1) O documento discute a interpretação moderna da relação entre sujeito e objeto segundo Heidegger, na qual o conhecimento é algo interno ao sujeito e o objeto é algo externo subsistente fora da consciência.
2) Heidegger procura colocar em questão essa interpretação ao demonstrar que o problema do mundo externo nela fundamentado é sem sentido, dado sua concepção inadequada de sujeito, mundo e sua relação.
3) Isso porque, para Heidegger, sujeito e mundo não são entidades separadas
1. G erm ano N ogueira Prado
M estrando em Filosofia [UFRJ; Programa de Pós-Graduação em Lógica e Metafísica]
echtnussbaum @ yahoo.com .br
O escândalo do escândalo da filosofia: Heidegger
com o refutador do idealismo
Caso o " cogito sum" deva servir com o ponto de partida da analítica
existencial, então é preciso não apenas uma reversão, mas uma
com provação ontológico-fenom enal de seu conteúdo. A prim eira
proposição seria então "sum " e na verdade no sentido de eu-sou-em-
um-mundo. (Heidegger, Ser e Tempo, §43b)
resumo O interesse do a rtigo é investigar o problem a do acesso do sujeito às
"coisas" (ao ente com o tal, ao "m undo") tal com o este é encam inhado na
analítica existencial do Dasein, desenvolvida por H eidegger sobretudo em Ser
e Tempo. A nossa tese é a de que a interpretação de H eidegger a respeito
daquele problem a se constitui em d iá lo g o com uma posição que, pelos termos
em que coloca a questão do acesso ao "m undo", denom inam os de "interpre
tação m oderna". Em linhas gerais, tal posição consiste em uma interpretação
mais ou menos consciente do ser do sujeito e do "m undo" que, estabelecendo
uma cisão entre estas duas instâncias, liga a questão do acesso ao ente ao
cham ado "problem a do m undo externo". Sobre a base desta interpretação sur
giriam as posições extremas tradicionalm ente com preendidas pelas desig
nações de "idealism o" e "realism o". Em correspondência a isso, propom os o
seguinte exercício: seguir a discussão de H eidegger a respeito do problem a do
m undo externo para ver em que m edida é possível fa la r que ele, ao encam i-
artigo
2. Germano Nogueira Prado
nhar o problema do acesso às "coisas mesmas", pretende "refutar o idealismo"
- e, na verdade, também o realismo. Com isso, o trabalho divide-se em duas
partes. A primeira faz uma caracterização da "interpretação moderna". A
segunda trata do modo como a analítica pretende colocar em questão esta
posição interpretativa. A esse respeito, Heidegger procura demonstrar que o
"problema do mundo externo" é um problema sem sentido, na medida em que
está fundado em uma concepção "inadequada" de sujeito, "mundo" e da
relação entre estes entes. Tal "crítica" estaria fundamentada, por sua vez, na
demonstração fenomenológica de certa "mesmidade" entre sujeito e mundo,
expressa na estrutura ser-no-mundo, e que resulta na idéia de que o ente, não
obstante "outro" com relação à subjetividade, em certo sentido só é o que é no
horizonte de compreensibilidade aberto pelo Dasein.
palavras-chave sujeito; mundo; acesso às "coisas mesmas"; Heidegger; inter
pretação moderna
No prefácio à segunda edição da Critica da Razão Pura, Kant formula da
seguinte maneira o que constituiria, para ele, "um escândalo da filosofia": "per
manece um escândalo da filosofia e da razão humana em geral ter que admi
tir a existência das coisas fora de nós (...) com base apenas na fé e, ao ocorrer
a alguém colocar essa existência em dúvida, não lhe poder contrapor nenhu
ma prova satisfatória [genugthuenden Beweis]". Reconhecendo como legítima
a exigência de tal prova, Kant pretende tê-la fornecido na sua “Refutação do
Idealismo" - prova esta que ele considera não só "satisfatória", mas também "a
única possível" (KANT, 1987, p.18).
Em sua "crítica fenomenológica" a esta refutação, Heidegger nos dá sua
própria versão do que seria escandaloso na exigência de uma prova da
"existência das coisas fora de mim", isto é, da "existência de um mundo exter
no": " 0 'escândalo da filosofia' não reside no fato de essa prova inexistir e sim
no fato de sempre ainda se esperar e buscar tais provas [solche Beweise]"
(HEIDEGGER, 2002a, p.271; 2001, p.205)1. 0 problemático desta busca e desta
espera residiria, por sua vez, no fato de que elas partem de uma interpretação
138 Ética e M etafísica na filosofia moderna
3. "inadequada" ou, ao menos, suspeita do modo de ser dos entes ai envolvidos
(isto é, nós mesmos e as "coisas"), bem como da relação que vige entre eles.
Pelos termos em que coloca a relação entre sujeito e mundo, chamaremos essa
interpretação de "interpretação moderna".
Com essa expressão visamos à referida interpretação tal como ela aparece
nos textos de Heidegger, sem nos comprometermos, em principio, com o fato
de ela ser ou não a maneira mais correta de se compreender o que costuma ser
chamado de "modernidade" - período que se estenderia, pelo menos, de
Descartes a Kant. Não pretendemos também que aquilo que denominamos
"interpretação moderna" esgote a compreensão de Heidegger a respeito da
época moderna e dos filósofos que a compõem - pretensão que, diga-se de
passagem, cairia por terra com um simples passar de olhos pelas obras dele2.
0 interesse aqui é, em certo sentido, mais modesto: trata-se, antes, de
delimitar o interlocutor ou a posição em diálogo com a qual Heidegger procu
ra interpretar a relação entre "nós” e as "coisas" no âmbito da analítica do
Dasein para, assim, compreender em que consiste esta interpretação. De modo
mais preciso, trata-se de esclarecer em que sentido a maneira pela qual
Heidegger encaminha o problema do acesso às “coisas elas mesmas" (ao ente
enquanto tal, ao "mundo") se constitui procurando colocar em questão a
referida posição interpretativa. Esperamos que fique claro ao longo deste tra
balho em que medida o predicado "moderna" faz justiça a esta.
A respeito da "interpretação moderna", a primeira coisa a considerar é
que ela liga o referido problema da acessibilidade ao chamado "problema do
mundo externo" e, com isso, aos posicionamentos referidos pelos títulos "idea
lismo" e “realismo". Em correspondência a isso, propomos o seguinte exercí
cio: seguir a discussão de Heidegger a respeito do problema do mundo exter
no para ver em que medida é possível falar que ele, ao encaminhar o pro
blema do acesso às "coisas mesmas", pretende "refutar o idealismo" - e, a
bem dizer, também o realismo.
Nesse sentido, veremos que longe de tentar enfrentar o idealista no campo
de batalha e segundo as regras e armas prescritas por este - como em princí
pio parece ser a pretensão de Kant ele procura esvaziar de sentido o chama-
O escândalo do escândalo da filosofia: H eidegger como refutador do
idealismo
cadernospetfilosofia número | 10 2008 139
4. Germano Nogueira Prado
do "problema do inundo externo" questionando a interpretação ontológica
com base na qual esse problema seria levantado. Por conseguinte, se podemos
dizer que há algo como uma "refutação do idealismo" em Heidegger, ela con
siste não em provar que há um mundo externo, mas em dem onstrar por que a
interpretação à base da busca de provas para a realidade deste é "incorreta" ou,
ao menos, "desvia" o problema da relação entre "nós" e as "coisas" para uma
problem ática sem sentido.
Dessa maneira, trata-se, em prim eiro lugar, de verificar em que consiste tal
interpretação para, em seguida, ver em que sentido Heidegger pretende ter
demonstrado que ela não se "adéqua" aos entes que procura compreender.
1. O interlocutor de H eid e g g e r
0 que chamamos de interpretação moderna privilegia uma determ inada
relação entre "nós" e as "coisas" ou, mais precisamente, um determ inado com
portam ento do sujeito para com o objeto - a saber, o conhecim ento - a partir
do qual se determ inaria em que consiste tal relação. Se deixarmos de lado a
carga ontológica que Heidegger tentará flagrar posteriorm ente na etim ologia
desses termos, a idéia do conhecim ento como "relação entre sujeito e objeto"
é, em princípio, indiferente. O decisivo reside no modo como tal relação e,
desse modo, os elementos nela envolvidos são concebidos.
Segundo Heidegger, na interpretação em questão, o objeto que se dá [is t
gegeben) a conhecer em prim eiro lugar é um ente determ inado, a saber, a
"natureza". Não cabe agora reconstituir a análise desse ente no âm bito da
analítica existencial - a qual vai desde uma discussão com a noção de res
extensa em Descartes até uma caracterização do modo como a natureza é
encontrada no m undo circundante. Para o objetivo do trabalho, interessa ape
nas destacar o seguinte: embora a natureza seja aquilo que é conhecido, o
conhecim ento não se dá na natureza, não é uma característica que pertença
a esse ente. Quando se dá, o conhecim ento pertence unicam ente ao ente que
conhece, ao sujeito.
140 Ética e M etafísico na filosofia m oderna
5. 0 modo como o conhecim ento se dá no sujeito não é, contudo, ind ifçretlte
De fato, constata-se que o conhecim ento não subsiste [is t vorhanden) ria q ^
le que conhece como uma propriedade externa, corporal, constatávç|
sentidos. Ora, se o conhecim ento não é nada que pertença a nós ao
uma característica externa, deduz-se daí que ele é "algo" de interno. Parçce
oCl
esse "raciocínio" que Heidegger pretende surpreender por trás da caractçr^a
ção do conhecim ento como algo que está "no sujeito", ou seja, “ no ¡nteri0r ^ 3
mente", "dentro da alma", "na esfera da consciência”. Em contraposição 9o
nhecimento, 0 objeto a ser conhecido permanece como 0 que, em Priticfpj0
subsiste ou ao menos pode subsistir "fora" do sujeito (HEIDEGGER, 2 0 0 1
Situado, em princípio, "fora" da esfera da consciência, a "esfera"
âm bito em que 0 objeto subsiste é caracterizado com o a esfera do rça| ^
realidade ou do m undo externo. De modo mais determ inado, podemos ^
que 0 ente ou 0 conjunto dos entes a serem conhecidos co nstitu i 0 real (re^
e 0 seu ser é, por isso, designado pelo term o realidade [R ealität). Corno
trata do ente ou do conjunto dos entes que subsistem fora da consciêncja q
referido âm bito é tam bém conhecido como "m undo externo". Nesse
conhecer consiste em ou, ao menos, supõe um acesso à esfera do rea|; etn
verdade, Heidegger dirá que um "tip o " de conhecim ento, a saber, 0 “conhç,
cim ento in tu itiv o " [anschauende Erkennen) valeu "desde sem pre" [vonje/7Çr)
como "m odo de experim entar" [E rfahrungsart) 0 real (HEIDEGGER, 2Q02a
p.268; 2 0 0 1 , p.2 0 2 ).
A determ inação fundam ental do ser das "coisas" (res), da real idade, serja
por seu turno, a "substancialidade" (HEIDEGGER, 2002a, p.267; 2001, p,2oij
No âm bito da analítica existencial, 0 modo de ser das "coisas" a p a rtir doqU£,
podem ser "experimentados" tais caracteres de ser é caracterizado, ainda q ^
sem um rigor term inológico estrito, com 0 term o Vorhandenheit; 0 entç qUç
tem esse modo de ser, como Vorhanden. Este term o é um dos m uitos dç qUf,
dispõe a língua alemã para sig n ifica r 0 “existente", a "existência"
[Vorhandensein). A nuance por ele indicada é a de existir no sentido dç
"disponível em um determ inado m om ento no tem po em determ inado lugar*
(KEMPCKE, 2000, p. 1167). Daí as traduções possíveis de Vorhanden p0f
O escândalo d o escândalo da filosofia: H eidegger com o refutador ç|0
idealism o
cadernospetfilosofia número | 10 2008 |^|
6. Germano Nogueira Prado
"disponível", "ser simplesmente dado", “ente subsistente". A decomposição da
palavra leva á tdéia de algo "ao alcance", "diante" (Vor) da "m ão" (Hand].
Duas outras das referidas palavras para existência são utilizadas por
Heidegger para significar o ente que nós mesmos somos e o seu ser - a saber,
Dasein e Existenz, respectivamente. Ele reserva Vorhanden e derivados para a
interpretação dos entes que não têm nosso modo de ser, isto é, para aqueles
entes que viemos denom inando "as coisas". Todavia, não é o que ocorreria no
âm bito da interpretação m oderna: tanto o m odo de ser do sujeito como o
modo de ser do objeto do conhecim ento e, assim, os entes em geral tendem a
ser interpretados a partir dessa idéia de ser. Nesse sentido, na perspectiva dessa
interpretação, "ser" significa tanto quanto "realidade" (experim entado a partir
das "coisas" enquanto vorhanden) ou "substancialidade" (constancia da
Vorhandenheit) (HEIDEGGER, 2002a, p.142; 2001, p.96).
Pode-se acrescentar ainda que, acom panhando a “opinião geral", o conhe
cim ento seria constituído pelas representações do sujeito a respeito do objeto.
Mais precisamente, o conhecim ento consistiria nas representações verdadeiras
a respeito do objeto, o que, nesse caso, costuma querer dizer: adequadas ao
objeto, na medida em que correspondem ao objeto (e, assim, o representam)
tal como ele é, ou seja, correspondem ao objeto em seu ser, ao real em sua rea
lidade. Em geral, o juízo é tom ado como a representação que pode ser ver
dadeira ou falsa no sentido indicado (Cf. HEIDEGGER, 2002a, p.101; 2001, §13,
p.62; além de 2001, §44, a, e 2002a, p.63; 2001, p.33).
É a partir dessa caracterização do processo de conhecim ento e dos entes
envolvidos neste, aparentem ente isenta de pressupostos, que se costuma colo
car o chamado "problem a do conhecim ento" ou, de maneira mais ampla, o
"problem a da transcendência". E é a partir dessa maneira de encam inhar tal
problem ática que surgiria, em conexão com o problema mais geral da reali
dade, o problema específico da realidade do m undo externo. Vejamos como
isso acontece.
De maneira m eramente form al, pode-se dizer que o problema do conheci
m ento é o problema das condições e lim ites segundo os quais o conhecim ento
pode ocorrer. Formulado segundo a concepção de conhecim ento acima esboça-
142 Ética e M etafísica na filosofia m oderna
7. da, o problema passa a ser se e em que m edida é possível ao sujeito "sair” da
(isto é, transcender) sua esfera interna, em que se depara apenas com suas re
presentações do objeto, e ter acesso a este tal como ele é "na realidade"3.
Ora, visto que a questão do conhecim ento diz respeito à possibilidade de
acesso ao real em seu ser, o problema da constituição da realidade estará dire
tam ente relacionado com ela. No âm bito da interpretação moderna, estes dois
problemas se articulam da seguinte m aneira: somente sobre a base de um aces
so ao real, ou seja, ao ente que subsiste fora da esfera da consciência, é pos
sível determ inar qual é a constituição do seu ser, a realidade - acesso este que,
como vimos, seria dado pelo conhecim ento (intuitivo).
Todavia, essa colocação do problema supõe ou, pelo menos, é acom panha
da por uma determ inada caracterização, ainda que "m iním a", do ser daquilo a
que se pretende ter acesso: o real é o ente ou o conjunto dos entes que podem,
em princípio, subsistir fora da consciência. Êsse ser fora da consciência é inter
pretado, por seu turno, como ser independente das representações que a cons
ciência form a a respeito dele. Distinguem -se assim o que seriam dois modos de
ser do objeto de conhecim ento. Por um lado, temos o seu ser para a consciên
cia, presente nas representações do sujeito a respeito do real; evidentem ente
esse ser representado só caracteriza o real na medida em que este está rela
cionado com um sujeito e configura, assim, uma caracterização de seu ser
enquanto dependente deste - e não de seu ser "enquanto tal". Temos, desse
modo, delim itado negativam ente face ao ser do real para a consciência, o ser
que o constitui independentem ente desse ser-apreendido: o seu ser-em -si.
Independência e ser-em -si são, assim, as duas determ inações m utuam ente
solidárias da realidade, ou seja, do ser do real enquanto tal (Cf., sobretudo, HEI
DEGGER, 2006, p.273 e 274, mas tam bém 2001, §43).
Uma vez que o acesso ao real se faz por meio das representações que sub
sistem no interior da mente, pode-se então perguntar, prim eiram ente, se tais
representações de fato correspondem ao real e se, assim, o sujeito tem acesso
ao ente tal como este subsiste fora da mente, ao ente tal como ele é em si
mesmo - ou seja, ao real tal como ele é, ainda que não haja sujeito algum com
o qual ele tenha alguma relação. Contudo, tal questão parece supor que existe
O escândalo d o escândalo da filosofia: H e ide g ge r com o refutador do
idealism o
cadernospetfilosofia número j 10 2008 143
8. Germano Nogueira Prado
o ente ou o conjunto de entes que tem seu ser fora da consciência. Avançando
mais um passo, pode-se então perguntar: dado que o sujeito tem acesso tão só
àquilo que se dá no âm bito da consciência, será que o ente a ser conhecido de
fato subsiste em si mesmo fora e independentem ente da consciência? Em ou
tras palavras: há um m undo externo?
Dessa maneira, a realidade do m undo externo torna-se problem ática. Por
conseguinte, a afirm ação de que há um m undo externo terá que ser provada
por aquele que a sustenta - seja por meio de argum entos que procurem esta
belecer diretam ente a existência do m undo externo, seja por meio de argum en
tos que tentem ju stifica r a fé que temos na existência das coisas fora de nós ou
a pressuposição "inconsciente" que fazemos a respeito de tal existência.
Com isso, procuramos estabelecer a partir de seu nexo interno as questões
que Heidegger reúne sob a rubrica do problem a da realidade, as quais por sua
vez delim itam a problem ática a respeito da relação entre "nós” e as "coisas"
levantada a partir do que chamamos de interpretação moderna e, assim, cir
cunscrevem o problema do m undo externo:
Com o título problema da realidade, entrelaçam-se diferentes questões:
1. se é (real) o ente supostamente "transcendente à consciência"; 2. se
essa realidade do "mundo externo" pode ser provado (bewiesen); 3.
caso esse ente seja real, até que ponto pode ser conhecido em seu ser-
em-si?; 4. qual o sentido desse ente, a realidade? (HEIDEGGER,
2 0 0 2 a , p.2 6 7 ; 2 0 0 1 , p .201)
Nesse sentido, a interpretação da referida relação que dá base a essa colo
cação do problem a pode ser sintetizada nos pontos que seguem. Primeiro,
grosso modo, para ela há duas instâncias de "realidade" definidas em função
da sua relação com a consciência (ou a m ente, a alma etc.) e com o que, de
início, separadas entre si: uma im anente à consciência, em que o sujeito se
depara com suas representações supostam ente a respeito das "coisas", e
outra supostam ente transcendente à consciência, em que estas "coisas", os
entes que nós mesmos não somos, subsistem em si mesmas. Segundo, dado
144 Ética e M etafísica na filosofia m oderna
9. o chorism ós entre sujeito e "m undo", a sua relação é tal que aquele precisa
com provar se este subsiste em si e independente daquele ente que procura
conhecê-lo e se e em que m edida o sujeito tem acesso ao "m undo" tal como
este é em si e “fora" da sua relação com aquele. Terceiro, que "m undo" é um
substrato dado e constituído em seu ser independentem ente do sujeito, que
supostam ente permanece sendo e sendo o que é ainda que não exista um
sujeito, e a que este pode ou não ter acesso, caso se com prove que o "m undo
externo" subsiste em si e por si mesmo.
2. Do argum ento ad hominem contra o interlocutor m od erno
a o "cogito" de H e id e g g e r4:
Por conseguinte, ficou estabelecido que e como a interpretação moderna,
com a qual a analítica dialoga ao interpretar a relação entre "nós mesmos" e
as "coisas", atrela o problema do acesso do sujeito às "coisas" ao problema do
mundo externo. Vejamos agora como Heidegger pretende colocar em questão
aquela interpretação e, com isso, a legitim idade deste problema.
Conforme já anunciado mais acima, a "crítica fenom enológíca" da a nalíti
ca existencial à "interpretação m oderna" é a de que o problema do m undo
externo que, segundo esta interpretação, estaria em íntim a conexão com a
questão do acesso às "coisas", é um falso problema. Em linhas gerais, isso quer
dizer que, de acordo com Heidegger, o que se "deve dem onstrar" não é que um
"m undo externo'1 subsiste e que podemos ter acesso a este como substrato
dado e constituído; mas sim como a constituição de ser5 do ente que nós mes
mos somos é tal que sempre já estamos em uma relação com o ente que nós
mesmos não somos.
0 "argumento" de Heidegger para rejeitar o estatuto de problema autênti
co à questão do m undo externo é simples e problem ático: o ente que na colo
cação desse problema é apreendido como sujeito e com relação ao qual o
"m undo" tem que se com provar independente e subsistente em si mesmo
recusa, em seu modo de ser, essa maneira de colocar a questão. De modo mais
O e scâ n d a lo d o escândalo da filosofia: H e id e g g e r com o refutador d o
idealism o
cadernospetfilosofia número | 10 2008 145
10. Germano Nogueira Prado
preciso, a recusa por parte do modo de ser do ente que nós somos se volta para
os seguintes aspectos do que viemos cham ando de interpretação moderna: a)
o modo como o sujeito, em sua relação com o "m undo", é aí com preendido; b)
o modo como o conceito mesmo de m undo é aí com preendido; c) o modo
como o conhecim ento, enquanto relação entre sujeito e real, é concebido em
tal interpretação; d) o privilégio dado por esta ao conhecim ento enquanto
modo de acesso ao real.
Para ver de que maneira se dá essa recusa, vejamos os passos que estrutu
ram o referido "argum ento".'Ei-los: i) o problema do m undo externo põe em
dúvida se nos relacionamos de fato com o real, com o "m undo11 tal como ele é
em si mesmo e se de fa to este subsiste independentem ente dessa relação
conosco; ¡i) o problema é colocado a partir de um determ inado com portam en
to que, supostamente, seria um modo de acesso privilegiado ao real - o co
nhecim ento; iii) ora, o conhecim ento, conform e dem onstrou a analítica exis
tencial, é um modo derivado de acesso ao real, fundado na estrutura funda
m ental de ser do sujeito (com preendido enquanto Dasein), o ser-no-m undo; iv)
esta estrutura possibilita o acesso originário ao real em sua realidade, "antes"
de qualquer relação de conhecim ento para eom este - acesso este que o co
nhecim ento mesmo como que pressupõe; v) logo, se "antes", e sobretudo
"antes", do conhecim ento a nossa relação com o "m undo" é tal que já podemos
ter acesso a ele em sua realidade (ao ente em seu ser) e se o problema da reali
dade do m undo externo é levantado a partir do conhecim ento, este problema
é destituído de sentido (HEIDEGGER, 2002a, p.268; 2001, p.202).
A respeito dessa reconstrução "dedutiva" do “argum ento" de Heidegger é
preciso ressaltar duas coisas. Primeiro, que a noção de conhecim ento em
questão é ambígua: ela vale tanto para o conhecim ento no modo como ele é
com preendido pela interpretação moderna, quanto o conhecim ento tal como
ele é concebido no interior da analítica existencial. Com relação ao conheci
m ento tom ado na prim eira acepção, mais do que modo de acesso derivado ao
ente, ele é rechaçado como caracterização possível da relação entre o sujeito
e o "m undo" tão logo se aceita, com Heidegger, que tal caracterização está
atrelada a uma concepção "inadequada" do m odo de ser de sujeito na sua
146 Ética e M etafísica na filosofia m oderna
11. relação com o "m undo", bem como do modo de ser deste. Tal concepção não
é senão a que já assinalamos como constitutiva da interpretação moderna,
qual seja: a cisão e separação de sujeito e "m undo" em duas esferas de "reali
dade" distintas e, em princípio, já constituídas e subsistentes em si e por si
mesmas. A essa concepção, Heidegger opõe a estrutura que expressa a
mesmidade vigente entre a constituição do nosso ser e a do ser do "m undo"
"corretam ente com preendida" (HEIDEGGER, 2002a, p.271; 2001, p.205), e que,
nesse sentido, servirá de guia para nossas considerações daqui em diante - a
estrutura ser-no-m undo.
Em segundo lugar, a referida reconstrução não faz senão aparecerem os
pontos do argum ento que necessitam de demonstração, a saber: os pontos de
ii) a iv). Investigaremos o modo como Heidegger pretende dem onstrar os pon
tos iii) e iv), para, com isso, chegar a uma dem onstração do ponto ii). Esperemos
que fique claro ao longo da discussão o porquê dessa estratégia.
Tese de Heidegger, exposta no ponto iii): o conhecim ento é um modo de ser
do ente que nós somos, modo de ser este que está fundado na estrutura deste
ente, a estrutura ser-no-m undo. Para nós, a demonstração de Heidegger para
essa tese pode ser form ulada, ao menos no âm bito de uma “ refutação" do que
viemos chamando de interpretação moderna, nos term os do que se pode
chamar de um argum ento ad hom inem - no sentido de um argum ento que
contrapõe ao interlocutor as implicações das teses por ele aceitas (Cf. ABBAG-
NANO, 2003, p.17, verbete "Ad Hom inem 1'; LOCKE, 1998, IV, p.203 (xxvii, 2 1 )).
Isso é verdade desde que se faça a ressalva de que por um argum ento desse
tipo não se compreenda um argum ento de valor "contingente" ou “singular1'
(Cf., por ex., JAPIASSÚ e MARCONDES, 1998, p.13; LALANDE, 1999, p.29;
MORA, 1998, t. I, p.47) 6 dirigido a um indivíduo determ inado, mas sim um
argum ento que parte do que é aceito por um interlocutor hipotético visando
mostrar que as condições de possibilidade do que ele aceita contrariam as con
clusões que ele pretende tira r dessa mesma aceitação.
Em uma primeira aproximação, o sentido da tese de Heidegger é o mais
"espontâneo" e "com um " possível: conhecer o "m undo" é um modo pelo qual
estamos no "m undo", pelo qual existimos, isto é, um modo entre outros de
O escândalo d o escândalo da filosofia: H e ide g ge r com o refutador do
idealism o
cadernospetfilosofia número | 10 2008 147
12. Germano Nogueira Prado
estar em relação com as "coisas"7, ao lado de outros modos como trabalhar,
escrever e brincar, por exemplo. Heidegger denomina esses diversos modos de
estar no mundo, mais precisamente no que diz respeito à relação com as
"coisas", de ocupação (Besorgen) (HEIDEGGER, 2002a, p.95; 2001, p.56-57).
Conhecer é um modo de ocupar-se com o ‘'mundo": ora, em princípio parece
que nenhum interlocutor deixaria de conceder esse dado elementar do fenô
meno do conhecimento - de início, parece que isto é verdade mesmo no caso
em que a investigação das possibilidades desse modo de estar no "mundo" con
sista justamente em pôr em questão a "realidade efetiva" desse mesmo
"mundo". Se, ao fim e ao cabo, tal investigação mostrar que aquilo com que nos
ocupamos nada mais são que "conteúdos mentais", não obstante não há como
negar que nos ocupamos com isso. Essa investigação, por sua vez, não é senão
uma maneira de estar no mundo; e, caso se compreenda "conhecer" no senti
do amplo de "assumir uma atitude teórica diante de algo" (e é assim que o
compreendemos aqui), tal investigação nada mais é do que um modo concre
to de conhecimento.
Mas o reconhecimento desse dado fenoménico não está isento de proble
mas. É razoável pensar que o interlocutor de Heidegger (sobretudo se cético ou
idealista) só o concederia se isso não implicasse (ao menos não no âmbito
teórico) a suposição ou a crença sem provas de que o "mundo externo" sub
siste cm si e por si mesmo. Ainda que no âmbito do “senso comum" ou da "ati
tude natural" a gente aja "como se” a subsistência efetiva do mundo externo
não fosse problemática, a mesma atitude não poderia ser assumida no âmbito
teórico. Tampouco Heidegger, como por vezes pode parecer, recorre ou pre
tende recorrer à "obviedade existenciária (existenziell), ôntica" da "presença"
das "coisas" na lida cotidiana como argumento para "comprovar" a subsistên
cia de um "mundo externo" - seja porque isso atentaria contra o próprio sen
tido da argumentação de Heidegger, que não visa de forma alguma provara a
tal subsistência, seja porque essa "obviedade ôntica" não dispensa uma inter
pretação ontológica, antes a exige (HEIDEGGER, 2006, p.271). Por isso, uma vez
que não está claro o que significa reconhecer o dado originário de que o co
nhecer é um modo de ser-no-mundo, não só o esclarecimento do que é co-
148 Ética e M etafísica na filosofia moderna
13. nhecer, como também o referido reconhecimento exigem uma interpretação
que, para além de uma compreensão "espontânea" e "comum", determine mais
precisamente o que se mostra em tal dado.
De fato, a aceitação do dado referido não significa a aceitação de uma
prova do "mundo externo", a suposição dogm ática da existência efetiva deste
ou a crença nesta existência. Em princípio, o argumento de Heidegger depende
apenas de que o interlocutor admita estar tematízando o fenômeno do co
nhecimento - com isso, ele teria que reconhecer, como dado fenoménicamente
ligado ao que está em causa, que im plicitam ente ele mesmo está em um modo
de estar no mundo e está tem atizando um m odo de estar no mundo. Eisso vale
mesmo se tal tematização se faz desde a interpretação moderna do fenômeno
do conhecimento ou, antes, principalm ente para esta8. Em principio, isso im pli
ca apenas que o conhecer é apenas um com portam ento possível diante de
"algo que se mostra" (algo que com um ente chamamos de “as coisas") e que,
portanto, tem uma "estrutura relacional" - e não implicaria, de saída, em ne
nhum "compromisso ontológico" com relação ao ser disso que se mostra.
Com isso, o interlocutor que admitiu que o conhecer é um modo de ser do
ente que nós somos, é levado a aceitar concom itantem ente que o conhecimen
to é um modo de ser derivado, ao menos em um sentido do termo "derivado":
o conhecer é derivado na medida em que um modo de ocupar-se eom as
"coisas" e não o modo dc fazê-lo, ou seja, ele não caracteriza o ocupar-se
enquanto tal. A bem dizer, não é possível encontrar na nossa existência “con
creta", isto é, "factícam ente", tal "ocupar-se enquanto tal", visto que a ocu
pação "sempre já" se dispersou em diversos modos de lidar com o "mundo"
(HEIDEGGER, 2002a, p.95; 2 0 0 1 , p.56-57). Evidentemente, isto não impede que
se procure uma caracterização do fenômeno do ocupar-se enquanto tal e que
a interpretação dos modos de ocupação suponha uma compreensão do que
significa ocupar-se com o m undo.
Desse modo, adm itir que o conhecim ento é um modo derivado de ocu
pação, ou, de modo mais am plo, um modo derivado de estar no mundo, sig
nifica adm itir que é preciso compreender este estar no mundo mesmo para
poder compreender "propriam ente" o que é conhecer. Nesse sentido, quem
O escândalo do escândalo da filosofia: H eidegger com o refutador do
idealismo
cadernospetfilosofia número | 10 2008 149
14. Germano Nogueira Prado
investiga o conhecer sem atentar para esse dado fenoménico, ou bem pres
supõe uma determinada idéia a respeito do que é, para o ente que nós somos,
existir (estar no mundo), ou bem determina, expressamente ou não, esta idéia
a partir de um modo do existir, o conhecimento. No primeiro caso, a investi
gação não chega a compreender aquilo que ela investiga desde o seu funda
mento, o que pode levar a uma interpretação "inadequada" do fenômeno do
conhecimento, se a idéia de existência em causa se mostrar "inadequada" para
caracterizar o ente que nós somos - o que parece só poder ser decidido em
uma investigação desse ente mesmo. Mais im portante: a rigor, não podemos
dizer que nesse primeiro caso houve uma interpretação "adequada" do fenô
meno em causa, visto que um dado que se reconheceu como pertencente ao
fenômeno foi negligenciado na interpretação. No segundo, o existir como tal
é compreendido a partir do que se reconheceu ser um modo e, nesse sentido,
algo derivado do existir, o que configura uma clara inversão do nexo de fu n
damentação dos fenômenos em causa.
Em ambos os casos, o interlocutor é levado a adm itir que o dado originário
a ser investigado é o fenômeno do estar no mundo como tal ou, nos termos de
Heidegger, a estrutura ser-no-mundo. E o que seria adm itido com isso é que,
existindo facticamente, cada um de nós "sempre já" está em uma ou outra
relação com as "coisas", o mundo "sempre já está aí". Com bastante cuidado e
pelo menos algumas aspas, podemos chamar o fenômeno do ser-no-mundo,
assim compreendido, de "cogito de Heidegger”, no sentido de que ele seria o
ponto de partida inegável e inelutável (não obstante muitas vezes velado ou
"inadequadamente" negligenciado) de toda e qualquer investigação ou, antes,
de todo e qualquer comportamento possível.
A vantagem de recorrer ao term o “ cogito" para designar a estrutura ser-
no-m undo está, por um lado, em manter a vinculação de Heidegger com a
tradição moderna, com a qual, como pretendemos ter mostrado, ele expressa
mente discute. Por outro, em indicar que, nessa discussão, Heidegger procura
colocar em questão o privilégio ou, antes, o sentido do privilégio que o inter
locutor moderno concede à subjetividade como ponto de partida radical da
problemática filosófica.
150 Ética e M etafísica na filosofia moderna
15. Com efeito, em Heidegger9, a "subjetividade" continua desempenhando um
papel fundamental na medida em que a investigação sobre o sentido do ser
tem como ponto de partida metodológico o ente que compreende ser, isto é, o
ente que nós mesmos somos. A decisão por esse ponto de partida não é gra
tuita, mas estaria fundada, de acordo com o sentido do método fenom enológi-
co, nas "coisas mesmas" em causa.
Todavia, há pelo menos duas diferenças essenciais no que concerne ao
reconhecimento do primado da subjetividade em Heidegger e no interlocutor
moderno. Em primeiro lugar, diferentemente do que acontece com o moderno,
o privilégio da "subjetividade" em Heidegger não vem atrelado a um primado
da problemática epistemológica sobre a problemática ontológica. Grosso
modo, esse primado pode ser form ulado nos seguintes termos: a investigação
do ser dos objetos deve ser precedida por uma investigação sobre a possibili
dade e os limites do nosso conhecimento de objetos. A esse respeito, pre
tendemos mostrar, com Heidegger, que a colocação do problema do conheci
mento diz respeito à caracterização do modo de ser do ente que conhece e que,
com isso, tal investigação está, queira ou não, carregada pressupostos
ontológicos e, assim, precisa se reconhecer, por pressão das "coisas mesmas",
como investigação ontológica10, a fim de que se lhe abra a possibilidade de
apreender de maneira autêntica o fenômeno por ela tem atizado11.
Em segundo lugar, Heidegger se diferencia do moderno no que concerne à
caracterização mesma da "subjetividade". Entre as diferenças que se pode
indicar nessa caracterização, destacamos, em consonância com o interesse do
presente trabalho, a que se segue. Falando de modo um tanto vago, o "sujeito
de Heidegger" não "pretende ser", como "sujeito do conhecimento", o funda
mento últim o, "absoluto" e autônomo (isto é, independente do ente, do
mundo, do ser) do conhecer e m uito menos da constituição mesma dos obje
tos, do sentido e da "validade" do ser destes - fundam ento para além do qual
"não se pode recuar". Antes, se ele pode ser denominado "sujeito", ele o é no
sentido de estar, em seu ser, "sujeito o O utro" 12 (ao ente, ao mundo, ao ser), no
sentido de que ele é constitutivam ente esse ser em relação... a "algo que lhe
vem ao encontro", às "coisas". Pretendemos mostrar, com Heidegger, que é esse
O escândalo do escândalo da filosofia: Heidegger com o refufador do
idealismo
cadernospetfilosofia número | 10 2008 151
16. Germano Nogueira Prado
dado originário que é negligenciado pelo moderno, seja porque este não
reconhece sua própria investigação como ontológica, seja porque, ainda que
possa fazê-lo, os pressupostos ontológicos a partir dos quais se move são
"inadequados" para a caracterização do referido dado. Esse últim o ponto
mostra que reconhecer, por assim dizer, “form alm ente" (ser em relação a...
“algo que se mostra"), o dado originário e sua "evidência", em nada garante a
"correta compreensão" desta e daquele, antes exige uma interpretação que
explicite seu significado - interpretação que, como veremos, não pretende
estar livre de pressupostos, mas que pretende elaborá-los de modo a que o
interpretado apareça a partir dele mesmo. A evidência do "cogito de
Heidegger" não dispensa interpretação, antes a exige; ela só pode aparecer em
seu autêntico significado a partir dos pressupostos que lhe são próprios.
Retomemos o fio de nossa argumentação. O interlocutor moderno tinha
sido levado a adm itir que o dado originário a ser investigado é o fenômeno do
estar no mundo como tal, ou seja, a estrutura ser-no-mundo. Com isso, teria
adm itido que, existindo facticamente, cada um de nós "sempre já" está em uma
ou outra relação com as "coisas", o mundo "sempre já está aí". Todavia, não
parece m uito claro em que sentido, ao adm itir que o conhecer é um modo de
existir, no sentido de ser um modo de estar no mundo, o interlocutor seria le
vado a reconhecer que o mundo "já está aí". Não obstante, as seguintes
palavras de Heidegger parecem apontar para a “necessidade" de, a partir do
fenômeno do conhecimento, "insistir" nesse dado fenomenal:
Se perguntarmos, agora, o que se mostra nos dados fenomenais
[phänomenalen Befund] do próprio conhecer, é preciso admitir [/sf
festzuhalten] que o conhecer em si mesmo se funda previamente em um
já ser ¡unto ao mundo [Schon-sein-bei-der-Welt] como o qual o ser do
Dasein se constitui essencialmente. (HEIDEGGER, 2002a, p. 100;
2001, p .ó l)
No fim , não se quer introduzir, por baixo dos panos e contrariamente ao
que ficou estabelecido mais acima, a tese da subsistência de um "mundo exter-
152 Ética e M etafísica na filosofia moderna
17. no"? 0 que significa esse "já ser junto ao mundo" em que se funda o conhecer?
Com esta última pergunta chegamos ao ponto iv) da nossa reconstrução dedu
tiva do argumento de Heidegger. Em que consiste esse "já ser junto ao mundo"
que constitui o Dasein enquanto tal e parece consistir em um acesso pré-teóri-
co e pré-cognitivo às "coisas"?
Para responder a essa pergunta, sintetizemos o que extraímos até aqui da
assunção do interlocutor moderno de que ele está tematizando o fenómeno
do conhecimento. Em primeiro lugar, esta assunção implicaria que ele deve
assumir, como dado fenoménicamente ligado ao que está em questão, que o
conhecer é um modo de estar no mundo entre outros (ainda que possa ser um
modo privilegiado). Estar no mundo significaria ocupar-se de, estar em
relação com... algo que se mostra (grosso modo, as "coisas") sem que haja, em
princípio, um compromisso a respeito do estatuto ontológico daquilo com que
se está em relação. Nesse sentido, não só aquilo que ele investiga, mas sua
própria posição teórica de investigador são modos de estar no mundo ou, nos
termos de Heidegger, de ser-no-m undo. Em segundo lugar, reconhecer isso é
adm itir que o conhecer é derivado da estrutura ser-no-m undo, no duplo sen
tido de ser um modo possível de ser-no-m undo e de só ser possível porque a
estrutura do ente que nós somos é ser-no-m undo. Em terceiro, que, assim, a
investigação do conhecimento implica e/ou supõe compreender o que é ser-
no-mundo, o qual se mostra como o "cogito de Heidegger", o dado originário
e "indubitável" de onde, queira ou não, parte toda investigação, pois propicia
não só o tema para esta, mas, em últim a instancia, que a investigação mesma,
enquanto modo de existir, seja. E esse dado originário que procuraremos dis
cutir agora, no lim ite da questão do acesso do "sujeito" às "coisas" e no ámbito
da analítica existencial.
Heidegger caracteriza a nossa relação com o mundo através de duas
expressões: ser-em (In-sein) e ser ou estar junto (Sein be/]. Tais expressões cor
respondem, respectivamente, aos dois sentidos comuns da palavra mundo que
ele leva em conta ao tratar do fenómeno da mundanidade do mundo: mundo
enquanto o ámbito em que o Dasein vive e "m undo" enquanto o ente mesmo
que nós não somos ou enquanto o todo dos entes - mormente dos entes que
O escândalo do escândalo da filosofia: H eidegger como refutador do
idealismo
cadernospetfilosofla número | 10 2008 153
18. Germano Nogueira Prado
nós não somos; o que, em um sentido sempre bem vago, viemos chamando de
"as coisas". No prim eiro sentido, mundo é tido como um elemento constitutivo
do ser do ente que eu mesmo sou, o Dose/n; é prim ordialm ente nesse sentido
que a expressão m undo figura na estrutura ser-no-m undo. Parece estar de
algum modo ligado a esse sentido de mundo o fato de Heldegger caracterizar
a maneira como, de início, estamos em tal m undo (ou seja, o ser-em) como um
morar, um habitar, um ser fam iliar a, um estar acostumado com (HEIDEGGER,
2002a, p.92; 2001, p.54).
Na analítica existencial, a relação entre os fenômenos expressos por cada
uma dessas significações da palavra m undo é a seguinte: em certo sentido, só
"há" acesso ao "m undo" enquanto ente que nós não somos na medida em que
"há" mundo enquanto constitutivo do Dasein, isto é, na medida em que há ser-
no-m undo. Esse nexo de fundam entação dá azo a uma crítica de Heídegger à
interpretação moderna (crítica à qual já fizemos referência mais acima): ao
levantar o problema do m undo externo, ela não distingue esses dois sentidos
de mundo e, assim, não concebe adequadamente o fenôm eno do mundo (Cf.
HEIDEGGER, 2002a, p.267; 2001, p.203). Em verdade, podemos acrescentar que,
como vimos, ela considera o mundo apenas enquanto ente ou conjunto dos
entes que nós mesmos não somos.
Nesse sentido, o problema do acesso ao ente enquanto tal está ligado ao
problema da constituição da mundanidade do mundo. Nos lim ites do nosso
trabalho, abordaremos essa questão apenas na medida em que procuraremos
determ inara maneira como, para Heidegger, nos relacionamos com o "m undo"
tom ado na segunda acepção, isto é, com as "coisas” : o ser ou estar ju n to ou,
como form ulado mais acima, "o já ser ju n to ao mundo".
Antes mais nada, há que distinguir duas maneiras de compreender o "já ser
ju n to ao m undo" sobre o qual o conhecim ento estaria fundado. A primeira
maneira é compreendê-lo como uma caracterização do estar no mundo em
geral. Nesse sentido, o conhecim ento se funda no estar no mundo no sentido
visto mais acima: o conhecer é um modo entre outros de ocupar-se com o
mundo. Que o conhecim ento é um modo fundado no ser-no-m undo nesse sen
tido, parece que o interlocutor moderno pode adm itir; o problema é se e em
154 Élica e M etafísica na filosofia m oderna
19. que medida isso implica em reconhecer que o conhecim ento está fundado em
um "já ser ju n to ao mundo".
Antes de abordar esse problema, vejamos a segunda interpretação possível
para a expressão "já ser ju n to ao mundo". 0 conhecim ento pode ser fundado
na ocupação no sentido de que há um modo de ocupação que é anterior ao
conhecer. M uitas vezes Heidegger não utiliza nenhum term o específico para
essa modalidade de ocupação e costuma chamá-la simplesmente de ocupação.
A explicação para essa "imprecisão term inológica" pode estar, prim eiro, no fato
de que a ocupação, como já assinalamos, sempre já se dispersou em modos (Cf.
HEIDEGGER, 2002a, p.95; 2 0 0 1 , p.56-57) e tal modo de ocupação é a maneira
pela qual "de início e na maioria das vezes" (isto é, no cotidiano) nos ocupamos
com as "coisas" - modo que se caracterizaria fundam entalm ente pelo m anu
seio e uso daquilo com que lidamos. Segundo, no fato de que, sendo conheci
m ento e lida cotidiana os dois modos fundam entais de ocupação que a analíti
ca existencial reconhece, aquele estaria como que fundado nesta - o que
aponta para certa precedencia da lida cotidiana sobre o conhecer. Nesse senti
do, dado que o conhecim ento é, de um modo ou outro, um com portam ento
derivado ou fundado, não há m otivo para conceder a ele o privilégio na colo
cação do problema da acessibilidade ás coisas em detrim ento daquilo que o
funda. Logo, damos por demonstrado o ponto ¡i).
Todavía, visto que tanto a lida quanto o conhecim ento são modos de ocu
pação, a demonstração do sentido em que a lida precede o conhecer supõe
uma compreensão do que significa, em geral, ocupar-se com, ser em, ser ju n to
a "mundo". Para o nosso objetivo, veremos que basta compreender mais de
perto como se dá o nexo de fundam entação entre o conhecer e o ser-no-
mundo como tal; por isso, deixaremos o questionam ento da precedência da
lida sobre o conhecer para outra ocasião.
Até o m om ento, dísso que reconhecemos como dado originário temos ape
nas os seguintes indícios: que consiste em uma relação com algo que se mostra
(as "coisas"), que esta relação é constitutiva do ser do ente que nós somos e
que é um dado originário porque a referida relação estrutura todo e qualquer
modo de existir. 0 prim eiro ponto que se pode avançar a partir desses dados é
O escândalo do escândalo da filosofia: H eidegger com o refutador do
idealism o
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20. Germano Nogueira Prado
o de que, ao se compreender este "estar em relação com algo que se mostra"
como caracterizando o modo de ser ente que nós somos (do "sujeito"), reco
nhece-se, com isso, que ele não é constitutivo daquilo que não tem nosso
modo de ser (do "objeto"). Com isso, não se decide ainda se o "objeto" (as
"coisas") tem uma "subsistência ontológica" "separada" do "sujeito", mas nos
atemos simplesmente ao que se mostra (ao fenômeno): aquilo que se mostra
(as "coisas"), se mostra como sendo diferente daquele para quem ele se mostra.
Disso resulta que, não obstante se mostrando como sendo diferentes, ambos os
"pólos" do dado originário têm em comum o fato de que, justamente por se
mostrarem como sendo algo, são compreendidos desde uma mesma noção: a
noção de ser (Se/n). Nesse sentido, tanto "nós" como as "coisas" somos entes
(Seiende: "sendos") e a investigação do conhecer como modo de estar no
mundo assume, queira ou não, o caráter de uma investigação ontológica.
0 fato de que tanto "nós" como as "coisas" somos compreendidos a partir
da noção de ser não é um fato exclusivo do com portam ento teórico para com
as "coisas"; mesmo na lida cotidiana experimentamos aquilo com que lidamos
como algo que é desse jeito e não de outro (é uma porta e não uma janela,
não obstante ambos sejam), nos compreendemos como sendo dessa maneira
e não de outra (como sendo professores e não filósofos). Desse modo, pode-
se dizer que o estar no mundo enquanto tal se caracteriza pelo fato de que é
a partir da compreensão de ser que se compreende aquilo com o que se entra
em relação e, portanto, pela compreensão de tudo com que lidamos como
algo que é, isto é, como um ente. Se o interlocutor moderno aceita o dado de
que o conhecer é um modo de estar no mundo, ele é, assim, de acordo com
os fenômenos, levado a aceitar que a compreensão do ser, ainda que "vaga e
mediana”, não só é um fato (HEIDEGGER, 2002a, p.31; 2 0 0 1 , p.5), como tam
bém é constitutiva de todo e qualquer comportamento e, assim, da existência
mesma do "sujeito".
Parece ser para esse fato que Heidegger aponta ao dizer que “ente é tudo
aquilo de que falamos, tudo que entendemos, com que nos comportamos
dessa ou daquela maneira, o ente é também o que e como nós mesmos somos”
(HEIDEGGER, 2002a, p.32; 2001, p.6-7) e que "tanto no 'mero' saber do con-
156 Ética e M etafísica na filosofia moderna
21. texto ontológico de um ente, num 'mero' representá-lo, num 'mero' pensar em
algo, quanto numa apreensão originária estou fora no mundo, junto ao ente"
(HEIDEGGER, 2002a, p.101; 2 0 0 1 , p.62, grifo do autor). Nesse sentido, chega-
se a uma resposta à questão de em que sentido há um acesso pré-teórico a£>
ente: isso é assim porque ser ente nada mais é, em princípio, do que se mostrar
no horizonte de compreensibilídade aberto pela existência do Dasein - hori
zonte este que nada mais é do que a idéia, o sentido (ou uma idéia, um sen
tid o 13) de ser. E, na medida em que "m undo" significa o mesmo que ente, o
"acesso" ao mundo, assim como o seu "ser", estão, desse modo, "garantidos".
Mais precisamente, eles estão isentos de ter que apresentar uma prova que
garanta sua "subsistência ontológica", uma vez que é um dado originário que
o m ovim ento pelo qual o Dasein se compreende (isto é, existe) em urna pos'
sibilidade de seu ser é o mesmo m ovim ento14 pelo qual o ente aparece, torna'
se fenômeno e, assim, vem ao encontro do Dasein. Eis o "sentido últim o" do
"cogito" de Heidegger.
Ora, mas se a interpretação moderna pôde acompanhar Heidegger até aqui,
em que consiste seu "erro”, isto é, sua "inadequação" aos entes que ela procura
compreender? De fato, enquanto modo possível de ser-no-mundo, ela consiste
em uma compreensão dos entes que procura interpretar; e o faz tendo como
horizonte uma determinada idéia de ser. Com isso, ela não deixa de, a seu modo,
fazer com que "sujeito" e "mundo" se mostrem no âmbito da compreensão,
inaugurado pela existência do Dasein. Por conseguinte, onde está o problema?
Ao assumir que está tematizando o fenômeno do conhecimento, parece
razoável supor que isso significa que o interlocutor moderno assumiu que, para
que tal tematização seja autêntica, não se pode introduzir nenhum dado que
não se comprove no ou que não seja procedente do fenômeno mesmo em
causa. Todavia, segundo Heidegger, não é isso que ocorre: para interpretar o
dado originário do "sempre já estar no mundo", ela partiria de um pressupos
to não verificado no fenômeno. Como compreensão ontológica que, enquanto
modo de ser-no-mundo, a interpretação moderna não pode deixar de ser, essa
pressuposição só poderia ser a respeito do ser dos entes que ela visa investigar.
Tal pressuposto ou ponto de partida não é senão aquele que assinalamos no
O escândalo do escândalo da filosofia: H eidegger com o refutador do
idealismo
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22. Germano Nogueira Prado
fim da seção 1 : a cisão entre "sujeito" e "m undo” e a concepção de ambos a
partir de uma mesma idéia de ser. Por um lado, temos um "sujeito" a principio
isolado do "mundo" e concebido como um substrato dado e constituido ou, em
principio, que poderia se constituir e subsistir em si e por si mesmo, isto é,
independentemente do "mundo". Por outro, a concepção do "mundo'1 como um
substrato dado e constituido ou, em principio, que deveria poder se constituir
e subsistir em si e por si mesmo, isto é, independentemente do "sujeito".
Precisamente nesse últim o ponto pode recair mais incisivamente a crítica
de Heidegger: o ente ao qual duvidamos ter acesso já está previamente deter
minado em seu ser - é o ente que atende aos caracteres ontológicos de ser um
substrato dado, constituído independentemente do sujeito e que permanece
sendo e sendo o ente que é ainda que o sujeito não subsista ou que tal ente
não tenha contato algum com o sujeito. Da "coisa em si mesma" à qual pre
tensamente não sabemos se temos acesso, temos, não obstante, uma idéia pre
cisa, caso pudéssemos, por assim dizer, "um dia" ter acesso a tal coisa.
Ao decidir-se previamente por uma determinada idéia de ser e "prescrevê-
la" aos entes a que pretende ter acesso, ela vedaria, justamente aí, o seu aces
so ao dado originário que, pretensamente, reconhece. Por se apoiar na idéia,
"velada em sua origem e não demonstrada em sua legitimidade", de "ser como
constância do ser simplesmente dado (ständige Vorhandenheit)" (HEIDEGGER,
2002a, p.142; 2001, p.96)15, ela consideraria um "não ente", por exemplo, as
coisas tais como elas se mostram na visão instável, sujeita a equívocos e ilusões
e marcada por variações de humor (Stimmung), a que estamos sujeitos no
cotidiano (Heidegger, 2 0 0 2 a, p.192; 2001, p. 138) - ou, caso assim se queira, ela
consideraria um “não ente” as coisas tais como se nos oferecem aos "sentidos".
Como tal idéia não tem respaldo fenoménico (isto é, nas "coisas mesmas" em
causa) e como, em última instância, é a partir dela que se forja o cenário em
que pode aparecer o problema do mundo externo tal como o viemos com
preendendo até aqui, não há base no fenômeno para levantar este problema
que, assim, perde o estatuto de problema autêntico.
Convém deixar claro que, no âmbito da analítica existencial, o problema da
interpretação moderna não é o de "ir às coisas" munida de pressupostos e não
158 Ética e M etafísica na filosofia moderna
23. deixar que tais coisas se manifestem em sua "pureza", livres de toda con
tribuição "subjetiva" (se não subjetiva no sentido "lógico-transcendental", ao
menos no sentido "psicológico"). Novamente isto iria contra o dado originário
do ser-no-mundo: enquanto compreensão daquilo que se mostra a partir de
uma idéia de ser, todo e qualquer comportamento do "sujeito” sempre está
"carregado de pressupostos” (HEIDEGGER, 2001, §32). A questão está em a
interpretação não tom ar como pressupostos ou não se deixar guiar por "idéias
gratuitas e opiniões [Einfalle und Volksbegriffe]" (HEIDEGGER, 2 0 0 2 a, p.2 1 0 ;
2001, p.153)1G, mas procurar "assegurar o tema cientifico [isto é, o tema da
interpretação filosófica] a partir das coisas elas mesmas [do fenômeno em
causa]"(/oe. c/f). E, na medida em que a compreensão do ente sempre se dá a
partir de uma idéia (conceito, sentido) de ser, todo e qualquer comportamen
to do Dasein está exposto a duas possibilidades extremas: ele "pode haurir con
ceitos pertencentes ao ente a ser interpretado a partir dele próprio ou então
força conceitos contra os quais o ente pode resistir em seu modo de ser" (HEI
DEGGER, 2002a, p.207; 2001, p.150). Heidegger diz que essas possibilidades são
constitutivas de toda e qualquer interpretação; nesse sentido, todo e qualquer
estar no mundo possível é constituído por interpretação. Em certo sentido, este
trabalho não faz mais que procurar demonstrar essa constituição da interpre
tação a partir do que se mostra em dois exemplos concretos nos quais se
assume explicitamente a tarefa de interpretar a relação entre "nós" e as
"coisas", relação que, segundo nos mostra o que vimos até aqui, seria, ela
mesma, constituída de interpretação.
3. À guisa de conclusão: um Heidegger idealista?
À guisa de conclusão gostaríamos de discutir brevemente um m al-entendi-
do que pode haver na compreensão do que chamamos "sentido últim o" do
"cogito" de Heidegger. 0 resultado foi que "ente" é aquilo que se mostra no
horizonte da compreensão de ser; e a compreensão de ser é o elemento cons
titutivo fundamental do ente que nós somos. Ora, se só "há" ente onde há
O escândalo do escândalo da filosofia: H eidegger como refufador do
idealismo
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24. Germano Nogueira Prado
compreensão de ser, o ente seria constituido pelo "sujeito". Logo, só "há" ente
se “há" "sujeito", isto é, o ente depende do sujeito. Donde se segue urna
patente contradição: onde se procurava uma refutação do idealismo, encon-
trou-se um idealismo crasso. Corrobora para essa conclusão o fato de o próprio
Heidegger “elogiar" o idealismo, ao dizer que "com relação ao realismo" ele
possui "uma primazia fundamental". E o "elogio" vai mais longe: "se o título
idealismo significar o mesmo que a impossibilidade de esclarecer o ser pelo
ente, mas que, para todo ente, o ser já é o 'transcendental', então é no idea
lismo que reside a única possibilidade adequada de uma problemática filosófi
ca" (HEIDEGGER, 2002a, p.274; 2001, p.207).
Todavia, essa objeção tende a deturpar o "cogito" de Heidegger. O pano de
fundo dela é novamente o pressuposto que Heidegger recusa como uma inter
pretação não fundada nos fenômenos: o da cisão entre o "sujeito" e o “ mundo".
Ela supõe um sujeito que, se não está já constituído, ao menos pode se consti
tu ir desde si e única e exclusivamente a partir de si mesmo. É precisamente o
oposto o que se mostra no "cogito" de Heidegger: se, por um lado, a possibili
dade da existência a cada vez em causa oferece ocasião para que o ente se
instaure como ente, por outro lado, esta possibilidade mesma só se instaura na
referência, ainda que por vezes problemática17, a este outro, o ente que nós
mesmos não somos.
A compreensão de ser não é um conjunto de "idéias" e "conceitos" sobre o
ser do ente que cada um de nós "forja" em seu íntimo e depois projeta nas
"coisas”. Tampouco o ente é algo "produzido", "fabricado" ou "inventado" por
um sujeito. A compreensão de ser é o caráter de ser funda mental de um ente,
em virtude do qual esse ente é o ente que é - e não algo sujeito à sua vontade
e que poderia ou não ocorrer a tal ente. E, sendo compreensão de ser, o Dasein
é a condição de possibilidade para que algo venha a ser, isto é, se revele como
ente (como um sendo). Porque o Dasein é, fundamentalmente, compreensão
de ser, o que lhe vem ao encontro é, fundamentalmente, ente.
Mas, por outro lado, o que se mostra no "cogito" de Heidegger éjustamente
que nenhum comportamento do "sujeito" e, com isso, nem o próprio "sujeito",
se constitui sem a referência a esse que outro que se mostra. Isso significa que
160 Ética e M etafísica na filosofia moderna
25. o comportamento do Dasein não põe o ente; o "máximo" que ele pode fazer é
propiciar (lassen, deixar e fazer) o ámbito em que algo pode vir-a-ser ente, isto
é, se mostrar desde ser - o âmbito da compreensão de ser. No mais, ela já sem
pre "depende" do (hat sich angewiesen aufj (HEIDEGGER, 2002a, p.132; 2001,
p.8 6 ) ente, de que este mesmo se ponha (sich eigens stellen) (HEIDEGGER,
1995a, p.26) no domínio aberto pelo comportamento do Dasein. Esta
dependência (Angewiesenheit) (Cf. HEIDEGGER, 2002a, p. 132, p.94, p. 1 9 3 ;
2 0 0 1 , p.8 6 , p.56 (verhaftet)) do Dasein com relação às "coisas" se expressa de
modo mais agudo pelo fenômeno da disposição, que constituí o ser-em junto
com o compreender. Ela possibilitaria que algo atinja, acometa, afete, venha ao
encontro do Dasein (Cf. HEIDEGGER, 2002a, p.193; 2001, p.137).
Mas não é preciso ir tão longe: a possibilidade mesma de uma interpretação
se guiar por um dado, isto é, por algo que se mostra, que se oferece por si
mesmo, parece apontar para o fato de que a dependência aqui é de mão dupla:
não só o ente "depende" da compreensão e da interpretação (para se mostrar
e, assim, ser ente), mas também estas medem sua "adequação" em função
daquele, em função do que e/e mostra. Não obstante, o ente não está disponí
vel como um referente externo, anterior à interpretação; e isso é verdade
sobretudo se se compreende por referente externo um "mundo externo" - ao
menos se entendemos o termo "mundo externo" tal como o viemos compreen
dendo aqui. Pois as "coisas mesmas", em referência às quais a interpretação e
a compreensão devem se medir, se constituem no movimento mesmo da sua
compreensão e interpretação.
Por isso, o elogio de Heidegger ao idealismo não vem sem a ressalva de que
essa primazia se dá "por mais oposto [à analítica existencial] e insustentável
que seja no que diz respeito aos resultados" e "desde que ele próprio não se
compreenda equivocadamente como idealismo 'psicológico'"; e o acréscimo de
que "Se, porém, idealismo significar a recondução de todo ente a um sujeito
ou uma consciência (...) então, do ponto de vista do método, esse idealismo se
mostra tão ingênuo quanto o realismo mais grosseiro" (HEIDEGGER, 2002a,
p.274 e 275; 2001, p.207 e 208, respectivamente). Por outro lado, a analítica
existencial, apesar de toda crítica ao realismo, concordaria com este, "por assim
O escândalo d o escândalo da filosofia: Heidegger com o refufador do
idealismo
cadernospetfilosofia número | 10 2008 161
26. Germano Nogueira Prado
dizer doxograficamente", na medida em que para ambos as "coisas" de fato
"estão ai", "se dão" (HEIDEGGER, 2002a, p.274; 2001, p.207).
Como no realismo, as "coisas estão aí". Como no idealismo, a condição para
que elas se mostrem é algo que constitui a estrutura do "sujeito" (a compreen
são). Essa estrutura, por sua vez, só é condição de possibilidade do tornar-se
fenômeno das "coisas" por se referir a "algo" que "transcende as 'coisas'", algo
que é o horizonte em que elas se manifestam (o ser). A analítica existencial -
"idealismo (transcendental)" e "realismo (empírico?)"?
Os dois, mas, no fundo, nenhum deles - seja como for, nisso consiste o
estranho estatuto da analítica existencial de Heidegger face à interpretação
moderna: ela nem pretende ter provado que o mundo externo existe (como
pretende o realismo), nem pretende manter que a existência das "coisas fora de
nós" é dubitável ou mera ficção (como no caso do idealismo). Antes, se
Heidegger pretende refutar não só o idealismo, mas também o realismo, ele
procura fazê-lo apontando para o reconhecimento da sintonia e sincronia18
que sempre já vige entre a constituição do meu próprio ser e a constituição do
ser das “coisas".
1 Em itálico no original. Sobre a expressão "crítica fenom enología", cf HEIDEGGER,
2002b, p.115, nota; 2001, p.321.
2 Cf., por ex., a aproximação que ele procura fazer entre seu pensamento e a filosofía de
Kant em HEIDEGGER, 1996.
3 Na medida em que esse "sair“ é compreendido como a atividade do sujeito de transcen
der a esfera imanente da consciência em direção ao objeto que estaria além dessa esfera,
o problema do conhecimento se transforma no problema da possibilidade da trans
cendência - sobretudo se considerarmos os elementos através dos quais o conhecimento
é comumente caracterizado como constitutivos de todo e qualquer comportamento que
venhamos a assumir em nossa existência. Todavia, se, por um lado, considerarmos o co
nhecimento como um comportamento específico que podemos por vezes realizar e que o
modo de acesso ao ente por ele possibilitado não é o único e nem mesmo o primeiro; e,
por outro, que a noção de transcendência, no sentido em que Heidegger a toma, se refe
re a todo e qualquer comportamento nosso com relação ao ente e ao seu ser, fica claro
em que sentido podemos dizer que a problemática envolvida com esta noção é mais
ampla que o problema do conhecimento.
162 Ética e Metafísica na filosofia moderna
27. 4 A interpretação da relação de Heidegger com seu interlocutor nos termos de uma "refu
tação do idealismo", bem como a formulação desta a partir das idéias de "cogito™ e de
argumento ad hominem, devo-as inteiramente a sugestões do meu orientador, prof. Dr.
Pedro Costa Rego. Se, no que segue, não estive à altura das discussões que tivemos a
respeito, evidentemente a responsabilidade é toda minha.
5 É assim que o termo Seinsverfassung é vertido pela tradução brasileira (cf. entre ou
tros lugares, HEIDEGGER, 2002a, p.91 e 92; 2001, p.53 e 54). 0 termo Verfassung pode
significar também "condição, estado, situação", termos que podem levar à idéia de que
a estrutura "ser-no-mundo'', que é a Seinsverfassung do Dasein é uma característica
que esse ente pode ou não ter. Pelo contrário: trata-se do caráter do ser fundamental
do Dasein.
6 Ao contrário das duas definições de argumento ad hominem citadas na nota anterior,
as definições dadas nesses três dicionários expressamente citam e/ou afirmam o caráter
"contingente", "pessoal” e/ou "singular” do tipo de argumento em questão. Se é verdade
que as ressalvas que fizemos, a rigor, não se encontram em nenhum dos lugares citados,
também é verdade que ao menos as definições de Locke e Abbagnano parecem poder
comportá-la como um "subtipo" de argumento ad hominem. De resto, uma vez esclare
cido o que entendemos por tal argumento, a discussão pode prosseguir, já que para isso
pouco importa se a definição tradicional concorda ou não com a nossa.
7 No âmbito da analítica existencial, a rigor dever-se-ia dizer "com as 'coisas', com os ou
tros e consigo mesmo” ; mas por amor à brevidade e porque o que nos interessa é, primor
dialmente, a relação de acesso aos entes que não têm o nosso modo de ser, nos limitare
mos a dizer "relação com as 'coisas'”. A questão que estamos encaminhando poderia ser,
em certo sentido, estendida aos entes que têm nosso modo de ser, uma vez que o acesso
de cada "eu" aos "outros sujeitos" também é um problema para a filosofia. Todavia,
parece-me que tal "extensão” da abrangência da questão demandaria desenvolvimentos
ligados especificamente a nossa relação com nossos semelhantes. Por outro lado, isso não
impede, a princípio, que aquilo que desenvolvemos aqui contribua para o encaminhamen
to do que se pode chamar a "questão da intersubjetívidade". Em suma: o trabalho será
dirigido primordialmente para a relação entre o "sujeito" e as "coisas" e deixa em aberto
se ele contém alguma contribuição para o problema da relação entre “sujeitos".
8 "Partindo dessa suposição [isto é, partindo da interpretação moderna], não se vê [bleibt
man blind] o que está implicitamente co-dito [mitgesagt] em toda tematização do co
nhecimento, a saber, que conhecer é um modo de ser do Dasein enquanto ser-no-mundo"
(HEIDEGGER, 2002a, p. 100; 2001, p.61).
9 Ou, ao menos, em Ser e Tempo e nos cursos e conferências cujas "teses" estão intrinse
camente de acordo com essa obra.
O escândalo do escândalo da filosofia: Heidegger como refutador do
idealismo
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28. Germano Nogueira Prado
10 Convém deixar claro que, em Heidegger, isso não resulta um primado da disciplina
"ontologia" sobre a disciplina "epistemología'' dentro do género de investigação
"filosofia", mas sim na dissolução destas distinções disciplinares tradicionais e "não ori
ginárias” nas questões mesmas surgidas do questionamento dos fenômenos. Os títulos
"epistemología” e "ontologia" são usados aqui para delim itar âmbitos de questões e não
disciplinas definidas de maneira estanque.
11 0 que está em questão aqui, em certo sentido, não é senão a discussão entre Heidegger
e Husserl sobre se o lugar de constituição dos entes, o "lugar do transcendental", é ele
mesmo um ente. Em linhas gerais, para Heidegger sim, ainda que este seja um ente privi
legiado; já para Husserl o "lugar do transcendental" seria "ontologicamente neutro" -
enquanto lugar de posição do sentido do ser dos entes ele é não-posicional. Sobre essa
questão, cf. ONATE, 2007.
12 Sobre essa expressão, cf. VALENTIM, 2007. p.113, entre outros lugares.
13 Tomando os termos "idéia” e "sentido" de um modo um tanto vago, já que uma expli
cação satisfatória do que se entende por idéia de ser ou sentido de ser demandaria outro
trabalho. Não se deve supor que essa idéia ou sentido de ser precise de uma elaboração
teórica para então estruturar o comportamento do Dasein, uma vez que a lida cotidiana
sempre já opera a partir dela. Trata-se do fato de que o Dasein, em toda e qualquer
relação com o ente, sempre já possui um "saber prévio", uma compreensão prévia sempre
já esboçada, projetada (Entwerfen), implícita e não temática do ser do ente com o qual
está se relacionando, bem como do seu próprio ser-em-relação-a esse ente. 0 termo "sen
tido" é um term o técnico usado por Heidegger para designar essa estrutura "em que se
sustenta a compreensibilidade de algo" (HEIDEGGER, 2002a, p.208; 2001, p.151). Já o
term o "idéia" não é usado sistematicamente em Ser e Tempo para tal, mas aparece uma
ou outra vez para designar o horizonte de compreensão/interpretação de um ente, seja
este "adequado" ou "inadequado", (cf. por ex, HEIDEGGER, 2002a, §21, p. 142 ss., para o
primeiro caso; HEIDEGGER, 2001, ibid., p.96 ss., 2002b, §63, p.106 ss. e 2001, ibid., p.314
ss., para o segundo caso) Evidentemente, é uma possibilidade da existencia do Dasein
tornar o sentido de ser dos entes tema de uma investigação explícita.
14 "M ovimento", pois o existir do Dasein é um acontecer (Gesc/ieben); e “ mesmo movi
mento", pois, enquanto um transcender que ultrapassa o ente e a ele retorna a partir do
ser, esse existir é "hora e dia" de um acontecer "com" o “ente": a "entrada no mundo" deste
(Welteingang), isto é, o seu vir-a-ser no âmbito de compreensibilidade aberto pelo
"irromper" do Dasein no meio do ente. (HEIDEGGER, 1995b, p.39)
15 A decomposição etimológica dos termos vorhanden e Vorhandenheit nos dá uma indi
cação para uma explicação, por assim dizer, "heideggerianamente elegante" de por que
Heidegger não vê com bons olhos o privilégio dado ao conhecimento: existencialmente,
164 Ética e M etafísica na filosofia moderna
29. o conhecimento supõe certo distanciamento com relação àquilo que se visa conhecer. Tal
distanciamento é o rompimento de uma proximidade prévia (da lida cotidiana) e mostra
as "coisas" como “algo aí diante, ao alcance da mão" (vor-Hand). Assim, o vorhandert visa,
etimológicamente, a uma atitude com relação às “coisas". Estando ao alcance da mão
dessa maneira, elas estão ao mesmo tempo separadas dela e como que assentadas sobre
sl mesmas, passíveis de serem manuseadas, mas nâo dependentes desse manuseio. Daí até
a tendência de atribuir uma subsistência separada a todas as "coisas" parece ser só um
"pulo", mas um “pulo" difícil de interpretar. A esse respeito, o que parece indubitável é
que Heidegger diria que tal "pulo" "esquece" que ele só foi possível com base em um com
portamento do Dasein para com as "coisas" e que, além disso, este é um comportamento
baseado em uma proximidade prévia que não pode ser negligenciada. Donde se vê que o
problema de Heidegger é menos com o privilégio do conhecimento, como seu argumen
to mesmo pode fazer parecer, do que com a interpretação ontológica que está ligada a
esse privilégio.
'6 Sobre essa tradução dos dois termos entre colchetes, cf. REGO, 2004, p. 113, nota 22.
17 Problemática porque o ente pode se mostrar como algo que ele não é, quando a inter
pretação "força conceitos", conforme assinalamos no final da últim a seção. A esse
respeito, cf. a noção de aparência como modo possível de o ente mostrar-se (a saber,
mostrar-se como o que ele não é) em HEIDEGGER, 2002a, §7 a) e HEIDEGGER, 2001, ibi-
dem. Obviamente, essa tese demanda maior desenvolvimento.
18 "Sintonia e sincronia": termos emprestados da apresentação feita pelo prof. Pedro
Costa Rego no III Encontro PROCAD - Ética e Metafísica na Filosofia Moderna, realizado
na UFPR (Curitiba/PR), nos dias 08, 09 e 10 de novembro de 2007.
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