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Unidade 1 – Uma Viagem do Mundo Antigo ao
Medieval
ANTIGUIDADE
Um grande estudioso português, chamado António Nóvoa, hoje Reitor
da Universidade de Lisboa, explica bastante bem a importância da
História da Educação - especialmente para os pedagogos que vocês
em breve serão - quando faz sua defesa dessa área do conhecimento
em quatro tópicos:
- A História da Educação deve ser justificada, em primeiro lugar,
como História e deve procurar restituir o passado em si mesmo, isto
é, nas suas diferenças com o presente.
- A História da Educação pode nos ajudar a aprender a relativizar as
idéias e as propostas educativas e compreende-las no seu tempo.
Essa é uma condição de sobrevivência de qualquer educador na
sociedade pedagógica dos nossos dias.
- A História da Educação fornece aos professores um conhecimento
do passado coletivo da profissão, que serve para formar a sua cultura
profissional. O fato de possuir um conhecimento histórico, não
significa ter uma ação profissional mais eficaz, mas estimula uma
atitude crítica e reflexiva.
- A História da Educação amplia a memória e a experiência. Propicia
um leque de escolhas e de possibilidades pedagógicas o que permite
um alargamento do conjunto de conhecimentos dos professores e
lhes fornece uma visão da extrema diversidade de instituições
escolares do passado. Para além disso, mostra que a educação não é
um “destino”, mas uma construção social, o que renova o sentido e a
importância da ação cotidiana de cada professor1
.
Dito isto, bem vindos ao mundo da História da Educação! Espero que
juntos possamos refletir, reconstituir e compreender
a historicidade2
do processo educativo ao longo do tempo.
Nessa unidade vamos trabalhar a Educação no mundo antigo, suas
principais características e a educação na época medieval.
Começaremos com uma rápida viagem pelo tempo antigo.
Passaremos pela região mediterrânea; Grécia e finalmente, Roma.
Depois vamos nos deter um pouco mais na época medieval, pois
apesar dela ter sido erroneamente interpretada por tanto tempo
como um período de trevas, foi lá que a escola, tal como a
conhecemos hoje, se constituiu.
Estudada a educação nesse período, entraremos na unidade II.
Nesta parte do nosso trabalho vamos estudar a época moderna,
riquíssima na sua diversidade e prodigiosa nos seus avanços e
promessas de futuro, como as grandes navegações e a descoberta
das Américas3
, por exemplo. Chegaremos à contemporaneidade, que
se inicia com a famosa Revolução Francesa. É aqui que se inauguram
os Estados Nacionais e os sistemas educativos. É aqui que estão
todas as nossas referências de sociabilidade, de valores, enfim e
sobretudo, é aqui que se situa o mundo que conhecemos e com o
qual nos identificamos. Como isso tudo se passa na Europa, a última
etapa será estudar a educação no Brasil. Começaremos pela
educação que chega com os portugueses e, é claro, com os jesuítas
até chegar aos nossos dias. Prontos para a viagem?
É importante explicar, antes de entrarmos propriamente na educação
Antiga, que a pesquisa histórica contemporânea modificou
profundamente a imagem que tínhamos do mundo antigo. Começou,
por assim dizer, redefinindo em grande parte a concepção clássica do
antigo, ou seja, do homem grego e do romano. O homem antigo,
como aprendemos desde o segundo grau, era sinônimo de harmonia,
de quietude, de síntese equilibrada, tanto na arte como no
pensamento. Pensaram em Platão ou Sócrates? Pensaram naqueles
monumentos maravilhosos, gregos e romanos? Os modernos, ou
seja, aquelas pessoas que viveram na época moderna (depois da
Idade Média), sentiam-se nostálgicos de uma Antiguidade assim
concebida, que continuava em seus imaginários a parecer como um
modelo insuperável de beleza, de vida ética, de reflexões filosóficas,
enfim, de perfeição. (CAMBI, 1999)
Dessa forma de olhar o mundo, especialmente o Greco-helenístico,
hoje praticamente nada se mantém em pé. Atualmente, nossa forma
de ver a época clássica é muito diferente: não pensamos mais o
homem antigo (grego ou romano, por exemplo) separado do
cotidiano e completamente imerso num mundo “ideal”, mas
pensamos no Antigo como um ser humano – como nós - com
problemas e lutas políticas, de classes sociais, de etnias, envolvido
em projetos de domínio e de hegemonia tanto na vida
da polis (Cidade-Estado) grega, como da república romana e mesmo
do império romano, alimentando de tensões toda aquela cultura.
Também não se pensa mais o Antigo envolto somente em problemas
ligados ao conhecimento (científico e filosófico), mas também – e
prioritariamente – pelo trabalho, pelas técnicas, pelas atividades
desempenhadas no ambiente natural próprio do homem. A história da
educação antiga também foi repensada, desta vez de maneira mais
problemática, menos unitária e mais plural, enfim, como diz Franco
Cambi “a unidade do mundo clássico foi quebrada, sua identidade
tornou-se mais problemática, um rico pluralismo invadiu seus limites,
complicações e dissonâncias posteriores estão se anunciando nesse
horizonte, agora em movimento e em transformação”1
.
Mas para falarmos de Grécia e Roma, precisamos antes, pensar em
toda a região banhada pelo mar mediterrâneo.
E por que pensar no mediterrâneo, se o que nos interessa
particularmente são Grécia e Roma? Porque o mundo antigo nasce no
mediterrâneo. Precisamos lembrar que a região, desde tempos
imemoriais foi habitada por povos de culturas muito diversas entre si,
com seus deuses, suas religiões, seus conhecimentos técnicos, entre
outros tantos elementos. Ainda assim, foi um mundo no qual seus
habitantes se comunicaram, apesar das dificuldades que isso
representava naquela época. Trocaram mercadorias, conhecimento e,
evidentemente, se influenciaram mutuamente. Embora a Grécia seja
a interprete mais madura dessa região, segundo autores como Franco
Cambi, por exemplo, o mundo grego é devedor do mundo
mediterrâneo: na religião, nas técnicas, no pensamento, na arte e até
na política. Ou seja, é devedor de uma série de influências recíprocas.
Também do ponto de vista educativo, o antigo mediterrâneo,
sobretudo a Grécia foi a origem, a célula embrionária da nossa
tradição ocidental. Foi de lá que vieram nossos modelos de cultura,
arte e civilização. A escola, enquanto instituição, se afirmava cada
vez mais no centro da vida social dessa região, que entre o Egito e a
Grécia vai se articulando tanto no aspecto administrativo como no
aspecto cultural. Essas escolas, estatais ou particulares, recebem os
filhos da classe dirigente e da classe média, dando-lhe uma instrução
básica. Essa instrução se configurava como cultura retórico-literária
do bem falar e do bem escrever, sempre respeitando as regras da
época, rigidamente estabelecidas.
É nesse cenário que surge a figura do pedagogo, que na Grécia era
um acompanhante da criança, que a controlava e a estimulava. Essa
figura, com o passar do tempo, se transforma e se destaca nomundo
mediterrâneo3
com a experiência dos “mestres de verdade”. Basta
pensar no famoso filosofo grego Sócrates: diretor da vida espiritual e
mestre de almas. Os pedagogos serão verdadeiros protagonistas da
formação juvenil e o mundo antigo colocará como central esta figura
de educador, espiritualizada e extremamente ativa na vida do
individuo, reconhecendo-lhes qualidades e objetivos que vão muito
além daqueles típicos do “mestre-docente”. Esses mesmos aspectos
vão se caracterizar mais tarde como próprios dos pedagogos, dos
filósofos-educadores ou ainda, dos pensadores da educação que
devem “iluminar os fins e o processo de educar”4
. (CAMBI, 1999)
Foi, contudo, na época helenística – mais ou menos entre 323 a.c até
147 a.c5
, quando Roma anexa a Grécia aos seus territórios, que se
organiza o sistema de estudos, do nível elementar ao superior. A
escola elementar permaneceu inalterada ao longo dos séculos. Nessa
escola, que compreendia a leitura, escrita, gramática, musica e
desenho, entrava-se aos sete anos de idade. Já na escola secundária
a idade de ingresso era aos doze anos. Lá se estudava gramática e o
docente ensinava ditando regras e preparando exercícios, depois
eram dados alguns princípios da retórica e da lógica6
, aplicados aos
estudos da literatura. A formação superior, por sua vez, encontrava
seu modelo nas escolas filosóficas, sobretudo nas de Alexandria
(Egito). Nesse sentido, o museu ou casa das musas foi ao mesmo
tempo um grande centro cultural e centro máximo de instrução do
mundo helênico1
, freqüentado por jovens de todo mundo grego. Ao
lado dele ficava a biblioteca, que recolhia todas as obras da
antiguidade. Esta famosa biblioteca, possuidora de inúmeros tratados
de medicina, de gramática, de filosofia, entre tantas outras áreas do
conhecimento, infelizmente não sobreviveu ao tempo. Foi consumida
pelo fogo ainda na antiguidade.
E para finalizar esta parte da nossa viagem, convém reforçar
questões muito importantes para o conhecimento do futuro pedagogo
e futuro professor: entre as heranças que recebemos da Grécia, e
que pesam muito sobre a tradição educativa ocidental encontra-se: a
pedagogia como teoria que se destinava a universalizar e tornar
rigoroso o tratado dos problemas educacionais. Assim, nasce um
saber de educação, com todos os riscos de abstração, de teorismos
excessivos e de normativismos que isso representa, mas mesmo
assim, fundamental para a construção de uma ciência da educação.
Outra herança importante foi o questionamento da relação educativa,
indo muito além do vinculo entre pedagogo e pais, docentes e
discentes. Relação esta bastante formalista, geralmente impessoal,
para traçar essa mesma relação como eminentemente espiritual, ou
seja, que faz do mestre o interlocutor fundamental do processo de
formação. E não vai ser por acaso que no campo educativo a “idade
moderna”, especialmente entre os séculos XV e XVI, recupere e
assimile a tradição dos clássicos antigos, começando por Platão.
Gostaram da educação grega? Então vamos agora para Roma.
A Roma antiga, ou seja, aquele pedaço de terra na Península itálica,
que mais tarde se desenvolveu, se expandiu e se tornou um dos
maiores impérios que o mundo já conheceu, estava comprimida entre
duas realidades sociais, políticas e culturais bastante diferentes entre
si: ao norte estavam os etruscos2
, povo desenvolvido, refinado e
poderoso e, ao sul a Grécia, da qual já tivemos noticias. Roma
mantinha relações estreitas com estas duas fronteiras mas, mesmo
assim, criou um modelo próprio de civilização, de economia, de
estado e de cultura com características bastante originais, embora
tenha absorvido muito da cultura grega. Aliás, isso explica sua
expansão e a profunda influência que acabou por exercer no mundo
antigo, chegando até nossos dias. Pensemos no Direito Romano, por
exemplo, cujos princípios e normas irão constituir a base do Direito
de vários países, inclusive o nosso.
Entretanto, a educação na Roma arcaica (ou antiga), teve caráter
prático, familiar e civil, destinada a formar o civis romanus7
que de
certa maneira foi mais desenvolvido que os outros povos porque
tinha consciência do Direito, como fundamento da própria
“romanidade”, ou seja, da própria identidade. O homem romano era
educado, de certa forma, para ter consciência do vinculo que esta
romanidade iria estabelecer entre os povos, até com os escravos –
que na Grécia e Roma foram muito diferentes dos nossos aqui do
Brasil.
O homem romano, contudo, era formado em família tendo o pai no
papel central. Mas também era formado pela mãe, que era menos
submissa e mais participativa na família se comparada à mulher
grega. Foi a partir do século II a.c. que foram se organizado escolas
como o modelo grego, que acabamos de ver. Essas escolas se
destinavam a dar uma formação gramatical e retórica, ligada à língua
grega. Somente no século I a.c. que se fundaram escolas de retórica
latina, ou seja, que privilegiavam a língua latina. E o que isso
significa para nós? O português, assim como o italiano, o francês, o
espanhol, o catalão e o romeno, são originários do latim, língua oficial
de Roma naquela época. E não é só. Muitos dialetos hoje falados na
França, Suíça e em algumas regiões da Europa Central, também se
originaram do latim.
Pouco tempo depois, o espírito prático dos romanos, levou-os a uma
sistemática organização das escolas, divididas por graus e com
materiais didáticos específicos, como os manuais. No que se refere
aos graus, a escola era dividida em elementares, destinada a ensinar
a ler, escrever e até calcular. A particularidade dessas escolas é que
funcionavam em locais alugados ou na casa dos ricos. Assim, a
criança – sempre acompanhada do pedagogo – passava boa parte do
dia na escola e era submetida a disciplina rígida. Depois vinha a
escola secundária, na qual se aprendia a cultura nas suas diversas
formas, como musica, geometria, astronomia, literatura entre outros
e, por fim, as escolas retóricas, que podem ser pensadas como de
nível superior.
Acho importante relembrá-los que Roma teve regime monárquico,
depois se tornou uma república e por fim um império de grandes
proporções, com seus famosos imperadores como Julio Cesar,
Augusto, Claudio, Nero, que perseguiu os cristãos e colocou fogo em
Roma, entre outros. Muitos imperadores como Julio Cesar, por
exemplo, preocuparam-se ativamente com os problemas escolares.
Este imperador concedeu cidadania romana aos mestres residentes
em Roma. Augusto deu bolsas de estudos. Vespasiano, o imperador
que construiu o famoso coliseu romano, estatizou as escolas e
isentou alguns mestres do pagamento de impostos.
O império romano se tornou poderoso e imenso em seu território.
Tanto que em determinado momento, dividiu-se em Império Romano
do, com a capital em Roma e Império Romano do Oriente, conhecido
também como Império Bizantino, com capital em Constantinopla,
atual Istambul na Turquia. No império romano do ocidente (Roma),
sob o impulso das invasões bárbaras, houve um empobrecimento das
escolas e da cultura de um modo geral. Assim, quando o império
romano ocidental caiu, por volta de 456 d.C., os sucessivos eventos
de destaque no campo da educação estavam no Oriente, que
sobreviveu resplandecente até por volta de 1453.1
Embora não esteja privilegiado na ementa da disciplina, gostaria de
falar rapidamente sobre o advento do cristianismo e suas
conseqüências para a educação. Não se pode compreender a
educação como um todo, sem entender a profunda revolução cultural
que o cristianismo promoveu no mundo antigo ocidental. Foi uma
revolução das mentalidades, antes mesmo da cultura, das instituições
sociais e depois, também políticas. Trata-se da afirmação de um novo
tipo de homem, caracterizado pela virtude da humildade, do amor
universal, enfim, esta revolução de cunho religioso veio modelar toda
visão de sociedade, dos comportamentos coletivos e da família. A
revolução do cristianismo é também uma revolução pedagógica e
educativa, que durante muito tempo irá marcar o Ocidente,
constituindo uma das suas mais complexas matrizes.
Com a queda do Império Romano do Ocidente, a Europa entra na
chamada Idade Média. Algumas coisas precisam ser ditas antes de
entrarmos nessa etapa do nosso estudo. Em primeiro lugar, a Idade
Média esteve restrita à Europa! O restante do mundo habitado
continuou sua vida e a construção da sua própria história. Outro
aspecto importante a ser pontuado é que não se pode pensar a idade
média como um único período, uniforme e coeso, mas sim como
fases diferenciadas, marcadas por vários eventos, alguns
catastróficos, como foi o caso da peste negra que dizimou parte da
população européia. Enfim, períodos de altos e baixos, de avanços e
retrocessos, como qualquer época, aliás.
IDADE MÉDIA
Uma das formas mais aceitas dessa partição é aquela que a divide
em três períodos distintos, cada qual com suas particularidades: Alta
Idade Média (século V ao X); Idade Média Clássica (séc. XI ao XIII) e
Baixa Idade Média, que vai do século XIV ao século XV, quando se
inicia a Época Moderna.
A idade média, nas palavras de Franco Cambi, foi sobretudo a época
da formação da Europa cristã e da gestação dos pré-requisitos do
homem moderno. Foi também um modelo de sociedade cujos
membros cooperavam entre si, marcada por forte espírito
comunitário e uma etapa da evolução de alguns saberes
especializados como a matemática ou a lógica. Em outras palavras, a
Idade Média, com o cristianismo, com a Igreja, com o feudalismo,
com a formação dos Estados-nações4
, com a vida intelectual dirigida
por escolas e universidades, com o incremento de um ideal
humanista1
da cultura, foi o longo caminho da formação da Europa.
A Europa, de fato, nasceu cristã e foi nutrida de espírito cristão, de
modo a colocá-lo no centro de todas as suas manifestações,
sobretudo no âmbito cultural. O cristianismo, como já falamos, terá
um papel fundamental na cultura ocidental. Caso exemplar é o da
educação, que se desenvolve em estreita simbiose com a Igreja, com
a fé cristã e com as instituições eclesiásticas que são as únicas
delegadas a educar e a formar. Da Igreja partem os modelos
educativos e as práticas de formação, organizam-se as instituições
com este objetivo e programam-se as intervenções, como também
nela se discutem tanto as práticas como os modelos para as classes
altas, uma vez que é típica da Idade Média a divisão social, das
teorias e das práticas educativas, como tinha sido no mundo antigo.
Também a escola como nós a conhecemos é um produto da idade
média. A sua estrutura ligada à presença de um professor que ensina
a muitos alunos de diversas procedências e que deve responder pela
sua atividade à Igreja ou a outro poder, local ou não; suas práticas
ligadas à discussão, ao exercício, ao comentário, à argüição, etc.; as
suas praticas disciplinares avaliativas vêm daquela época e da
organização dos estudos nas escolas monásticas e nas catedrais,
sobretudo nas universidades. Vêm de lá também alguns conteúdos
culturais da escola moderna e até mesmo contemporânea: o papel do
latim, o ensino gramatical e retórico da língua, a imagem da filosofia,
entre outras.
Já no século V (entre os anos 401 e 500 d.C.), as escolas monásticas
vinham acompanhando as escolas estatais romanas de gramática e
de retórica, substituindo-as depois, gradativamente, e propondo uma
formação não literária, mas religiosa5
. Nas escolas monásticas
predomina uma cultura ascética, ou seja, de disciplina estrita e
autocontrole do corpo e do espírito, ligada ao estudo dos textos
sagrados, dedicada à formação espiritual. É no curso do século VII
que vem se formando a educação medieval, com a difusão do
monasticismo2
e com a cristianização dos bárbaros3
: uma educação a
cargo da Igreja, dirigida para o menino-monge, tendo como centro a
leitura e memorização, o cálculo e o canto. Foi o modelo Beneditino
de Monte Cassino, que foi imposto por Carlos Magno em 788 como
regra primária dos seus domínios (Cambi, 1999).
Entre os séculos XII e XVIII, assiste-se a duas grandes inovações: a
criação das universidades, que nessa época se configurava como
uma corporação de mestres6
e alunos e a organização e proliferação
dos colégios como lugar de formação de letrados. Mas é importante
ressaltar que as definições de universidades, faculdades e colégios
possuíam naquele tempo outras significações (Veiga, 2007). Elas
traduziram uma organização diferenciada, evidenciada nos seus
métodos, disciplinas e nos seus saberes. O aparecimento dessas
formas escolares na Idade Média foi em grande parte associado à
história da reurbanização européia ocorrida a partir dos séculos X e
XI.
E por que reurbanização européia, se a Europa já era bastante
urbanizada muito antes dessa época? Porque com a queda de Roma,
os chamados “povos bárbaros” que na verdade eram diversos grupos,
vindos principalmente da Ásia, muito diferentes entre si, não tiveram
mais nenhum empecilho para conquistar a Europa. O problema é que
alguns desses povos eram bastante belicosos, ou seja, quando
entravam em uma aldeia ou cidade saqueavam, matavam, enfim,
causavam verdadeiro terror na população. Portanto, em parte da
idade média, a população não mais se concentrou nas cidades, mas
na zona rural, migrando novamente para as cidades, como vimos, a
partir do século X.
Talvez por isso, nesse período tenham proliferado as corporações de
oficio (universitates), denominação geral para associações
juridicamente reconhecida por todos (universi). Essas associações
decorreram das demandas da urbanização e seu comercio.
Organizadas de forma sistemática, agregavam pessoas de um mesmo
oficio que se submetiam a estatutos regimentais e tinham seus
serviços legitimados por meio dessas corporações.
Por volta do século XII, na Europa, organizou-se um tipo bastante
particular de corporação: aUniversitas studii, uma associação de
alunos e mestres para transmissão e aprendizagem de
conhecimentos “desinteressados”, ou seja, sem aplicabilidade
imediata. Esse era o inicio da Universidade! (Veiga, 2007). A
educação na Idade Média foi basicamente um monopólio da Igreja.
Durante um bom tempo os representantes eclesiásticos, isto é,
representantes da Igreja, controlaram os procedimentos relativos às
formas de transmissão do conhecimento, da definição dos saberes e
dos métodos de transmissão, assim como os processos de concessão
de licença para ensinar. Em outras palavras, quem dava a permissão
para que alguém se tornasse mestre, era a Igreja.
A organização dos estudos à época tem origem Greco-romana. Os
estudos se dividiam em trivium e quadrivium. O trivium estudava
gramática latina, dialética e retórica e o Quadrivium geometria,
aritmética, astronomia e musica. Entretanto, no período medieval e
pela influência e necessidade da Igreja, estes conhecimentos não
foram abordados de forma sistemática e abrangente, restringindo-se
principalmente aos estudos do Trivium.
A concessão para a licença de ensinar, como vimos, era centralizada
nas mãos dos eclesiásticos e esse costume expunha os futuros
mestres a muitas arbitrariedades, numa dependência total dos
poderes da Igreja. Estabeleceu-se então um conflito entre os mestres
e as instancias eclesiásticas locais, levando tanto mestres como
alunos a buscar uma forma autônoma de organização, com estatutos
próprios mas, curiosamente, invocando a proteção da Santa Sé1
. Por
isso é que as corporações universitárias, por suas fortes e
contraditórias relações com a Igreja, diferiram das demais
corporações. Mas é preciso lembrar que a Igreja, naquele momento,
centralizava também o poder político (Veiga, 2007).
Criado no final da Idade Média, o colégio foi uma instituição de muita
relevância, que aos poucos substituiu os estudos dispersos. A partir
do século XVI, devido ao prestigio acumulado, os colégios deixam de
servir de abrigo para estudantes pobres e as suas funções se
invertem. E é nessa mesma época que os colégios se fixam como
estágio para ingresso nos estudos superiores da maioria das
universidades, além de contar com alunos procedentes das classes
mais abastadas. E o que eram, afinal, os colégios antes de se
tornarem instituições importantes? Quando os estudos
das universitasteve inicio, muitos jovens de outras localidades
procuraram os mestres. Essas pessoas precisavam se hospedar em
algum lugar. Os ricos, se alojavam nas estalagens ou em casas
particulares. Já aos pobres, só restavam as casas de caridade
religiosas. Para poderem estudar, esses alunos realizavam serviços
domésticos, pediam esmolas ou recebiam ajuda da igreja.
Diante disso, as primeiras edificações para abrigar estes alunos
surgiram em fins do século XIII em Paris (França), Oxford
(Inglaterra) e Cambridge (Inglaterra) e de lá se disseminaram por
toda a Europa.
O século XIV foi um século de crises que leva ao declínio da Idade
Média. Trata-se, no dizer de Cambi, de uma crise plural que abala em
muitos níveis a sociedade européia. É a crise demográfica causada
pela peste negra, a crise institucional da Igreja com o grande Cisma
do Ocidente que põem em cena católicos e protestantes, é a crise de
uma visão de mundo cristã medieval que abrirá espaços para
individualismos, realismos e novas classes sociais.
A Idade Média configura uma longa e complexa época de profundas
transformações geográficas, sociais, políticas, econômicas e culturais,
ainda que envoltas em torno da mensagem cristã posta como
cimento espiritual de toda essa época. Os efeitos históricos da Idade
Média constituirão, no campo educacional, estruturas de longa
duração:
 A Universidade e seu modelo didático;
 A formação profissional artesanal ligada ao saber
corporativamente organizado e separado da cultura geral, como
vimos (as corporações de ofícios);
 As instituições sociais de caráter religioso que também no
Estado Moderno serão preferencialmente núcleos de formação
de base;
 A família vista como investida de um dever essencial de
educação, colocada antes de qualquer intervenção pública e,
por isso, fundamental;
 O surgimento de instituições de caridade-educativas que, de
certa maneira, irão modificar o empenho da sociedade em
relação às diversas classes de indivíduos que nela convivem.
Na Idade Média todo o universo da educação se transforma, se
especializa, se articula, se socializa e gradativamente também se
laiciza (se torna laico, não religioso) e se separa do predomínio da
igreja. Sob vários aspectos, enfim, esse período põe em ação os
primeiros germes, os primeiros sinais da Idade Moderna.
IDADE MODERNA
A Idade moderna – século XV ao século XVIII - é um ciclo histórico
que tem características profundamente diferentes do período
anterior, a Idade Média. Com a modernidade, prepara-se primeiro o
declínio, depois o desaparecimento daquela sociedade de ordens
(clero, nobreza e povo) que tinha sido característica da Idade Média.
Aquela sociedade, que de certa maneira negava o exercício das
liberdades individuais para, ao contrário, valorizar os grandes
sistemas coletivos: a Igreja e o Império1
. É importante relembrar das
aulas de história, que a individualidade é exercida na antiguidade,
mas em parte da Idade Média, esse conceito desaparece. Tudo gira
em torno do coletivo.
A chegada da modernidade se apresenta, portanto, como uma
revolução em muitos campos: geográfico, econômico, político, social,
ideológico, cultural e também pedagógico. Como revolução
geográfica, a modernidade vai deslocar o eixo da história do
Mediterrâneo para o Atlântico. Do oriente para o ocidente. E com os
descobrimentos e a colonização de novas terras, cria-se a
possibilidade de contatos bastante estreitos entre diferentes áreas do
mundo. Diferentes povos, etnias, culturas, entre diferentes modelos
antropológicos, como o contacto do europeu com o índio, por
exemplo.
Do ponto de vista econômico, esta revolução pôs fim ao modelo
feudal, com seu sistema econômico fechado, baseado na agricultura,
para impulsionar uma economia de intercâmbio, baseada na
mercadoria e no dinheiro. Nasce o sistema capitalista, que já vinha se
desenvolvendo desde meados da Idade Média. Como revolução
política, a modernidade tem como centro o nascimento do estado
Moderno, que é um Estado centralizado, controlado pelo rei em todas
as suas funções. O Estado Absolutista. Como revolução social,
promove a formação e afirmação de uma nova classe: a burguesia,
que nasce nos centros urbanos e promove um novo processo
econômico – o capitalismo – assim como determina uma nova
concepção de mundo e novas relações de poder.
Evidentemente, tudo isso irá implicar também numa revolução na
educação e na pedagogia. Agora, a formação do homem acompanha
novos caminhos sociais, orienta-se segundo novos valores,
estabelece, enfim, novos modelos. Acontece uma radical virada
pedagógica que segue percursos muito diferentes daqueles
empreendidos pela era cristã, destinado a formar o homem para
Deus. Mudam-se, assim, os fins da educação. Esta educação terá
por objetivo formar um individuo ativo e produtivo na sociedade. Mas
vão mudar também os meios educativos. Embora a família e a Igreja
permaneçam instituições formativas, a escola ocupará um lugar cada
vez mais central para o desenvolvimento da sociedade moderna.
Com a modernidade, nasce a pedagogia como ciência. Como saber de
formação humana. Mas nasce também uma pedagogia social que se
reconhece como parte integrante do processo da sociedade em seu
conjunto, na qual ela irá desempenhar uma função insubstituível e
cada vez mais central: formar o homem-cidadão. Na modernidade,
enfim, a pedagogia e a educação se renovam, configurando-se como
saber e como prática para poder responder de maneira condizente à
passagem do mundo antigo para o mundo moderno.
Duas instituições educativas irão sofrer uma profunda redefinição e
reorganização na Modernidade: a família e a escola. Ambas as
instituições serão cada vez mais centrais na experiência formativa
dos indivíduos e também na reprodução da sociedade, tanto no
aspecto cultural como no aspecto profissional. A criança, que na
idade média permaneceu à margem do grupo familiar, terá o seu
espaço social na família. Cria-se um modelo de formação para a
criança, privatizado e familiar. Cria-se um saber pedagógico, médico,
psicológico da infância, que nasce em virtude dos cuidados familiares
e da própria redefinição da família como instituição educativa da
criança, que agora passa a ser o centro-motor da vida familiar. E é
aqui que nasce o sentimento moderno de família.
É preciso, no entanto, pensar na educação como um projeto de
civilização em curso nas sociedades ocidentais a partir do século XV e
sua consolidação nos séculos XIX e XX. E o que significa isso?
Significa dizer que a educação era encarada como a melhor forma de
“moldar” os indivíduos e assim construir a sociedade adequada à
época. Com valores e comportamentos determinados. Muitos1
podem
ter sido os motivos que justificam esse estado de coisas. Contudo, o
crescente processo de expansão da educação esteve intimamente
ligado:
 A organização e à evolução do Estado Moderno;
 As divergências religiosas;
 Ao avanço da urbanização;
 As alterações econômicas e a diversificação das classes sociais
que essas alterações produziram;
 O desenvolvimento das ciências e as mudanças no
comportamento humano, rumo a um comportamento civilizado,
caracterizado principalmente pelo aparecimento do capitalismo
e pela conseqüente racionalização do pensamento e
autocontrole das atitudes. E por que isso? Para o trabalho, ou
melhor, para o tipo de organização social e do trabalho que o
capitalismo exigia.
Como falamos na unidade I, uma grande inovação surgida em fins da
Idade Média foi a organização e a multiplicação do Colégio, como
lugar de formação de letrados. Pois bem. É importante destacar que
os colégios instituíram uma nova forma escolar e esta forma estava
integrada aos processos de racionalização de que falamos acima.
Esse novo modelo supunha a existência de uma nova organização do
espaço físico, ou seja, com prédios próprios, construídos para este
fim. Isso mesmo! Antes dessa época, não existiam prédios
construídos com a finalidade de se tornar escolas. A partir daí, não só
se inaugurou essa nova tendência, como também os prédios
passaram a ter uma arquitetura apropriada para aquele fim. Com
dependências especializadas, com alunos divididos em classes
estabelecidas conforme o nível do seu saber e idade aproximada,
assim como os colégios dos dias atuais.
Além disso, a gradação escolar exigiu também uma nova organização
do tempo escolar. Isso significou dividir os dias em horários,
estabelecer tarefas prefixadas e organizar os meses de acordo com
os conteúdos a serem ministrados num determinado tempo, no fim
do qual os alunos deveriam prestar exames.
O rigor dos colégios no controle administrativo e na organização
pedagógica, contudo, aos poucos produziu uma dimensão disciplinar
que contrariava a liberdade usufruída pelos escolares e pelos mestres
cooperados na época medieval. Lembram-se dos mestres e alunos
na universitas? As modificações implicadas nessa nova organização
integraram as reformulações sociais e políticas ocorridas entre os
séculos XVI e XVII, das quais já falamos. Data do século XVI
um grande Cisma (dissidência) da Igreja conhecido como o
movimento de Reforma e Contra-Reforma religiosa, católicos e
protestantes. Embora com formas diferentes de devoção religiosa,
tanto os protestantes quanto os católicos tinham na educação e na
escola suportes fundamentais. Já na esfera política, o poder feudal
apresentava sinais de crise desde o século XIV e crescia o movimento
em favor de Estados centrados na figura dos reis – os Estados
Nacionais Absolutistas. Portanto, as mudanças políticas dessa época
tiveram especial influência nas concepções de educação e no
aumento dos colégios.
Entre os séculos XVI e XVIII vai se enfatizar a idéia de riqueza como
virtude e fonte de prestigio, o que acabou sendo reforçado pelo
aparecimento de novos objetos e produtos de ostentação e
diferenciação social. Assim, ter conhecimento, em outras
palavras, saber, se torna um importante diferencial para se ter
prestigio na sociedade. Também a noção de publico e privado vai se
modificar significativamente. Philippe Áries, um importante
historiador francês, destaca o impacto da crescente alfabetização dos
membros importantes da sociedade. Isso mesmo! Naquela época,
mesmo sendo pessoa “importante”, destacada na sociedade,
não significava que se soubesse ler e escrever. Alguns sabiam,
mas muitos nobres e senhores feudais eram analfabetos. Para
os alfabetizados, contudo, a difusão da imprensa tornou o ato
de ler e escrever cada vez mais individual, tanto pela leitura
silenciosa, como pela escrita de diários, cartas entre outros.
As mudanças brevemente apontadas permitem compreender que os
séculos XVI, XVII e XVIII foram marcados por uma intensa busca de
conhecimento e de novos saberes. Isso significou que o aprendizado
ganhou um papel de destaque e uma importância talvez nunca vista.
A sociedade tornou-se mais heterogênea (composta de partes ou
elementos de diferente natureza) e os mecanismos de diferenciação
entre as pessoas se ampliaram: riqueza, poder político, prestigio
social e conhecimento são os novos elementos de distinção. Observe-
se que na Idade Média isso praticamente não existia e por duas
razões: primeira porque o feudalismo, o sistema econômico da época,
pelas suas características não abria espaço para isso. Segundo
porque a Igreja, leia-se católica, condenava principalmente o lucro e
a ostentação. Aliás, motivos da reforma protestante.
Devido a esta diversidade social que agora existia, era impossível
qualquer unanimidade em torno de propostas educacionais,
organização de escolas e discussões pedagógicas, mas é possível
identificar algumas predominâncias: os colégios jesuítas e os colégios
protestantes, a pedagogia humanista, a crise nas universidades e os
poucos empreendimentos em favor da educação dos pobres.
O desenvolvimento da chamada pedagogia humanista, no entanto,
deixou claro os limites das praticas educacionais em vigor, mas não
houve uniformidade na sua elaboração, principalmente devido às
diferentes óticas religiosas de alguns desses humanistas e às
concepções leigas partilhadas por outros. Entretanto, importa
enfatizar que os humanistas irão propor um modelo educacional mais
adequado às necessidades da época, modificando o desinteresse pela
alfabetização da população pobre, a restrição ao ensino do latim, a
não-valorização da língua mãe, a negligência quanto aos saberes do
quadrivium (geometria, aritmética, astronomia e musica) e a falta de
uma didática adequada, entre outros.
Uma unanimidade entre os pedagogos humanistas foi a ampliação
dos currículos, incentivando os estudos das ciências em geral, com
destaque para as matemáticas, as artes e a estética, além da
formação profissional. Estimula-se a competição e a premiação
pública como incentivos à aprendizagem e ao estabelecimento de
relações civilizadas entre mestres e alunos. O que se pretendia era
uma educação cujas bases fossem o autocontrole e a autodisciplina.
Novamente lembro a vocês: ambos têm tudo a ver com as exigências
do sistema econômico vigente e da nova sociedade que estava se
constituindo.
As formas escolares da época se caracterizavam por regras
disciplinares que embasavam a busca de uma educação moral – e
essa vigilância imposta pela escola, de certa maneira se estende a
toda a população, mesmo que com fins e objetivos diferentes.
Embora a escolaridade só se estenda ao todo social ao longo
do século XIX1
, é possível identificar algumas iniciativas para a
educação dos pobres. Nos países protestantes, a formação religiosa
era mais liberal porque partia da livre consulta dos textos bíblicos e
admitia a leitura na língua mãe. Algumas ações também ocorreram
nos países católicos, embora mais voltadas para a caridade do que
para o combate à ignorância, como predominava entre os
protestantes. Tais escolas, evidentemente, não se dirigiam para o
público dos colégios, mas para a formação moral do futuro
trabalhador.
Nos países protestantes a alfabetização se estendeu para meninos e
meninas, assumida pelas autoridades municipais. Entre os
representantes da pedagogia protestante, podemos destacar
Martinho Lutero, Melanchton e João Calvino, que partilhavam a idéia
de que a língua materna deveria ser a base da educação, embora
também favoráveis ao estudo do grego, do latim e do hebraico, além
da literatura dos clássicos, traduzidos para o vernáculo.
E como se processou o desenvolvimento dos colégios e das
universidades nos países católicos? Na Europa, diferentes ordens
religiosas disputaram entre si a clientela dos colégios, a saber: a
burguesia e a nobreza. Entretanto, o grande marco do ensino nas
sociedades católicas foram os colégios jesuítas. Eles tiveram no
centro da Igreja contra-reformada e estimularam a cultura geral
erudita2
, integrando a pedagogia humanista ao espírito da
cristandade, enquanto favoreciam distinções sociais e formavam
jovens na moral cristã. Esses colégios se afirmaram como
propedêuticos aos estudos superiores de teologia, medicina e direito.
Os jesuítas fundaram diferentes tipos de colégios, conforme a origem
social dos estudantes. No entanto, todos eles eram regidos pelo
mesmo regulamento: o Ratio Studiorum.
Desse plano de estudos constavam desde a regulamentação dos
estudos e da vida no colégio até a disciplina, mas a ênfase estava no
método de ensino. Diferentemente do que ocorria antes, o novo
método fazia largo uso da escrita. Toda a aula tinha uma parte
destinada aos exercícios escritos e à redação. Outra ênfase era a
retórica1
. As escolas jesuítas permitiram certa homogeneização
cultural das elites. Além da formação de turmas por faixa etária e da
designação de um professor especifico para cada turma, outras
materialidades ajudaram a unificar o processo de formação: o uso
recorrente da escrita, como vimos, a composição de textos, o uso de
livros impressos e a promoção anual dos alunos, com distinção e
prêmios.
Observe-se que os colégios jesuítas representavam espaços de
disseminação de conhecimento que contribuíam para estabelecer
distinção social e com isso atender às exigências das novas formas de
civilidade e de sociedade. Contudo, a formação em humanidades
reforçava a separação entre o trabalho intelectual e o trabalho
manual e com isso ajudava a estabelecer diferenciações sociais,
embora também preparasse para o ingresso nas universidades e
abrisse portas para a carreira jurídica e administrativa. Entretanto,
faltou às escolas jesuítas proporcionar a seus alunos uma formação
mais pragmática, o que ficou muito claro quando estas escolas foram
fechadas no século XVIII.
Em meados do século XVIII os colégios jesuítas foram fechados pela
imposição das monarquias, entre outras razões, pela disputa política
em torno do monopólio da educação. Os representantes da
companhia de Jesus foram expulsos de Portugal, do Brasil, da França
e da Espanha e as elites políticas e intelectuais defendiam a idéia de
que a educação moral e cientifica deveria ser privilégio do Estado,
sobretudo pela necessidade de formar os quadros administrativos do
governo. Nessa época, expandiu-se o movimento intelectual
denominado Iluminismo, que entre tantas outras propostas,
apresentava a necessidade de laicização do ensino, ou seja, o ensino
não religioso e da educação escolar como elemento essencial de
desenvolvimento da civilização. Era a necessidade de associar razão e
progresso.
No final do século XVIII e inicio do século XIX, assiste-se ao declínio
das monarquias absolutistas, a separação do Estado e da Igreja e a
instalação de governos constitucionais, além de mudanças
econômicas tecnológicas e culturais. Nesse contexto, situa-se a
contribuição de um dos maiores críticos da Igreja, do Absolutismo,
dos colégios e da sociedade de maneira geral: o filósofo suíço Jean-
Jacques Rousseau, cujas idéias tiveram significativa influencia na
pedagogia do século XIX.
BRASIL COLÔNIA E IMPÉRIO
Como vocês perceberam, até aqui só falamos de Europa. Por quê?
Porque as nossas referências em termos sociais e pedagógicos vêm
da Europa. É de lá que herdamos nossa cultura. E é de lá que veio o
nosso modelo escolar. Quando os portugueses chegaram ao Brasil,
trouxeram consigo na bagagem toda uma estrutura social, política,
religiosa e pedagógica entre outras coisas.
No inicio da colonização, na primeira metade do século XVI em
Portugal, Igreja e Estado estão unidos por interesse comum, que são
ainda medievais (tardios medievais, como diz Alfredo Bosi). Portanto,
há de se considerar em primeiro lugar, que a educação nesse período
foi exclusivamente baseada nos valores e conteúdos vigentes em
Portugal.
Os principais agentes da educação na colônia foram os sacerdotes
jesuítas, até serem expulsos pelo Marques de Pombal em 1759. É
preciso considerar que a associação entre a colonização portuguesa e
as iniciativas missionárias da Igreja, serviu tanto aos interesses
econômicos e políticos de Portugal quanto às estratégias do Vaticano
para impedir a propagação do protestantismo no novo mundo. Os
jesuítas foram o mais importante grupo religioso na manutenção dos
princípios da reação católica ao protestantismo.
O documento que oficializou esta mudança foi o “Alvará Régio” de
1759, no qual se extinguem todas as Escolas reguladas pelo método
dos jesuítas e se estabelece um novo regime administrativo, o cargo
de Diretor de Estudos e a nomeação de professores régios de
Gramática Latina, de grego e retórica. Assim, as denominações
“aula”, “aula regia” “escola” e “cadeira” designavam um mesmo
modelo: estudos avulsos ministrados por um professor régio – isto é,
autorizado e nomeado pelo rei.Somente no século XIX, com a criação
dos liceus e de novos colégios, retoma-se a reunião dos estudos, que
convive por um bom tempo com a estrutura de aulas avulsas.
Voltando aos jesuítas, antes de serem expulsos, a ação desses
religiosos distinguia-se por ser eminentemente prática, não
contemplativa. Introduzir-se no mundo foi uma referencia básica de
suas ações. Embora com um objetivo bastante explícito – o de viver
em Cristo e ganhar o mundo para Cristo – suas intenções se voltaram
para a necessidade de conhecer o outro para converter e não apenas
a mera pregação. De acordo com as orientações do Ratio
Studiorum, o objetivo da educação seria o de promover a integração
harmoniosa dos súditos de Deus e do reino para com seus legítimos
superiores.
Tal harmonia deveria se estabelecer pela servidão livre e não pela
obediência cega. Para aproximarem sua cultura da cultura dos
indígenas, por exemplo, os jesuítas produziram estratégias
pedagógicas nada convencionais. Os padres combinaram escrita,
expressão corporal, oralidade nas ações educativas, chegando até
mesmo a aprender o idioma dos índios, especialmente o tupi-guarani,
idioma mais falado na costa brasileira.
O marco inaugural e prioritário das atividades jesuítas foi, em
meados do século XVI, a construção de igrejas, aldeamentos e
colégios. Os colégios da época colonial constituíram a base
administrativa das atividades dos religiosos. Além de bibliotecas, os
colégios possuíam oficinas, enfermarias e boticas e prestavam
assistência à população em geral. As Igrejas e os colégios fundados
pelos jesuítas foram as primeiras referencias de urbanidade da
civilização cristã ocidental.
Entretanto, outros modelos educacionais, além do jesuíta também
marcaram presença no período colonial. Existiram outros espaços e
formas de educação e socialização. Dentre seus agentes se
destacaram outras ordens religiosas, bispado, governo geral,
corporações, irmandades, confrarias e sociedades literárias. Apesar
da hegemonia dos jesuítas, foram os franciscanos os primeiros
religiosos a se instalarem no Brasil. A primeira missa, inclusive, foi
rezada por um integrante dessa ordem.
No século XVII, os franciscanos inauguraram no Rio de Janeiro o
convento de Santo Antonio, que oferecia estudos superiores de
teologia moral e filosofia. Havia ainda os seminários criados pelo
bispado – internatos destinados ao clero e à educação dos órfãos e
dos filhos dos colonizadores que se multiplicaram no século XVIII.
Até a instalação dos seminários, os filhos dos moradores locais
recebiam lições em aulas domésticas ocasionais ou eram enviados
para os colégios em outras capitanias ou até mesmo para Portugal.
Existiam ainda modelos educacionais não vinculados à Igreja ou ao
Estado. Professores ou padres mestres costumavam ensinar na
residência dos alunos e em suas próprias casas, em aulas muitas
vezes abertas ao publico.
No entanto, foi somente no século XIX nos países da Europa central,
que se criou uma correspondência entre a idéia de construção de
Estado-Nação e a montagem do sistema público de ensino.
Historicamente, na visão dos pesquisadores do tema, no quadro das
revoluções modernas (Revolução Industrial, Revolução Francesa e
Revolução Americana), as orientações que se imprimiram à educação
responderam a problemas específicos da ordem social de cada um
desses países. Em alguns países europeus, a universalização do
ensino básico foi um instrumento de superação de diferenças locais,
remanescentes do feudalismo.
No caso brasileiro, é importante observar que o processo de
encampamento da estrutura educacional pelo Estado foi iniciado
ainda no período colonial, sob a autoridade da monarquia portuguesa.
E esteve em sintonia com as reformas iluministas em
desenvolvimento nas outras sociedades ocidentais. Em 1822, com a
independência do Brasil e a vigência da monarquia constitucional, a
disseminação da escola pública integrava um projeto de construção
da nação, combinando pressupostos iluministas com o ideário liberal,
ainda que num contexto escravocrata. (Veiga, 2007)
Ao mesmo tempo em que buscava governar, o Estado revalidava e
estabelecia hierarquias e distinções sociais marcadas pela criação de
instituições educacionais destinadas a públicos distintos, como foi o
caso do Imperial Colégio Pedro II no Rio de Janeiro e dos cursos
superiores de medicina e de direito, por exemplo. Estas instituições
foram erigidas para a formação das elites afinadas ao projeto
civilizatório do Império e para a constituição de quadros para o
governo do Estado.
Para o conjunto de cidadãos e súditos do Império, a instrução
elementar, por meio das escolas públicas de primeiras letras, era
considerada um dos mecanismos fundamentais para a constituição de
laços de identidades para a “formação do povo brasileiro”. A criação
de aulas públicas, escolas, liceus, colégios, instituições de ensino
primário, secundário e superior relacionavam-se às preocupações
com a “formação do povo brasileiro” e as intenções políticas mais
amplas de construção da nacionalidade e dos espaços públicos.
Portanto, observemos que a construção de uma nacionalidade
brasileira, nasce ainda no império.
Por esta razão, a instrução surgiu como um dos direitos fundamentais
de garantia individual dos cidadãos brasileiros, estabelecido pela
Constituição outorgada em 1824. “A instrução primária era garantida
a todos os cidadãos”. Seguindo as diretrizes liberais que
estabeleceram o direito à instrução como uma das garantias de
liberdade e de igualdade entre os cidadãos, a Constituição imperial de
1824 definia a abrangência e os limites de cidadania.
Conseqüentemente, definia também o direito à educação escolar.
É importante destacar que houve lutas e protestos em torno das
definições de cidadania imposta pela Constituição de 1824, inclusive
entre negros e mestiços. O Período Regencial (1831-1840), na cidade
do Rio de Janeiro, por exemplo, assistiu a proliferação de pasquins
(jornal que tem pouca repercussão) exaltados e radicais, os quais
lutavam pela igualdade de direitos entre os cidadãos brasileiros,
independentemente de origem étnica.
De acordo com a hierarquia e as distinções entre os cidadãos, o
direito à instrução primária, garantida pela constituição dos membros
da sociedade política, foi sendo estabelecido no decorrer dos
oitocentos1
, com base no processo de construção das leis
educacionais e dos sistemas de instrução pública das províncias.
Contudo, os escravos como não-cidadãos, eram expressamente
excluídos das políticas de instrução oficial.
Ao longo do século XIX, o desenvolvimento da escolarização na
sociedade brasileira pode ser observado por meio de diversos
mecanismos articulados, tais como:
a) a criação de uma legislação escolar e política educacional;
b) a constituição de um aparato técnico e burocrático de inspeção e
controle dos serviços de instrução para recrutar e empregar, criar
uma rede de poder e saber e desenvolver uma economia política da
educação;
c) a produção de dados estatísticos para conhecer e produzir
representações sobre o próprio Estado e a sua população, elementos
fundamentais para a governabilidade moderna.
Historiadores da educação têm observado que a partir de 1830, em
várias localidades do país, houve intensas discussões sobre a
implantação das escolas públicas elementares, assim como debates
sobre a pertinência ou não de se escolarizar crianças, negros, índios,
mulheres, em um momento em que se procurava afirmar a
necessidade da escola. Necessidade essa que foi se consolidando a
partir da presença estatal, que instituiu, aos poucos, a
obrigatoriedade da instrução elementar, através do estabelecimento
de normas, nas quais ficam claras as relações entre os processos de
estruturação do Estado e a educação escolar.
Ou seja, também aqui do outro lado do Atlântico, a escola aparece
como elemento principal na construção do Estado. Um bom exemplo
disso é que em algumas províncias do Império a instrução elementar
foi regulamentada por leis provinciais, sobretudo após o ato adicional
de 1834, que atribuiu às Províncias a autonomia de legislar, organizar
e fiscalizar o ensino primário e o secundário.
Em que pese o predomínio e a coexistência de múltiplas formas de
educação (familiar, religiosa, artesanal, profissional, entre outras) ter
sido característica da formação social brasileira no decorrer de todo
os Oitocentos, pesquisas recentes têm apontado que a idéia de
educar e instruir a população livre por meio de instituições escolares
adquiriu consistência no âmbito das províncias e do Estado imperial.
Na província do Rio de Janeiro, desde 1835, o governo procurou
regulamentar a instrução pública. A criação da Escola Normal em
Niterói (então capital da Província), para a formação de professores
primários, foi uma das primeiras medidas tomadas.
O processo de construção das formas de educação escolar no Brasil
do século XIX não foi uniforme, nem indiferenciado ou continuo o que
resultou na desigualdade de condições educacionais entre as
Províncias, na profusão de reformas e na complexidade de normas
então produzidas. Este processo também não se resumiu à ação do
Estado, na medida em que houve a participação das famílias e
parcelas da população local, seja por meio de criação de escolas ou
apoiando os mestres particulares, seja pelas demandas
encaminhadas aos poderes públicos, contendo queixas e reclamações
sobre as condições materiais das escolas ou sobre os professores e
seu trabalho docente (Veiga, 2007).
A difusão de saberes elementares, da cultura escrita e as disputas
pelo acesso às escolas, permaneciam latentes em uma sociedade
marcada pela diversidade de culturas regionais e locais. A construção
do Brasil e dos brasileiros, ao contrário do que normalmente se
divulga nos manuais clássicos de História, foi objeto de lutas e
confrontos entre projetos políticos distintos e de tensões entre
sonhos, caminhos possíveis e formas plurais de nação e da educação
brasileira. (Gondra e Schueler, 2008).
E para finalizar essa parte da nossa aula, vale lembrar Ângela de
Castro Gomes (2002), quando diz que a grande dificuldade colocada
para os historiadores da educação quanto à realização de um balanço
preciso sobre a situação educacional, no Império e mesmo na
Republica, reside na desigualdade e na diversidade historicamente
construída no ensino brasileiro. Cada província ou estado da
federação apresenta singularidades significativas nos processos de
construção dos sistemas, normas e redes de ensino primário e
secundário.
BRASIL SÉCULO XX
Pessoal, peço desculpas mas a história é longa. O processo
educacional também. Para vocês, futuros professores, tais
conhecimentos são muito importantes, não só para compreender
como chegamos até aqui, que mecanismo nos regeu desde a
colonização até os nossos dias, mas acima de tudo para que nos
situemos historicamente. Para termos noção do que somos e porque
somos. Isso, talvez, seja o aspecto mais importante dessa disciplina.
Dispostos a viajar mais um pouquinho? Escolhi um texto, bastante
recente, que faz parte de um livro organizado por um autor de quem
gosto muito, Dermeval Saviani e este mesmo autor, num dos
capítulos do livro, faz uma síntese do século XX no Brasil que me
parece perfeita para o entendimento da educação em nosso país
nesse período. Vamos lá?
Diz esse autor que o século XX será lembrado no futuro como o
período da história da humanidade que alcançou grandes conquistas
tecnológicas que se reverteram num novo modo de viver para
parcelas privilegiadas da população e, paradoxalmente, na falta
dessas mesmas conquistas para a maior parte dos seres humanos.
Foi também no “longo século XX”, como ele o denomina, que
ocorreram as transformações mais decisivas no nosso país nos planos
econômico, político, social, cultural e educacional.
Na história da educação brasileira, a periodização mais
freqüentemente adotada guiava-se pelo parâmetro político,
abordando-se assim a educação no perídio colonial, no Império e na
República. Atualmente se desenvolve uma tendência de se buscar a
periodização centrada não mais nos aspectos externos, mas naqueles
internos ao processo educativo. Neste sentido, se nos guiarmos pelos
aspectos internos, poderíamos considerar como marco inicial da
história da educação brasileira a chegada dos jesuítas em 1549.
Tem inicio aí o primeiro período, que se estende até 1759, quando os
jesuítas foram expulsos pelo Marquês de Pombal. O ensino jesuíta
então implantado, já que contava com incentivo e subsidio da coroa
portuguesa, poderia ser entendido como a nova versão da “educação
pública religiosa” (Saviani, 2006). Entretanto, se o ensino ministrado
pelos jesuítas podia ser considerado como público por ser mantido
em partes com recursos públicos e pelo seu caráter de ensino
coletivo, ele certamente não preenchia os demais critérios. Isso
porque, tanto as condições matérias como as pedagógicas, normas
disciplinares, entre outras, se encontravam sob controle da ordem
jesuíta, portanto, sob domínio privado.
O período seguinte, por sua vez, (pedagogia pombalina 1759-1827)
correspondia aos primeiros ensaios para se instituir uma escola
pública estatal. Pelo alvará de 28 de junho de 1759, determinou-se o
fechamento dos colégios jesuítas, instituindo-se as “Aulas Régias” a
serem mantidas pela Coroa. Para isso foi criado, em 1772, o “subsidio
literário”1
. As reformas pombalinas contrapõem-se às idéias religiosas
e, com base nas idéias laicas inspiradas no iluminismo, instituem o
privilégio do Estado em matéria de ilustração, surgindo assim o que
Saviani chama de sua versão de “educação pública estatal”. Embora
também neste caso, a responsabilidade do Estado se limitava apenas
ao pagamento do salário do professor e às diretrizes curriculares da
matéria a ser ensinada.
Observe-se que logo no inicio da nossa história educacional, nos
primeiros passos dados pela educação brasileira rumo a um sistema
de ensino, o Estado deixou a cargo do próprio professor, providenciar
as condições materiais para poder ensinar. A escola era geralmente
sua própria casa, assim como também os recursos pedagógicos
usados para as aulas. O professor, nomeado pelo rei, como vimos,
sempre depois de prestar concurso público, tinha uma imensa
responsabilidade nas mãos. Ele conduzia uma turma formada por
alunos de diversas faixas de idade, diferentes níveis de conhecimento
e pagava por isso, pois precisava mantê-los. À primeira vista, a
criação das “Aulas Régias” parece ter sido um retrocesso em relação
ao ensino jesuítico, que já mantinha turmas graduadas, ou seja,
separadas por idade e por nível de conhecimento.
Após a proclamação da independência em 1822, uma escola pública
nacional poderia ter decorrido da aprovação da Lei das Escolas de
Primeiras Letras, em 1827, mas isso acabou não acontecendo. O Ato
Adicional de 18342
colocou as escolas primárias e secundárias sob a
responsabilidade das províncias. Isso, sem dúvidas, acabou por adiar
um projeto de escola pública nacional. Ao longo do século XX, o
poder público foi normatizando pela via legal os mecanismos de
criação, organização e funcionamento de escolas que, por esse
aspecto, adquiriram o caráter de instrução pública. Mas, de fato,
essas escolas continuavam em espaços privados, a saber, as próprias
casas dos professores. (Abaixo: currículo das primeiras letras)
Foi somente com a proclamação da Republica, ainda sob a égide
dos estados federados3
, que a escola pública, entendida em sentido
próprio fez-se presente na história da educação brasileira. É a partir
daí que o poder público assume a tarefa de organizar e manter
integralmente as escolas, tendo como objetivo a difusão do ensino a
toda a população. Essa tarefa materializou-se na instituição da escola
graduada a partir de 1890 no Estado de São Paulo de onde se
irradiou para todo o país. Eram os famosos Grupos Escolares.
No âmbito dos ministérios, pode-se dizer que enquanto Francisco
Campos (1931-1934) se concentrou no ensino superior, secundário e
comercial, Gustavo Capanema (1934-1945) nas leis orgânicas,
começou pelo ensino industrial, depois o secundário e atingindo na
seqüência os ensinos comercial, normal, primário e agrícola. Embora
por este caminho todo o arcabouço da educação tenha sido afetado,
prevalecia ainda o mecanismo de se recorrer a reformas parciais,
fazendo falta um plano de conjunto que permitisse a ordenação
unificada da educação nacional em seu todo. Essa exigência
manifestou-se com a promulgação da nova Constituição Federal de
setembro de 1946, que definiu como privativa da União a
competência para “fixar as diretrizes e bases da educação nacional”.
Sob a gestão do Ministro Clemente Mariani, constituiu-se uma
comissão de professores de diferentes tendências para que se
cumprisse esse dispositivo e a partir do trabalho preliminar da
comissão encaminhou-se ao presidente da República para ser
submetido à apreciação do Congresso Nacional, um projeto que após
longa e tumultuada tramitação se converteu na primeira Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), promulgada em
dezembro de 1961.
O terceiro período, de 1961 a 1996, foi o de unificação normativa da
educação nacional e a concepção produtivista da escola1
.
Expressando a supremacia do movimento renovador, aquele que
defendia os preceitos da Escola Nova, a década de 60 foi uma época
de intensa experimentação educativa. Além dos colégios de aplicação
que se consolidaram neste período surgiram também os ginásios
vocacionais2
. Além disso, deu-se grande impulso à renovação do
ensino de matemática e ciências, colocando em ebulição o campo da
pedagogia. Contudo, esta década não deixou de assinalar o
esgotamento do modelo renovador, o que se evidenciou pelo fato de
que as experiências feitas até então se encerraram no final dos anos
de 1960, época em que foram fechados o Centro Brasileiro de
Pesquisa Educacional (CBPE) e os Centros Regionais a ele ligados,
obras de Anísio Teixeira, grande intelectual e educador, ligado ao
movimento renovador. As funções essenciais das pesquisas
desenvolvidas no Centro Brasileiro de Pesquisas eram a de fornecer
elementos exatos para o planejamento de política educacional eficaz
para o país e, também, reforçar a construção do que ele chamava de
nova “mentalidade educacional do magistério nacional”.
Sob a égide do regime militar de 1964, desencadeou-se um processo
de reorientação geral do ensino no país. Em 1961, foi criado por
iniciativa de um grupo de empresários o IPES, Instituto de Pesquisas
e Estudos Sociais. Este Instituto funcionou como um verdadeiro
partido ideológico que, segundo alguns estudiosos, teve papel
decisivo na deflagração do Golpe Militar de 1964. E neste mesmo
ano, nos meses de agosto, setembro, outubro e novembro o IPES
dedicou-se à preparação de um “simpósio sobre a reforma da
educação” realizado em dezembro de 1964. Em continuidade com
esta iniciativa, o IPES organizou, em colaboração com a Pontifícia
Universidade Católica do Rio de Janeiro, um fórum de educação,
denominado de “a educação que nos convém” (IEPES/GB, 1969).
Paralelamente a estes eventos que trouxeram vários subsídios às
reformas do ensino, o governo procedeu à assinatura dos
acordos MEC-Usaid3
, mediante os quais o Ministério da Educação do
Brasil, estabelecia mecanismo de cooperação com a agencia dos
Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional, visando
reformular aspectos específicos do ensino brasileiro.
Ocorre que a nova situação instaurada com o golpe militar exigia
adequação que implicava em mudanças na legislação educacional.
Mas o governo militar não considerou necessário modificá-la
totalmente mediante a aprovação de uma nova lei de diretrizes e
bases da educação nacional. Isso porque, já que o golpe visava
garantir à continuidade da ordem socioeconômica que havia sido
considerada ameaçada no quadro político do presidente deposto em
março de 1964, João Goulart, as diretrizes gerais da educação em
vigor, não precisavam ser alteradas. Bastava ajustar a organização
do ensino à nova situação. Este ajuste foi feito pela Lei 5.540/68, que
reformulou o ensino superior, e pela Lei 5692/71, que alterou os
ensinos primário e médio, modificando sua denominação para ensinos
de primeiro e segundo graus.
Com a abertura política e uma nova Constituição promulgada em
1988, manteve-se o dispositivo que atribui à União, em caráter
privativo, a competência para fixar as diretrizes e bases para a
educação nacional. Em conseqüência, deu-se inicio à elaboração da
nova LDB, 9.394, que fixou as novas diretrizes da educação nacional.
Nesse novo quadro jurídico, a competência das três instâncias do
regime federativo em matéria de educação ficou mais claramente
estabelecida: Aos municípios cabe a responsabilidade pela educação
infantil, assumindo também em conjunto com o estado a que
pertencem o ensino fundamental. Aos estados, a lei destinou a
responsabilidade pelo ensino médio e, em conjunto com os seus
municípios, o ensino fundamental. À União cabe coordenar e articular
os sistemas exercendo função normativa, redistributivas e supletivas
em relação a outras instancias. Cabe-lhe ainda, estabelecer as
diretrizes para os currículos de todos os níveis de ensino e avaliar o
rendimento escolar tanto dos alunos como das instituições,
abrangendo todos os níveis e todas as instancias responsáveis pelo
ensino. Curiosamente, a nova LDB não especificou a instancia que se
responsabilizaria pela manutenção do ensino superior, já que esta
atribuição não está explicita na definição de responsabilidades da
União, diferentemente da educação infantil, ensino fundamental e
ensino médio, cuja manutenção esta explicitamente referida como
atribuição dos estados e Distrito Federal e dos municípios.
O autor conclui que, no decorrer do século XX, o Brasil passou por um
atendimento educacional de pequenas proporções, próprio de um país
predominantemente rural, para serviços educacionais em grande
escala, acompanhando o incremento populacional e o crescimento
econômico que o conduziu a altas taxas de urbanização e
industrialização. Relativamente à trajetória do século XX representou,
do ponto de vista quantitativo, um significativo avanço no campo
educacional. Historicamente, a emergência dos estados nacionais do
decorrer do século XIX foi acompanhada da implantação dos sistemas
nacionais de ensino nos diferentes países como via para a erradicação
do analfabetismo e universalização da instrução popular. O Brasil foi
retardando estas iniciativas e com isso, foi acumulando um déficit
histórico em contraste com os países que instalaram os respectivos
sistemas nacionais de ensino. Considerando, sobretudo, que o Brasil
sequer chegou a universalizar a escola elementar, assim a conclusão
a que se chega é que o grande desafio que ainda se impõe para o
Brasil em termos educacionais ao ingressar no século XXI nos vem do
século XIX. Trata-se da tarefa de organizar o ensino fundamental e,
por esse caminho, erradicar o analfabetismo.

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A Educação no Mundo Antigo e Medieval

  • 1. WEBAULA 1 Unidade 1 – Uma Viagem do Mundo Antigo ao Medieval ANTIGUIDADE Um grande estudioso português, chamado António Nóvoa, hoje Reitor da Universidade de Lisboa, explica bastante bem a importância da História da Educação - especialmente para os pedagogos que vocês em breve serão - quando faz sua defesa dessa área do conhecimento em quatro tópicos: - A História da Educação deve ser justificada, em primeiro lugar, como História e deve procurar restituir o passado em si mesmo, isto é, nas suas diferenças com o presente. - A História da Educação pode nos ajudar a aprender a relativizar as idéias e as propostas educativas e compreende-las no seu tempo. Essa é uma condição de sobrevivência de qualquer educador na sociedade pedagógica dos nossos dias. - A História da Educação fornece aos professores um conhecimento do passado coletivo da profissão, que serve para formar a sua cultura profissional. O fato de possuir um conhecimento histórico, não significa ter uma ação profissional mais eficaz, mas estimula uma atitude crítica e reflexiva. - A História da Educação amplia a memória e a experiência. Propicia um leque de escolhas e de possibilidades pedagógicas o que permite um alargamento do conjunto de conhecimentos dos professores e lhes fornece uma visão da extrema diversidade de instituições escolares do passado. Para além disso, mostra que a educação não é um “destino”, mas uma construção social, o que renova o sentido e a importância da ação cotidiana de cada professor1 .
  • 2. Dito isto, bem vindos ao mundo da História da Educação! Espero que juntos possamos refletir, reconstituir e compreender a historicidade2 do processo educativo ao longo do tempo. Nessa unidade vamos trabalhar a Educação no mundo antigo, suas principais características e a educação na época medieval. Começaremos com uma rápida viagem pelo tempo antigo. Passaremos pela região mediterrânea; Grécia e finalmente, Roma. Depois vamos nos deter um pouco mais na época medieval, pois apesar dela ter sido erroneamente interpretada por tanto tempo como um período de trevas, foi lá que a escola, tal como a conhecemos hoje, se constituiu. Estudada a educação nesse período, entraremos na unidade II. Nesta parte do nosso trabalho vamos estudar a época moderna, riquíssima na sua diversidade e prodigiosa nos seus avanços e promessas de futuro, como as grandes navegações e a descoberta das Américas3 , por exemplo. Chegaremos à contemporaneidade, que se inicia com a famosa Revolução Francesa. É aqui que se inauguram os Estados Nacionais e os sistemas educativos. É aqui que estão todas as nossas referências de sociabilidade, de valores, enfim e sobretudo, é aqui que se situa o mundo que conhecemos e com o qual nos identificamos. Como isso tudo se passa na Europa, a última etapa será estudar a educação no Brasil. Começaremos pela educação que chega com os portugueses e, é claro, com os jesuítas até chegar aos nossos dias. Prontos para a viagem? É importante explicar, antes de entrarmos propriamente na educação Antiga, que a pesquisa histórica contemporânea modificou profundamente a imagem que tínhamos do mundo antigo. Começou, por assim dizer, redefinindo em grande parte a concepção clássica do antigo, ou seja, do homem grego e do romano. O homem antigo, como aprendemos desde o segundo grau, era sinônimo de harmonia,
  • 3. de quietude, de síntese equilibrada, tanto na arte como no pensamento. Pensaram em Platão ou Sócrates? Pensaram naqueles monumentos maravilhosos, gregos e romanos? Os modernos, ou seja, aquelas pessoas que viveram na época moderna (depois da Idade Média), sentiam-se nostálgicos de uma Antiguidade assim concebida, que continuava em seus imaginários a parecer como um modelo insuperável de beleza, de vida ética, de reflexões filosóficas, enfim, de perfeição. (CAMBI, 1999) Dessa forma de olhar o mundo, especialmente o Greco-helenístico, hoje praticamente nada se mantém em pé. Atualmente, nossa forma de ver a época clássica é muito diferente: não pensamos mais o homem antigo (grego ou romano, por exemplo) separado do cotidiano e completamente imerso num mundo “ideal”, mas pensamos no Antigo como um ser humano – como nós - com problemas e lutas políticas, de classes sociais, de etnias, envolvido em projetos de domínio e de hegemonia tanto na vida da polis (Cidade-Estado) grega, como da república romana e mesmo do império romano, alimentando de tensões toda aquela cultura. Também não se pensa mais o Antigo envolto somente em problemas ligados ao conhecimento (científico e filosófico), mas também – e prioritariamente – pelo trabalho, pelas técnicas, pelas atividades desempenhadas no ambiente natural próprio do homem. A história da educação antiga também foi repensada, desta vez de maneira mais problemática, menos unitária e mais plural, enfim, como diz Franco Cambi “a unidade do mundo clássico foi quebrada, sua identidade tornou-se mais problemática, um rico pluralismo invadiu seus limites, complicações e dissonâncias posteriores estão se anunciando nesse horizonte, agora em movimento e em transformação”1 . Mas para falarmos de Grécia e Roma, precisamos antes, pensar em toda a região banhada pelo mar mediterrâneo.
  • 4. E por que pensar no mediterrâneo, se o que nos interessa particularmente são Grécia e Roma? Porque o mundo antigo nasce no mediterrâneo. Precisamos lembrar que a região, desde tempos imemoriais foi habitada por povos de culturas muito diversas entre si, com seus deuses, suas religiões, seus conhecimentos técnicos, entre outros tantos elementos. Ainda assim, foi um mundo no qual seus habitantes se comunicaram, apesar das dificuldades que isso representava naquela época. Trocaram mercadorias, conhecimento e, evidentemente, se influenciaram mutuamente. Embora a Grécia seja a interprete mais madura dessa região, segundo autores como Franco Cambi, por exemplo, o mundo grego é devedor do mundo mediterrâneo: na religião, nas técnicas, no pensamento, na arte e até na política. Ou seja, é devedor de uma série de influências recíprocas. Também do ponto de vista educativo, o antigo mediterrâneo, sobretudo a Grécia foi a origem, a célula embrionária da nossa tradição ocidental. Foi de lá que vieram nossos modelos de cultura, arte e civilização. A escola, enquanto instituição, se afirmava cada
  • 5. vez mais no centro da vida social dessa região, que entre o Egito e a Grécia vai se articulando tanto no aspecto administrativo como no aspecto cultural. Essas escolas, estatais ou particulares, recebem os filhos da classe dirigente e da classe média, dando-lhe uma instrução básica. Essa instrução se configurava como cultura retórico-literária do bem falar e do bem escrever, sempre respeitando as regras da época, rigidamente estabelecidas. É nesse cenário que surge a figura do pedagogo, que na Grécia era um acompanhante da criança, que a controlava e a estimulava. Essa figura, com o passar do tempo, se transforma e se destaca nomundo mediterrâneo3 com a experiência dos “mestres de verdade”. Basta pensar no famoso filosofo grego Sócrates: diretor da vida espiritual e mestre de almas. Os pedagogos serão verdadeiros protagonistas da formação juvenil e o mundo antigo colocará como central esta figura de educador, espiritualizada e extremamente ativa na vida do individuo, reconhecendo-lhes qualidades e objetivos que vão muito além daqueles típicos do “mestre-docente”. Esses mesmos aspectos vão se caracterizar mais tarde como próprios dos pedagogos, dos filósofos-educadores ou ainda, dos pensadores da educação que devem “iluminar os fins e o processo de educar”4 . (CAMBI, 1999) Foi, contudo, na época helenística – mais ou menos entre 323 a.c até 147 a.c5 , quando Roma anexa a Grécia aos seus territórios, que se organiza o sistema de estudos, do nível elementar ao superior. A escola elementar permaneceu inalterada ao longo dos séculos. Nessa escola, que compreendia a leitura, escrita, gramática, musica e desenho, entrava-se aos sete anos de idade. Já na escola secundária a idade de ingresso era aos doze anos. Lá se estudava gramática e o docente ensinava ditando regras e preparando exercícios, depois eram dados alguns princípios da retórica e da lógica6 , aplicados aos estudos da literatura. A formação superior, por sua vez, encontrava seu modelo nas escolas filosóficas, sobretudo nas de Alexandria (Egito). Nesse sentido, o museu ou casa das musas foi ao mesmo tempo um grande centro cultural e centro máximo de instrução do mundo helênico1 , freqüentado por jovens de todo mundo grego. Ao lado dele ficava a biblioteca, que recolhia todas as obras da antiguidade. Esta famosa biblioteca, possuidora de inúmeros tratados de medicina, de gramática, de filosofia, entre tantas outras áreas do conhecimento, infelizmente não sobreviveu ao tempo. Foi consumida pelo fogo ainda na antiguidade.
  • 6. E para finalizar esta parte da nossa viagem, convém reforçar questões muito importantes para o conhecimento do futuro pedagogo e futuro professor: entre as heranças que recebemos da Grécia, e que pesam muito sobre a tradição educativa ocidental encontra-se: a pedagogia como teoria que se destinava a universalizar e tornar rigoroso o tratado dos problemas educacionais. Assim, nasce um saber de educação, com todos os riscos de abstração, de teorismos excessivos e de normativismos que isso representa, mas mesmo assim, fundamental para a construção de uma ciência da educação. Outra herança importante foi o questionamento da relação educativa, indo muito além do vinculo entre pedagogo e pais, docentes e discentes. Relação esta bastante formalista, geralmente impessoal, para traçar essa mesma relação como eminentemente espiritual, ou seja, que faz do mestre o interlocutor fundamental do processo de formação. E não vai ser por acaso que no campo educativo a “idade moderna”, especialmente entre os séculos XV e XVI, recupere e assimile a tradição dos clássicos antigos, começando por Platão. Gostaram da educação grega? Então vamos agora para Roma.
  • 7. A Roma antiga, ou seja, aquele pedaço de terra na Península itálica, que mais tarde se desenvolveu, se expandiu e se tornou um dos maiores impérios que o mundo já conheceu, estava comprimida entre duas realidades sociais, políticas e culturais bastante diferentes entre si: ao norte estavam os etruscos2 , povo desenvolvido, refinado e poderoso e, ao sul a Grécia, da qual já tivemos noticias. Roma mantinha relações estreitas com estas duas fronteiras mas, mesmo assim, criou um modelo próprio de civilização, de economia, de estado e de cultura com características bastante originais, embora tenha absorvido muito da cultura grega. Aliás, isso explica sua expansão e a profunda influência que acabou por exercer no mundo antigo, chegando até nossos dias. Pensemos no Direito Romano, por exemplo, cujos princípios e normas irão constituir a base do Direito de vários países, inclusive o nosso. Entretanto, a educação na Roma arcaica (ou antiga), teve caráter prático, familiar e civil, destinada a formar o civis romanus7 que de certa maneira foi mais desenvolvido que os outros povos porque tinha consciência do Direito, como fundamento da própria “romanidade”, ou seja, da própria identidade. O homem romano era educado, de certa forma, para ter consciência do vinculo que esta romanidade iria estabelecer entre os povos, até com os escravos – que na Grécia e Roma foram muito diferentes dos nossos aqui do Brasil.
  • 8. O homem romano, contudo, era formado em família tendo o pai no papel central. Mas também era formado pela mãe, que era menos submissa e mais participativa na família se comparada à mulher grega. Foi a partir do século II a.c. que foram se organizado escolas como o modelo grego, que acabamos de ver. Essas escolas se destinavam a dar uma formação gramatical e retórica, ligada à língua grega. Somente no século I a.c. que se fundaram escolas de retórica latina, ou seja, que privilegiavam a língua latina. E o que isso significa para nós? O português, assim como o italiano, o francês, o espanhol, o catalão e o romeno, são originários do latim, língua oficial de Roma naquela época. E não é só. Muitos dialetos hoje falados na França, Suíça e em algumas regiões da Europa Central, também se originaram do latim. Pouco tempo depois, o espírito prático dos romanos, levou-os a uma sistemática organização das escolas, divididas por graus e com materiais didáticos específicos, como os manuais. No que se refere aos graus, a escola era dividida em elementares, destinada a ensinar a ler, escrever e até calcular. A particularidade dessas escolas é que funcionavam em locais alugados ou na casa dos ricos. Assim, a criança – sempre acompanhada do pedagogo – passava boa parte do dia na escola e era submetida a disciplina rígida. Depois vinha a escola secundária, na qual se aprendia a cultura nas suas diversas formas, como musica, geometria, astronomia, literatura entre outros e, por fim, as escolas retóricas, que podem ser pensadas como de nível superior.
  • 9. Acho importante relembrá-los que Roma teve regime monárquico, depois se tornou uma república e por fim um império de grandes proporções, com seus famosos imperadores como Julio Cesar, Augusto, Claudio, Nero, que perseguiu os cristãos e colocou fogo em Roma, entre outros. Muitos imperadores como Julio Cesar, por exemplo, preocuparam-se ativamente com os problemas escolares. Este imperador concedeu cidadania romana aos mestres residentes em Roma. Augusto deu bolsas de estudos. Vespasiano, o imperador que construiu o famoso coliseu romano, estatizou as escolas e isentou alguns mestres do pagamento de impostos. O império romano se tornou poderoso e imenso em seu território. Tanto que em determinado momento, dividiu-se em Império Romano do, com a capital em Roma e Império Romano do Oriente, conhecido também como Império Bizantino, com capital em Constantinopla, atual Istambul na Turquia. No império romano do ocidente (Roma), sob o impulso das invasões bárbaras, houve um empobrecimento das escolas e da cultura de um modo geral. Assim, quando o império romano ocidental caiu, por volta de 456 d.C., os sucessivos eventos de destaque no campo da educação estavam no Oriente, que sobreviveu resplandecente até por volta de 1453.1 Embora não esteja privilegiado na ementa da disciplina, gostaria de falar rapidamente sobre o advento do cristianismo e suas conseqüências para a educação. Não se pode compreender a educação como um todo, sem entender a profunda revolução cultural que o cristianismo promoveu no mundo antigo ocidental. Foi uma revolução das mentalidades, antes mesmo da cultura, das instituições sociais e depois, também políticas. Trata-se da afirmação de um novo tipo de homem, caracterizado pela virtude da humildade, do amor universal, enfim, esta revolução de cunho religioso veio modelar toda
  • 10. visão de sociedade, dos comportamentos coletivos e da família. A revolução do cristianismo é também uma revolução pedagógica e educativa, que durante muito tempo irá marcar o Ocidente, constituindo uma das suas mais complexas matrizes. Com a queda do Império Romano do Ocidente, a Europa entra na chamada Idade Média. Algumas coisas precisam ser ditas antes de entrarmos nessa etapa do nosso estudo. Em primeiro lugar, a Idade Média esteve restrita à Europa! O restante do mundo habitado continuou sua vida e a construção da sua própria história. Outro aspecto importante a ser pontuado é que não se pode pensar a idade média como um único período, uniforme e coeso, mas sim como fases diferenciadas, marcadas por vários eventos, alguns catastróficos, como foi o caso da peste negra que dizimou parte da população européia. Enfim, períodos de altos e baixos, de avanços e retrocessos, como qualquer época, aliás.
  • 11. IDADE MÉDIA Uma das formas mais aceitas dessa partição é aquela que a divide em três períodos distintos, cada qual com suas particularidades: Alta Idade Média (século V ao X); Idade Média Clássica (séc. XI ao XIII) e Baixa Idade Média, que vai do século XIV ao século XV, quando se inicia a Época Moderna. A idade média, nas palavras de Franco Cambi, foi sobretudo a época da formação da Europa cristã e da gestação dos pré-requisitos do homem moderno. Foi também um modelo de sociedade cujos membros cooperavam entre si, marcada por forte espírito comunitário e uma etapa da evolução de alguns saberes especializados como a matemática ou a lógica. Em outras palavras, a Idade Média, com o cristianismo, com a Igreja, com o feudalismo, com a formação dos Estados-nações4 , com a vida intelectual dirigida por escolas e universidades, com o incremento de um ideal humanista1 da cultura, foi o longo caminho da formação da Europa.
  • 12. A Europa, de fato, nasceu cristã e foi nutrida de espírito cristão, de modo a colocá-lo no centro de todas as suas manifestações, sobretudo no âmbito cultural. O cristianismo, como já falamos, terá um papel fundamental na cultura ocidental. Caso exemplar é o da educação, que se desenvolve em estreita simbiose com a Igreja, com a fé cristã e com as instituições eclesiásticas que são as únicas delegadas a educar e a formar. Da Igreja partem os modelos educativos e as práticas de formação, organizam-se as instituições com este objetivo e programam-se as intervenções, como também nela se discutem tanto as práticas como os modelos para as classes altas, uma vez que é típica da Idade Média a divisão social, das teorias e das práticas educativas, como tinha sido no mundo antigo. Também a escola como nós a conhecemos é um produto da idade média. A sua estrutura ligada à presença de um professor que ensina a muitos alunos de diversas procedências e que deve responder pela sua atividade à Igreja ou a outro poder, local ou não; suas práticas ligadas à discussão, ao exercício, ao comentário, à argüição, etc.; as suas praticas disciplinares avaliativas vêm daquela época e da organização dos estudos nas escolas monásticas e nas catedrais, sobretudo nas universidades. Vêm de lá também alguns conteúdos culturais da escola moderna e até mesmo contemporânea: o papel do
  • 13. latim, o ensino gramatical e retórico da língua, a imagem da filosofia, entre outras. Já no século V (entre os anos 401 e 500 d.C.), as escolas monásticas vinham acompanhando as escolas estatais romanas de gramática e de retórica, substituindo-as depois, gradativamente, e propondo uma formação não literária, mas religiosa5 . Nas escolas monásticas predomina uma cultura ascética, ou seja, de disciplina estrita e autocontrole do corpo e do espírito, ligada ao estudo dos textos sagrados, dedicada à formação espiritual. É no curso do século VII que vem se formando a educação medieval, com a difusão do monasticismo2 e com a cristianização dos bárbaros3 : uma educação a cargo da Igreja, dirigida para o menino-monge, tendo como centro a leitura e memorização, o cálculo e o canto. Foi o modelo Beneditino de Monte Cassino, que foi imposto por Carlos Magno em 788 como regra primária dos seus domínios (Cambi, 1999). Entre os séculos XII e XVIII, assiste-se a duas grandes inovações: a criação das universidades, que nessa época se configurava como uma corporação de mestres6 e alunos e a organização e proliferação dos colégios como lugar de formação de letrados. Mas é importante ressaltar que as definições de universidades, faculdades e colégios possuíam naquele tempo outras significações (Veiga, 2007). Elas traduziram uma organização diferenciada, evidenciada nos seus métodos, disciplinas e nos seus saberes. O aparecimento dessas formas escolares na Idade Média foi em grande parte associado à história da reurbanização européia ocorrida a partir dos séculos X e XI. E por que reurbanização européia, se a Europa já era bastante urbanizada muito antes dessa época? Porque com a queda de Roma, os chamados “povos bárbaros” que na verdade eram diversos grupos, vindos principalmente da Ásia, muito diferentes entre si, não tiveram mais nenhum empecilho para conquistar a Europa. O problema é que
  • 14. alguns desses povos eram bastante belicosos, ou seja, quando entravam em uma aldeia ou cidade saqueavam, matavam, enfim, causavam verdadeiro terror na população. Portanto, em parte da idade média, a população não mais se concentrou nas cidades, mas na zona rural, migrando novamente para as cidades, como vimos, a partir do século X. Talvez por isso, nesse período tenham proliferado as corporações de oficio (universitates), denominação geral para associações juridicamente reconhecida por todos (universi). Essas associações decorreram das demandas da urbanização e seu comercio. Organizadas de forma sistemática, agregavam pessoas de um mesmo oficio que se submetiam a estatutos regimentais e tinham seus serviços legitimados por meio dessas corporações. Por volta do século XII, na Europa, organizou-se um tipo bastante particular de corporação: aUniversitas studii, uma associação de alunos e mestres para transmissão e aprendizagem de conhecimentos “desinteressados”, ou seja, sem aplicabilidade imediata. Esse era o inicio da Universidade! (Veiga, 2007). A educação na Idade Média foi basicamente um monopólio da Igreja. Durante um bom tempo os representantes eclesiásticos, isto é, representantes da Igreja, controlaram os procedimentos relativos às formas de transmissão do conhecimento, da definição dos saberes e dos métodos de transmissão, assim como os processos de concessão de licença para ensinar. Em outras palavras, quem dava a permissão para que alguém se tornasse mestre, era a Igreja. A organização dos estudos à época tem origem Greco-romana. Os estudos se dividiam em trivium e quadrivium. O trivium estudava gramática latina, dialética e retórica e o Quadrivium geometria,
  • 15. aritmética, astronomia e musica. Entretanto, no período medieval e pela influência e necessidade da Igreja, estes conhecimentos não foram abordados de forma sistemática e abrangente, restringindo-se principalmente aos estudos do Trivium. A concessão para a licença de ensinar, como vimos, era centralizada nas mãos dos eclesiásticos e esse costume expunha os futuros mestres a muitas arbitrariedades, numa dependência total dos poderes da Igreja. Estabeleceu-se então um conflito entre os mestres e as instancias eclesiásticas locais, levando tanto mestres como alunos a buscar uma forma autônoma de organização, com estatutos próprios mas, curiosamente, invocando a proteção da Santa Sé1 . Por isso é que as corporações universitárias, por suas fortes e contraditórias relações com a Igreja, diferiram das demais corporações. Mas é preciso lembrar que a Igreja, naquele momento, centralizava também o poder político (Veiga, 2007). Criado no final da Idade Média, o colégio foi uma instituição de muita relevância, que aos poucos substituiu os estudos dispersos. A partir do século XVI, devido ao prestigio acumulado, os colégios deixam de servir de abrigo para estudantes pobres e as suas funções se invertem. E é nessa mesma época que os colégios se fixam como estágio para ingresso nos estudos superiores da maioria das universidades, além de contar com alunos procedentes das classes mais abastadas. E o que eram, afinal, os colégios antes de se tornarem instituições importantes? Quando os estudos das universitasteve inicio, muitos jovens de outras localidades procuraram os mestres. Essas pessoas precisavam se hospedar em algum lugar. Os ricos, se alojavam nas estalagens ou em casas particulares. Já aos pobres, só restavam as casas de caridade religiosas. Para poderem estudar, esses alunos realizavam serviços domésticos, pediam esmolas ou recebiam ajuda da igreja.
  • 16. Diante disso, as primeiras edificações para abrigar estes alunos surgiram em fins do século XIII em Paris (França), Oxford (Inglaterra) e Cambridge (Inglaterra) e de lá se disseminaram por toda a Europa. O século XIV foi um século de crises que leva ao declínio da Idade Média. Trata-se, no dizer de Cambi, de uma crise plural que abala em muitos níveis a sociedade européia. É a crise demográfica causada pela peste negra, a crise institucional da Igreja com o grande Cisma do Ocidente que põem em cena católicos e protestantes, é a crise de uma visão de mundo cristã medieval que abrirá espaços para individualismos, realismos e novas classes sociais. A Idade Média configura uma longa e complexa época de profundas transformações geográficas, sociais, políticas, econômicas e culturais,
  • 17. ainda que envoltas em torno da mensagem cristã posta como cimento espiritual de toda essa época. Os efeitos históricos da Idade Média constituirão, no campo educacional, estruturas de longa duração:  A Universidade e seu modelo didático;  A formação profissional artesanal ligada ao saber corporativamente organizado e separado da cultura geral, como vimos (as corporações de ofícios);  As instituições sociais de caráter religioso que também no Estado Moderno serão preferencialmente núcleos de formação de base;  A família vista como investida de um dever essencial de educação, colocada antes de qualquer intervenção pública e, por isso, fundamental;  O surgimento de instituições de caridade-educativas que, de certa maneira, irão modificar o empenho da sociedade em relação às diversas classes de indivíduos que nela convivem. Na Idade Média todo o universo da educação se transforma, se especializa, se articula, se socializa e gradativamente também se laiciza (se torna laico, não religioso) e se separa do predomínio da igreja. Sob vários aspectos, enfim, esse período põe em ação os primeiros germes, os primeiros sinais da Idade Moderna. IDADE MODERNA A Idade moderna – século XV ao século XVIII - é um ciclo histórico que tem características profundamente diferentes do período anterior, a Idade Média. Com a modernidade, prepara-se primeiro o declínio, depois o desaparecimento daquela sociedade de ordens (clero, nobreza e povo) que tinha sido característica da Idade Média. Aquela sociedade, que de certa maneira negava o exercício das liberdades individuais para, ao contrário, valorizar os grandes sistemas coletivos: a Igreja e o Império1 . É importante relembrar das aulas de história, que a individualidade é exercida na antiguidade, mas em parte da Idade Média, esse conceito desaparece. Tudo gira em torno do coletivo.
  • 18. A chegada da modernidade se apresenta, portanto, como uma revolução em muitos campos: geográfico, econômico, político, social, ideológico, cultural e também pedagógico. Como revolução geográfica, a modernidade vai deslocar o eixo da história do Mediterrâneo para o Atlântico. Do oriente para o ocidente. E com os descobrimentos e a colonização de novas terras, cria-se a possibilidade de contatos bastante estreitos entre diferentes áreas do mundo. Diferentes povos, etnias, culturas, entre diferentes modelos antropológicos, como o contacto do europeu com o índio, por exemplo. Do ponto de vista econômico, esta revolução pôs fim ao modelo feudal, com seu sistema econômico fechado, baseado na agricultura, para impulsionar uma economia de intercâmbio, baseada na mercadoria e no dinheiro. Nasce o sistema capitalista, que já vinha se desenvolvendo desde meados da Idade Média. Como revolução política, a modernidade tem como centro o nascimento do estado Moderno, que é um Estado centralizado, controlado pelo rei em todas
  • 19. as suas funções. O Estado Absolutista. Como revolução social, promove a formação e afirmação de uma nova classe: a burguesia, que nasce nos centros urbanos e promove um novo processo econômico – o capitalismo – assim como determina uma nova concepção de mundo e novas relações de poder. Evidentemente, tudo isso irá implicar também numa revolução na educação e na pedagogia. Agora, a formação do homem acompanha novos caminhos sociais, orienta-se segundo novos valores, estabelece, enfim, novos modelos. Acontece uma radical virada pedagógica que segue percursos muito diferentes daqueles empreendidos pela era cristã, destinado a formar o homem para Deus. Mudam-se, assim, os fins da educação. Esta educação terá por objetivo formar um individuo ativo e produtivo na sociedade. Mas vão mudar também os meios educativos. Embora a família e a Igreja permaneçam instituições formativas, a escola ocupará um lugar cada vez mais central para o desenvolvimento da sociedade moderna. Com a modernidade, nasce a pedagogia como ciência. Como saber de formação humana. Mas nasce também uma pedagogia social que se reconhece como parte integrante do processo da sociedade em seu conjunto, na qual ela irá desempenhar uma função insubstituível e cada vez mais central: formar o homem-cidadão. Na modernidade, enfim, a pedagogia e a educação se renovam, configurando-se como saber e como prática para poder responder de maneira condizente à passagem do mundo antigo para o mundo moderno. Duas instituições educativas irão sofrer uma profunda redefinição e reorganização na Modernidade: a família e a escola. Ambas as instituições serão cada vez mais centrais na experiência formativa dos indivíduos e também na reprodução da sociedade, tanto no aspecto cultural como no aspecto profissional. A criança, que na idade média permaneceu à margem do grupo familiar, terá o seu espaço social na família. Cria-se um modelo de formação para a criança, privatizado e familiar. Cria-se um saber pedagógico, médico,
  • 20. psicológico da infância, que nasce em virtude dos cuidados familiares e da própria redefinição da família como instituição educativa da criança, que agora passa a ser o centro-motor da vida familiar. E é aqui que nasce o sentimento moderno de família. É preciso, no entanto, pensar na educação como um projeto de civilização em curso nas sociedades ocidentais a partir do século XV e sua consolidação nos séculos XIX e XX. E o que significa isso? Significa dizer que a educação era encarada como a melhor forma de “moldar” os indivíduos e assim construir a sociedade adequada à época. Com valores e comportamentos determinados. Muitos1 podem ter sido os motivos que justificam esse estado de coisas. Contudo, o crescente processo de expansão da educação esteve intimamente ligado:  A organização e à evolução do Estado Moderno;  As divergências religiosas;  Ao avanço da urbanização;  As alterações econômicas e a diversificação das classes sociais que essas alterações produziram;  O desenvolvimento das ciências e as mudanças no comportamento humano, rumo a um comportamento civilizado, caracterizado principalmente pelo aparecimento do capitalismo e pela conseqüente racionalização do pensamento e autocontrole das atitudes. E por que isso? Para o trabalho, ou melhor, para o tipo de organização social e do trabalho que o capitalismo exigia. Como falamos na unidade I, uma grande inovação surgida em fins da Idade Média foi a organização e a multiplicação do Colégio, como lugar de formação de letrados. Pois bem. É importante destacar que
  • 21. os colégios instituíram uma nova forma escolar e esta forma estava integrada aos processos de racionalização de que falamos acima. Esse novo modelo supunha a existência de uma nova organização do espaço físico, ou seja, com prédios próprios, construídos para este fim. Isso mesmo! Antes dessa época, não existiam prédios construídos com a finalidade de se tornar escolas. A partir daí, não só se inaugurou essa nova tendência, como também os prédios passaram a ter uma arquitetura apropriada para aquele fim. Com dependências especializadas, com alunos divididos em classes estabelecidas conforme o nível do seu saber e idade aproximada, assim como os colégios dos dias atuais. Além disso, a gradação escolar exigiu também uma nova organização do tempo escolar. Isso significou dividir os dias em horários, estabelecer tarefas prefixadas e organizar os meses de acordo com os conteúdos a serem ministrados num determinado tempo, no fim do qual os alunos deveriam prestar exames. O rigor dos colégios no controle administrativo e na organização pedagógica, contudo, aos poucos produziu uma dimensão disciplinar que contrariava a liberdade usufruída pelos escolares e pelos mestres cooperados na época medieval. Lembram-se dos mestres e alunos na universitas? As modificações implicadas nessa nova organização integraram as reformulações sociais e políticas ocorridas entre os séculos XVI e XVII, das quais já falamos. Data do século XVI um grande Cisma (dissidência) da Igreja conhecido como o movimento de Reforma e Contra-Reforma religiosa, católicos e protestantes. Embora com formas diferentes de devoção religiosa, tanto os protestantes quanto os católicos tinham na educação e na escola suportes fundamentais. Já na esfera política, o poder feudal apresentava sinais de crise desde o século XIV e crescia o movimento em favor de Estados centrados na figura dos reis – os Estados Nacionais Absolutistas. Portanto, as mudanças políticas dessa época
  • 22. tiveram especial influência nas concepções de educação e no aumento dos colégios. Entre os séculos XVI e XVIII vai se enfatizar a idéia de riqueza como virtude e fonte de prestigio, o que acabou sendo reforçado pelo aparecimento de novos objetos e produtos de ostentação e diferenciação social. Assim, ter conhecimento, em outras palavras, saber, se torna um importante diferencial para se ter prestigio na sociedade. Também a noção de publico e privado vai se modificar significativamente. Philippe Áries, um importante historiador francês, destaca o impacto da crescente alfabetização dos membros importantes da sociedade. Isso mesmo! Naquela época, mesmo sendo pessoa “importante”, destacada na sociedade, não significava que se soubesse ler e escrever. Alguns sabiam, mas muitos nobres e senhores feudais eram analfabetos. Para os alfabetizados, contudo, a difusão da imprensa tornou o ato de ler e escrever cada vez mais individual, tanto pela leitura silenciosa, como pela escrita de diários, cartas entre outros. As mudanças brevemente apontadas permitem compreender que os séculos XVI, XVII e XVIII foram marcados por uma intensa busca de conhecimento e de novos saberes. Isso significou que o aprendizado ganhou um papel de destaque e uma importância talvez nunca vista. A sociedade tornou-se mais heterogênea (composta de partes ou elementos de diferente natureza) e os mecanismos de diferenciação entre as pessoas se ampliaram: riqueza, poder político, prestigio social e conhecimento são os novos elementos de distinção. Observe- se que na Idade Média isso praticamente não existia e por duas razões: primeira porque o feudalismo, o sistema econômico da época, pelas suas características não abria espaço para isso. Segundo
  • 23. porque a Igreja, leia-se católica, condenava principalmente o lucro e a ostentação. Aliás, motivos da reforma protestante. Devido a esta diversidade social que agora existia, era impossível qualquer unanimidade em torno de propostas educacionais, organização de escolas e discussões pedagógicas, mas é possível identificar algumas predominâncias: os colégios jesuítas e os colégios protestantes, a pedagogia humanista, a crise nas universidades e os poucos empreendimentos em favor da educação dos pobres. O desenvolvimento da chamada pedagogia humanista, no entanto, deixou claro os limites das praticas educacionais em vigor, mas não houve uniformidade na sua elaboração, principalmente devido às diferentes óticas religiosas de alguns desses humanistas e às concepções leigas partilhadas por outros. Entretanto, importa enfatizar que os humanistas irão propor um modelo educacional mais adequado às necessidades da época, modificando o desinteresse pela alfabetização da população pobre, a restrição ao ensino do latim, a não-valorização da língua mãe, a negligência quanto aos saberes do quadrivium (geometria, aritmética, astronomia e musica) e a falta de uma didática adequada, entre outros. Uma unanimidade entre os pedagogos humanistas foi a ampliação dos currículos, incentivando os estudos das ciências em geral, com destaque para as matemáticas, as artes e a estética, além da formação profissional. Estimula-se a competição e a premiação pública como incentivos à aprendizagem e ao estabelecimento de relações civilizadas entre mestres e alunos. O que se pretendia era uma educação cujas bases fossem o autocontrole e a autodisciplina. Novamente lembro a vocês: ambos têm tudo a ver com as exigências do sistema econômico vigente e da nova sociedade que estava se constituindo. As formas escolares da época se caracterizavam por regras disciplinares que embasavam a busca de uma educação moral – e essa vigilância imposta pela escola, de certa maneira se estende a toda a população, mesmo que com fins e objetivos diferentes. Embora a escolaridade só se estenda ao todo social ao longo do século XIX1 , é possível identificar algumas iniciativas para a educação dos pobres. Nos países protestantes, a formação religiosa era mais liberal porque partia da livre consulta dos textos bíblicos e admitia a leitura na língua mãe. Algumas ações também ocorreram nos países católicos, embora mais voltadas para a caridade do que para o combate à ignorância, como predominava entre os protestantes. Tais escolas, evidentemente, não se dirigiam para o público dos colégios, mas para a formação moral do futuro trabalhador. Nos países protestantes a alfabetização se estendeu para meninos e meninas, assumida pelas autoridades municipais. Entre os
  • 24. representantes da pedagogia protestante, podemos destacar Martinho Lutero, Melanchton e João Calvino, que partilhavam a idéia de que a língua materna deveria ser a base da educação, embora também favoráveis ao estudo do grego, do latim e do hebraico, além da literatura dos clássicos, traduzidos para o vernáculo. E como se processou o desenvolvimento dos colégios e das universidades nos países católicos? Na Europa, diferentes ordens religiosas disputaram entre si a clientela dos colégios, a saber: a burguesia e a nobreza. Entretanto, o grande marco do ensino nas sociedades católicas foram os colégios jesuítas. Eles tiveram no centro da Igreja contra-reformada e estimularam a cultura geral erudita2 , integrando a pedagogia humanista ao espírito da cristandade, enquanto favoreciam distinções sociais e formavam jovens na moral cristã. Esses colégios se afirmaram como propedêuticos aos estudos superiores de teologia, medicina e direito. Os jesuítas fundaram diferentes tipos de colégios, conforme a origem social dos estudantes. No entanto, todos eles eram regidos pelo mesmo regulamento: o Ratio Studiorum.
  • 25. Desse plano de estudos constavam desde a regulamentação dos estudos e da vida no colégio até a disciplina, mas a ênfase estava no método de ensino. Diferentemente do que ocorria antes, o novo método fazia largo uso da escrita. Toda a aula tinha uma parte destinada aos exercícios escritos e à redação. Outra ênfase era a retórica1 . As escolas jesuítas permitiram certa homogeneização cultural das elites. Além da formação de turmas por faixa etária e da designação de um professor especifico para cada turma, outras materialidades ajudaram a unificar o processo de formação: o uso recorrente da escrita, como vimos, a composição de textos, o uso de livros impressos e a promoção anual dos alunos, com distinção e prêmios. Observe-se que os colégios jesuítas representavam espaços de disseminação de conhecimento que contribuíam para estabelecer distinção social e com isso atender às exigências das novas formas de civilidade e de sociedade. Contudo, a formação em humanidades reforçava a separação entre o trabalho intelectual e o trabalho manual e com isso ajudava a estabelecer diferenciações sociais, embora também preparasse para o ingresso nas universidades e abrisse portas para a carreira jurídica e administrativa. Entretanto, faltou às escolas jesuítas proporcionar a seus alunos uma formação mais pragmática, o que ficou muito claro quando estas escolas foram fechadas no século XVIII. Em meados do século XVIII os colégios jesuítas foram fechados pela imposição das monarquias, entre outras razões, pela disputa política em torno do monopólio da educação. Os representantes da companhia de Jesus foram expulsos de Portugal, do Brasil, da França e da Espanha e as elites políticas e intelectuais defendiam a idéia de que a educação moral e cientifica deveria ser privilégio do Estado, sobretudo pela necessidade de formar os quadros administrativos do governo. Nessa época, expandiu-se o movimento intelectual denominado Iluminismo, que entre tantas outras propostas, apresentava a necessidade de laicização do ensino, ou seja, o ensino não religioso e da educação escolar como elemento essencial de desenvolvimento da civilização. Era a necessidade de associar razão e progresso.
  • 26. No final do século XVIII e inicio do século XIX, assiste-se ao declínio das monarquias absolutistas, a separação do Estado e da Igreja e a instalação de governos constitucionais, além de mudanças econômicas tecnológicas e culturais. Nesse contexto, situa-se a contribuição de um dos maiores críticos da Igreja, do Absolutismo, dos colégios e da sociedade de maneira geral: o filósofo suíço Jean- Jacques Rousseau, cujas idéias tiveram significativa influencia na pedagogia do século XIX. BRASIL COLÔNIA E IMPÉRIO Como vocês perceberam, até aqui só falamos de Europa. Por quê? Porque as nossas referências em termos sociais e pedagógicos vêm
  • 27. da Europa. É de lá que herdamos nossa cultura. E é de lá que veio o nosso modelo escolar. Quando os portugueses chegaram ao Brasil, trouxeram consigo na bagagem toda uma estrutura social, política, religiosa e pedagógica entre outras coisas. No inicio da colonização, na primeira metade do século XVI em Portugal, Igreja e Estado estão unidos por interesse comum, que são ainda medievais (tardios medievais, como diz Alfredo Bosi). Portanto, há de se considerar em primeiro lugar, que a educação nesse período foi exclusivamente baseada nos valores e conteúdos vigentes em Portugal. Os principais agentes da educação na colônia foram os sacerdotes jesuítas, até serem expulsos pelo Marques de Pombal em 1759. É preciso considerar que a associação entre a colonização portuguesa e as iniciativas missionárias da Igreja, serviu tanto aos interesses econômicos e políticos de Portugal quanto às estratégias do Vaticano para impedir a propagação do protestantismo no novo mundo. Os jesuítas foram o mais importante grupo religioso na manutenção dos princípios da reação católica ao protestantismo.
  • 28. O documento que oficializou esta mudança foi o “Alvará Régio” de 1759, no qual se extinguem todas as Escolas reguladas pelo método dos jesuítas e se estabelece um novo regime administrativo, o cargo de Diretor de Estudos e a nomeação de professores régios de Gramática Latina, de grego e retórica. Assim, as denominações “aula”, “aula regia” “escola” e “cadeira” designavam um mesmo modelo: estudos avulsos ministrados por um professor régio – isto é, autorizado e nomeado pelo rei.Somente no século XIX, com a criação dos liceus e de novos colégios, retoma-se a reunião dos estudos, que convive por um bom tempo com a estrutura de aulas avulsas. Voltando aos jesuítas, antes de serem expulsos, a ação desses religiosos distinguia-se por ser eminentemente prática, não contemplativa. Introduzir-se no mundo foi uma referencia básica de suas ações. Embora com um objetivo bastante explícito – o de viver em Cristo e ganhar o mundo para Cristo – suas intenções se voltaram para a necessidade de conhecer o outro para converter e não apenas a mera pregação. De acordo com as orientações do Ratio Studiorum, o objetivo da educação seria o de promover a integração harmoniosa dos súditos de Deus e do reino para com seus legítimos superiores. Tal harmonia deveria se estabelecer pela servidão livre e não pela obediência cega. Para aproximarem sua cultura da cultura dos indígenas, por exemplo, os jesuítas produziram estratégias pedagógicas nada convencionais. Os padres combinaram escrita, expressão corporal, oralidade nas ações educativas, chegando até mesmo a aprender o idioma dos índios, especialmente o tupi-guarani, idioma mais falado na costa brasileira.
  • 29. O marco inaugural e prioritário das atividades jesuítas foi, em meados do século XVI, a construção de igrejas, aldeamentos e colégios. Os colégios da época colonial constituíram a base administrativa das atividades dos religiosos. Além de bibliotecas, os colégios possuíam oficinas, enfermarias e boticas e prestavam assistência à população em geral. As Igrejas e os colégios fundados pelos jesuítas foram as primeiras referencias de urbanidade da civilização cristã ocidental. Entretanto, outros modelos educacionais, além do jesuíta também marcaram presença no período colonial. Existiram outros espaços e formas de educação e socialização. Dentre seus agentes se destacaram outras ordens religiosas, bispado, governo geral, corporações, irmandades, confrarias e sociedades literárias. Apesar da hegemonia dos jesuítas, foram os franciscanos os primeiros religiosos a se instalarem no Brasil. A primeira missa, inclusive, foi rezada por um integrante dessa ordem.
  • 30. No século XVII, os franciscanos inauguraram no Rio de Janeiro o convento de Santo Antonio, que oferecia estudos superiores de teologia moral e filosofia. Havia ainda os seminários criados pelo bispado – internatos destinados ao clero e à educação dos órfãos e dos filhos dos colonizadores que se multiplicaram no século XVIII. Até a instalação dos seminários, os filhos dos moradores locais recebiam lições em aulas domésticas ocasionais ou eram enviados para os colégios em outras capitanias ou até mesmo para Portugal. Existiam ainda modelos educacionais não vinculados à Igreja ou ao Estado. Professores ou padres mestres costumavam ensinar na residência dos alunos e em suas próprias casas, em aulas muitas vezes abertas ao publico. No entanto, foi somente no século XIX nos países da Europa central, que se criou uma correspondência entre a idéia de construção de Estado-Nação e a montagem do sistema público de ensino. Historicamente, na visão dos pesquisadores do tema, no quadro das
  • 31. revoluções modernas (Revolução Industrial, Revolução Francesa e Revolução Americana), as orientações que se imprimiram à educação responderam a problemas específicos da ordem social de cada um desses países. Em alguns países europeus, a universalização do ensino básico foi um instrumento de superação de diferenças locais, remanescentes do feudalismo. No caso brasileiro, é importante observar que o processo de encampamento da estrutura educacional pelo Estado foi iniciado ainda no período colonial, sob a autoridade da monarquia portuguesa. E esteve em sintonia com as reformas iluministas em desenvolvimento nas outras sociedades ocidentais. Em 1822, com a independência do Brasil e a vigência da monarquia constitucional, a disseminação da escola pública integrava um projeto de construção da nação, combinando pressupostos iluministas com o ideário liberal, ainda que num contexto escravocrata. (Veiga, 2007) Ao mesmo tempo em que buscava governar, o Estado revalidava e estabelecia hierarquias e distinções sociais marcadas pela criação de instituições educacionais destinadas a públicos distintos, como foi o caso do Imperial Colégio Pedro II no Rio de Janeiro e dos cursos superiores de medicina e de direito, por exemplo. Estas instituições foram erigidas para a formação das elites afinadas ao projeto civilizatório do Império e para a constituição de quadros para o governo do Estado. Para o conjunto de cidadãos e súditos do Império, a instrução elementar, por meio das escolas públicas de primeiras letras, era considerada um dos mecanismos fundamentais para a constituição de laços de identidades para a “formação do povo brasileiro”. A criação de aulas públicas, escolas, liceus, colégios, instituições de ensino
  • 32. primário, secundário e superior relacionavam-se às preocupações com a “formação do povo brasileiro” e as intenções políticas mais amplas de construção da nacionalidade e dos espaços públicos. Portanto, observemos que a construção de uma nacionalidade brasileira, nasce ainda no império. Por esta razão, a instrução surgiu como um dos direitos fundamentais de garantia individual dos cidadãos brasileiros, estabelecido pela Constituição outorgada em 1824. “A instrução primária era garantida a todos os cidadãos”. Seguindo as diretrizes liberais que estabeleceram o direito à instrução como uma das garantias de liberdade e de igualdade entre os cidadãos, a Constituição imperial de 1824 definia a abrangência e os limites de cidadania. Conseqüentemente, definia também o direito à educação escolar. É importante destacar que houve lutas e protestos em torno das definições de cidadania imposta pela Constituição de 1824, inclusive entre negros e mestiços. O Período Regencial (1831-1840), na cidade do Rio de Janeiro, por exemplo, assistiu a proliferação de pasquins (jornal que tem pouca repercussão) exaltados e radicais, os quais lutavam pela igualdade de direitos entre os cidadãos brasileiros, independentemente de origem étnica. De acordo com a hierarquia e as distinções entre os cidadãos, o direito à instrução primária, garantida pela constituição dos membros da sociedade política, foi sendo estabelecido no decorrer dos oitocentos1 , com base no processo de construção das leis educacionais e dos sistemas de instrução pública das províncias.
  • 33. Contudo, os escravos como não-cidadãos, eram expressamente excluídos das políticas de instrução oficial. Ao longo do século XIX, o desenvolvimento da escolarização na sociedade brasileira pode ser observado por meio de diversos mecanismos articulados, tais como: a) a criação de uma legislação escolar e política educacional; b) a constituição de um aparato técnico e burocrático de inspeção e controle dos serviços de instrução para recrutar e empregar, criar uma rede de poder e saber e desenvolver uma economia política da educação; c) a produção de dados estatísticos para conhecer e produzir representações sobre o próprio Estado e a sua população, elementos fundamentais para a governabilidade moderna. Historiadores da educação têm observado que a partir de 1830, em várias localidades do país, houve intensas discussões sobre a implantação das escolas públicas elementares, assim como debates sobre a pertinência ou não de se escolarizar crianças, negros, índios, mulheres, em um momento em que se procurava afirmar a necessidade da escola. Necessidade essa que foi se consolidando a partir da presença estatal, que instituiu, aos poucos, a obrigatoriedade da instrução elementar, através do estabelecimento de normas, nas quais ficam claras as relações entre os processos de estruturação do Estado e a educação escolar. Ou seja, também aqui do outro lado do Atlântico, a escola aparece como elemento principal na construção do Estado. Um bom exemplo disso é que em algumas províncias do Império a instrução elementar foi regulamentada por leis provinciais, sobretudo após o ato adicional de 1834, que atribuiu às Províncias a autonomia de legislar, organizar e fiscalizar o ensino primário e o secundário. Em que pese o predomínio e a coexistência de múltiplas formas de educação (familiar, religiosa, artesanal, profissional, entre outras) ter sido característica da formação social brasileira no decorrer de todo os Oitocentos, pesquisas recentes têm apontado que a idéia de educar e instruir a população livre por meio de instituições escolares adquiriu consistência no âmbito das províncias e do Estado imperial. Na província do Rio de Janeiro, desde 1835, o governo procurou regulamentar a instrução pública. A criação da Escola Normal em Niterói (então capital da Província), para a formação de professores primários, foi uma das primeiras medidas tomadas.
  • 34. O processo de construção das formas de educação escolar no Brasil do século XIX não foi uniforme, nem indiferenciado ou continuo o que resultou na desigualdade de condições educacionais entre as Províncias, na profusão de reformas e na complexidade de normas então produzidas. Este processo também não se resumiu à ação do Estado, na medida em que houve a participação das famílias e parcelas da população local, seja por meio de criação de escolas ou apoiando os mestres particulares, seja pelas demandas encaminhadas aos poderes públicos, contendo queixas e reclamações sobre as condições materiais das escolas ou sobre os professores e seu trabalho docente (Veiga, 2007). A difusão de saberes elementares, da cultura escrita e as disputas pelo acesso às escolas, permaneciam latentes em uma sociedade marcada pela diversidade de culturas regionais e locais. A construção do Brasil e dos brasileiros, ao contrário do que normalmente se divulga nos manuais clássicos de História, foi objeto de lutas e confrontos entre projetos políticos distintos e de tensões entre sonhos, caminhos possíveis e formas plurais de nação e da educação brasileira. (Gondra e Schueler, 2008). E para finalizar essa parte da nossa aula, vale lembrar Ângela de Castro Gomes (2002), quando diz que a grande dificuldade colocada para os historiadores da educação quanto à realização de um balanço preciso sobre a situação educacional, no Império e mesmo na Republica, reside na desigualdade e na diversidade historicamente construída no ensino brasileiro. Cada província ou estado da federação apresenta singularidades significativas nos processos de construção dos sistemas, normas e redes de ensino primário e secundário. BRASIL SÉCULO XX
  • 35. Pessoal, peço desculpas mas a história é longa. O processo educacional também. Para vocês, futuros professores, tais conhecimentos são muito importantes, não só para compreender como chegamos até aqui, que mecanismo nos regeu desde a colonização até os nossos dias, mas acima de tudo para que nos situemos historicamente. Para termos noção do que somos e porque somos. Isso, talvez, seja o aspecto mais importante dessa disciplina. Dispostos a viajar mais um pouquinho? Escolhi um texto, bastante recente, que faz parte de um livro organizado por um autor de quem gosto muito, Dermeval Saviani e este mesmo autor, num dos capítulos do livro, faz uma síntese do século XX no Brasil que me parece perfeita para o entendimento da educação em nosso país nesse período. Vamos lá? Diz esse autor que o século XX será lembrado no futuro como o período da história da humanidade que alcançou grandes conquistas tecnológicas que se reverteram num novo modo de viver para parcelas privilegiadas da população e, paradoxalmente, na falta dessas mesmas conquistas para a maior parte dos seres humanos. Foi também no “longo século XX”, como ele o denomina, que ocorreram as transformações mais decisivas no nosso país nos planos econômico, político, social, cultural e educacional. Na história da educação brasileira, a periodização mais freqüentemente adotada guiava-se pelo parâmetro político, abordando-se assim a educação no perídio colonial, no Império e na República. Atualmente se desenvolve uma tendência de se buscar a periodização centrada não mais nos aspectos externos, mas naqueles internos ao processo educativo. Neste sentido, se nos guiarmos pelos aspectos internos, poderíamos considerar como marco inicial da história da educação brasileira a chegada dos jesuítas em 1549.
  • 36. Tem inicio aí o primeiro período, que se estende até 1759, quando os jesuítas foram expulsos pelo Marquês de Pombal. O ensino jesuíta então implantado, já que contava com incentivo e subsidio da coroa portuguesa, poderia ser entendido como a nova versão da “educação pública religiosa” (Saviani, 2006). Entretanto, se o ensino ministrado pelos jesuítas podia ser considerado como público por ser mantido em partes com recursos públicos e pelo seu caráter de ensino coletivo, ele certamente não preenchia os demais critérios. Isso porque, tanto as condições matérias como as pedagógicas, normas disciplinares, entre outras, se encontravam sob controle da ordem jesuíta, portanto, sob domínio privado. O período seguinte, por sua vez, (pedagogia pombalina 1759-1827) correspondia aos primeiros ensaios para se instituir uma escola pública estatal. Pelo alvará de 28 de junho de 1759, determinou-se o fechamento dos colégios jesuítas, instituindo-se as “Aulas Régias” a serem mantidas pela Coroa. Para isso foi criado, em 1772, o “subsidio literário”1 . As reformas pombalinas contrapõem-se às idéias religiosas e, com base nas idéias laicas inspiradas no iluminismo, instituem o privilégio do Estado em matéria de ilustração, surgindo assim o que Saviani chama de sua versão de “educação pública estatal”. Embora também neste caso, a responsabilidade do Estado se limitava apenas ao pagamento do salário do professor e às diretrizes curriculares da matéria a ser ensinada. Observe-se que logo no inicio da nossa história educacional, nos primeiros passos dados pela educação brasileira rumo a um sistema de ensino, o Estado deixou a cargo do próprio professor, providenciar as condições materiais para poder ensinar. A escola era geralmente sua própria casa, assim como também os recursos pedagógicos usados para as aulas. O professor, nomeado pelo rei, como vimos, sempre depois de prestar concurso público, tinha uma imensa responsabilidade nas mãos. Ele conduzia uma turma formada por alunos de diversas faixas de idade, diferentes níveis de conhecimento e pagava por isso, pois precisava mantê-los. À primeira vista, a criação das “Aulas Régias” parece ter sido um retrocesso em relação
  • 37. ao ensino jesuítico, que já mantinha turmas graduadas, ou seja, separadas por idade e por nível de conhecimento. Após a proclamação da independência em 1822, uma escola pública nacional poderia ter decorrido da aprovação da Lei das Escolas de Primeiras Letras, em 1827, mas isso acabou não acontecendo. O Ato Adicional de 18342 colocou as escolas primárias e secundárias sob a responsabilidade das províncias. Isso, sem dúvidas, acabou por adiar um projeto de escola pública nacional. Ao longo do século XX, o poder público foi normatizando pela via legal os mecanismos de criação, organização e funcionamento de escolas que, por esse aspecto, adquiriram o caráter de instrução pública. Mas, de fato, essas escolas continuavam em espaços privados, a saber, as próprias casas dos professores. (Abaixo: currículo das primeiras letras)
  • 38. Foi somente com a proclamação da Republica, ainda sob a égide dos estados federados3 , que a escola pública, entendida em sentido próprio fez-se presente na história da educação brasileira. É a partir daí que o poder público assume a tarefa de organizar e manter integralmente as escolas, tendo como objetivo a difusão do ensino a toda a população. Essa tarefa materializou-se na instituição da escola graduada a partir de 1890 no Estado de São Paulo de onde se irradiou para todo o país. Eram os famosos Grupos Escolares. No âmbito dos ministérios, pode-se dizer que enquanto Francisco Campos (1931-1934) se concentrou no ensino superior, secundário e comercial, Gustavo Capanema (1934-1945) nas leis orgânicas,
  • 39. começou pelo ensino industrial, depois o secundário e atingindo na seqüência os ensinos comercial, normal, primário e agrícola. Embora por este caminho todo o arcabouço da educação tenha sido afetado, prevalecia ainda o mecanismo de se recorrer a reformas parciais, fazendo falta um plano de conjunto que permitisse a ordenação unificada da educação nacional em seu todo. Essa exigência manifestou-se com a promulgação da nova Constituição Federal de setembro de 1946, que definiu como privativa da União a competência para “fixar as diretrizes e bases da educação nacional”. Sob a gestão do Ministro Clemente Mariani, constituiu-se uma comissão de professores de diferentes tendências para que se cumprisse esse dispositivo e a partir do trabalho preliminar da comissão encaminhou-se ao presidente da República para ser submetido à apreciação do Congresso Nacional, um projeto que após longa e tumultuada tramitação se converteu na primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), promulgada em dezembro de 1961. O terceiro período, de 1961 a 1996, foi o de unificação normativa da educação nacional e a concepção produtivista da escola1 . Expressando a supremacia do movimento renovador, aquele que defendia os preceitos da Escola Nova, a década de 60 foi uma época de intensa experimentação educativa. Além dos colégios de aplicação que se consolidaram neste período surgiram também os ginásios vocacionais2 . Além disso, deu-se grande impulso à renovação do ensino de matemática e ciências, colocando em ebulição o campo da pedagogia. Contudo, esta década não deixou de assinalar o esgotamento do modelo renovador, o que se evidenciou pelo fato de que as experiências feitas até então se encerraram no final dos anos de 1960, época em que foram fechados o Centro Brasileiro de Pesquisa Educacional (CBPE) e os Centros Regionais a ele ligados, obras de Anísio Teixeira, grande intelectual e educador, ligado ao movimento renovador. As funções essenciais das pesquisas desenvolvidas no Centro Brasileiro de Pesquisas eram a de fornecer elementos exatos para o planejamento de política educacional eficaz para o país e, também, reforçar a construção do que ele chamava de nova “mentalidade educacional do magistério nacional”.
  • 40. Sob a égide do regime militar de 1964, desencadeou-se um processo de reorientação geral do ensino no país. Em 1961, foi criado por iniciativa de um grupo de empresários o IPES, Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais. Este Instituto funcionou como um verdadeiro partido ideológico que, segundo alguns estudiosos, teve papel decisivo na deflagração do Golpe Militar de 1964. E neste mesmo ano, nos meses de agosto, setembro, outubro e novembro o IPES dedicou-se à preparação de um “simpósio sobre a reforma da educação” realizado em dezembro de 1964. Em continuidade com esta iniciativa, o IPES organizou, em colaboração com a Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, um fórum de educação, denominado de “a educação que nos convém” (IEPES/GB, 1969). Paralelamente a estes eventos que trouxeram vários subsídios às reformas do ensino, o governo procedeu à assinatura dos acordos MEC-Usaid3 , mediante os quais o Ministério da Educação do Brasil, estabelecia mecanismo de cooperação com a agencia dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional, visando reformular aspectos específicos do ensino brasileiro. Ocorre que a nova situação instaurada com o golpe militar exigia adequação que implicava em mudanças na legislação educacional. Mas o governo militar não considerou necessário modificá-la totalmente mediante a aprovação de uma nova lei de diretrizes e bases da educação nacional. Isso porque, já que o golpe visava garantir à continuidade da ordem socioeconômica que havia sido considerada ameaçada no quadro político do presidente deposto em março de 1964, João Goulart, as diretrizes gerais da educação em vigor, não precisavam ser alteradas. Bastava ajustar a organização do ensino à nova situação. Este ajuste foi feito pela Lei 5.540/68, que reformulou o ensino superior, e pela Lei 5692/71, que alterou os ensinos primário e médio, modificando sua denominação para ensinos de primeiro e segundo graus. Com a abertura política e uma nova Constituição promulgada em 1988, manteve-se o dispositivo que atribui à União, em caráter
  • 41. privativo, a competência para fixar as diretrizes e bases para a educação nacional. Em conseqüência, deu-se inicio à elaboração da nova LDB, 9.394, que fixou as novas diretrizes da educação nacional. Nesse novo quadro jurídico, a competência das três instâncias do regime federativo em matéria de educação ficou mais claramente estabelecida: Aos municípios cabe a responsabilidade pela educação infantil, assumindo também em conjunto com o estado a que pertencem o ensino fundamental. Aos estados, a lei destinou a responsabilidade pelo ensino médio e, em conjunto com os seus municípios, o ensino fundamental. À União cabe coordenar e articular os sistemas exercendo função normativa, redistributivas e supletivas em relação a outras instancias. Cabe-lhe ainda, estabelecer as diretrizes para os currículos de todos os níveis de ensino e avaliar o rendimento escolar tanto dos alunos como das instituições, abrangendo todos os níveis e todas as instancias responsáveis pelo ensino. Curiosamente, a nova LDB não especificou a instancia que se responsabilizaria pela manutenção do ensino superior, já que esta atribuição não está explicita na definição de responsabilidades da União, diferentemente da educação infantil, ensino fundamental e ensino médio, cuja manutenção esta explicitamente referida como atribuição dos estados e Distrito Federal e dos municípios. O autor conclui que, no decorrer do século XX, o Brasil passou por um atendimento educacional de pequenas proporções, próprio de um país predominantemente rural, para serviços educacionais em grande escala, acompanhando o incremento populacional e o crescimento econômico que o conduziu a altas taxas de urbanização e industrialização. Relativamente à trajetória do século XX representou, do ponto de vista quantitativo, um significativo avanço no campo educacional. Historicamente, a emergência dos estados nacionais do decorrer do século XIX foi acompanhada da implantação dos sistemas nacionais de ensino nos diferentes países como via para a erradicação do analfabetismo e universalização da instrução popular. O Brasil foi retardando estas iniciativas e com isso, foi acumulando um déficit histórico em contraste com os países que instalaram os respectivos sistemas nacionais de ensino. Considerando, sobretudo, que o Brasil sequer chegou a universalizar a escola elementar, assim a conclusão a que se chega é que o grande desafio que ainda se impõe para o Brasil em termos educacionais ao ingressar no século XXI nos vem do século XIX. Trata-se da tarefa de organizar o ensino fundamental e, por esse caminho, erradicar o analfabetismo.