente
chamada direita.
O PSD de Sá Carneiro, com algum serviço prestado de oposição ao regime
fascista, fora incluído nos governos provisórios empossados depois de 25 de
Abril (excepto o V) e nessa base tinha todas as condições para reunir à sua
volta os assustados com as vicissitudes do PREC, as ocupações de terras, os
saneamentos… mesmo que taticamente obrigado a apoiar as
nacionalizações e com o objetivo do socialismo inscrito na Constituição.
13. GRAZIA.TANTA@GMAIL.COM 27/10/2015 13
Neste contexto, que papel para o CDS que tinha ficado fora dos governos
provisórios, onde teriam estado representados “todos” os portugueses, na
concepção de “união sagrada” de Spínola e da Junta de Salvação Nacional?
A Igreja Católica sabia ter passado o tempo para a criação de partidos
democratas-cristãos até porque a religiosidade dos portugueses, dada a sua
despolitização, pouco vai além de uma tradição, de uma superstição, como
Fátima bem demonstra.
Em 1978 o PS de Mário Soares incluiu o CDS no governo para gerir mais
facilmente a primeira intervenção do FMI em Portugal - e a correspondente
austeridade. Desde aí o CDS passou a funcionar, como o gerador de maiorias
para uma das alas do partido-estado, quando nenhuma delas se mostra
capaz de obter maioria absoluta (AD em 1980/81, coligação com o PSD em
2002 (governo Durão Barroso), 2005 (Santana Lopes) e finalmente, em 2011
(Passos Coelho). O CDS tem sido o adereço necessário e isso tem-lhe
garantido a existência e uma notoriedade muito superior à sua
representatividade na sociedade.
Com o enfraquecimento do partido-estado, o CDS parece encaminhar-se
para a posição de presença habitual nos governos, transformando-se numa
sensibilidade consolidada no seio do PSD, tal como o CSU de Schauble
funciona historicamente para dar peso à CDU alemã, atualmente chefiada
por Merkel. Uma presença frequente no governo garante a continuidade no
aparelho de estado (infestando-o com fiéis em cargos bem remunerados) e o
exercício da procuração em negócios muito apelativos (Portucale,
submarinos) controlados por um grupo dirigente fechado e escasso, em
número e competências, onde a notoriedade se reduz a gente de tão baixo
quilate como Portas, Mota Soares, Nuno Melo...
Na direita assumida portuguesa (nem o PS nem o PSD se reconhecem como
partidos de direita) prepondera totalmente o CDS que atingiu o seu período
áureo no tempo da AD, quando ultrapassou um milhão de votos, decaindo
para uns 250 mil durante o cavaquismo (era então o partido do taxi) e
estagnando em torno dos 500 mil depois de 1999, exceptuando 2009/11.
Nos outros grupos desta área política, os seus componentes raramente
ultrapassaram os 50 mil votos (1979 com o PDC, há muito extinto e em 2005
com o PND, também finado). Não tem sido fácil a consolidação de algo
relevante à direita do CDS, quer proveniente de uma democracia-cristã
bafienta quer ancorado num PNR fascista e xenófobo.
14. GRAZIA.TANTA@GMAIL.COM 27/10/2015 14
Nota: Em 1980 a votação aqui atribuida ao CDS (incluido com o PSD e
o PPM) na coligação AD é a que resulta da parte proporcional
aos votos de cada um em 1976
Em 2015 adoptámos critério idêntico para os membros da coligação
PàF (PSD e CDS), tomando como base as respetivas votações em 2011
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Finalmente, convém referirmos que esta análise do cenário institucional e,
sobretudo, as projeções que se possam fazer baseadas na sua continuidade,
mais ou menos conservadora, nada trarão de relevante para a construção de
uma sociedade democrática despida de capitalistas e oligarcas.
No terreno, hoje, o que existem são entidades que pretendem atrair, enganar
ou neutralizar as pessoas, para se alçarem como seus representantes, com
benefícios próprios. A classe política, no seu todo, dita de direita ou de
esquerda são parte do problema que é o atual ordenamento político,
económico e social; e não fazem parte da solução.
A autodeterminação da multidão faz-se sem intermediários, sem auto-ungidos
pastores de pessoas remetidas à condição de rebanho.
(em breve publicaremos uma segunda parte, centrada nos últimos dez anos de
eleições legislativas e nas variações entre os resultados dos quatro actos eleitorais
realizados para a eleição de deputados)
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