1) O documento discute a autoria e datação dos Salmos, explicando que muitos foram escritos por Davi no século X a.C., mas que a coletânea final dos 150 salmos foi concluída no século III a.C.
2) Os salmos serviam como livro de orações e louvor em cultos religiosos judaicos e foram organizados em cinco livros, cada um com uma doxologia final.
3) Além de oração, os salmos transmitem teologia através de louvor a Deus e confiança em Sua miseric
Introdução aos Salmos: Autoria, Propósitos e Classificação
1. INTRODUÇÃO
SALMOS
Autoria
A descoberta dos chamados Rolos do Mar Morto, nas cavernas do monte Qunram, é considerada
a maior descoberta arqueológica do século XX, e deu origem a uma série de pesquisas e relatórios
científicos que colaboram, até hoje, para melhor compreensão dos manuscritos bíblicos, além de
atestar a autenticidade de muitas cópias historicamente mais recentes.
A primeira coletânea pré-exílica de salmos foi organizada na época de Davi, quando a liturgia do
culto a Javé (Yahweh o nome santo e impronunciável de Deus, em hebraico transliterado muitas
vezes em Jeová, Iavé ou Adonai – o Eterno – é em geral traduzido por Senhor) começava a tomar
forma.
Os primeiros salmos a serem agrupados, e que mais tarde dariam origem ao Saltério, foram deno-
minados “Orações de Davi, filho de Jessé” (72.20). Outros foram compostos durante o exílio. Contu-
do, foi durante o reinado do seu filho Salomão (um dos reis considerados “davídicos”) e o exercício
do serviço litúrgico e religioso no primeiro templo, que os salmos, definitivamente, passaram a fazer
parte da tradição judaica. Assim, o livro dos salmos é a compilação de várias coletâneas da fina obra
literária bíblico-canônica-judaica (poemas, hinos e cânticos espirituais) e representa a etapa final de
um processo que demandou séculos de vívida história. Foram os mestres e servos pós-exílicos do
templo, entretanto, que completaram e concluíram a coletânea final de 150 salmos (número com o
qual concordam a Septuaginta e o Texto Hebraico, ainda que cheguem a essa cifra de modo dife-
rente), ao final do séc. III a.C.
As expressões “Salmos” e “Saltério” provêm da Septuaginta (a primeira e mais notável tradução
grega do AT, elaborada por um grupo de eruditos de Alexandria, por volta do ano 285 a.C.) e, a princí-
pio, referiam-se aos instrumentos de cordas usados nas liturgias da época (harpa, lira, alaúde etc...).
Mais tarde, passaram a designar não apenas os instrumentos mas, igualmente, os cânticos que
acompanhavam os cultos. Os títulos hebraicos originais tehilim (louvores) e tephillot (orações) deram
origem ao termo que usamos hoje: Salmos. É costume, nas sinagogas em todo o mundo, recitar uma
oração anterior e em preparação reverente à leitura devocional dos salmos, cujo primeiro parágrafo
aqui transliteramos: lehi ratson milefanêcha Adonai Elohênu velohê avotênu, habocher bedavid avdo
uvezar’o acharav, vehabocher beshirot vetishbachot, shetefen berachamim el keriat mizmorê tehilim
sheecrá keilu amaram David hamélech alav hasshalom beatsmo, zechuto toguen alênu. “Ó Eterno,
nosso Deus e Deus de nossos pais, que com amor acolheste Teu servo David e seus descendentes,
e que Te deleitas com cânticos e louvores, possam ser de Teu agrado os Salmos que vou pronunciar.
Considera-os como se pelo próprio rei David – de abençoada memória – tivessem sido recitados.”
De acordo com os títulos (parte integrante do texto bíblico que, na Bíblia King James e, posterior-
mente, em outras traduções, aparece como subtítulo ou junto ao primeiro versículo), Davi foi autor ou
fonte de inspiração de 73 salmos. O próprio Senhor Jesus Cristo afirmou categoricamente a validade
do título do Salmo 110 e a autoria de Davi (Mc 12.36).
Devido à fraseologia hebraica empregada nos manuscritos, que significa, de modo geral, “perten-
cente a”, surge uma dificuldade na precisão das autorias, pois essa expressão pode ser igualmente
interpretada no sentido de “concernente a”, “para uso de”, ou ainda “dedicado a”. Portanto, o nome
pode referir-se ao título de uma coleção de salmos que havia sido reunida em torno de determinada
personagem (como “de Asafe” ou “dos coraítas”, por exemplo). Contudo, especialmente depois
dos estudos sobre os Rolos do Mar Morto, não há dúvida entre os mais renomados biblistas, de
que houve um Saltério composto por esse notável compositor, músico e cantor; coletânea que pode
ter incluído hinos e escritos a respeito de alguns dos reis “davídicos” posteriores, ou ainda salmos
escritos “à moda de Davi”. O nome “Davi” também é usado no Saltério, em sua forma original, como
substantivo coletivo, a fim de representar os reis de sua dinastia. Nos livros hebraicos de orações,
a memória de Davi é tradicionalmente reverenciada como “o doce cantor de Israel”, cujos Salmos
2. manifestam sua exaltação, esperanças, tristeza e alegria, temor e angústias, perseverança e amor a
Am Israel, o Povo de Israel, sempre invocando a ajuda do Eterno (Adonai) e, mesmo nos momentos
mais difíceis, manifestando sua confiança absoluta no socorro dEle!”
Sendo assim, Asafe foi autor de 12 salmos, os filhos de Corá compuseram 11, Salomão foi autor de
dois, e Moisés e Etã foram autores de um salmo cada. Cerca de 50 salmos não têm autor definido,
embora a Septuaginta apresente Ageu e Zacarias como autores de cinco salmos.
Os mais recentes relatórios baseados nos Papiros ou Rolos do Mar Morto e, portanto, em averigua-
ções e estudos apurados em relação aos mais antigos manuscritos do AT, atestam que a maioria dos
salmos foi escrita por volta do ano 1000 a.C. e que não há um único salmo canônico que tenha sua
composição datada depois do ano 300 a.C.
Propósitos
Qualquer tentativa de estudo, sistematização ou esboço do Livro dos Salmos deve ser geral e
considerar dois aspectos fundamentais da sua constituição: o Saltério é oração, devoção e poesia,
do começo ao fim. E a teologia que perpassa os Salmos deve ser analisada em sua essência con-
fessional e doxológica; jamais de forma abstrata ou, de outro extremo, como um mero catecismo de
doutrinas. Alguns pregadores, na tentativa de sistematizar a teologia inerente ao Saltério, transforma-
ram obras de arte canônica, teológica e de louvor a Deus, em pílulas pragmáticas de doutrina e, não
raro, propagaram muitas heresias. Portanto, cada salmo deve ser analisado e compreendido à luz
da coletânea e, evidentemente, do todo das Escrituras, pois que uma verdade bíblica isolada deve
corresponder e harmonizar-se à Verdade geral das Escrituras Sagradas.
Portanto, a essência teológica dos Salmos, o centro gravitacional da História e de toda a criação,
seja a filosofia, a ética, a moral e a fé, ou ainda os mistérios da terra e dos céus, resume-se em Deus
(Yahweh – Javé ou Iavé – o Senhor). É muito sintomático que o mais respeitado e imponente rei dos
judeus tenha-se curvado, humildemente, diante do Rei dos reis, o Senhor dos senhores, clamando
por sua misericórdia e reconhecendo a soberania, a justiça e o amor leal de Deus.
O Saltério é dividido em cinco livros, cada um dos quais encerrado com uma doxologia. Portanto,
no estudo dos salmos, mais significativo que algum diagrama geral é a classificação deles, de acor-
do com os assuntos tratados.
Cerca de metade dos salmos é de Davi ou de algum dos seus descendentes (davídicos) e, conforme
seus títulos, vêm quase todos do período áureo de Israel, isto é, de aproximadamente 1.000 a.C. E, sem
dúvida, alguns deles foram compostos mais tarde, até mesmo no tempo do cativeiro, como o salmo
137, por exemplo. A grande virtude dos cânticos espirituais, hinos e, portanto, dos salmos, é atingir –
simultaneamente – espírito, razão e coração, provando que conhecimento intelectual não é o bastante:
o âmago do espírito humano deve também ser tocado pelo poder da Graça remidora de Deus.
É importante frisar, especialmente para os leitores ocidentais, de língua portuguesa, que a poesia
milenar hebraica não consiste em rima, nem obedece a um sistema métrico semelhante ao nosso,
mas consiste principalmente em repetição de pensamento (idéias) numa cláusula paralela. Como
neste exemplo: “Não nos trata segundo os nossos pecados nem nos retribui de acordo com as
nossas culpas” (Sl 103.10). A simples observação a essa regra do paralelismo hebraico pode nos
ajudar a interpretar palavras obscuras e, algumas vezes, certos enigmas bíblicos, ao lermos com
atenção o paralelo mais claro. Ou seja, uma frase ajuda na compreensão da outra e do sentido geral
da mensagem, pela associação ou esclarecimento da idéia central que está sendo comunicada.
Outro recurso lingüístico observado com freqüência nos poemas hebraicos é a dramatização, assim
como as figuras de linguagem (símiles e metáforas, em profusão). Davi escrevia como quem sentia
o coração dos seus leitores e ouvintes. Quando interpretamos os salmos messiânicos, é importante
ficarmos alertas para o fato de que, nesse caso, Davi também escreveu na primeira pessoa, ainda
que exiba, com vívidos detalhes, as experiências do Mestre e Messias (Sl 22).
Cerca de metade dos salmos pode ser classificada como “orações de fé em tempos de crise”.
Quantas pessoas atravessaram guerras, longos períodos de graves enfermidades, calamidades, de-
pressões profundas, falências, desilusões, traições, amarguras terríveis, dor e medo, orando, com
fé e persistência lendo os salmos bíblicos. Alguns desses salmos passaram para a História como
ícones universais de devoção, piedade e confiança em Deus. É comum ver a Bíblia aberta em um
3. desses salmos, como um símbolo de reverência e convite à leitura (Sl 23; 91 e 121). Aproximada-
mente outros 40 salmos foram consagrados especialmente ao tema da adoração e louvor (Sl 100 e
103, por exemplo), os quais deveriam ter uma participação em nossas leituras e meditações diárias.
Considerando que uma classificação detalhada dos salmos é uma tarefa extremamente difícil e,
de certa forma, sempre imprecisa, o Comitê de Tradução da Bíblia King James deixa aqui apenas
uma sugestão didática de reunião dos salmos, para estudo: Salmos do Homem Sábio (Sl 1; 15; 101;
112 e 113); Salmos Reais (Sl 2; 21; 45; 72; 110 e 132); Orações Pessoais (Sl 3,7,8); Louvor Salvífico
(Sl 30,34); Louvores Comunitários (Sl 12; 44; 79); Louvor Pela Salvação da Comunidade (Sl 66; 75);
Expressão de Fé (Sl 11; 15; 52); Hinos à Majestade de Deus (Sl 8; 19; 29; 65); Hinos à Soberania de
Deus (Sl 47; 93 – 99); Cânticos de Sião (Sl 46; 48; 76; 84; 122; 126; 129 e 137); Cânticos de Pere-
grinação (Sl 120 – 134); Cânticos Litúrgicos (Sl 15; 24; 68); Cânticos Didáticos (Sl 1; 34; 37; 73; 112;
119; 128; 133); Salmos Penitenciais (tradicionalmente assim chamados, e que incluem partes dos
salmos 38; 130 e 143, além dos conhecidos Sl 51 e 32); Salmos Vindicativos (Sl 69; 101; 137 e certas
porções dos salmos 35; 55 e 58); Salmos Históricos (Sl 78; 81; 105 e 106); Salmos de Revelação
(19; 119); Salmos Messiânicos (Sl 2; 8; 16; 22; 40; 41; 45; 68; 69; 89; 102; 109; 110; 118); Salmos
Messiânicos Proféticos (2; 45; 110). É importante notar as revelações feitas, por meio dos salmos,
em relação ao Messias (Cristo, em grego). No Sl 45.6, o Cristo aparece como Deus; no salmo 110,
Ele é o Rei-Sacerdote e Senhor de Davi; no salmo 2, Ele é o Filho de Deus, digno de todo louvor e
adoração. Outros salmos anunciam: os sofrimentos do Messias (Sl 22), seu sacrifício vicário (Sl 40),
e sua ressurreição miraculosa (Sl 16.10, 11). O salmo 89 nos apresenta o Cristo como Aquele que
completará o pacto davídico (Aliança), em cumprimento às esperanças garantidas pelo Senhor a
Israel e a todo o povo de Deus.
Data da primeira publicação
Ao questionarmos a data da publicação dos salmos, uma primeira pergunta se faz necessária: de
qual salmo especificamente estamos falando? Porquanto o Saltério é composto de salmos que vão
desde a época pré-exílica, passando por todo o tempo de cativeiro, até o pós-exílio. Como já vimos,
o processo de descobrimento, seleção e formação da coletânea canônica dos salmos levou vários
séculos, e foi concluído somente no final do século III a.C. Os salmos eram reverenciados e usados
como “Livro de Orações” – o que significava, também, ensino, louvor e adoração – nos cultos re-
alizados no templo de Zorobabel e Herodes, portanto, na reconstrução do templo de Salomão, ou
no chamado “segundo templo”, bem como para uso litúrgico em todas as sinagogas (Lc 20.42; At
1.20). No primeiro século da era cristã, já era conhecido como o “Livro dos Salmos”, o que significa
também todo o cânon do Antigo Testamento Hebraico ou “Escritos” (Lc 4.24-44).
Como já vimos, muitas coletâneas antecederam a formação final dos Salmos, e as primeiras cole-
ções surgiram pelas mãos de Davi, na época dos primeiros cultos no templo construído por determi-
nação de seu filho com Bate-Seba, o terceiro rei de Israel, Salomão (971 – 931 a.C.).
Considerando que metade de todo o Saltério é de autoria de Davi (ou davídicos), e que quase to-
dos foram originados no período áureo de Israel e alguns até mais tarde, podemos datar as primeiras
publicações dos Salmos por volta do ano 1000 a.C.
Esboço Geral dos Salmos
LIVRO I
Como vencer os momentos de crise, angústia e depressão (Sl 1 – 41)
Louvando e adorando ao Senhor Deus Yahweh (8; 24; 29; 33)
Exaltando a majestade e o amor leal do Senhor (2; 21)
Reverenciando a justiça misericordiosa e severa de Deus (1; 15)
Confessando e abandonando o pecado (32)
Crendo, absolutamente, na revelação do Senhor (19)
LIVRO II
Como orar com fé, em meio às adversidades da vida (Sl 42 – 72)
Louvando e adorando ao Senhor – Adonai (47; 48; 50; 65 – 68)
4. Exaltando a majestade e o amor leal do Senhor (45; 72)
Confessando e abandonando o pecado (51)
Entregando nossos adversários à justiça divina (58 e 59)
LIVRO III
Como manter a fé em Deus diante das aflições nacionais (Sl 73 – 89)
Louvando e adorando a Deus Todo-Poderoso (75; 76)
Observando o mover de Deus na História (78; 81)
Analisando o amor leal de Deus por Sião e pelo Templo (84; 87)
Suplicando a repreensão de Deus contra os ímpios (82)
LIVRO IV
Como descobrir a força que Deus dá para vencer as crises (90 – 106)
Cultivando uma fé inabalável diante dos obstáculos (90; 91; 94)
Observando o mover de Deus na História (105; 106)
Reconhecendo a justiça amorosa e certeira do Senhor (101)
LIVRO V
Como manter plena confiança em Deus diante das provações (107 – 150)
Crendo e exaltando a majestade soberana do Senhor (110; 132)
Esperando pelo socorro do Altíssimo nas aflições nacionais (129; 137)
Agarrando-se com toda a fé ao amor e à justiça de Deus (112; 116)
Agarrando-se com todo amor e confiança à Palavra de Deus (119)
Analisando o amor leal de Deus por Jerusalém (112)
Encontrando consolo, paz e forças no Espírito de Deus (120 – 134)
Dando sempre graças a Deus – Halel (113 – 118; 136 e 146 – 150).
5. SALMOS
PRIMEIRO LIVRO Julgamento, nem os pecadores na con-
Salmos de 1 a 41 gregação dos justos.4
6 Pois conhecer o SENHOR é o caminho
Os dois únicos caminhos dos justos; o caminho dos ímpios, po-
1 Abençoado com felicidade1 é o ho-
mem que não segue o conselho dos
ímpios,2 não se deixa influenciar pela
rém, conduz à destruição.5
O triunfo do reino do Messias
conduta dos pecadores, nem se assenta na
reunião dos zombadores.
2 Ao contrário: sua plena satisfação está
2 Por que os gentios se amotinam1 e os
povos intrigam em vão?
2 Os reis da terra preparam seus ardis e,
na lei do SENHOR,3 e na sua lei medita, dia unidos, os governantes conspiram con-
e noite! tra o SENHOR e contra o seu Cristo,2 pro-
3 Ele é como a árvore plantada à margem clamando:
de águas correntes: dá fruto no tempo 3 “Façamos em pedaços os seus laços, sacu-
apropriado e suas folhas não murcham; damos para longe de nós seus vínculos!”3
tudo quanto realiza prospera! 4 Do seu trono celeste, o SENHOR põe-se a
4 Não é o que ocorre com os ímpios! Ao rir e a ridicularizá-los.
contrário: são como a palha que o vento 5 E no seu devido tempo os repreenderá
carrega. com ira, e em seu furor os confundirá de
5 Por isso os ímpios não sobreviverão ao pavor,4 declarando:
1 Abençoado com felicidade: ou, como no original hebraico “Quão verdadeiramente feliz”. A chave da felicidade é a
obediência à Palavra de Deus (A Tôrâ, Lei em hebraico, no AT). Os Salmos 1 e 2 são o prefácio do Saltério (conjunto de poemas
e hinos hebraicos de adoração a Deus). Como guardiães da Sabedoria apontam para os únicos dois caminhos possíveis ao ser
humano: a “roda dos zombadores” ou a “congregação dos justos” (v.5).
2 Ímpios: pessoas sem piedade, cruéis, desumanas, sem o devido respeito a Deus e à sua Palavra, incrédulas, auto-suficientes,
arrogantes, que não enxergam seus erros e não se arrependem. O termo hebraico chataim significa a perversidade franca,
impiedosa e permanente.
3 Senhor: em hebraico YHWH (o nome sagrado e impronunciável de Deus, mais tarde transliterado para Yahweh ou Javé), é o
mais significativo nome de Deus no AT. Tem um sentido duplo: o Ser auto-existente, pois a palavra no original é relacionada ao
verbo “ser” (Êx 3.14), e o Redentor de Israel (Êx 6.6). Esse nome ocorre 6.823 vezes no AT, especialmente associado à santidade
de Deus (Lv 11.44-45), a seu ódio contra o pecado (Gn 6.3-7) e a sua misericordiosa provisão de redenção (Is 53.1-10).
A tradição judaica e cristã considera este Salmo como messiânico, da mesma forma que o Sl 110. Suas perspectivas são
messiânicas e escatológicas.
Na expressão original “conhecer o Senhor” ou, literalmente, “conhecendo o Senhor”, o particípio hebraico yôdêa está no estado
construto, que rege o objeto direto. Portanto, “Senhor” é objeto do verbo “conhecer” e não, sujeito. Na frase, está subentendido
o sujeito de totalidade.
4 Os pagãos e perversos não suportarão a ira de Deus no dia do Juízo Final (76.7; 130.3; Ed 9.15; Ml 3.2; Mt 25.31-46; Ap 6.17).
A expressão original “comunidade” refere-se à “assembléia” dos crentes em Deus (justos); os adoradores que se reúnem no
santuário para o culto e serviço espiritual dedicado ao Senhor (15.1,2; 22.25; 26.12; 35.18; 40.9,10; 111.1; 149.1).
5 O resultado final de uma vida dedicada à impiedade, sob a influência do maligno, é a punição eterna (Ap 20.11-15).
Capítulo 2
1 Amotinam: revoltam-se ou se enfurecem como na LXX (Septuaginta, tradução para o grego pré-cristão de todo o AT, realizada
por um grupo de 70 eruditos de Alexandria em 285 a.C.).
2 Cristo: ou Cristos, em grego, transliterado da forma aramaica Mashíah, que deu origem às palavras Messias e Cristo, ambas
significando o Ungido de Deus – Jesus.
3 A humanidade insana fugindo dos “laços” e “vínculos” do amor de Deus. Uma profecia do Calvário, onde os reis e governan-
tes estão representados por Herodes e Pilatos, e os povos, pela população de Israel, todos unidos contra Jesus Cristo, o Ungido
do Senhor (At 4.25-28 e 1Co 2.8).
4 O motivo do riso de Deus é a arrogância daqueles que se acham sábios e, não, o sofrimento humano. Deus tem prazer em
confundir (apavorar) os falsos sábios (1Co 1.20; Cl 2.15; Ap 11.18; 18.20).
6. 7 SALMOS 2, 3
6 “Fui Eu que consagrei o meu Rei sobre O socorro vem do Senhor
Sião, meu monte sagrado!”5 Um salmo de Davi quando teve de fugir de
7 Proclamarei6 o decreto do SENHOR. Ele Absalão, seu filho
me disse: “Tu és meu Filho; Eu hoje te
gerei.
8 Pede, e Eu te darei as nações como he-
3 SENHOR, como se avoluma o número
dos meus opressores, numerosos os
que se rebelam contra mim!1
rança, os confins da terra como tua pro- 2 São muitos os que dizem a meu respei-
priedade. to: “Deus jamais o socorrerá!”
9 Tu as regerás com cetro de ferro,7 como (Pausa)2
um vaso de oleiro as espatifarás”. 3 Mas tu, SENHOR, és o escudo que me
10 Por isso, ó reis, sede prudentes; aceitai protege, minha glória e o que me ergue
a correção, magistrados da terra! a cabeça.
11 Servi ao SENHOR com temor, e vivei 4 Em alta voz eu clamo ao SENHOR, e do
nele com alegria e tremor. seu monte sagrado ele me responde.
12 Rendei ao Filho8 adoração sincera, (Pausa)
para que não se ire e vos sobrevenha re- 5 Eu me deito e logo adormeço. Desperto
pentina destruição, pois a sua ira se acen- de novo, pois é o SENHOR que me sustém.
de depressa. Verdadeiramente felizes são 6 Não temo os milhares de inimigos que
todos os que nele depositam sua plena me cercam por todos os lados.
confiança.9 7 Ergue-te a meu favor, SENHOR! Salva-me,
5 O primeiro “monte sagrado de Deus” foi o Sinai (Êx 3.1; 18.5), onde Moisés recebeu de Deus a Lei ( Êx 24.12-18; Dt 33.2; cf.
1 Rs 19.8). Quando Davi edificou o Templo sobre a colina de Sião (2 Sm 5.9), ela tornou-se o único monte (residência) de Deus,
para onde as pessoas “subiam” a fim de ouvi-lo e adorá-lo. Sião deu seu nome a toda a cidade de Jerusalém, cidade do Rei
messiânico, em que se reunirão todos os povos e nações (Sl 48.1; Is 2.1-3; 11.9; 24.23; 56.7; Jl 3.6; Zc 14.16-19, cf. Hb 12.22;
Ap 14.1; 21.2).
6 Depois dos rebeldes (v.3) e de Yahweh (v.6), o Messias (Cristo) toma a palavra. O decreto desenvolve a promessa de adoção
dada ao herdeiro de Davi em 2Sm 7.14. Estas palavras eram pronunciadas como oráculos pelo rei, no rito de coroação, para
marcar o momento em que o novo soberano formalmente assumia sua herança e títulos (Dt 17.18; 1Sm 10.25; 2Rs 11.12). A
conexão entre esta proclamação e a ressurreição, em At 13.33 (cf. Rm 1.4), é duplamente significativa. Na ocasião do batismo
de Cristo e na sua transfiguração, o Pai O proclamou Filho e Servo, usando palavras extraídas deste versículo e de Isaías 42.1
(Mt 3.17; 17.5; 2Pe 1.17).
7 O livro de Apocalipse cita estas palavras três vezes; uma vez, a respeito do cristão vitorioso (2.27) e duas vezes, a
respeito do seu Senhor (12.5; 19.15). A LXX usa o verbo “reger” (literalmente, em hebraico, pastorear) em vez de “que-
brar”, utilizado em algumas versões. Isso permite percebermos o largo alcance da promessa. Contemplando, inicialmente,
uma disciplina de ferro e, em seguida, a derrota final dos incorrigíveis (cf. Jr 19.10-11). O cetro (ou vara) de ferro tinha as
funções de um cajado para o pastoreio e uma arma contra os assaltantes (Lv 27.32; Ez 20.37). Veio, assim, a ser símbolo
de governo.
8 Filho: em aramaico, Bar, e em hebraico pode ser entendido também como “puro” ou “pureza, sinceridade”. Os versículos
11 e 12 permitem traduções alternadas.
9 A tradução da Bíblia King James Atualizada contou com a cooperação de um grupo com cerca de 60 eruditos de vários
países e denominações cristãs, que tiveram acesso aos mais antigos e melhores manuscritos, especialmente após as últimas
publicações dos estudos sobre os Rolos do Mar Morto. Essa é a razão pela qual alguns textos bíblicos, especialmente em língua
portuguesa, diferenciam-se da maioria das versões tradicionais, mesmo das novas edições da King James em inglês.
Capítulo 3
1 Este salmo (dirigido ao chefe dos cantores para ser musicado) faz parte dos salmos históricos de Davi (3, 7, 18, 30, 34, 51, 52,
54, 56, 57, 59, 60, 63, 142). Davi teve de fugir da revolta de seu próprio filho, Absalão (2Sm 15.13), e estava rodeado de inimigos
e sofrimento (2 Sm 15.26; 18.33).
2 Os salmos (em hebraico, meez-mohr ou mizmôr) são poemas acompanhados de música e eram usados no louvor
e adoração a Deus. Por isso, os salmos apresentam alguns termos técnicos, como “Pausa” ( Selal ou Selah, palavra
derivada da raiz hebraica slh e que corresponde ao verbo aramaico “curvar”), um sinal de reverência ainda maior e uma
notação musical para indicar interlúdio, mudança de acompanhamento musical ou uma indicação, para o regente do coro,
sobre a entoação de uma frase do respectivo versículo, em voz cantada para servir de antífona (recitação) responsória dos
fiéis. Outro termo comum é “Ao mestre de canto”, em salmos que faziam parte de uma coleção de poemas reservados para
ocasiões especiais.
7. SALMOS 3–5 8
Deus meu! Quebra o queixo de todos os fleti em vosso leito e acalmai-vos.
meus inimigos, e arrebenta os dentes dos (Pausa)
ímpios.3 5 Oferecei sacrifícios4 justos como Deus
8 Do SENHOR vem a salvação! E sobre aque- requer e depositai toda a vossa confiança
les que são teus, a tua bênção! no SENHOR.
(Pausa) 6 Numerosos são os que dizem: “Quem nos
fará ver a felicidade?” Faze, ó SENHOR, res-
A segurança do fiel a Deus plandecer sobre nós a luz da tua face!5
Ao mestre de música, com instrumentos de 7 Colocaste em meu coração mais alegria
corda. Um salmo de Davi. do que a daqueles que têm fartura nas
4 Quando te invoco, responde-me, ó
Deus, minha justiça! Na angústia tu
me aliviaste:1 tem misericórdia de mim e
épocas de trigo e vinho.
8 Em paz me deito e logo adormeço, por-
que só tu, ó SENHOR, me fazes viver segu-
ouve as minhas súplicas!2 ro e sem medo.6
2 Ó filhos dos homens, até quando difa-
mareis minha honra? Até quando estareis Oração da manhã
amando ilusões e procurando a falsidade? Ao mestre de música: para flautas.
(Pausa) Um salmo de Davi.
3 Sabei que o SENHOR faz maravilhas para
o seu fiel; o SENHOR me ouve quando eu
o invoco.
5 Dá ouvidos, ó SENHOR, às minhas pa-
lavras, considera os meus pensamen-
tos íntimos.1
4 Estremecei de ira,3 mas não pequeis; re- 2 Concede tua atenção ao meu clamor2
3 Davi, arrependido e perdoado, buscou com fé o livramento de Yahweh, que o abençoou com sua graça, misericórdia e poder.
Deus tinha a reputação histórica de desferir poderosos golpes nos maxilares dos homens arrogantes e rebeldes.
Capítulo 4
1 Literalmente: “Tu, que no aperto me abriste espaço”.
2 Salmo de confiança e gratidão para com Deus, do qual unicamente vem a felicidade. Também conhecido como oração da
tarde com origem no passado (Gn 48.15-16).
3 Estremecei de ira, como, literalmente, em hebraico, ou “irai-vos”, como em algumas versões. Os sentimentos de insatisfa-
ção e cólera jamais devem dar ocasião a qualquer tipo de violência ou agressividade. O conselho aqui é, literalmente: “durma,
meditando no caso, antes de agir”. Paulo vai além e nos exorta a acabar com o sentimento de revolta e indignação antes do
pôr-do-sol (Ef 4.26).
4 O sangue de um animal inocente e sem mácula (defeito) era o ritual (símbolo) requerido para a expiação dos pecados de um
coração quebrantado e sinceramente arrependido. Deus não aceita sacrifícios, ofertas e rituais hipócritas como os oferecidos por
Absalão (2 Sm 15.1-14). Sacrifícios justos ou de justiça são aqueles oferecidos de acordo com a Lei (Ml 1.6-14) e, acima de tudo,
com verdadeiro amor ao Senhor (Mc 12.33). Em Cristo, toda a necessidade de sangue como holocausto cessou; e a fé genuína
no Filho de Deus e o amor cristão passaram a ser os sacrifícios exigidos pelo Senhor para a plena redenção (Sl 51.17; Pv 15.8;
Os 6.6; Rm 12.1; Ef 5.2; Hb 10.5; 1 Pe 2.5).
5 Face, ou fisionomia. Expressões freqüentes no Saltério (Salmos), que indicam a bondade de Deus e dos reis quando permi-
tiam que seus súditos os olhassem no rosto. É a face que demonstra os pensamentos e sentimentos e designa a personalidade.
Embora o homem não possa ver a face de Deus (Êx 33.20; 34.29-35), é possível ter um vislumbre da sua glória por meio da
comunhão com seu Espírito, o que faz dissipar todo temor e aflição.
6 Uma tradução do aramaico e siríaco: “Em felicidade me deito e logo pego no sono, pois vós, ó Senhor, me fazeis permanecer
em segurança, na solidão”. A palavra hebraica – lebadad indica que só o Senhor nos pode proporcionar toda a segurança
de que precisamos para descansar confiantes e em paz. (Dt 12.10; 33.28). O temor gera preocupação que nos tira o sono, mas
o que confia no Senhor pode descansar em paz e sem receio (Pv 1.33).
Capítulo 5
1 Este é um salmo em que Davi pede a Deus que responda a sua oração da manhã. Seu lamento íntimo é contra a propaganda
fraudulenta dos inimigos que o rodeiam. Descreve o ódio divino ao pecado e pede que o Senhor o guie na justiça. A expressão
mais literal, “pensamentos íntimos”, pode também ser traduzida como “meditação”, como aparece na antiga KJ (1611). Outras
versões usam a palavra “gemido”.
2 Davi não gritou como se o fizesse aos ouvidos de quem não ouve; mas toda a sua tristeza e o ímpeto de sua angústia in-
terior jorravam num choro abafado e sofrido. O verbo hagah, do qual deriva o substantivo hagig (discurso), significa tanto falar
distintamente como sussurrar ou murmurar. Uma antiga versão hebraica traduziu “ao meu clamor por socorro” assim: “aos meus
lamentos como o de pombo” (Is 38.14).
8. 9 SALMOS 5, 6
por socorro, meu Rei e meu Deus, pois é mulo aberto, e com suas línguas sedu-
a ti que eu suplico. zem e enganam.7
3 Pela manhã, ó SENHOR, ouves a minha 10 Condena-os8 ó Deus! Caiam eles em
voz; logo cedo te apresento o meu sacri- suas próprias tramas. Expulsa-os por
fício3 e aguardo com esperança.4 causa dos seus muitos pecados, porque
4 Porque tu, ó Deus, não tens prazer na in- se rebelaram contra ti.
justiça, e contigo não pode habitar o mal. 11 Mas alegrem-se todos os que em ti
5 Os arrogantes não são aceitos na tua colocam a sua fé; cantem de felicida-
presença; odeias todos os que agem com de para sempre! Estende sobre eles a
maldade. tua proteção. Rejubilem-se em ti os que
6 Destróis os mentirosos; os que têm sede amam o teu Nome!
de sangue e os fraudulentos são abomi- 12 Em verdade, SENHOR, tu abençoas o
náveis ao SENHOR . justo e, como escudo, o cercas9 da tua be-
7 Quanto a mim, graças à tua grande nevolência.
misericórdia,5 poderei entrar em tua
casa; e me prostrarei em direção ao teu Súplicas durante a provação
sagrado templo, com reverência e ado- Para o mestre de música.
ração. Com instrumentos de cordas. Em oitava.
8 Conduze-me, ó SENHOR, na tua justiça, Um salmo de Davi.
por causa dos que me espreitam.6 Aplaina
à minha frente o teu caminho!
9 Na boca deles não há palavra sincera,
6 SENHOR, não me castigues na tua ira
nem me corrijas no teu furor!1
2 Tem piedade de mim, ó SENHOR, pois
suas mentes tramam continuamente o estou perdendo as forças. Cura-me, SE-
mal. Suas gargantas são como um tú- NHOR! Pois estremecem meus ossos.
3 O hebraico não tem substantivo aqui, só o verbo anterior “preparar”, que pode ser usado para apresentar algo em uma festa
ou cerimônia (23.5). É um termo sacerdotal para preparar o fogo do altar e dispor os pedaços do holocausto (Lv 1.6-7). Uma
alusão ao sacrifício diário, à porta do tabernáculo de Deus, local marcado por Deus para falar com seu ungido (Êx 29.42). Davi
ora nesse sentido, expressando sua certeza de perdão (expiação) e fé na resposta do Senhor.
4 Deus marcou um encontro com Davi na tenda da congregação (templo; no NT, nosso corpo) e certamente viria. Não apenas
para ouvir, mas também para falar ao coração amargurado e temeroso de Davi. A expressão “aguardando com esperança” nos
remete aos profetas que ficavam esperando (vigiando) os primeiros sinais do cumprimento da Palavra do Senhor (Is 21.6,8;
Mq 7.7; Hc 2.1). A palavra hebraica , tsapah (esperança), tem o sentido de depositar diante de Deus as aflições e esperar a
resposta libertadora do Senhor.
5 Davi reconhece que, se Deus fosse julgar simplesmente seu caráter e não sua causa, seria arruinado. A palavra hebraica
hesed, traduzida por “misericórdia” tem o sentido de “amor leal e interminável” (Os 2.19-20).
6 Os que me espreitam , segundo a derivação do original hebraico, traz a idéia de vigilância em relação aos adversários que não
perderão uma oportunidade para destruir os que estão no Caminho do Senhor (Lc 11.53-54). Davi não é apenas um adorador,
mas um peregrino fiel que, a cada passo, encontra resistência. Sua oração por um “caminho plano” não busca conforto, mas,
sim, o progresso legítimo e o livramento dos ardis de seus inimigos.
7 “Os que têm sede de sangue e os fraudulentos” usam todos os recursos da comunicação para efetivar suas maldades. Os
métodos são os da Serpente no Éden e de seus filhotes: o Sedutor e o Difamador. A expressão “túmulo aberto” indica o sofrimen-
to a que todos estamos expostos, pelo fato de vivermos em um mundo hostil à realidade espiritual (Rm 3).
8 O termo hebraico asam significa “cortar” ou “destruir”, sendo uma palavra única para expressar o oposto de “justificar” (34.21-
22) neste grande julgamento em que toda a humanidade está envolvida: desmascaramento dos ímpios, colapso dos maus e
expulsão (ou rejeição) dos que se insurgem contra Deus e seu Reino (2 Sm 15.31).
9 As expressões hebraicas katsinah “como um escudo” e ratson “favor ou benevolência” são combinadas para assegurar ao
fiel (justo ou justificado) o cerco protetor de Deus. A expressão “o cercas” ocorre uma única outra vez em 1Sm 23.26-29, para
descrever a força hostil que rodeava Davi até que o Senhor providenciou o livramento (pedra de escape), evidenciando que é
Deus quem, de fato, ampara seus filhos. O escudo da época tinha uma grande saliência que se erguia de seu centro, encimada
por uma adaga, o que o fazia uma eficiente arma de defesa e ataque.
Capítulo 6
1 Este é o primeiro dos “Salmos Penitenciais de Davi” (6, 32, 38, 51, 102, 130 e 143). É um salmo de alguém profundamente
perturbado. As orações e as lágrimas derramadas diante de Deus não foram em vão, pois, ao final do saltério, há louvor pela
resposta do Senhor. Este salmo traz palavras para aqueles que não encontram ânimo sequer para orar.
9. SALMOS 6, 7 10
3 E a minha alma está extremamente Deus defende o justo
apavorada.2 Até quando, SENHOR! Até Canto de confissão de Davi. Entoado ao
quando?3 SENHOR, acerca de Kush, o benjamita.
4 Volta-te, SENHOR, e liberta minha
alma;4 salva-me por teu amor miseri-
cordioso!
7 SENHOR, meu Deus, eu me abrigo em
ti! Salva-me de todos os meus perse-
guidores. Liberta-me!1
5 Porque entre os mortos5 não há adora- 2 Que não me agarrem, como leões e,
ção a ti; no túmulo, quem poderá te ren- levando-me para longe, me estraçalhem,
der louvores? sem haver quem me livre.
6 Estou esgotado de tanto gemer, todas as 3 SENHOR, meu Deus, se procedi como me
noites eu choro na cama, banhando meu culpam, se em minhas mãos há injustiça
leito com lágrimas. e iniqüidade,
7 Meus olhos derretem-se de tristeza pela 4 se paguei com o mal ao amigo que me fez o
insolência6 dos meus opressores. bem, se de tudo despojei meus adversários,2
8 Afastai-vos de mim, malfeitores todos; 5 que o inimigo me persiga até alcançar,
porque o SENHOR escutou a voz do meu que me pisoteie vivo sobre a terra e ar-
pranto! raste a minha honra3 no pó!
9 O SENHOR ouviu a minha súplica; o SE- (Pausa)
NHOR respondeu a minha oração! 6 Levanta-te, SENHOR, na tua indignação!
10 Serão humilhados e aterrorizados7 to- Ergue-te contra o excesso de fúria dos
dos os meus inimigos; cobertos de vergo- meus opressores. Desperta-te, meu Deus!
nha se retirarão depressa! Estabelece o teu juízo designado!4
2 As palavras no original hebraico nibhalah meod apontam para as emoções altamente perturbadas do ser em geral
(alma e corpo) e são muito semelhantes àquelas pronunciadas por Jesus Cristo em sua agonia (Mt 26.38).
3 Os salmos nos ensinam que todas as demoras de Deus são para amadurecimento do tempo apropriado (37) ou da pessoa (119.67).
4 Liberta minha alma é a forma mais literal de se traduzir a expressão hebraica no original. O termo hebraico nefesh (Gn 2.7)
designa a respiração vital dos seres viventes e que se retira por ocasião da morte. A expressão “minha alma” equivale freqüente-
mente ao pronome reflexivo “eu próprio, mim mesmo, minha face, minha vida, minha glória”. Esses diferentes sentidos de “alma”
permanecerão vivos no NT como “psiqué”, do grego, psiché (Mt 2.20; 10.28; 16.25-26; 2Co 4.16; 15.44).
5 Entre os mortos, lugar dos mortos, além, sepulcro ou túmulo, são algumas das traduções do termo hebraico Sheol, que indica o
estado dos seres sem vida e a tragédia da morte como aquilo que silencia a adoração do ser humano, na terra, a seu Criador (Is 38.18-
19). Os gritos do salmista proclamam que o tempo de vida é curto demais, tudo passa muito depressa, e a morte é inexorável e certa
(Jo 9.4; Hb 9.27). Davi sabe que o Senhor tem acesso ao Sheol, e que haverá ressurreição (139.8; Pv 15.11; Is 26.19; Dn 12.1-3), mas
pede a Deus que o poupe para que ele recorde (louve e adore), ainda nesta vida, os grandes feitos do Senhor (Is 63.7).
6 A KJ traduz: “envelhecem por causa dos meus inimigos”, mas a palavra hebraica ‘ategah significa “insolência”; e ‘atgah “en-
velheceu” é conjetura. Os opressores não são apenas os inimigos e adversários, mas também os remorsos e tormentos mentais
(31; 35; 38; 69 e os amigos de Jó).
7 A mesma expressão usada no original já comentada (nibhalah meod) para descrever a extrema perturbação no ser de Davi
(vv. 2,3) agora é aplicada aos inimigos do Senhor em sua derrocada e expulsão.
Capítulo 7
1 A justiça será a salvação, pois as duas coincidem quando Deus julga a causa do oprimido. Deus é o juiz de toda a terra e a
maldade derrota a si mesma. Este é o primeiro dos salmos imprecatórios, que pedem juízo ou maldição contra os inimigos de
Deus. O termo hebraico Shiggaion, traduzido neste salmo por “canto”, significa uma canção arrebatadora, que ajudava a expres-
sar a confissão dos pecados de Davi, seu arrependimento e sua fidelidade ao Senhor. Quanto ao nome Kush (Cuxe, Cuch ou
ainda Cush), o benjamita, que aparece no título, não é mencionado em nenhum outro texto bíblico. Sabemos que em Benjamim,
a tribo de Saul, havia alguns inimigos mortais de Davi (2Sm 16.5-14).
2 Pior que a perseguição é a calúnia (Jó 31). Davi revela algo do seu código de honra (conduta, caráter) com Deus e que fazia
parte da tradição judaica dos fiéis (Êx 23.4-5; Lv 19.17-18; 1Sm 24.10-11; Pv 25.21).
3 A palavra hebraica kebod significa literalmente “minha glória”, mas também se refere aos órgãos onde os antigos semi-
tas acreditavam localizar-se os sentimentos e emoções (fígado, ventre, rins, entranhas). Um termo que, como no caso, também
pode designar a alma, quando usado em paralelo com os elementos vitais do ser humano. Davi estava disposto a ter seu nome
(reputação) enxovalhado, mesmo após a morte (pó ou túmulo), caso seus inimigos provassem sua culpa diante de Deus.
4 Em paralelo aos apelos de Davi por vindicação pessoal, há uma revelação maior sobre a justiça universal de Deus. A justiça
e o juízo não são uma preocupação, mas sim uma convicção (At 17.31). A expressão hebraica urah, “desperta-te”, tem o
sentido mais amplo de construir ou estabelecer o direito.
10. 11 SALMOS 7, 8
7 Reúna-se ao teu redor a assembléia dos 16 Assim, sua maldade se voltará contra
povos. Das alturas reina sobre todas as ele e sobre a própria cabeça cairá sua vio-
nações da terra.5 lência.
8 O SENHOR é quem julga os povos. Julga- 17 Eu, porém, darei graças ao SENHOR por
me, SENHOR, conforme a minha justiça, se- sua justiça, salmodiarei e cantarei louvo-
gundo a inocência que há em mim! res ao Nome do SENHOR, o Altíssimo!9
9 Deus justo, que sondas as mentes e
entranhas,6 dá fim à maldade dos ímpios, A glória do Criador
e ao justo dá segurança e paz. Para o mestre de música.
10 Deus é o escudo que me cobre, o salva- Conforme a melodia Os lagares.1
dor dos corações retos. Hino de louvor de Davi
11 Deus é o justo juiz! Deus que demons-
tra, a cada dia, seu extremo zelo.
12 Caso o homem não se converta, Deus
afiará sua espada; pois já armou seu arco
8 SENHOR, nosso soberano Deus,2 como
é majestoso o teu Nome por toda a
terra! Tu cuja glória é cantada acima dos
e o aponta, céus!3
13 preparou para si armas de morte e 2 Pela boca4 das crianças e dos recém-
produziu suas flechas flamejantes. nascidos instruíste os sábios e poderosos,
14 Todo aquele que gera maldade conce- silenciando os inimigos e maldosos, por-
be o sofrimento e dá à luz a desilusão.7 que são adversários teus.
15 Quem cava um buraco como armadi- 3 Quando admiro os teus céus, obra
lha cai em fossa profunda, que ele mes- dos teus dedos, a lua e as estrelas que ali
mo fez.8 estabeleceste,5
5 Calvino, em seu comentário, lembra que Davi sugere que Deus se manteve quieto e, por algum tempo guardou silêncio, para, no
momento certo, erguer-se tão alto que não só uma ou duas, mas todas as nações da terra pudessem contemplar sua glória.
6 Deus tem o poder de sondar e pôr à prova os pensamentos mais racionais e os sentimentos mais apaixonados e complexos
da nossa alma. Literalmente: “pões à prova o coração e os rins”.
7 Deus é o sujeito das ações narradas no v.13, ao passo que o v.14 descreve as atitudes do ímpio, cuja fertilidade para o mal é
comparada ao processo da gestação e parto. O raciocínio é o mesmo usado por Jesus Cristo a respeito da árvore má e do tesouro
mau (Lc 6.43-45). Metáfora semelhante é usada por Paulo ao explicar sobre o ciclo da tentação: cobiça–pecado–morte (Tg 1.15).
8 O mal sempre se voltará contra quem o pratica, mesmo que leve tempo. O efeito que uma atitude maldosa tem sobre a pessoa
que a acalenta e destina é mais desastroso para ela própria do que qualquer sofrimento que possa causar a outras pessoas (1Jo
2.11). Calvino e Lutero concordaram em que “aprofundar a cova” significava, no original, construir um tipo de armadilha para
caçar leões e outros animais selvagens, muito comum no oriente, e que consistia na escavação de um grande buraco que era
superficialmente coberto com ramos e pequenos galhos de árvore.
9 O verbo hebraico zamar (em grego: psallein) traz o sentido de salmodiar, tocando instrumentos musicais e cantando os feitos
de Deus. O título “Altíssimo” (em hebraico: Élyôn ) aparece raras vezes fora dos Salmos. Surge, pela primeira vez, na história de
Melquisedeque e Abrão (Gn 14.18). As religiões cananitas davam um título semelhante ao deus Baal, mas tanto Abrão como Davi
explícita e claramente, reivindicaram esse título, para o Senhor.
Capítulo 8
1 Este salmo é um dos mais belos exemplos de como um hino de louvor a Deus deve ser composto: celebra a glória e a graça
de Deus, enquanto descreve a natureza e os feitos do Senhor, bem como o mundo em relacionamento com Ele. Davi expressa
sua admiração diante da majestade do Senhor, que usa os fracos para destronar os poderosos. A palavra lagares (em hebraico,
gittith) é derivada de Gate e indica uma melodia associada a essa cidade.
2 A primeira palavra é o nome incomunicável de Deus; a palavra seguinte, em hebraico, Adonenu, nosso Soberano ou
Senhor, é derivada da raiz dan, que significa governar, julgar, suportar.
3 O uso do verbo hebraico tenah (colocar ou pôr) faz que possamos ler literalmente: “Puseste a tua glória acima dos céus”
(Is 6.3).
4 Contra os poderosos, pretensos sábios, vingadores, adversários e inimigos, Deus apresenta o simples louvor que brota “da
boca” (em hebraico mephi) dos mais fracos deste mundo. Entretanto, conforme a Entrada Triunfal haveria de demonstrar (Mt
21.15-16), a livre confissão de amor e fé é uma resposta devastadora ao acusador.
5 Entre todas as criaturas da terra, somente o ser humano é capaz de olhar com admiração (refletir ao contemplar algo). Deus
ensina que, ao olhar os céus, não devemos pensar num Criador ordeiro, mas distante e, sim, no Deus que cuida de cada detalhe
e visita os seus como o mais amoroso dos pais (Is 40.26-31). O universo criado por Deus não é destituído de significado, frio e
vazio, mas um lar aconchegante para sua grande família (Is 45.18; 51.16).
11. SALMOS 8, 9 12
4 pergunto: Que é o homem6 para que 4 Pois defendeste o meu direito e a minha
com ele te importes? E o filho de Adão demanda: sentaste em teu trono como
para que venhas visitá-lo? justo juiz.2
5 Tu o fizeste um pouco menor do que os Guimel
anjos7 e o coroaste de glória e de honra. 5 Corrigiste as nações, destruíste os ím-
6 Tu o fizeste dominar sobre as obras das pios; por toda a eternidade apagaste o
tuas mãos; tudo sujeitaste debaixo dos nome deles.3
seus pés: 6 O adversário foi totalmente derrotado
7 todos os rebanhos e manadas e os ani- para sempre; arrasaste as suas cidades e
mais selvagens também, já não há quem delas se lembre.
8 as aves do céu, os peixes do oceano e tudo 7 O SENHOR reina para sempre; para o jul-
o que percorre as correntes marítimas. gamento firmou o seu trono.
9 SENHOR, nosso soberano Deus, como é He
majestoso o teu nome por toda a terra! 8 Ele julga o mundo com justiça, governa
os povos com retidão.
Graças a Deus: Justo Juiz! Vav
Do mestre de música. Para oboé e harpa. 9 O SENHOR é abrigo seguro para os opri-
Um salmo de Davi.1 midos, uma fortaleza nos tempos de an-
Alef gústia.
9 SENHOR, quero render-te graças de
todo o meu coração, e proclamar to-
das as tuas maravilhas.
10 Em ti confiam todos os que conhecem
o teu nome, porque tu, SENHOR, jamais
abandonas aqueles que Te buscam.
2 Em ti quero alegrar-me e exultar; tocar Zayin
e cantar louvores ao teu nome, ó Altís- 11 Tocai, cantai e louvai ao SENHOR, que
simo. reina em Sião; proclamem entre as na-
3 Meus inimigos, retrocedendo, tropeça- ções as suas façanhas:
ram em tua presença e pereceram. 12 Ele busca os assassinos4, lembra-se do
Bet sangue derramado e os vinga, não se es-
6 Segundo a tradição judaica, a palavra enosh (homem) expressa a fragilidade humana em razão de seu doloroso estado
resultante do pecado. A segunda expressão, traduzida como “homem”, é ben Adam, literalmente, “o filho de Adão”. Como
o designativo Adão significa “homem”, formado de Adamah (pó e terra), “o filho do homem” é uma referência à descendência
humana, terrena, caída e apóstata. Uma forma de conscientizar o homem sobre sua origem e fim (Gn 2.7; 3.19). Entretanto, a
forma ben Adam é superior à simples enosh e, usada pelos monarcas, indica o homem em sua melhor condição humana (quando
demonstra características divinas como bondade, lealdade, amor e justiça). Nesse caso, a frase “o filho de Adão” poderia ser,
literalmente, “o melhor dos homens” ou “o maior príncipe do mundo”, segundo defende Calvino.
7 Em hebraico Elohim (Deus ou divindade), nome algumas vezes aplicado aos seres celestiais. Os melhores e mais
antigos textos judaicos, bem como a Septuaginta e as sucessivas revisões da KJ, traduzem Elohim, nesta frase, como “anjos”.
Capítulo 9
1 Davi louva ao Senhor, o justo Juiz, por destruir os ímpios. O termo “exultar”, em hebraico, E-eltsah, significa literalmen-
te “saltar de alegria”. Em algumas versões aparece Muth-Labben (nome de uma melodia de significado desconhecido). A partir
deste salmo, serão observadas algumas diferenças entre as versões da Bíblia quanto à numeração dos salmos, sendo que a
Septuaginta e a Vulgata (seguidas mais de perto pela Igreja Católica Romana) contam os Salmos 9 e 10 como um poema único,
enquanto as igrejas evangélicas herdaram a forma de contagem hebraica. Entretanto, neste caso, a ausência de título para o Sl 10
e a presença de um acróstico fragmentário que se inicia no Sl 9 e termina no Sl 10 justificam o entendimento de ser uma peça po-
ética que se complementa, pois falam da dupla realidade de um mundo caído: o triunfo certo e futuro de Deus e o sucesso atual e
passageiro dos ímpios. O Sl 9 tem a maioria das primeiras 11 letras do alfabeto hebraico (com 22 letras ao todo), como iniciais de
versículos alternados; o Sl 10, no entanto, depois de começar com a 12ª letra, abandona o esquema alfabético até os versículos
12-18, onde aparecem as quatro últimas letras. Isso ocorre devido ao mau estado do Textus Receptus e de outros originais.
2 O AT considera o julgamento divino como já realizado, sendo que o “Dia do Senhor” o trará à luz. Esse tema escatológico é
freqüente nos salmos.
3 Embora a maioria das versões traduza alguns verbos hebraicos no tempo passado como presente, na realidade esses verbos
são “perfeitos proféticos”, formando uma característica vital para o correto entendimento do AT, pois descrevem acontecimentos
futuros como se já tivessem acontecido, tão certo é o cumprimento deles e tão clara a visão.
4 Literalmente, no original: “Ele busca o sangue derramado e exige contas”.
12. 13 SALMOS 9, 10
quece jamais do clamor do necessitado. terra, que não são mais do que seres hu-
Het manos.
13 Misericórdia, SENHOR! Vê minha afli- (Pausa)
ção! O sofrimento causado pelos que
me odeiam. Salva-me das portas da Deus ouve a oração do aflito e vence o mal
morte,
14 para que, junto às portas da cidade5 de
Sião, possa eu cantar louvores a ti e ali
10 Por que, SENHOR, permaneces
afastado e te ocultas no tempo da
aflição?
exulte em teu livramento. Lamed
15 Os povos caíram na cova que com as- 2 Com arrogância os ímpios perseguem
túcia abriram; no laço que ocultaram, o indefeso; que fiquem emaranhados em
seus pés se prenderam. suas próprias tramas!
Tet 3 O infiel se gaba de sua própria ambição,
16 O SENHOR é conhecido pela justiça que o avarento menospreza1e insulta a Deus.
exerce; os ímpios caem em suas próprias 4 O ímpio é soberbo, não quer saber des-
tramas. se assunto. “Deus não existe!” é tudo o
Interlúdio6 (Pausa) que de fato pensa.
Yud 5 Seus negócios têm contínuo sucesso;2
17 Voltem os ímpios para o inferno,7 to- muito além da sua compreensão está a
dos os povos que se esquecem de Deus! tua Lei, por isso ele faz pouco caso dos
Kaf seus adversários,
18 Mas os necessitados jamais serão esque- 6 pensando consigo mesmo: “Eu sou ina-
cidos, nem será frustrada a esperança dos balável! Desgraça alguma me atingirá,
pobres e humildes. nem a mim nem aos meus descendentes”.
19 Ergue-te, SENHOR! Não permitas que Pê
um simples mortal vença! Julgados se- 7 Sua boca está sempre cheia de fraudes,
jam todos os povos na tua presença. maldições e ameaças; violência e todo
20 Coloca em seus corações o terror,8 ó tipo de maldade estão em sua língua.
SENHOR! Para que saibam as nações da 8 Põe-se de emboscada próximo aos vi-
5 Cidade ou filha, em hebraico. Davi descobre que o melhor antídoto contra o sofrimento está no louvor ao Senhor. Assim, as
portas da morte não poderão impedi-lo de atravessar as portas de Sião.
6 Interlúdio ou Higaiom, no original hebraico. Momento solene, apropriado para a meditação, recitação de textos bíblicos em
voz baixa, com ou sem acompanhamento de instrumentos suaves (arpejo).
7 Os perversos (ímpios e infiéis) voltarão para o inferno. Eles não apenas “partirão” ou “serão lançados”, como traduzido
em algumas versões, mas retornarão ao seu estado natural de morte e de atos de morte (maldade). A palavra hebraica
Sheol ou Sheolah, traduzida aqui como “inferno”, também pode ser entendida como “sepultura”, “volta ao pó” e “profundezas
da morte”.
8 É notório como Deus tem permitido o terror entre as nações como mais uma chance para que o homem observe o produto
de seu egoísmo e ambição. É necessário que o homem se humilhe e reconheça sua pequenez e a necessidade da direção
divina. Mas a humanidade, em sua arrogância, tem se rebelado ainda mais contra Deus e, por isso, passará por mais aflições e
sofrimentos, entristecendo sobremaneira o coração do Criador.
Capítulo 10
1 No original hebraico, esta palavra tem o sentido mais apropriado de “ignorar “ e “desprezar”. Não crer na participação pessoal
de Deus em nossas vidas, relacionamentos e negócios é uma forma de blasfêmia, termo empregado semelhantemente em 1Rs
21.10; Jó 1.5. Em algumas versões essa expressão foi traduzida por “maldiz ou amaldiçoa” interpretando o eufemismo usado
para o termo literal: “abençoar” em seu sentido amplo: “despedir-se de”.
2 Deus, nesse intervalo de tempo, coloca-se distante, permitindo que o tirano ganancioso prospere muito bem às custas dos
pobres. A palavra hebraica significa “sucesso”. É uma missão dos Salmos tocar no âmago desse problema, conservando
viva a sua dor, em contraste com nossa passividade, familiaridade e, às vezes, triste cumplicidade com um mundo corrupto. É
importante lembrar que Deus é favorável ao progresso, sucesso e a todo o bem-estar humano. Mas esses desejos só serão
legítimos e honestos quando realizados na companhia de Deus, evitando assim a exploração do homem pelo homem. Mas o
soberbo e avarento estão presos às coisas da terra (pó e terra têm muita afinidade) e ocupados demais no chão para dar atenção
à grandiosidade do que paira sobre eles.
13. SALMOS 10, 11 14
larejos3 e às escondidas massacra o ino- Tav
cente. 17 Tu, SENHOR, ouves a oração dos neces-
Ayin sitados; tu lhes fortalecerás o coração e
9 Fica à espreita como leão escondido; atenderás ao seu clamor.
coloca-se de tocaia para apanhar o ne- 18 Defende o que não tem pai e o oprimi-
cessitado; agarra o pobre e o arrasta em do, a fim de que o homem, que é pó, já
sua rede. não provoque o terror.5
10 Ele espreita, se agacha, se encurva, e o
infeliz cai em seu poder.4 Refúgio em Deus
11 Imagina consigo mesmo: “Deus se es- Para o mestre de música. Um salmo de Davi.
queceu; escondeu seu rosto e nunca dará
atenção a isto”.
Qof
11 No SENHOR eu me refugio. Como
podeis dizer-me: “Foge como um
pássaro para os montes?
12 Levanta-te, SENHOR! Ergue a tua mão, 2 Vê! Os ímpios preparam os seus arcos,
ó Deus! Não te esqueças dos desampara- ajustam com precisão as flechas nas cor-
dos. das, para atirar ocultamente contra os
Resh retos de coração.
13 Por que o ímpio despreza a Deus, di- 3 Se os fundamentos estão destruídos,
zendo em seu íntimo: “Tu não me pedi- que pode o justo fazer?”
rás contas”? 4 Mas o SENHOR está no seu templo sa-
14 Mas tu vês o sofrimento e a dor; e to- grado, o SENHOR tem seu trono nos céus.
mas esses sentimentos em tuas mãos. O Seus olhos observam tudo; vê atenta-
sofredor se entrega a ti, pois tu és o pro- mente os filhos de Adão.
tetor do órfão. 5 O SENHOR prova o justo, mas o ímpio e
Shin aqueles que amam a injustiça são odia-
15 Quebras o braço do ímpio e do mal- dos por Ele.
doso, pedes contas de sua crueldade, até 6 Sobre os ímpios Deus fará chover bra-
que dela nada mais seja visto. sas ardentes e enxofre incandescente;
16 O SENHOR reina todos os dias e eter- vento causticante é o que terão.
namente; da sua terra desapareceram os 7 Porquanto justo é o SENHOR, e ama a
outros povos. justiça; os íntegros verão a sua face!1
3 Algumas versões traduzem, neste versículo, a palavra hebraica haçirîm como “juncos”, como em Is 35.7, mas aqui a palavra
correta é haçerîm, que significa “vilarejos”, “povoados” ou “recinto”. Jerônimo traduziu a expressão hebraica como
um particípio: “Põe-se de espreita perto das fazendas”. O sentido no original é o de uma raposa que durante a noite se coloca de
tocaia junto ao curral e espera por uma presa.
4 Este versículo mostra as artimanhas que o tirano usa para enganar e devorar suas vítimas, consideradas como pobres,
desamparadas e infelizes em suas mãos. A expressão hebraica qerê, literalmente, “se rebaixa” e, em grego, ketib “rebaixado”,
ilustram o quanto de falsidade e demagogia é usado pelos poderosos para iludir os incautos.
5 Algumas revisões usam a expressão “defendes o órfão” ou “fazes justiça ao órfão”; a expressão no original usa a metáfora
da orfandade, para trazer à luz o desejo de Deus de ser reconhecido, como Pai, pela humanidade. Assim, o homem deixaria
sua condição de simples “criatura de pó e terra” e herdaria as características divinas do seu Pai e Criador. Entretanto, por mais
distante que seja o dia da justiça, a promessa do Pai não é adiada: Ele fortalecerá os corações (v. 17). Os arrogantes e perversos
serão lembrados em sua humana insignificância e não mais causarão terror aos pobres e mais fracos. Esse é o sentido do verbo
hebraico arots. A graça do Senhor é a nossa força (2Co 12.8-10).
Capítulo 11
1 A expressão hebraica “contemplar a face de Deus” é freqüentemente usada nos Salmos, no sentido de estar em pé ante sua
presença, como servos diante de um Senhor misericordioso e amável, que autoriza seu servo a assumir essa postura. (16.8-11;
17.15; 23.6; Is 38.11). Evidentemente, não há qualquer contradição em relação à impossibilidade de o ser humano ver a face de
Deus (Êx 33.20). Este salmo termina como começou: com o Senhor, cuja natureza é justa, apresentado como a resposta para o
medo e a frustração (v. 3). A primeira frase do salmo revelou onde está a segurança daquele que crê; a última linha mostra onde
deve estar seu coração. Os salmistas podiam ver a Deus com os olhos da alma (ser), e aguardavam o dia da ressurreição, quando
poderiam, então, olhar para a face do Senhor sem que fossem destruídos.
14. 15 SALMOS 12–14
O mundo falso encobrirás de mim tua face?
Para o mestre de música, em oitava. 2 Até quando sofrerei com preocupações e
Um salmo de Davi. tristeza no coração, dia após dia?1Até quan-
12 Socorro, SENHOR! Já não há quem
seja leal; já não é possível confiar
em ninguém entre os seres humanos.
do prevalecerá o inimigo contra mim?
3 Olha para mim e responde, SENHOR,
meu Deus. Renova o brilho da vida nos
2 Cada qual mente ao seu companheiro; meus olhos, caso contrário me entregarei
seus lábios bajuladores falam com se- ao sono da morte;
gundas intenções. 4 e o meu inimigo virá a dizer: “Eu ven-
3 Que o SENHOR golpeie todas as bocas ci”; e os meus adversários festejarão o
fraudulentas e a língua arrogante meu fracasso.
4 dos que proclamam: “Venceremos pelo 5 Contudo, eu confio em teu amor; o
poder do nosso falar; nossos lábios são meu coração se enche de alegria e satis-
como lâminas cortantes! Quem poderá fação em tua salvação.
mandar em nós?” 6 Desejo cantar ao SENHOR por todo o
5 “Por causa da opressão do necessitado bem que me tem feito.2
e do clamor do pobre, agora me levan-
tarei”, diz o SENHOR.“Eu os protegerei e O tolo não crê em Deus
salvarei a quem por isso anseia.”1 Para o mestre de música. Um salmo de Davi.1
6 As palavras do SENHOR são verdadeiras,
são puras como a prata purificada num
forno, sete vezes refinada.
14 Diz o tolo em seu coração: “Deus
não existe”. Todas as suas atitudes
são corruptas e abomináveis: não há um
7 SENHOR, tu nos guardarás seguros, e desse que faça o bem.
tipo de gente nos livrarás para sempre. 2 Dos céus o SENHOR se inclina sobre a
8 Os ímpios vagueiam soberbos por toda humanidade, para ver se há alguém que
parte, quando a corrupção é exaltada na tenha juízo e sabedoria, alguém que bus-
sociedade.2 que a Deus de coração.
3 Todos se desviaram, igualmente se cor-
Oração de livramento romperam; não há ninguém que faça o
Para o mestre de música. Um salmo de Davi. bem, não há um sequer.2
13 Até quando me esquecerás, SE-
NHOR? Para sempre? Até quando
4 Será que os maldosos nunca aprendem?
Eles devoram o meu povo, como se co-
1 No original hebraico, “anseia” é, literalmente, “ofega”. Deus virá em socorro de todo aquele que de todo o coração o busca.
2 Quando as pessoas de um povo (sociedade) começam a valorizar positivamente as atitudes ardilosas e desonestas de ho-
mens maldosos (Jz 9.4), a corrupção se instala como estilo de vida daquela geração e todos passam a viver se enganando, numa
neurose coletiva, em busca de vantagens pessoais. No original, a expressão “vagueiam” sugere um modo, bem público e sem
receio da lei, de perambular pela cidade, com más intenções.
Capítulo 13
1 A palavra hebraica yomam tem o sentido de uma dor que volta dia após dia. Davi, ao repetir quatro vezes “até quando”,
demonstra toda a sua aflição no que diz respeito a seu relacionamento com Deus, com os inimigos e consigo mesmo. No AT “en-
cobrir a tua face” ou “ocultar o rosto” significava a recusa da ajuda prática de Deus. As expressões “olha para mim”, “lembra-te”
ou “desperta-te” não têm a ver com estados de consciência de Deus, mas, sim, são prelúdios à intervenção poderosa do Senhor
na vida de seus filhos (Êx 2.24-25).
2 Por maior que seja uma pressão emocional, tentação ou dor, a escolha de confiar em Deus é do fiel, não do inimigo. A aliança
de amor com Deus deve prevalecer em qualquer aflição. Assim o salmista lembra o pacto de amor de Deus, reafirma sua confiança
nesse amor e passa a concentrar sua atenção, não na qualidade da sua fé, mas no objeto dela – o Senhor – e em seu resultado final:
a vitória. Davi crê de tal forma na providência divina, que a frase em que aparece “todo o bem que me tem feito” tem, no original
hebraico, o sentido de agradecer a Deus por haver concedido muito mais do que o salmista desejava. Davi tem certeza de que ainda
cantará esse louvor a Deus, olhando para trás e contemplando o dia de dores, quando o Senhor ouviu sua oração e o salvou.
Capítulo 14
1 Este salmo é muito semelhante ao 53, no qual o profeta revela um detalhe a mais sobre como Deus protege os justos (53.5);
literalmente: “Pois Deus espalhará os ossos daqueles que se acampam contra ti, tu os confundirás; porque Deus os rejeitou”.
2 O espírito de impiedade se revela de duas maneiras: pelo desrespeito público às leis de Deus (1-3) e pela exploração do Seu
15. SALMOS 14–16 16
messem pão, e não clamam pelo SENHOR? 4 A seus olhos, o ímpio é desprezível; mas
5 Agora todos estão tomados de terror, por- dedica honra aos que temem o SENHOR.
que Deus está presente a favor dos justos. Mantém a palavra empenhada3 e, mesmo
6 Vós, malfeitores, tentais frustrar a es- saindo prejudicado, não volta atrás;
perança dos humildes, mas o refúgio do 5 não empresta seu dinheiro com usura,4
pobre é o SENHOR. nem aceita suborno contra o inocente.
7 Que a salvação de Israel venha de Sião! Quem assim conduz sua vida caminhará
Quando o SENHOR restaurar o seu povo,3 seguro e em paz.
Jacó exultará e Israel celebrará com grande
alegria! A fidelidade de Deus
Um canto silencioso de Davi.
O homem de Deus
Um salmo de Davi. 16 Defende-me, ó Deus, pois eu me
abrigo em ti.
15 SENHOR, quem poderá hospedar-
se em teu tabernáculo?1 Quem há
de morar no teu santo monte?2
2 Ao SENHOR declaro: “Tu és o meu Se-
nhor; não tenho bem maior além de ti”.1
3 Quanto aos fiéis que há na terra, eles é
2 Aquele que é íntegro em sua conduta que são os notáveis nos quais tenho todo
e pratica a justiça, que de coração fala a o meu prazer.
verdade 4 Muitos serão os sofrimentos dos que
3 e não usa a língua com maledicência, deixam o SENHOR e buscam outros deuses;
que nenhum mal faz a seu semelhante eu não tomarei parte nos seus sacrifícios
nem lança calúnias e afrontas contra seu de sangue, e os meus lábios sequer men-
companheiro. cionarão seus nomes.
povo (4-6). A palavra hebraica para “tolo” ou “insensato” é nābāl (1Sm 25.25) que, neste salmo, significa um tipo de perversi-
dade violenta, injusta e sem piedade. No NT, Paulo demonstra os malefícios de não se crer em Deus (Rm 1.18-32).
Como na ocasião que precedeu o Dilúvio, Deus observa a raça humana e não vê ninguém que “tenha juízo e sabedoria” em
suas atitudes, tampouco encontra “um que faça o bem”. O sentido original do v.3 indica uma degeneração moral entre os seres
humanos, mais literalmente, um apodrecimento das virtudes divinas que fazem de uma pessoa um ser humano (Rm 3.10-12).
3 A KJ (1611) traz: “Quando o Senhor fizer voltar os cativos do seu povo”. Estudos sobre os melhores e mais antigos originais
reforçam a fidelidade da tradução usada aqui. O apóstolo Paulo nos ensina a orar com a expectativa de redimidos por Deus para
a grande celebração que se aproxima (Rm 8.19-25). No início do Sl 126 há outro exemplo desse antegozo.
Capítulo 15
1 Há duas idéias na palavra tabernáculo: uma, de adoração formal e sacrifício (Êx 29.42), e a outra, demonstrando a generosi-
dade e a hospitalidade de Deus, que aguarda a chegada do peregrino (adorador e hóspede ansioso) a seu lar. Algumas versões
apresentam as palavras “santuário” ou “tenda”, à imagem do antigo santuário do deserto (Êx 23.19).
2 Davi descreve o caráter de uma pessoa qualificada para viver (literalmente: tabernacular) com Deus. As perguntas paralelas e
sinônimas do v.1 são respondidas nos versículos seguintes por uma descrição de onze pontos vitais que distinguem uma pessoa
justa, correta, em ação, palavra, atitude e finanças. Essas qualidades não são naturais no homem (que é pó); são virtudes divinas,
concedidas por Deus.
3 O homem e a mulher de Deus devem orar e refletir no Senhor antes de empenhar sua palavra, sabendo que uma pessoa de
Deus não deve agir como aqueles que, não tendo o Espírito de Deus, tratam levianamente seus compromissos e, muitas vezes,
usam a palavra firmada apenas para enganar e tirar alguma vantagem do seu próximo. Entretanto, ao perceber o erro cometido
em determinado contrato ou palavra afiançada, o fiel a Deus pode corretamente implorar sua desobrigação (Pv 6.1-5), desde que
aceita pela outra parte. No caso de recusa da desobrigação e de impossibilidade de uma renegociação, a palavra dada deverá
ser cumprida (2Co 1.15-23).
4 A Palavra de Deus não desaprova o ato de se receberem juros e correção monetária por dinheiro emprestado (Dt 23.20; Mt
25.27). O que Deus condena é a exploração financeira (usura) do aflito e necessitado, no sentido de tirar proveito das desgraças
do próximo e obter lucro abusivo (Lv 25.35-38; Dt 23.19). O AT proíbe a venda de alimentos, com lucro, para os necessitados. No
contexto da família, o membro em situação difícil deveria ser sustentado por seus parentes até se reerguer financeiramente. Fora
da família, a Lei permitia o ganho de juros moderados, ao mesmo tempo que proibia a extorsão e encorajava a generosidade (Êx
23.9; Lv 19.33-34). Davi vai além neste salmo, e não faz diferença entre um irmão e um desconhecido necessitado.
Capítulo 16
1 Neste cântico de confiança, que deveria ser entoado de forma silenciosa para não provocar a ira dos pagãos que dominavam
Jerusalém na época, Davi declara que assim como confiou no Senhor como sua suficiente porção nesta vida (vv.1-8), da mesma
maneira confiará em Deus para preservá-lo na morte (vv.9-11).
16. 17 SALMOS 16, 17
5 SENHOR, tu és a minha parte na herança 2 Que minha sentença favorável venha da
e o meu cálice; és tu que garantes o meu tua face; vejam os teus olhos onde está a
futuro. justiça!
6 As divisas das terras caíram para mim 3 Podes sondar-me o coração, examinar-
em lugares agradáveis; tenho uma mara- me a consciência durante a noite, provar-
vilhosa herança!2 me com fogo, e iniqüidade alguma encon-
7 Darei louvores ao SENHOR, que me acon- tras em mim; pois minha boca não é falsa
selha; na calada da noite o meu coração diante de ti,
me ensina! 4 como costuma agir a humanidade. Eu
8 Tenho sempre o SENHOR diante de mim. observei a palavra dos teus lábios e evitei
Com Ele à minha direita, não serei aba- o caminho dos maldosos.
lado. 5 Meus passos seguem firmes nas tuas ve-
9 Essa é a razão da alegria que trago no redas; meus pés não escorregam.
coração e, no íntimo, exulto de prazer; e 6 Eu clamo a ti, ó Deus meu, pois tu me
assim meu corpo repousará em paz, por- respondes; inclinas para mim os teus ou-
que tu não me abandonarás nas profun- vidos e ouves a minha oração.
dezas da morte, 7 Demonstra as maravilhas2 do teu amor
10 nem permitirás que o teu santo sofra leal, Tu, que com a tua destra salvas os
decomposição.3 que em Ti buscam refúgio e defesa con-
11 Tu me fizeste conhecer o caminho da tra seus agressores.
vida, a plena felicidade da tua presença e 8 Protege-me como a pupila dos teus
o eterno prazer de estar na tua destra.4 olhos,3 abriga-me à sombra das tuas asas
protetoras,
Oração do oprimido 9 longe dos ímpios que me oprimem, dos
Uma oração de Davi. inimigos mortais que me rodeiam.
17 Ouve, ó SENHOR, meu justo lamen-
to; dá atenção ao meu clamor.
Responde a minha oração, que não pro-
10 Eles enchem seus corações de insen-
sibilidade, e suas bocas transbordam de
arrogância.
cede de lábios mentirosos.1 11 Seguem-me os passos, e já me cercam;
2 Davi expressa que Deus é sua maior e melhor herança e que jamais pensaria em seguir outros deuses, ou em compartilhar
louvores que não fossem dirigidos ao Senhor. Davi lembra que o fato de ter sido deserdado é uma honra e uma indicação de que
ele só depende do Senhor, pois Deus também não dera a seus sacerdotes qualquer porção de terra, assegurando-lhes somente:
“Eu sou a tua porção e a tua herança” (Nm 18.20). A tribo mais favorecida na partilha das fronteiras (divisas) não possuiu herança
mais rica do que a que coube a Davi (Js 19.51; Fl 1.21; 3.8).
3 Davi faz uma alusão messiânica que será mais tarde, no NT, enfatizada pelos apóstolos Pedro e Paulo (At 2.29ss.; 13.34-37).
4 Andar nos caminhos do Senhor é viver em plenitude (25.10; Pv 4.18). A presença de Deus ou “a face do Senhor” são expres-
sões que no original que indicam felicidade total e eterna. Um tipo de gozo que o sistema mundial, sob o qual vivemos, não pode
proporcionar. A palavra hebraica para “alegria” ou “felicidade” (literalmente: alegrias) refere-se a delícias e satisfação (plenitude,
derivada da mesma raiz que “satisfação” em 17.15). O Senhor concede as alegrias da sua face (o significado de presença) e
da sua mão direita (destra). O refugiado do v.1 se vê, agora, herdeiro, e sua herança é maior do que jamais poderia imaginar. A
expressão correta, no final do versículo, é “na tua destra” e não “à sua direita”, pois o sentido, diferente do v.8, é mostrar que da
mão direita (destra) de Deus procedem todas as bênçãos e dádivas (Gn 48.14ss.; Pv 3.16).
Capítulo 17
1 Davi não está afirmando que é um homem sem falhas ou pecados. Está defendendo sua integridade de fé, assim como Deus
defendeu a honestidade espiritual de Jó (Jó 1.8; 42.8). Nem Jó muito menos Davi eram isentos de pecados, mas foram homens
sinceros diante de Deus, que amaram o Senhor de todo o coração e preferiram o Senhor a todos os demais bens da terra. Davi
filtra seus sentimentos e conclui que sua religiosidade não é fingida (1Jo 3.18-21) e por isso apela a Deus para que pronuncie a
sentença favorável.
2 A mesma expressão usada por Deus na repreensão à falta de fé de Sara (Gn 18.14). O fiel não pode esquecer que nada
é impossível (literalmente: maravilhoso) para Deus. O termo “amor leal”, como já foi visto, refere-se à bondade interminável do
Senhor; à fidelidade de Deus a uma aliança feita com um homem que, confiando sua vida nas mãos do Senhor, crê que essa
aliança jamais será quebrada por Ele, mesmo considerando a infidelidade do homem (Os 2.19-20).
3 Pupila ou “a menina dos olhos” é figura de linguagem que, ao lado de outras expressões como “asas protetoras”, demonstra
de forma clara e eloqüente, o quanto Deus é sensível às nossas necessidades, e com que carinho nos protege. Os olhos são
17. SALMOS 17, 18 18
seus olhos estão fitos em mim, prontos servo do SENHOR. Ele cantou as palavras deste
para derrubar-me. hino de louvor ao SENHOR, quando este o livrou
12 São como um leão ávido pela presa das mãos de todos os seus inimigos e das garras
escolhida, como feras sanguinárias sali- de Saul. Assim se expressou Davi:1
vando pela vítima, na tocaia.
13 Levanta-te, SENHOR! Confronta-os! Arrasa-
os! Com tua espada, livra-me dos ímpios.
18 Eu te amo2 com todo o meu ser, ó
SENHOR, minha força.
2 O SENHOR é o meu penhasco3 e minha
14 Com tua mão, SENHOR, livra-me das pes- fortaleza, quem me liberta é o meu Deus.
soas mundanas, dos homens maldosos des- Nele me abrigo; meu rochedo, meu escu-
ta terra, cuja recompensa está nesta vida. do e o poder que me salva, minha torre
Enche-lhes o ventre de tudo o que lhes re- forte e meu refúgio.
servaste; fartem-se disso os seus filhos, e o 3 O SENHOR seja louvado! Pois clamei a
que sobrar fique para suas crianças de colo. Deus por livramento e estou salvo dos
15 Eu, contudo, graças à tua justiça, verei a meus inimigos.
tua face; quando despertar, terei a plena sa- 4 As cordas da morte me enredaram; as
tisfação de ver tua semelhança em mim.4 torrentes da destruição me aterrorizaram.
5 Os laços do inferno me envolveram,4 e
Deus soberano salvador as ciladas da morte me atingiram.
(2Sm 22.1-51) 6 No meu desespero clamei ao SENHOR;
Para o mestre de música. Um salmo de Davi, gritei por socorro ao meu Deus. Do seu
os órgãos mais sensíveis do corpo humano. A presença de qualquer cisco nos olhos é imediatamente comunicada ao cérebro
que ordena sua pronta remoção. Assim também, qualquer situação que venha a causar preocupação ao servo de Deus é digna
da atenção especial do Senhor, que nos cobre com suas poderosas asas, como a águia protege seus filhotes (Rt 2.12; Sl 36.7;
57.1; 63.7; 91.4).
4 No versículo anterior, Davi diz para Deus que não quer ter nada a ver com os perversos, que só buscam prazeres da carne,
ostentação, vaidade, orgulho e os bens materiais deste mundo (sistema econômico, político, social e religioso). Davi chega ao
ponto de pedir a Deus que dê aos mundanos abundância do que eles mais amam; assim eles naufragarão em sua própria lama.
O fiel de coração, porém, tem prazer no Senhor e nas coisas celestiais. Sabe que suas necessidades materiais serão supridas
diretamente pelo Pai e se alegra com aquele grande dia em que verá o Senhor face a face. Davi sabia que só os semelhantes
podem se comunicar mutuamente (Tt 1.15 com Mt 5.8). Temos a promessa de que o veremos como Ele é e de que seremos
semelhantes a Ele! (1Jo 3.2; 2Co 3.18). Conhecer a face de Deus foi um privilégio de Moisés (Nm 12.6-8; Dt 34.10). Moisés não
viu a face de Deus como num sonho, mas acordado. Assim, os fiéis verão a Deus na ressurreição e desfrutarão desse prazer por
toda a eternidade (Is 26.19; Dn 12.2). A hora do despertar, a aurora, é o momento privilegiado da generosidade divina e simboliza
a salvação (Is 8.20; 9.1; 33.2; Lm 3.22-23; Sf 3.5; Jo 1.4-5; 8.12).
Capítulo 18
1 É importante lembrar que estas notas, impressas em letras menores, logo abaixo do título da maioria dos Salmos, fazem parte do
texto canônico da Bíblia Hebraica (diferentemente das notas marginais acrescentadas pelos massoretas e que não constam na KJ), e
se incluem na numeração dos versículos desta. Quase a metade dos Salmos tem a anotação: ledáwîd (de Davi) e 55 salmos trazem a
expressão: lam-e-natssêah (Ao mestre de música). Em muitos salmos, os versículos no texto hebraico têm sua numeração desencontra-
da em relação aos publicados em nossas Bíblias, devido ao fato de o versículo número 1 ser atribuído a essas notas (como em algumas
edições católicas). O Novo Testamento reafirma a autenticidade bíblica e canônica desses títulos (Mc 12.35-37; At 2.29-34; 13.35-37).
Neste hino de louvor a Deus, por grande vitória alcançada, Davi relata o que o Senhor fez por ele (vv.1-3), relembra o livramento
de Deus (vv.4-19), apresenta o fundamento para o livramento (vv.20-30), relembra uma vez mais a vitória (vv.31-48) e se compro-
mete a viver continuamente louvando a Deus (vv.49-50). Esse cântico também é encontrado em 2Sm 22, tendo sido escrito após
a morte de Saul e o estabelecimento do reino davídico. Como afirmava Calvino, muitas verdades neste salmo aplicam-se melhor
a Jesus Cristo (o Messias) do que a Davi (Rm 15.9).
2 A palavra no original em hebraico racham, é rara, muito emotiva e expressiva. Significa amar com as mais profundas e
veementes afeições do coração, com a comoção de todas as entranhas (como era na época, a típica forma oriental de se referir
aos sentimentos). Uma tradução literal e antiga: “Eu te amarei com todos os anelos do afeto, ó Jehovah”.
3 A palavra hebraica sela , usada aqui, significa aqueles precipícios íngremes que oferecem refúgio a homens e animais;
onde as abelhas fazem colméias e de onde o mel era coletado em grande abundância (Dt 32.13). Esse é um termo diferente
daquele traduzido nos versículos seguintes por “rocha”, significando “penhasco” ou “rochedo” (1Sm 23.25-28; 24.22), apesar de
essas palavras serem menos comunicativas do que “rocha” para o leitor ocidental nos dias de hoje.
4 Embora Davi fosse rei e, como tal, pudesse falar em nome de seu povo, todo o salmo está no singular para expressar a
emoção da experiência pessoal. Davi foi abençoado porque Deus teve “amor leal a mim”, ou como em algumas traduções “se
18. 19 SALMOS 18
templo Ele ouviu a minha voz; minhas roso, de todos os meus inimigos, muito
súplicas chegaram à sua presença e seus mais fortes do que eu.
ouvidos me deram atenção. 18 Eles me atacaram no dia da minha in-
7 Então, toda a terra estremeceu e agitou- felicidade, mas o SENHOR foi o meu abri-
se5 e os fundamentos dos montes se abala- go e protetor.
ram; tremeram por causa da ira de Deus. 19 Ele me concedeu plena libertação;
8 Das suas narinas subiu fumaça; da sua livrou-me por causa do seu amor leal a
boca saíram brasas vivas e fogo devorador. mim.
9 Ele rompeu os céus e desceu; nuvens 20 O SENHOR me tratou conforme o meu
escuras estavam sob seus pés. justo coração; conforme a honestidade
10 Montou um querubim e voou,6 desli- das minhas mãos, recompensou-me.
zando sobre as asas do vento. 21 Pois tenho andado nos caminhos do
11 Fez das trevas um manto no qual se SENHOR; não tenho agido como ímpio,
ocultou; das nuvens escuras, carregadas afastando-me do meu Deus.
de água, o abrigo que o envolvia. 22 Todos os seus mandamentos estão
12 Com o fulgor da sua presença, as nu- presentes em meu ser; não me desviei
vens se desfizeram em granizo e raios, dos seus decretos e preceitos.
13 quando dos céus trovejou o SENHOR e 23 Tenho sido irrepreensível para com ele
fez ressoar a voz do Altíssimo. e não me permiti praticar qualquer mal.
14 Atirou suas flechas e afugentou meus 24 O SENHOR me recompensou segundo
inimigos, com os seus raios os arrasou. a minha justiça, conforme a pureza que
15 O fundo do mar apareceu e os alicer- seus olhos viram em minhas mãos.
ces da terra foram expostos por causa da 25 Ao fiel e bondoso te revelas fiel e
tua severa repreensão, ó SENHOR, com o bondoso,8 ao irrepreensível te revelas ir-
sopro forte das tuas narinas. repreensível,
16 Das alturas estendeu a mão e me agarrou;7 26 ao puro te revelas puro, mas com o
arrancou-me das águas profundas. perverso reages à altura.
17 Livrou-me do meu adversário pode- 27 Salvas os pobres9 e os que são humil-
agradou” dele (v.19), e não só porque, como monarca, representava seu povo. Vemos Deus movendo o mundo, usando armas
devastadoras contra a morte e as hostes do inferno, por amor a um insignificante ser humano. (Belial, como aparece em algumas
versões, é a palavra registrada no original, mas de difícil tradução, estando ligada sempre à descrição de coisas malignas ou des-
trutivas. Forma sinônimo com as palavras morte e Sheol, sendo ainda um dos nomes de Satanás, em 2Co 6.15). O salmo ensina
que grande é o valor do indivíduo para o Senhor, bem como a dívida da pessoa humana para com seu Deus.
5 Davi utiliza esplendorosamente as metáforas para revelar a teofania (manifestação de Deus) que relembra o grande livramento
do mar Vermelho, por meio do fogo, da nuvem e da separação das águas (v.15), assim como os fenômenos ocorridos no monte Si-
nai, que “tremia violentamente” e “estava coberto de fumaça”, pois Deus “havia descido sobre ele em chamas de fogo” (Êx 19.18).
6 Os versículos anteriores revelaram a ira contra os poderes do mal. A “fumaça”(Is 6.4) dramatiza a reação da santidade do
Senhor diante do pecado, e “narinas”, em hebraico, têm a ver com o “órgão da ira”. O “fogo devorador” (Dt 4.24) representa o
zelo de Deus, e a lista continua enquanto a tempestade se aproxima, escurecendo a terra para o julgamento divino (Ez 10.2). Em
Ez 1.4-14, o temporal com raios e trovões terríveis forma o cenário para o surgimento de seres sobrenaturais que prenunciam a
presença santa e justa do Senhor Deus. Esses “seres viventes” (querubins, conforme Ez 9.3) surgem em contextos que enfatizam
a santidade inviolável de Deus: guardam a árvore da vida (Gn 3.24), o Santo dos Santos (Êx 26.31,33), o propiciatório (Êx 25.18-
22), e carregam o carro-trono sobre o qual Deus cavalgava para exercer julgamento (Ez 1.15-25; 10.1-8).
7 Deus não apenas socorre, busca e segura seus filhos, mas literalmente os “agarra”, não permitindo que nem o mundo nem o
diabo os arranque de Suas amorosas “garras” (Jo 10.28; Rm 8.35). Este salmo é rico em alusões ao êxodo, assim como ocorre
em Jz 5.4-5 e Hc 3.
8 A palavra hebraica hasîd, benignidade, ou “bondoso”, relaciona-se à expressão hesêd “amor fiel” ou “amor leal”, amor em
que se comprometem, fielmente, parceiros de uma aliança e que passou a ser, nos Salmos, um termo que representa os servos
de Deus como “piedosos” e “santos”(50.5).
9 Davi pede a intervenção de Deus em favor dos desprotegidos e necessitados. Eles são as vítimas sociais que freqüentemente
aparecem nos Salmos. A palavra hebraica anî tem o sentido de pobreza material. Neste versículo, Davi refere-se à situação de
desamparo social do povo antes de falar da virtude daqueles que reconhecem sua condição humana (pó e terra) dependente
de Deus (o Espírito da vida).