1) O documento discute o referendo sobre a independência da Catalunha e suas possíveis implicações geopolíticas. 2) Argumenta que os povos têm o direito de autodeterminação e que uma Catalunha independente enfraqueceria a Espanha, abrindo caminho para uma maior autonomia de outras regiões. 3) Defende que uma Ibéria unida com Catalunha, Espanha e Portugal teria mais peso geopolítico na Europa.
1. GRAZIA.TANTA@GMAIL.COM 25/9/2015 1
O referendo na Catalunha e a geopolítica
Cabe a cada povo o traçado do seu futuro mas, num
mundo globalizado, uma independência catalã poderá
ser o início de grandes transformações na Ibéria, com
vantagens para os portugueses.
1 – A questão
É no domingo, dia 27. Convém que se recorde que há mundo para além de Badajoz e sem ser Berlim,
Frankfurt ou Bruxelas. E que o mundo se está nas tintas para a romaria eleitoral de quatro de outubro, na
paróquia lusa.
Na Catalunha, as sondagens apontam vantagem para os defensores da independência, com os votos da
coligação “Juntos pelo Sim” (governo catalão e ERC) mas, dependentes do apoio das CUP
(autogestionários e independentistas) para prosseguirem o processo
1
.
A Catalunha é uma das mais ricas autonomias do estado espanhol, uma das que tem uma personalidade
mais vincada, com uma história de resistência ao centralismo autoritário de Madrid e ao fascismo, com um
enraizamento libertário muito consolidado e ainda, fortes e antigas ligações a França e Itália.
2 – Os princípios democráticos
Cabe a cada povo decidir a sua forma de organização política devendo essa decisão ser universalmente
aceite, desde que assente numa expressão livre, transparente e democrática dos membros desse povo;
quer se trate de catalães, trasmontanos ou patagónicos. Sempre que um povo decide autonomizar-se e
declarar-se independente das instituições e poderes de um estado-nação, essa decisão exige respeito da
parte de todos; mormente da parte do estado-nação sob cuja bandeira esse povo tem vivido.
Recentemente
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, afirmámos esses princípios a propósito do oligárquico estado português que, embora com
uma população relativamente homogénea, se define como centralista e pouco pródigo nas autonomias
regionais e autárquicas. Transcrevemos:
“Um território pertence a quem nele reside com continuidade e essa comunidade contém o direito de
escolher as leis e instituições pelas quais se deve reger. O princípio da subsidiariedade consiste em essa
comunidade se associar a outras para a resolução de problemas e satisfação de necessidades coletivas; um
território não é propriedade privada de um Estado, nem os seus habitantes devem ser obrigados a
regerem-se por uma jurisdição que considerem inconveniente.
Será que os estados-nação foram, alguma vez, realidades eternas, imutáveis? Não, têm uma origem
recente e, sempre foram produtos de circunstâncias históricas, bastante contingentes; ainda que haja
alguns (poucos) que têm origens culturais muito antigas, enquanto impérios ou senhorios (China, Irão,
Egipto).
Os Estados que, em geral, recusam o direito de secessão, com grande prodigalidade e frequência,
estabelecem regimes de extraterritorialidade para os capitais ou para a movimentação de mercadorias – os
célebres offshores e as zonas francas. No âmbito dos contratos internacionais é frequente considerarem-se
como aplicáveis, legislações estranhas a qualquer dos países de residência dos contratantes; o tenebroso
TTIP irá, se aplicado, banalizar essa prática. Finalmente, recorde-se que nas bases militares estrangeiras,
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http://www.eldiario.es/politica/partidos-independentistas-mayoria-absoluta-semana_0_432907023.html
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http://grazia-tanta.blogspot.pt/2015/07/a-constituicao-crp-e-alguns-dos-seus.html
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como nas Lajes ou em Guantanamo, a lei vigente é a do ocupante, o mesmo acontecendo em embaixadas
e consulados, o que tem permitido a Julian Assange viver na representação equatoriana em Londres e
evitar a detenção.
A mesma Constituição portuguesa que afasta secessões, pelo contrário, contém toda a abertura para a
integração em espaços económicos e políticos que exigem óbvias perdas de soberania, remetendo para as
instituições, para a classe política todas as decisões nesse âmbito, não colocando nunca a hipótese
referendária. O caráter autoritário do actual regime político insere-se numa longa tradição histórica de
esmagamento da democracia, inerente a uma sociedade onde sempre predominaram estruturas
económicas atrasadas e onde a renovação foi considerada como inconveniente.
Sempre que os poderes do Estado-nação é objeto de uma reivindicação secessionista por parte de uma
fatia da sua população, cabe-lhe aceitar esse desígnio; caso contrário, estamos numa situação de
persistência de dominação colonial.
A Declaração sobre a Concessão de Independência aos Países e Povos Coloniais foi aprovada através da
Resolução 1514 (XV) da Assembleia Geral das Nações Unidas, de 14/12/1960. Aí consta, nomeadamente
que:
2 - Todos os povos têm o direito à autodeterminação; em virtude deste direito, podem determinar
livremente o seu estatuto político e prosseguir livremente o seu desenvolvimento económico, social e
cultural;
4. Todas as acções armadas ou medidas repressivas de qualquer tipo dirigidas contra povos dependentes
deverão cessar a fim de permitir a estes últimos exercer pacífica e livremente o seu direito à completa
independência, e será respeitada a integridade do seu território nacional;
Registamos a seguir as diversas interferências externas que procuram afetar e condicionar a decisão dos
catalães, como se observou, em 2014, no caso do referendo escocês, sobre o qual também demos a nossa
opinião
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.
Assim, o presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker, aponta
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que o território de um Estado-
membro da União Europeia não pode alterar-se por uma decisão de um parlamento autonómico que
contrarie a Constituição desse país. Assim, o zeloso oficiante das vantagens fiscais para as multinacionais,
enquanto primeiro-ministro luxemburguês, comunga a ideia oligárquica da recusa da soberania de um
povo, só porque contido num estado-membro da UE; assim, o tal presidente entende que os Estados são
mais importantes que os povos, tal como considerou recentemente que o sistema financeiro merece o
sacrifício e o esmagamento do povo grego. A Catalunha seria assim, um território duplamente
conquistado, pelo poder de Madrid numa histórica primeira instância e, mais acima, pela hierarquia
burocrática da UE que define os orçamentos e a politica monetária mas, que evidencia a sua pouco
humanitária cacofonia no capítulo do afluxo de refugiados.
Chovem ameaças de dificuldades de todos os quadrantes da classe política europeia, como no relativo à
independência da Escócia: saída da UE, do euro, do espaço Schengen que, por sinal anda com muito
pouca saúde, sem qualquer contributo catalão. Essas ameaças e retaliações, em sentido inverso, não são
dirigidas ao fascista Victor Orban (nem antes, nem depois da crise dos refugiados), contrariamente ao que
havia sucedido quando da ascensão do xenófobo Georg Haider na Áustria, no princípio do século. A
tolerância face a Orban contrasta com a intolerância face à Grécia; na UE não se admite nada que vá além
da via estreita e reacionária dos partidos ditos socialistas e sociais-democratas que têm como chefe de fila
o famoso Martin Schulz.
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http://grazia-tanta.blogspot.pt/2014/09/a-escocia-e-as-soberanias-no-seculo-xxi.html
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http://www.jornaldenegocios.pt/economia/europa/uniao_europeia/detalhe/juncker_fecha_a_porta_a_independencia_unilateral_da_catalunha.html
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Quem não poderia ficar fora do coro condenatório da consulta democrática dos catalães seria o psicopata
Passos que, ao lado de um compulsivo leitor de jornais desportivos chamado Rajoy, revelou ser "muito
importante manter uma Espanha unida, com a sua integridade territorial”
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Não espantará ninguém que os bancos catalães Sabadel e La Caixa, como a Associação dos Empresários
da Catalunha sejam contra o referendo, tal como as centrais sindicais CCOO e UGT
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. Mais curiosa é a
atitude dos magnatas do futebol espanhol ameaçando com a exclusão do Barcelona do campeonato, em
caso de independência catalã, uma vez que só equipas de Andorra podem participar nos campeonatos
espanhóis, para além dos súbditos de Felipe VI. Nesse caso, talvez os franceses gostassem de ver o
Barcelona no seu campeonato.
A forma monárquica da chefia do estado espanhol tem muitos adversários, mormente nas autonomias e,
ao permitir a passagem tranquila do ceptro, de Juan Carlos para o filho Felipe, Rajoy alinhou com os
tradicionalistas monárquicos, com a poderosa Igreja Católica, fornecendo uma alento adicional às pulsões
independentistas ou de reforço das autonomias, embora Felipe não tenha as mãos sujas de seu pai.
Madrid e os partidos dominantes em Espanha (PP e PSOE) tiveram uma oportunidade para, eventualmente,
reduzirem o impulso independentista dos catalães, quando Juan Carlos abdicou, convocando um
referendo sobre a monarquia.
Sabe-se que a monarquia em Espanha é ilegítima pois foi abolida democraticamente, em 1931, na
sequência de eleições tomadas como um plebiscito pelo próprio rei de então, que abdicou. A monarquia
dos Bourbons foi restaurada em 1969, através da nomeação de Juan Carlos pelo ditador Franco que
procurava assim uma continuidade tranquila à sua figura de “generalíssimo”. Iniciada a transição pós-
franquista, os partidos da esquerda do sistema de então (PSOE e PCE) aceitaram o retorno à monarquia,
como tributo a pagar para a restauração de um regime parlamentar.
Por muito anacrónico que seja o recurso a uma sucessão familiar para o preenchimento de um cargo de
representação estatal, convém ter presente que não é a forma monárquica ou republicana que, nos dias de
hoje, define a qualidade democrática de um regime político; é preciso ir muito mais além.
3 – A geopolítica ibérica possível
Interessa-nos acompanhar com particular atenção o que se passa no estado espanhol e, sobretudo, avaliar,
do ponto de vista geopolítico, as consequências possíveis do referendo catalão e, nomeadamente se se
concretizar a declaração unilateral de independência no espaço de 18 meses.
Se a Catalunha se transformar num estado independente da tutela de Madrid, esta ficará
significativamente mais pobre no seu conjunto e essa independência retirará argumentos ao governo de
Madrid para contrariar idênticos propósitos independentistas e autonomistas em Euskadi e na Galiza, pelo
menos. Nesse contexto de dissolução prática do actual estado espanhol, a excepção portuguesa deixará
de existir, como nos últimos séculos, no seio da Ibéria, como único território fora da órbita de Madrid…
para além de Gibraltar. Assim, tornar-se-á muito mais viável a constituição de uma União dos Povos
Ibéricos, com parcelas de dimensão aproximada, com economias muito interpenetradas e culturalmente
próximas, que se pretenderá baseada numa grande autonomia dos seus povos, regiões e municípios, com
instituições globais geradas a partir das suas instituições de base, alicerçadas numa verdadeira
democracia, sem classe política e estruturas económicas solidárias, vocacionadas para a satisfação das
necessidades de todos.
Numa continuidade da UE dentro da sua actual forma fragmentária e desigual, a Ibéria teria um peso
acrescido, com uns 55 M de habitantes, próximo, portanto do peso demográfico de França, da Grã-
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http://www.jornaldenegocios.pt/economia/politica/detalhe/passos_defende_espanha_unida_em_encontro_com_rajoy_em_bruxelas.html
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http://www.jornaldenegocios.pt/economia/europa/detalhe/empresas_e_sindicatos_alertam_para_consequencias_de_independencia_da_catalunha.html
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Bretanha ou da Itália e mais capaz de gerar, na periferia Sul, um bloco político que desafie a hegemonia
alemã e altere os tratados que lhe dão capacidade de se impor, dividindo e corrompendo as classes
políticas, para reinar.
Nunca fomos tocados por fervores nacionalistas de encerramento autárcico nas fronteiras portuguesas,
para entrega de um povo à pobreza, enriquecedora de um empresariato débil e incapaz, de uma classe
política corrupta e de multinacionais meramente interessadas em baixos salários. Nesse contexto,
demonstrámos as inconveniências de uma moeda específica, com curso restrito ao território luso
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, como
elemento de empobrecimento, de sobrevivência de capitalistas dependentes da rapina do produto de uma
punção fiscal opressiva, da fuga e da evasão fiscal e contributiva e, muito hábeis em acumular dinheiro na
Suiça, no Luxemburgo e na vasta panóplia de offshores.
Em maio último escrevemos8
:
“Uma saída voluntária de Portugal do euro poderia ser um instrumento importante, se (e só se) num âmbito ibérico,
com a Espanha ou as nações do actual estado espanhol, como mínimo de viabilidade. Essa situação abalaria sem
dúvida o processo centrípeto do Centro e, tanto mais, se acompanhado pela Grécia, pela Itália e por Chipre, num
projeto que abrangesse o Sul da Europa; que poderia ter maior impacto se coincidisse com uma eventual saída da
Inglaterra (com ou sem Escócia) da UE, em 20179
. Essas conjeturas exigiriam previamente o afastamento dos
margraves ibéricos, profundas alterações na organização política, do modelo de representação e a construção de
uma economia comum, baseada na satisfação das necessidades dos povos.”
Este e outros textos em:
http://grazia-tanta.blogspot.com/
http://www.slideshare.net/durgarrai/documents
https://pt.scribd.com/uploads
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http://grazia-tanta.blogspot.pt/2014/09/a-nao-solucao-com-um-novo-escudo-1.html
8
http://grazia-tanta.blogspot.pt/2015/05/o-economicismo-ou-o-discurso-do.html
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Para quem ache que do desmantelamento da actual UE surgirá, de imediato, uma guerra, numa perspetiva de repetição da História, convém
esclarecer que a Alemanha, a principal afetada com esse desmoronamento tem umas forças armadas de 132000 pessoas (que não lhe permitiriam
grandes feitos militares) e sobretudo quando se sabe que somente uns 9000 daquele total estão operacionais. E como temos sentido de humor,
podemos referir que a forças armadas portuguesas (31000 pessoas), para manter a proporção face à Alemanha, deveriam pertencer de um país
com… 20 M de habitantes!