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QUESTÕES DE HISTÓRIA DA LEITURA:
ESCRITORES E PÚBLICO EM INTERCÂMBIOS POUCO RECÍPROCOS
Regina Zilberman
(PUCRS)1
Resumo
Após uma rápida, mas penetrante, sondagem sobre a relação entre as obras literárias e a cultura
escrita brasileira do século XIX, a autora sugere que os escritores aqui apontados conduzem não
apenas a uma problemática da leitura, mas a visão crítica da “materialidade mesma do processo
literário”.
Resumé
Après un rapide mais pénétrant sondage sur les rapports des écrivains avec la culture
écrite de leur époque, l´auteure avance une conclusion inattendue : en étant placés dans
lê pôle du consommateur de littérature, ces artistes nous conduisent au coeur de la
problématique non seulement de la lecture mais de la “matérialité même du procès
littéraire”.
Resumen
Luego de un rápido aunque agudo análisis sobre la relación entre los escritos periodísticos de su
época, o sea, en el siglo XIX, llegamos a una sorprendente conclusión, a saber, que una vez
colocados en el papel de consumidores de esos textos, artistas como especialmente Castro Alves
y José de Alencar consiguen llevarnos al centro de la problemática de la lectura, así como a una
visión crítica de la “materialidad misma del proceso literario”.
1. Recorte metodológico
“História da leitura” enquanto área de conhecimento abriga pesquisas de
orientação e natureza diversificadas. Roger Chartier trata da história das práticas de
leitura, dos livros e dos materiais impressos, bem como dos modos de representação da
leitura (CHARTIER, 1990; CHARTIER, 1994; CHARTIER, 2002). A Estética da
Recepção procura dimensionar o impacto de uma obra literária no confronto com os
horizontes de expectativas das épocas que atravessou (JAUSS, 1970; JAUSS, 1984).
Robert Darnton prefere investigar o percurso dos livros, enfatizando os best-sellers do
passado e sua repercussão sobre a construção das visões de mundo num dado período
1
Doutora em Letras pela Universidade de Heidelberg, Alemanha; professora titular da PUCRS.
histórico (DARNTON, 1982; DARNTON, 1985; DARNTON, 1992). William Charvat
aborda o processo de profissionalização do escritor e suas relações com o mercado
editorial, base do que chama “economia da autoria” [economics of authorship], sobre a
qual comenta: “Fatos e números sobre vendas de livros e rendas são interessantes - mas
não suficientemente interessantes, a não ser que eles especificamente revelem algo
sobre os modos dentro dos quais escritores e seus escritos funcionam numa cultura”
(CHARVAT, 1993:7).
Suas investigações pressupõem que “publishing é relevante para a história da
literatura (...) na medida em que pode mostrar uma influencia formadora [shaping
influence] na literatura”. Em outro trabalho, Charvat acompanha o percurso editorial de
escritores norte-americanos do século XIX, verificando como fatores econômicos e
mercadológicos interferiram na sua produção artística (CHARVAT, 1992). Pesquisas
sobre a construção da autoria (WOODMANSEE;
JASZI, 1994; WOODMANSEE;
1994; RICE, 1997) dão continuidade aos interesses científicos de William Charvat,
amarrando-os à discussão proposta por Michel Foucault, relativamente ao aparecimento
e difusão da noção de autor. (FOUCAULT, 1992). A exposição que se segue elegeu
esse foco, para examinar um segmento da literatura brasileira à época do Romantismo.
2. Retratos de artistas brasileiros quando jovens
Consideremos quatro escritores atuantes durante o Romantismo brasileiro,
Álvares de Azevedo (1831-1852), Castro Alves (1847-1871), Fagundes Varela (1841-
1875), José de Alencar (1829-1877), ordenados aqui por data de morte. Encarados na
seqüência de nascimento, verifica-se que José de Alencar é apenas dois anos mais velho
que Azevedo, sendo que o mais jovem, Castro Alves, faleceu antes de Fagundes Varela
e do criador de Iracema.
Por terem preferido se expressar em gêneros literários diferenciados, nem
sempre são colocados lado a lado: Alencar dedicou-se quase que inteiramente à prosa, e,
embora a maioria tenha produzido peças teatrais, não é por esse ângulo que se inserem à
história da literatura. Também os separa a época em que publicaram as principais obras,
perspectiva que, mais uma vez, confere a Álvares de Azevedo a primogenitura: Lira dos
vinte anos apareceu, ainda que postumamente, em 1853, época em que Alencar,
diplomado em Direito, recém se aprimorava no jornalismo, colaborando com o Correio
Mercantil, onde colocou as primeiras crônicas, depois reunidas em Ao correr da pena.
A precocidade de Álvares de Azevedo garante-lhe igualmente a primogenitura,
se prosseguimos adiante o exame desse grupo enquanto núcleo isolado. A separação que
se faz aqui, por sua vez, é proposital: nosso intuito é verificar como esses escritores
refletiram sobre suas reações com o público leitor e o que isso acrescenta não apenas ao
conhecimento de suas obras, mas à trajetória da literatura brasileira no período em
questão, cujas fronteiras cronológicas estendem-se de 1853, ano do aparecimento de
Lira dos vinte anos, a 1872, data de publicação de Sonhos d’ouro, de José de Alencar.
Álvares de Azevedo refere-se às relações entre o escritor e o público num
longo poema, denominado “Um cadáver de poeta”, cuja primeira parte, coerente com o
título, acompanha a morbidez peculiar ao estilo praticado pelo autor. Logo a seguir,
porém, a fala dirige-se ao assunto o que interessa, ao explicar que o poeta “morreu de
fome” e nem foi enterrrado, porque “não valia a sepultura...” (AZEVEDO, 1942). O
abandono deveu-se à falta de estima social de que foi vítima o trovador, porque a
“turba” julga loucos os poetas. Depois de ironizar a noção de que “a poesia é decerto
uma loucura”, o sujeito lírico busca exemplos históricos que comprovem a tese, como o
da rainha Maria Stuart, a qual “fez tanta asneira... / Que não admira que a um poeta
amasse!”
Não é tanto a loucura o que Azevedo quer examinar, e sim a pobreza dos
poetas. Seu primeiro exemplo provém de Luíz de Camões, que “às esmolas valeu”, e
nada mais ganhou, nem mesmo prebendas como as concedidas à parasitas da nobreza:
Mas quanto ao resto,
Por fazer umas trovas de vadio,
Deveriam lhe dar, além de glória,
- E essa deram-lhe à farta! - algum bispado?
Alguma dessas gordas sinecuras
Que se davam a idiotas fidalguias?
Azevedo conclui de modo realista:
Deixem-se de visões, queimem-se os versos.
O mundo não avança por cantigas.
Por essa razão, o artista não deve cogitar ser remunerado ou valorizado por
seus versos, já que “um poeta no mundo tem apenas / O valor de um canário de
gaiola...”. Escrever “ é prazer de um momento, é mero luxo”, sendo a recompensa o
contentar-se “em traçar nas folhas brancas/ De algum Álbum da moda umas
quadrinhas”. A conclusão opõe criação poética e pagamento, representado esse pelo
ouro que nenhum escritor vê:
Nem há negá-lo: não há doce lira,
Nem sangue de poeta ou alma virgem
Que valha o talismã que no ouro vibra!
Nem músicas nem santas harmonias
Igualam o condão, esse eletrismo,
A ardente vibração do som metálico.
Dez anos mais jovem que Álvares de Azevedo, Fagundes Varela publicou os
primeiros volumes de versos pouco menos de uma década após a morte do companheiro
de ofício. Expõe, porém, similar visão pouco risonha das possibilidades de os escritores
contarem com apreço, admiração ou recompensa pecuniária derivada dos leitores.
“Elegia” exemplifica sua percepção do sentimento de rejeição conferido à
literatura brasileira por parte do público. Começa, sintomaticamente, pela menção a
Álvares de Azevedo, “o ardente bardo”, a que se segue à referência aos parceiros de
geração, como Junqueira Freire, “o severo cantor, correto e puro”, Casimiro de Abreu,
“alma sentida como a rola aflita”, Aureliano Lessa, “o desditoso”, Laurindo Rebelo,
“arrojado sempre, e sempre nobre”, e Gonçalves Dias, “mavioso cantor das soledades!”
(VARELA, 1957). Esses autores já estão mortos e esquecidos, conforme Fagundes
Varela, o que o leva a bradar, invocando o tempo: “o que fizeste deles? Onde ocultas/
Desses grandes talentos os tesouros,/ Comparsa horrendo da sombria morte?”
À denúncia da perda de memória, segue-se a manifestação de inconformidade
por parte do sujeito lírico:
Fatal destino o dos brasílios vates!
Fatal destino o dos brasílios sábios!
Fatal destino o dos brasílios mestres!
Política nefanda, horrenda e negra,
Pestilento bulcão, abafa e mata
Quanto aos olhos de irônico estrangeiro
Podia honrar o pátrio pensamento!
O rol dos esquecidos é incrementado por outras indicações. Delata que não se
sabe “onde repousam/ Ó cantor do Uruguai teus frios restos”, assim como são ignorados
Martins Pena, “Molière das letras brasileiras”, Dutra e Melo, “cultor d’amenas letras”,
Teixeira e Sousa, “narrador sincero”, e Manuel Antônio de Almeida, “pensador
profundo”. A indignação do escritor não se interrompe nesse ponto, pois, nas estrofes
seguintes, protesta contra a precariedade das condições materiais experimentadas pelos
artistas, divididos entre o “pão [que] suplica” e “a pena mercenária aos pulsos presa!” A
falta de valorização do trabalho artístico literário estende-se a outras imagens:
Morto, à cova lançaram-lhe os escritos,
Pois o papel, de velho, e amarelado,
Coberto de sinais, traços escuros
Nem as próprias crianças cobiçavam!
Que mercador severo envolveria
Nessas manchadas folhas a canela,
A mostarda, a pimenta? O asseio é tudo.
Bradando que “tem mais valor o mundo da matéria”, Fagundes Varela está
ciente que pouco pode esperar da sociedade, a não ser os cobradores, que o ameaçam
até depois de morto, pois “o avarento, de esquálidos esbirros/ Cercará da viúva o
domicílio”. Com imagens desse porte, ele sela o destino cruel das letras no Brasil.
Castro Alves solidariza-se com o assunto, em “Poesia e mendicidade”, de
Espumas flutuantes, seu primeiro livro, publicado em 1870, ao retomar a figura do
poeta empobrecido, dos versos de Álvares de Azevedo. Depois de invocar Homero, que
“pede pão”, enquanto o bardo medieval, “uma esmola”, sumaria o sujeito lírico:
Assim nos tempos idos a musa canta e pede...
Gênio e mendigo... vede... o abismo de irrisões!
Tasso implora um olhar! Vai Ossian mendicante...
Caminha roto o Dante! e pede pão Camões.
O poeta reconhece, porém, que, no presente, a situação melhorou, afirmando à
destinatária de seus versos:
Bem sei, Senhora, que ao talento agora
Surgiu a aurora de uma luz amena.
Hoje há salário p'ra qualquer trabalho,
Cinzel, ou malho, ferramenta ou pena!
Graças a essa mudança, informa que “o vulto [o poeta] é o mesmo ... num
melhor procênio...”, podendo pedir, não esmolas ou favores, mas a atenção e o amor da
mulher amada, a quem dirige os versos. A superação da mendicidade dá-se pelo
trabalho remunerado, destinado aos autores renomados (entre os quais não se inclui, ao
fechar o poema):
Então, Senhora, sob tanto encanto
Pede o Poeta (que não tem renome)
— Versos — à brisa pra vos dar um canto...
Raios ao sol — p'ra vos traçar o nome!...
Castro Alves assistiu provavelmente à passagem do trabalho não remunerado e
desvalorizado do criador literário para o estabelecimento de um salário, mesmo quando
emanado de um artista. Contudo, é José de Alencar quem testemunha o processo de
inserção do escritor ao sistema de produção industrial, de que é simultaneamente
usuário e crítico.
O romancista cearense presta contas dessa relação entre o escritor e o aparato
industrial de que faz parte em Como e porque sou romancista, documento de 1873,
publicado postumamente. Na forma de carta, recorda sua formação escolar e intelectual,
e discute o destino de seus livros, nem sempre tão bem sucedidos como ele almejaria.
Chama a atenção para o fato de somente após 22 anos “de gleba na imprensa” ter
achado “afinal um editor, o Senhor B. Garnier, que espontaneamente ofereceu-me um
contrato vantajoso em meados de 1870.” Eis por que reconhece a importância dessa
figura na constituição da paisagem literária: “Deixe arrotarem os poetas mendicantes. O
Magnus Apollo da poesia moderna, o deus da inspiração e pai das musas deste século, é
essa entidade que se chama editor e o seu Parnaso uma livraria.” (ALENCAR, 1990:
70-2)
Nas frases de Alencar, reaparecem as personagens que, nos versos de Azevedo,
Varela e Castro Alves, protagonizavam melancólicas cenas de indigência e
incompreensão por parte da sociedade materialista. O autor de O guarani, sem trocar de
lado, reconhece a mudança de época e de mentalidade, obrigando o criador de literatura
a lidar com novos valores e condições. Que ele não se ilude, sugere-o a declaração de
que a escrita constitui péssimo negócio para o autor: “Todavia ainda para o que teve a
fortuna de obter um editor, o bom livro é no Brasil e por muito tempo será para seu
autor, um desastre financeiro. O cabedal de inteligência e trabalho que nele se emprega,
daria, em qualquer outra aplicação, lucro cêntuplo”.
Sua trajetória pessoal comprova a afirmação, pois confessa pouco ter lucrado
com a edição de livros, apesar de muitos acreditarem ter ocorrido o contrário:
Mas muita gente acredita que eu me estou cevando em ouro, produto de
minhas obras. E ninguém ousaria acreditá-lo, imputam-me isso a crime,
alguma cousa como sórdida cobiça.
Que país é este onde forja-se uma falsidade, e para quê? Para tornar mais
odiosa e desprezível a riqueza honestamente ganha pelo mais nobre trabalho,
o da inteligência!
Em “Bênção paterna”, prefácio a Sonhos d’ouro, de 1872, Alencar antecipa a
questão, ao defender-se da acusação de serem seus textos fruto “de certa musa
industrial” (ALENCAR, 1957:29). A expressão dá conta daqueles que andariam “a
fabricar romances e dramas aos feixes”, fato para ele inconcebível, já que “não consta
que alguém já vivesse nesta abençoada terra do produto de obras literárias.” As letras
não constituem “uma profissão”, o que determina, de um lado, “nosso atraso”, de outro,
a indiferença da crítica. Amargo como os poetas, Alencar não direciona os olhos para a
sorte dos escritores, preferindo focar o destino da obra:
Dá-te por advertido pois, livrinho; e, se não queres incorrer na pecha,
passando por um produto de fábrica, já sabes o meio. É não caíres no goto da
pouca gente que lê, e deixares-te ficar bem sossegado, gravemente envolto
em uma crosta de pó, à espera do dente da traça ou da mão do taberneiro que
te há de transformar em cartucho para embrulhar cominhos.
Por outro lado, Alencar reconhece o apoio que vem recebendo do público,
razão talvez porque um editor como Garnier apostava, na ocasião, em sua verve
literária:
É o meu caso. Estes volumes são folhetins avulsos, histórias contadas ao
correr da pena, sem cerimônia, nem pretensões, na intimidade com que trato
o meu velho público, amigo de longos anos e leitor indulgente, que apesar de
todas as intrigas que lhe andam a fazer de mim, têm seu fraco por estas
sensaborias.
Alencar foi o escritor que, dentre os de sua geração, mais dividendos recebeu
na qualidade de remuneração pelo trabalho intelectual. Contratou-o o mais importante
impressor do dezenove brasileiro, e provocou a inveja de muitos, sentimento traduzido
também em Senhora, de 1875, em cena que Aurélia recebe convidados, entre os quais
um crítico literário com quem discute a feitura de Diva.
Alencar, jornalista e, por um tempo, membro do Parlamento brasileiro, não se
alinhou ao perfil dos “poetas mendicantes”; mesmo assim, compartilhou a decepção dos
companheiros de fazer literário, sentimento convertido em amargura, não em humor ou
ironia, como nos versos de Azevedo, Varela e Castro Alves. Talvez por ter militado por
mais tempo, e experimentado o sucesso de vendas e notoriedade, Alencar mostrou-se
mais inconformado, expressando revolta nos textos dos anos 70, período em que,
simultaneamente, era combatido por críticos no Brasil (vejam-se as polêmicas com
Joaquim Nabuco e com Franklin Távora) e em Portugal, de que é exemplo o
posicionamento de Alexandre Herculano.
3. Mensagem do patrocinador
Recortados os vinte anos que separam Lira dos vinte anos de Sonhos d’ouro e
Como e porque sou romancista (considerando, nesse caso, o ano indicado ao final da
carta, de edição póstuma), deparamo-nos com uma mensagem comum – a queixa
relativa à falta de reconhecimento público de que é objeto a figura do poeta ou, de modo
mais amplo, o escritor. Azevedo, Varela e Castro Alves referem-se a uma figura carente
de localização geográfica ou cronológica, já que o desfile dos “mendicantes” inicia em
Homero e estende-se até a modernidade, incluindo os românticos nacionais, nos versos
de Fagundes Varela.
A falta de reconhecimento, por sua vez, não diz respeito ao aplauso da
sociedade ou à inserção no cânone. Os nomes relacionados nas estrofes citadas são o
cânone, já que elencam Homero, Dante, Tasso, Camões e, entre os nacionais, Basílio da
Gama, Gonçalves Dias e Casimiro de Abreu. O tópico repetido por todos refere-se à
falta de remuneração adequada, determinando a falta de meios de subsistência, a
mendicância, a esmola, a falta de assistência sanitária, a inexistência de pensão ou de
pecúlio que garanta a sobrevivência financeira das famílias.
Os poetas abordam a questão às vezes de modo irônico ou cômico, mas esse
posicionamento não exclui a seriedade e continuidade do problema. O fato que
denunciam afeta seus bolsos, que jamais se enchem de dinheiro, mesmo quando se
verifica algum êxito de vendagem, conforme comenta José de Alencar.
O contrário do que denunciam aconteceria se o público agisse de outra
maneira: conferindo mais valor à arte literária, considerando a escrita uma profissão
(apenas Castro Alves admite avanços nesse terreno), remunerando os autores de modo
mais adequado. Está em questão, pois, a forma como os escritores se relacionam com o
público, relacionamento insatisfatório de ambas as partes, pois os leitores não
consomem os poetas, e esses não alcançam viver dos rendimentos obtidos. Não é que o
público não leia, pois, conforme denuncia Álvares de Azevedo, no poema mencionado,
“Faublas2
tem mais leitores do que Homero”; ocorre que ele não aprecia a boa literatura,
nem, segundo José de Alencar, o menos insatisfeito nesse quesito, prefere a produção
nacional.
2
A vida do Cavalheiro de Faublas, de Jean-Baptiste Louvet (1760-1797), é um romance libertino francês
do século XVIII.
A literatura brasileira, que, no século XIX, reivindica sua autonomia por
intermédio de vários expedientes, depara-se com um obstáculo quase intransponível,
qual seja, a dificuldade de se comunicar com os leitores. Nas palavras certeiras de José
de Alencar, a circunstância a enfraquece, decorrendo daí uma seqüência de dificuldades
insolúveis, o que agrava a mágoa do romancista. A alternativa é lutar em causa própria,
mas, mesmo assim, o combate é inglório, porque, ainda nas palavras de José de Alencar,
nem mesmo a crítica literária brasileira ajuda, por razões que se estendem, no parecer
dele, do preconceito à mera preguiça.
Considerando os dados apresentados, o que acrescentam ao nosso
conhecimento da literatura brasileira, justificando que se reivindique uma “história da
leitura” como proposta metodológica de melhor conhecer nosso passado?
Primeiramente, há que admitir que os poetas eram bons leitores, haja vista o
número de autores nacionais e europeus que citam. Em pesquisa instigante, Brito Broca
duvida que os românticos brasileiros lessem tanto quanto apregoavam, resumindo-se a
citar nomes que lembram, sem terem se adentrado em suas respectivas obras. (BROCA,
1979) Ainda assim, há que respeitar, por exemplo, a “Elegia”, de Fagundes Varela,
responsável por considerável retrospecto do cânone literário nacional vigente a seu
tempo. Por outro lado, se a figura de Camões aparece desde o prisma com que os
primeiros românticos o desenharam, conforme se encontra nos versos do Camões, de
Almeida Garrett (GARRETT, 1966), ou no Resumo de história literária de Portugal e
do Brasil, de Ferdinand Denis (DENIS, 1826), textos respectivamente de 1825 e 1826, é
porque as concepções e personagens originárias desses dois pioneiros românticos
impressionaram vivamente os leitores que faziam poesia. Eram bons leitores, e
esperavam ser lidos e apreciados, resposta que, contudo, não receberam na mesma
proporção, ainda quando se trata de José de Alencar, vulto que, da sua parte, dispôs de
uma legião de admiradores e imitadores, sem, contudo, alcançar os devidos dividendos
que essa condição facultaria.
Em segundo lugar, há que relativizar os conceitos com que se descreve a
geração romântica, muitas vezes qualificada de idealista ou distanciada das questões
atinentes ao mundo social e econômico, indiferente como o “Arquétipo”, de Varela, que
“Vivia por viver... porque vivia.” (VARELA, 1957) Examinados desde o ângulo dos
problemas práticos com que se debatiam na qualidade de escritores, os românticos
perdem a aura que lhes conferiu a história da literatura; em compensação, revelam-se
pessoas que passaram por situações concretas, a que deram respostas possíveis nas
condições de seu tempo. Sem se diminuírem, deixam de ser entendidos de modo
elevado e serem objeto de culto, para se apresentarem na sua proximidade existencial e
humana. É quando se queixam da penúria e da miséria, da incompreensão do público e
da falta de recepção, que se aproximam de nós, seus destinatários atuais.
Por último, há que notar estarem as menções à leitura ou às reações da
audiência mediadas pela alusão a dinheiro, salário, remuneração, profissionalização e
comercialização. Assim, a pesquisa dos modos de leitura e de recepção da literatura,
desde a perspectiva como os próprios artistas representam a questão, recupera a
materialidade do processo literário. De uma parte, incide na reflexão sobre o
funcionamento do sistema, enquanto organismo que inclui diferentes sujeitos
responsabilizando-se, cada um, por uma tarefa específica que, combinada, movimenta a
engrenagem da literatura. De outra, desvela os mecanismos de criação literária,
enquanto resposta às possibilidades de acolhida do público e integração com o mercado
tanto produtor, quanto consumidor.
No poema “O Editor”, da Lira dos vinte anos, Álvares de Azevedo interroga:
Eu só peço licença de fazer-vos
Uma simples pergunta: - na gaveta
Se Camões visse o brilho do dinheiro...
Malfilâtre,3
Gilbert, o altivo Chatterton4
Se o tivessem nas rotas algibeiras,
Acaso blasfemando morreriam?
A pergunta pode ser considerada retórica, porque quem a fez conhecia a
réplica. Ela não fala, porém, de Camões ou dos outros, mas da época em que viveu
Álvares de Azevedo, sua geração e companheiros. Esse universo vem a ser matéria do
saber, quando, na busca dos textos, persegue-se igualmente o sujeito que fala e o
ouvinte que deseja alcançar e com quem almeja comunicar-se, tal sendo o sentido da
literatura e da investigação que a toma por objeto.
Referências
ALENCAR, José de. Bênção paterna. In: ___. Sonhos d'ouro. 4. ed. Rio de Janeiro:
José Olympio, 1957.
ALENCAR, José de. Como e porque sou romancista. Adapt. ortográfica de Carlos
Aquino Pereira. Campinas: Pontes, 1990.
3
Jacques Charles-Louis de Malfilâtre (1732-1767) foi poeta, na França.
4
Thomas Chatterton (1752–70) foi poeta, na Inglaterra.
AZEVEDO, Álvares de. Obra completa. Ed. organizada e anotada por Homero Pires.
São Paulo: Nacional, 1942. Tomo I.
BROCA, Brito. O que liam os românticos. In: ___. Românticos, pré-românticos, ultra-
românticos. São Paulo: Polis; Brasília: INL, 1979.
CASTRO ALVES. Poesias completas. Prefácio de Manuel Bandeira. Rio de Janeiro:
Ediouro, 1969.
CHARTIER, Roger. A história cultural. Entre práticas e representações. Lisboa: Difel;
Brasil: Bertrand, 1990.
CHARTIER, Roger. A ordem dos livros. Brasília: Editora da Universidade Nacional
de Brasília, 1994.
CHARTIER, Roger. Os desafios da escrita. São Paulo: Ed. UNESP, 2002.
CHARVAT, William. Literary Publishing in America, 1790 - 1850. 2. ed. Boston:
University of Massachussets Press, 1993.
CHARVAT, William. The Profession of Authorship in America. 1800 - 1870. New
York: Columbia University Press, 1992.
DARNTON, Robert. Edição e sedição. O universo da literatura clandestina no século
XVIII. São Paulo: Companhia das Letras, 1992.
DARNTON, Robert. The Great Cat Massacre and Other Episodes in French
Cultural History. New York: Vintage Books, 1985.
DARNTON, Robert. The Literary Underground of the Old Régime. Cambridge and
London: Harvard University Press, 1982.
DENIS, Ferdinand. Resumé de l'histoire littéraire du Portugal, suivi du Résumé de
l'histoire littéraire du Brésil. Paris: Lecointe et Durey, Libraires, 1826.
FAGUNDES VARELA, L. N. Poesias Completas. Organização e apuração de texto de
Miécio Tati e E. Carrera Grande. São Paulo: Nacional, 1957. V. 2.
FOUCAULT, Michel. O que é um autor?. 3. ed. Lisboa: Vega, 1992.
GARRETT, Almeida. Camões. Porto: Lello, 1966.
JAUSS, Hans Robert. Literaturgeschichte als Provokation. Frankfurt: Suhrkamp,
1970.
JAUSS, Hans Robert. O texto poético na mudança de horizonte de leitura. In: LIMA,
Luiz Costa (Org.). Teoria da Literatura em suas fontes. 2. ed. Rio de Janeiro:
Francisco Alves, 1984. V. 2.
RICE, Grantland S. The Transformation of Authorship in America. Chicago and
London: The University of Chicago Press, 1997.
WOODMANSEE, Martha e JASZI, Peter. (Org.). The Construction of Authorship.
Textual Appropriation in Law and Literature. Durham and London: Duke University
Press, 1994.
WOODMANSEE, Martha. The Author, Art, and the Market. Rereading the History
of Aesthetics. New York: Columbia University Press, 1994.

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  • 1. QUESTÕES DE HISTÓRIA DA LEITURA: ESCRITORES E PÚBLICO EM INTERCÂMBIOS POUCO RECÍPROCOS Regina Zilberman (PUCRS)1 Resumo Após uma rápida, mas penetrante, sondagem sobre a relação entre as obras literárias e a cultura escrita brasileira do século XIX, a autora sugere que os escritores aqui apontados conduzem não apenas a uma problemática da leitura, mas a visão crítica da “materialidade mesma do processo literário”. Resumé Après un rapide mais pénétrant sondage sur les rapports des écrivains avec la culture écrite de leur époque, l´auteure avance une conclusion inattendue : en étant placés dans lê pôle du consommateur de littérature, ces artistes nous conduisent au coeur de la problématique non seulement de la lecture mais de la “matérialité même du procès littéraire”. Resumen Luego de un rápido aunque agudo análisis sobre la relación entre los escritos periodísticos de su época, o sea, en el siglo XIX, llegamos a una sorprendente conclusión, a saber, que una vez colocados en el papel de consumidores de esos textos, artistas como especialmente Castro Alves y José de Alencar consiguen llevarnos al centro de la problemática de la lectura, así como a una visión crítica de la “materialidad misma del proceso literario”. 1. Recorte metodológico “História da leitura” enquanto área de conhecimento abriga pesquisas de orientação e natureza diversificadas. Roger Chartier trata da história das práticas de leitura, dos livros e dos materiais impressos, bem como dos modos de representação da leitura (CHARTIER, 1990; CHARTIER, 1994; CHARTIER, 2002). A Estética da Recepção procura dimensionar o impacto de uma obra literária no confronto com os horizontes de expectativas das épocas que atravessou (JAUSS, 1970; JAUSS, 1984). Robert Darnton prefere investigar o percurso dos livros, enfatizando os best-sellers do passado e sua repercussão sobre a construção das visões de mundo num dado período 1 Doutora em Letras pela Universidade de Heidelberg, Alemanha; professora titular da PUCRS.
  • 2. histórico (DARNTON, 1982; DARNTON, 1985; DARNTON, 1992). William Charvat aborda o processo de profissionalização do escritor e suas relações com o mercado editorial, base do que chama “economia da autoria” [economics of authorship], sobre a qual comenta: “Fatos e números sobre vendas de livros e rendas são interessantes - mas não suficientemente interessantes, a não ser que eles especificamente revelem algo sobre os modos dentro dos quais escritores e seus escritos funcionam numa cultura” (CHARVAT, 1993:7). Suas investigações pressupõem que “publishing é relevante para a história da literatura (...) na medida em que pode mostrar uma influencia formadora [shaping influence] na literatura”. Em outro trabalho, Charvat acompanha o percurso editorial de escritores norte-americanos do século XIX, verificando como fatores econômicos e mercadológicos interferiram na sua produção artística (CHARVAT, 1992). Pesquisas sobre a construção da autoria (WOODMANSEE; JASZI, 1994; WOODMANSEE; 1994; RICE, 1997) dão continuidade aos interesses científicos de William Charvat, amarrando-os à discussão proposta por Michel Foucault, relativamente ao aparecimento e difusão da noção de autor. (FOUCAULT, 1992). A exposição que se segue elegeu esse foco, para examinar um segmento da literatura brasileira à época do Romantismo. 2. Retratos de artistas brasileiros quando jovens Consideremos quatro escritores atuantes durante o Romantismo brasileiro, Álvares de Azevedo (1831-1852), Castro Alves (1847-1871), Fagundes Varela (1841- 1875), José de Alencar (1829-1877), ordenados aqui por data de morte. Encarados na seqüência de nascimento, verifica-se que José de Alencar é apenas dois anos mais velho que Azevedo, sendo que o mais jovem, Castro Alves, faleceu antes de Fagundes Varela e do criador de Iracema. Por terem preferido se expressar em gêneros literários diferenciados, nem sempre são colocados lado a lado: Alencar dedicou-se quase que inteiramente à prosa, e, embora a maioria tenha produzido peças teatrais, não é por esse ângulo que se inserem à história da literatura. Também os separa a época em que publicaram as principais obras, perspectiva que, mais uma vez, confere a Álvares de Azevedo a primogenitura: Lira dos vinte anos apareceu, ainda que postumamente, em 1853, época em que Alencar, diplomado em Direito, recém se aprimorava no jornalismo, colaborando com o Correio Mercantil, onde colocou as primeiras crônicas, depois reunidas em Ao correr da pena.
  • 3. A precocidade de Álvares de Azevedo garante-lhe igualmente a primogenitura, se prosseguimos adiante o exame desse grupo enquanto núcleo isolado. A separação que se faz aqui, por sua vez, é proposital: nosso intuito é verificar como esses escritores refletiram sobre suas reações com o público leitor e o que isso acrescenta não apenas ao conhecimento de suas obras, mas à trajetória da literatura brasileira no período em questão, cujas fronteiras cronológicas estendem-se de 1853, ano do aparecimento de Lira dos vinte anos, a 1872, data de publicação de Sonhos d’ouro, de José de Alencar. Álvares de Azevedo refere-se às relações entre o escritor e o público num longo poema, denominado “Um cadáver de poeta”, cuja primeira parte, coerente com o título, acompanha a morbidez peculiar ao estilo praticado pelo autor. Logo a seguir, porém, a fala dirige-se ao assunto o que interessa, ao explicar que o poeta “morreu de fome” e nem foi enterrrado, porque “não valia a sepultura...” (AZEVEDO, 1942). O abandono deveu-se à falta de estima social de que foi vítima o trovador, porque a “turba” julga loucos os poetas. Depois de ironizar a noção de que “a poesia é decerto uma loucura”, o sujeito lírico busca exemplos históricos que comprovem a tese, como o da rainha Maria Stuart, a qual “fez tanta asneira... / Que não admira que a um poeta amasse!” Não é tanto a loucura o que Azevedo quer examinar, e sim a pobreza dos poetas. Seu primeiro exemplo provém de Luíz de Camões, que “às esmolas valeu”, e nada mais ganhou, nem mesmo prebendas como as concedidas à parasitas da nobreza: Mas quanto ao resto, Por fazer umas trovas de vadio, Deveriam lhe dar, além de glória, - E essa deram-lhe à farta! - algum bispado? Alguma dessas gordas sinecuras Que se davam a idiotas fidalguias? Azevedo conclui de modo realista: Deixem-se de visões, queimem-se os versos. O mundo não avança por cantigas. Por essa razão, o artista não deve cogitar ser remunerado ou valorizado por seus versos, já que “um poeta no mundo tem apenas / O valor de um canário de gaiola...”. Escrever “ é prazer de um momento, é mero luxo”, sendo a recompensa o contentar-se “em traçar nas folhas brancas/ De algum Álbum da moda umas
  • 4. quadrinhas”. A conclusão opõe criação poética e pagamento, representado esse pelo ouro que nenhum escritor vê: Nem há negá-lo: não há doce lira, Nem sangue de poeta ou alma virgem Que valha o talismã que no ouro vibra! Nem músicas nem santas harmonias Igualam o condão, esse eletrismo, A ardente vibração do som metálico. Dez anos mais jovem que Álvares de Azevedo, Fagundes Varela publicou os primeiros volumes de versos pouco menos de uma década após a morte do companheiro de ofício. Expõe, porém, similar visão pouco risonha das possibilidades de os escritores contarem com apreço, admiração ou recompensa pecuniária derivada dos leitores. “Elegia” exemplifica sua percepção do sentimento de rejeição conferido à literatura brasileira por parte do público. Começa, sintomaticamente, pela menção a Álvares de Azevedo, “o ardente bardo”, a que se segue à referência aos parceiros de geração, como Junqueira Freire, “o severo cantor, correto e puro”, Casimiro de Abreu, “alma sentida como a rola aflita”, Aureliano Lessa, “o desditoso”, Laurindo Rebelo, “arrojado sempre, e sempre nobre”, e Gonçalves Dias, “mavioso cantor das soledades!” (VARELA, 1957). Esses autores já estão mortos e esquecidos, conforme Fagundes Varela, o que o leva a bradar, invocando o tempo: “o que fizeste deles? Onde ocultas/ Desses grandes talentos os tesouros,/ Comparsa horrendo da sombria morte?” À denúncia da perda de memória, segue-se a manifestação de inconformidade por parte do sujeito lírico: Fatal destino o dos brasílios vates! Fatal destino o dos brasílios sábios! Fatal destino o dos brasílios mestres! Política nefanda, horrenda e negra, Pestilento bulcão, abafa e mata Quanto aos olhos de irônico estrangeiro Podia honrar o pátrio pensamento! O rol dos esquecidos é incrementado por outras indicações. Delata que não se sabe “onde repousam/ Ó cantor do Uruguai teus frios restos”, assim como são ignorados Martins Pena, “Molière das letras brasileiras”, Dutra e Melo, “cultor d’amenas letras”, Teixeira e Sousa, “narrador sincero”, e Manuel Antônio de Almeida, “pensador profundo”. A indignação do escritor não se interrompe nesse ponto, pois, nas estrofes seguintes, protesta contra a precariedade das condições materiais experimentadas pelos
  • 5. artistas, divididos entre o “pão [que] suplica” e “a pena mercenária aos pulsos presa!” A falta de valorização do trabalho artístico literário estende-se a outras imagens: Morto, à cova lançaram-lhe os escritos, Pois o papel, de velho, e amarelado, Coberto de sinais, traços escuros Nem as próprias crianças cobiçavam! Que mercador severo envolveria Nessas manchadas folhas a canela, A mostarda, a pimenta? O asseio é tudo. Bradando que “tem mais valor o mundo da matéria”, Fagundes Varela está ciente que pouco pode esperar da sociedade, a não ser os cobradores, que o ameaçam até depois de morto, pois “o avarento, de esquálidos esbirros/ Cercará da viúva o domicílio”. Com imagens desse porte, ele sela o destino cruel das letras no Brasil. Castro Alves solidariza-se com o assunto, em “Poesia e mendicidade”, de Espumas flutuantes, seu primeiro livro, publicado em 1870, ao retomar a figura do poeta empobrecido, dos versos de Álvares de Azevedo. Depois de invocar Homero, que “pede pão”, enquanto o bardo medieval, “uma esmola”, sumaria o sujeito lírico: Assim nos tempos idos a musa canta e pede... Gênio e mendigo... vede... o abismo de irrisões! Tasso implora um olhar! Vai Ossian mendicante... Caminha roto o Dante! e pede pão Camões. O poeta reconhece, porém, que, no presente, a situação melhorou, afirmando à destinatária de seus versos: Bem sei, Senhora, que ao talento agora Surgiu a aurora de uma luz amena. Hoje há salário p'ra qualquer trabalho, Cinzel, ou malho, ferramenta ou pena! Graças a essa mudança, informa que “o vulto [o poeta] é o mesmo ... num melhor procênio...”, podendo pedir, não esmolas ou favores, mas a atenção e o amor da mulher amada, a quem dirige os versos. A superação da mendicidade dá-se pelo trabalho remunerado, destinado aos autores renomados (entre os quais não se inclui, ao fechar o poema): Então, Senhora, sob tanto encanto Pede o Poeta (que não tem renome) — Versos — à brisa pra vos dar um canto... Raios ao sol — p'ra vos traçar o nome!...
  • 6. Castro Alves assistiu provavelmente à passagem do trabalho não remunerado e desvalorizado do criador literário para o estabelecimento de um salário, mesmo quando emanado de um artista. Contudo, é José de Alencar quem testemunha o processo de inserção do escritor ao sistema de produção industrial, de que é simultaneamente usuário e crítico. O romancista cearense presta contas dessa relação entre o escritor e o aparato industrial de que faz parte em Como e porque sou romancista, documento de 1873, publicado postumamente. Na forma de carta, recorda sua formação escolar e intelectual, e discute o destino de seus livros, nem sempre tão bem sucedidos como ele almejaria. Chama a atenção para o fato de somente após 22 anos “de gleba na imprensa” ter achado “afinal um editor, o Senhor B. Garnier, que espontaneamente ofereceu-me um contrato vantajoso em meados de 1870.” Eis por que reconhece a importância dessa figura na constituição da paisagem literária: “Deixe arrotarem os poetas mendicantes. O Magnus Apollo da poesia moderna, o deus da inspiração e pai das musas deste século, é essa entidade que se chama editor e o seu Parnaso uma livraria.” (ALENCAR, 1990: 70-2) Nas frases de Alencar, reaparecem as personagens que, nos versos de Azevedo, Varela e Castro Alves, protagonizavam melancólicas cenas de indigência e incompreensão por parte da sociedade materialista. O autor de O guarani, sem trocar de lado, reconhece a mudança de época e de mentalidade, obrigando o criador de literatura a lidar com novos valores e condições. Que ele não se ilude, sugere-o a declaração de que a escrita constitui péssimo negócio para o autor: “Todavia ainda para o que teve a fortuna de obter um editor, o bom livro é no Brasil e por muito tempo será para seu autor, um desastre financeiro. O cabedal de inteligência e trabalho que nele se emprega, daria, em qualquer outra aplicação, lucro cêntuplo”. Sua trajetória pessoal comprova a afirmação, pois confessa pouco ter lucrado com a edição de livros, apesar de muitos acreditarem ter ocorrido o contrário: Mas muita gente acredita que eu me estou cevando em ouro, produto de minhas obras. E ninguém ousaria acreditá-lo, imputam-me isso a crime, alguma cousa como sórdida cobiça. Que país é este onde forja-se uma falsidade, e para quê? Para tornar mais odiosa e desprezível a riqueza honestamente ganha pelo mais nobre trabalho, o da inteligência!
  • 7. Em “Bênção paterna”, prefácio a Sonhos d’ouro, de 1872, Alencar antecipa a questão, ao defender-se da acusação de serem seus textos fruto “de certa musa industrial” (ALENCAR, 1957:29). A expressão dá conta daqueles que andariam “a fabricar romances e dramas aos feixes”, fato para ele inconcebível, já que “não consta que alguém já vivesse nesta abençoada terra do produto de obras literárias.” As letras não constituem “uma profissão”, o que determina, de um lado, “nosso atraso”, de outro, a indiferença da crítica. Amargo como os poetas, Alencar não direciona os olhos para a sorte dos escritores, preferindo focar o destino da obra: Dá-te por advertido pois, livrinho; e, se não queres incorrer na pecha, passando por um produto de fábrica, já sabes o meio. É não caíres no goto da pouca gente que lê, e deixares-te ficar bem sossegado, gravemente envolto em uma crosta de pó, à espera do dente da traça ou da mão do taberneiro que te há de transformar em cartucho para embrulhar cominhos. Por outro lado, Alencar reconhece o apoio que vem recebendo do público, razão talvez porque um editor como Garnier apostava, na ocasião, em sua verve literária: É o meu caso. Estes volumes são folhetins avulsos, histórias contadas ao correr da pena, sem cerimônia, nem pretensões, na intimidade com que trato o meu velho público, amigo de longos anos e leitor indulgente, que apesar de todas as intrigas que lhe andam a fazer de mim, têm seu fraco por estas sensaborias. Alencar foi o escritor que, dentre os de sua geração, mais dividendos recebeu na qualidade de remuneração pelo trabalho intelectual. Contratou-o o mais importante impressor do dezenove brasileiro, e provocou a inveja de muitos, sentimento traduzido também em Senhora, de 1875, em cena que Aurélia recebe convidados, entre os quais um crítico literário com quem discute a feitura de Diva. Alencar, jornalista e, por um tempo, membro do Parlamento brasileiro, não se alinhou ao perfil dos “poetas mendicantes”; mesmo assim, compartilhou a decepção dos companheiros de fazer literário, sentimento convertido em amargura, não em humor ou ironia, como nos versos de Azevedo, Varela e Castro Alves. Talvez por ter militado por mais tempo, e experimentado o sucesso de vendas e notoriedade, Alencar mostrou-se mais inconformado, expressando revolta nos textos dos anos 70, período em que, simultaneamente, era combatido por críticos no Brasil (vejam-se as polêmicas com Joaquim Nabuco e com Franklin Távora) e em Portugal, de que é exemplo o posicionamento de Alexandre Herculano.
  • 8. 3. Mensagem do patrocinador Recortados os vinte anos que separam Lira dos vinte anos de Sonhos d’ouro e Como e porque sou romancista (considerando, nesse caso, o ano indicado ao final da carta, de edição póstuma), deparamo-nos com uma mensagem comum – a queixa relativa à falta de reconhecimento público de que é objeto a figura do poeta ou, de modo mais amplo, o escritor. Azevedo, Varela e Castro Alves referem-se a uma figura carente de localização geográfica ou cronológica, já que o desfile dos “mendicantes” inicia em Homero e estende-se até a modernidade, incluindo os românticos nacionais, nos versos de Fagundes Varela. A falta de reconhecimento, por sua vez, não diz respeito ao aplauso da sociedade ou à inserção no cânone. Os nomes relacionados nas estrofes citadas são o cânone, já que elencam Homero, Dante, Tasso, Camões e, entre os nacionais, Basílio da Gama, Gonçalves Dias e Casimiro de Abreu. O tópico repetido por todos refere-se à falta de remuneração adequada, determinando a falta de meios de subsistência, a mendicância, a esmola, a falta de assistência sanitária, a inexistência de pensão ou de pecúlio que garanta a sobrevivência financeira das famílias. Os poetas abordam a questão às vezes de modo irônico ou cômico, mas esse posicionamento não exclui a seriedade e continuidade do problema. O fato que denunciam afeta seus bolsos, que jamais se enchem de dinheiro, mesmo quando se verifica algum êxito de vendagem, conforme comenta José de Alencar. O contrário do que denunciam aconteceria se o público agisse de outra maneira: conferindo mais valor à arte literária, considerando a escrita uma profissão (apenas Castro Alves admite avanços nesse terreno), remunerando os autores de modo mais adequado. Está em questão, pois, a forma como os escritores se relacionam com o público, relacionamento insatisfatório de ambas as partes, pois os leitores não consomem os poetas, e esses não alcançam viver dos rendimentos obtidos. Não é que o público não leia, pois, conforme denuncia Álvares de Azevedo, no poema mencionado, “Faublas2 tem mais leitores do que Homero”; ocorre que ele não aprecia a boa literatura, nem, segundo José de Alencar, o menos insatisfeito nesse quesito, prefere a produção nacional. 2 A vida do Cavalheiro de Faublas, de Jean-Baptiste Louvet (1760-1797), é um romance libertino francês do século XVIII.
  • 9. A literatura brasileira, que, no século XIX, reivindica sua autonomia por intermédio de vários expedientes, depara-se com um obstáculo quase intransponível, qual seja, a dificuldade de se comunicar com os leitores. Nas palavras certeiras de José de Alencar, a circunstância a enfraquece, decorrendo daí uma seqüência de dificuldades insolúveis, o que agrava a mágoa do romancista. A alternativa é lutar em causa própria, mas, mesmo assim, o combate é inglório, porque, ainda nas palavras de José de Alencar, nem mesmo a crítica literária brasileira ajuda, por razões que se estendem, no parecer dele, do preconceito à mera preguiça. Considerando os dados apresentados, o que acrescentam ao nosso conhecimento da literatura brasileira, justificando que se reivindique uma “história da leitura” como proposta metodológica de melhor conhecer nosso passado? Primeiramente, há que admitir que os poetas eram bons leitores, haja vista o número de autores nacionais e europeus que citam. Em pesquisa instigante, Brito Broca duvida que os românticos brasileiros lessem tanto quanto apregoavam, resumindo-se a citar nomes que lembram, sem terem se adentrado em suas respectivas obras. (BROCA, 1979) Ainda assim, há que respeitar, por exemplo, a “Elegia”, de Fagundes Varela, responsável por considerável retrospecto do cânone literário nacional vigente a seu tempo. Por outro lado, se a figura de Camões aparece desde o prisma com que os primeiros românticos o desenharam, conforme se encontra nos versos do Camões, de Almeida Garrett (GARRETT, 1966), ou no Resumo de história literária de Portugal e do Brasil, de Ferdinand Denis (DENIS, 1826), textos respectivamente de 1825 e 1826, é porque as concepções e personagens originárias desses dois pioneiros românticos impressionaram vivamente os leitores que faziam poesia. Eram bons leitores, e esperavam ser lidos e apreciados, resposta que, contudo, não receberam na mesma proporção, ainda quando se trata de José de Alencar, vulto que, da sua parte, dispôs de uma legião de admiradores e imitadores, sem, contudo, alcançar os devidos dividendos que essa condição facultaria. Em segundo lugar, há que relativizar os conceitos com que se descreve a geração romântica, muitas vezes qualificada de idealista ou distanciada das questões atinentes ao mundo social e econômico, indiferente como o “Arquétipo”, de Varela, que “Vivia por viver... porque vivia.” (VARELA, 1957) Examinados desde o ângulo dos problemas práticos com que se debatiam na qualidade de escritores, os românticos perdem a aura que lhes conferiu a história da literatura; em compensação, revelam-se
  • 10. pessoas que passaram por situações concretas, a que deram respostas possíveis nas condições de seu tempo. Sem se diminuírem, deixam de ser entendidos de modo elevado e serem objeto de culto, para se apresentarem na sua proximidade existencial e humana. É quando se queixam da penúria e da miséria, da incompreensão do público e da falta de recepção, que se aproximam de nós, seus destinatários atuais. Por último, há que notar estarem as menções à leitura ou às reações da audiência mediadas pela alusão a dinheiro, salário, remuneração, profissionalização e comercialização. Assim, a pesquisa dos modos de leitura e de recepção da literatura, desde a perspectiva como os próprios artistas representam a questão, recupera a materialidade do processo literário. De uma parte, incide na reflexão sobre o funcionamento do sistema, enquanto organismo que inclui diferentes sujeitos responsabilizando-se, cada um, por uma tarefa específica que, combinada, movimenta a engrenagem da literatura. De outra, desvela os mecanismos de criação literária, enquanto resposta às possibilidades de acolhida do público e integração com o mercado tanto produtor, quanto consumidor. No poema “O Editor”, da Lira dos vinte anos, Álvares de Azevedo interroga: Eu só peço licença de fazer-vos Uma simples pergunta: - na gaveta Se Camões visse o brilho do dinheiro... Malfilâtre,3 Gilbert, o altivo Chatterton4 Se o tivessem nas rotas algibeiras, Acaso blasfemando morreriam? A pergunta pode ser considerada retórica, porque quem a fez conhecia a réplica. Ela não fala, porém, de Camões ou dos outros, mas da época em que viveu Álvares de Azevedo, sua geração e companheiros. Esse universo vem a ser matéria do saber, quando, na busca dos textos, persegue-se igualmente o sujeito que fala e o ouvinte que deseja alcançar e com quem almeja comunicar-se, tal sendo o sentido da literatura e da investigação que a toma por objeto. Referências ALENCAR, José de. Bênção paterna. In: ___. Sonhos d'ouro. 4. ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 1957. ALENCAR, José de. Como e porque sou romancista. Adapt. ortográfica de Carlos Aquino Pereira. Campinas: Pontes, 1990. 3 Jacques Charles-Louis de Malfilâtre (1732-1767) foi poeta, na França. 4 Thomas Chatterton (1752–70) foi poeta, na Inglaterra.
  • 11. AZEVEDO, Álvares de. Obra completa. Ed. organizada e anotada por Homero Pires. São Paulo: Nacional, 1942. Tomo I. BROCA, Brito. O que liam os românticos. In: ___. Românticos, pré-românticos, ultra- românticos. São Paulo: Polis; Brasília: INL, 1979. CASTRO ALVES. Poesias completas. Prefácio de Manuel Bandeira. Rio de Janeiro: Ediouro, 1969. CHARTIER, Roger. A história cultural. Entre práticas e representações. Lisboa: Difel; Brasil: Bertrand, 1990. CHARTIER, Roger. A ordem dos livros. Brasília: Editora da Universidade Nacional de Brasília, 1994. CHARTIER, Roger. Os desafios da escrita. São Paulo: Ed. UNESP, 2002. CHARVAT, William. Literary Publishing in America, 1790 - 1850. 2. ed. Boston: University of Massachussets Press, 1993. CHARVAT, William. The Profession of Authorship in America. 1800 - 1870. New York: Columbia University Press, 1992. DARNTON, Robert. Edição e sedição. O universo da literatura clandestina no século XVIII. São Paulo: Companhia das Letras, 1992. DARNTON, Robert. The Great Cat Massacre and Other Episodes in French Cultural History. New York: Vintage Books, 1985. DARNTON, Robert. The Literary Underground of the Old Régime. Cambridge and London: Harvard University Press, 1982. DENIS, Ferdinand. Resumé de l'histoire littéraire du Portugal, suivi du Résumé de l'histoire littéraire du Brésil. Paris: Lecointe et Durey, Libraires, 1826. FAGUNDES VARELA, L. N. Poesias Completas. Organização e apuração de texto de Miécio Tati e E. Carrera Grande. São Paulo: Nacional, 1957. V. 2. FOUCAULT, Michel. O que é um autor?. 3. ed. Lisboa: Vega, 1992. GARRETT, Almeida. Camões. Porto: Lello, 1966. JAUSS, Hans Robert. Literaturgeschichte als Provokation. Frankfurt: Suhrkamp, 1970. JAUSS, Hans Robert. O texto poético na mudança de horizonte de leitura. In: LIMA, Luiz Costa (Org.). Teoria da Literatura em suas fontes. 2. ed. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1984. V. 2. RICE, Grantland S. The Transformation of Authorship in America. Chicago and London: The University of Chicago Press, 1997. WOODMANSEE, Martha e JASZI, Peter. (Org.). The Construction of Authorship. Textual Appropriation in Law and Literature. Durham and London: Duke University Press, 1994. WOODMANSEE, Martha. The Author, Art, and the Market. Rereading the History of Aesthetics. New York: Columbia University Press, 1994.