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Título VI

Dos Crimes Contra Dignidade Sexual
LEI 12.015/09
1.0 Dos Crimes Contra Liberdade Sexual.

1.1 Do Estupro.
A lei 12.015 de 07 de agosto de 2009 alterou
substancialmente o capítulo I e II do Código Penal, dentre as grandes
novidades, o crime de Atentado Violento ao Pudor, descrito no antigo 214,
do Estatuto Repressivo foi incorporado pelo o art. 213 do Código Penal,
terminando com a distinção entre Estupro e Atentado Violento ao Pudor.
Embora não seja objeto de nossos estudos a lei ainda alterou o capítulo
dos Crimes de Lenocínio ou qualquer outra forma de exploração sexual e
os crimes de tráfico de pessoas.

O intuito do curso é apresentar as novidades introduzas
ao Código Penal a partir da vigência da lei 12015/09. Basicamente
aprenderemos e entenderemos as antigas e atuais controvérsias que
sugiram ante a publicação da lei.

1.1 Do Crime de Estupro.

O art. 213 do Código Penal prevê a seguinte redação:
Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção
carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato
libidinoso.

Infere-se da nova redação que a vítima de estupro
deixa de ser exclusivamente mulher para abranger qualquer pessoa, isto
significa que a rigor o homem poderá ser vítima de estupro.

No sistema anterior não se imaginava que o homem
seria constrangido por uma mulher para ter com ela conjunção, se isto
ocorresse, o que era pouco provável, a mulher responderia pelo crime de
constrangimento ilegal.

Hoje a mulher que constranger o homem a manter com
ela conjunção carnal o crime se adequará perfeitamente ao art. 213 do
Código Penal, pois o tipo penal descreve expressamente que a vítima será
alguém.

Especificamente, o tipo penal exige que alguém
mediante violência ou grave ameaça tenha conjunção ou pratique ou
permita que com ele se pratique ato libidinoso diverso da conjunção
carnal.

Note que ter conjunção carnal normal não é crime, o
delito estará caracterizado quando alguém mediante o emprego violência
ou grave ameaça obrigue a vítima a ter conjunção carnal ou praticar ou
permita que com ele se pratique ato libidinoso.

Constranger significa compelir, obrigar, forçar ou
subjugar a vítima a praticar o ato libidinoso ou a ter conjunção carnal. Não
haverá o crime se a conjunção carnal for consentida, salvo quando o
consentimento for viciado em razão da idade, enfermidade, doença
mental ou qualquer forma de reduzir a capacidade de resistência da
vítima (art. 217-A, do CP).
Quanto a violência, o autor deverá utilizar-se de
violência física (vis absoluta), ameaça (vis compulsiva) coagindo
moralmente a vítima. Esta ameaça pode ser própria ou contra terceiro, na
hipótese em que a mãe da criança é coagida a ter conjunção carnal com o
agente enquanto ele ameaça a matar o filho da vítima caso ela não
mantenha conjunção carnal com ele.

A contravenção de vias de fato e o crime de lesão leve
serão absorvidos, ou seja, o crime e a contravenção penal são meios
necessários para que o agente chegue a consumação do delito.

Como anteriormente mencionado, a falta de
consentimento é um elemento essencial para que ocorra o crime de
estupro. Mas o contato físico nem sempre é necessário para sua
caracterização. Embora seja consolidado o entendimento do STJ no
sentido da necessidade de contato físico para que ocorra o delito,
pensamos que o fato deverá ser analisado caso a caso. Imaginemos que o
autor constranja a vítima a masturbar-se enquanto ele permanece
exercendo atividade meramente contemplativa.

Note que não houve contato físico entre a vítima e o
agente, mas o crime foi consumado no instante em que o agente coagiu a
vítima a praticar atos de libidinagem sobre o seu próprio corpo. Assim
podemos concluir que a vítima poderá agir de forma ativa, passiva, ativa e
passiva, isto significa que o crime estará caracterizado quando o agente
obriga a vítima a praticar atos nele ou quando constrange a vítima a
permita que nela se pratique e por fim quando o agente obriga a vítima a
praticar atos de libidinagem sobre o corpo dela. A postura da vítima em
síntese seria a de permitir que nela ou sobre ela se pratique e por fim
quando o agente a obriga a praticar nele o ato libidinoso.

Quando estudamos o crime de estupro é preciso
tomarmos cuidado com a intervenção desmedida do direito de punir do
Estado, pois dependendo do caso poderíamos aplicar uma pena de 6 anos
para quem desejasse apenas brincar, humilhar ou sujeitar a vítima a um
vexame qualquer. Nesse sentido, o beijo não é necessariamente crime de
estupro, isto significa que nem sempre o ato libidinoso será um crime de
relevância, podendo assim caracterizar uma contravenção penal
(importunação ofensivo ao pudor), um crime de constrangimento ilegal ou
até mesmo uma injúria real.

Com a atual redação o crime de estupro passou a ser
considerado crime comum, pois qualquer pessoa poderá ser vítima do
delito, assim tanto a mulher quanto o homem poderão ser sujeito passivo
do crime descrito no art. 213 do CP.

Novamente, neste ponto necessitamos ter cuidado,
pois ainda prevalece a ainda que o crime de estupro praticado na forma
de ter conjunção carnal obrigatoriamente deve ser cometido na relação
heterossexual.

Explico. Não é possível que uma mulher seja autora de
estupro sendo vítima outra mulher, pois nesta hipótese estaríamos diante
de uma relação homossexual. Como fica então a situação da mulher de
constrange um homem a manter conjunção carnal com outra mulher?

Se considerarmos que o crime de estupro nesta
modalidade é crime de mão própria, não é possível atribuirmos à autoria
do crime a mulher, pois na modalidade de crime de mão própria a
condição pessoal do autor é indelegável ou intransferível.

Para evitar a impunidade, Raúl Zaffaroni lança mão da
autoria de determinação, preconiza o ilustre doutrinado que a mulher não
é punida como autora do crime de estupro, senão que se lhe aplica a pena
do estupro por haver cometido o delito de determinar o estupro. Tal
raciocínio não se afasta da ideia da coação moral irresistível, nos termos
do art. 22 do CP.

Aproveitando-se do momento de autoria ou concurso
de agentes, é possível autoria, coautoria ou participação no crime de
estupro, desde que estejam presentes os requisitos do concurso de
pessoas (pluralidade de pessoas, relevância causal, liame subjetivo e
identidade de infrações).

Com relação ao momento consumativo, o crime se
perfaz quando o agente introduzir total ou parcialmente o pênis na
cavidade vaginal da mulher ou praticar ou permitir que com ele se
pratique qualquer ato libidinoso.

Neste ponto, é fundamental observarmos que existe
quem defende a impossibilidade da tentativa do crime de estupro, pois se
não houver a conjunção carnal haverá no mínimo a prática de atos
libidinosos.

Realmente, esta discussão havia antes de adotarmos a
teoria finalista da ação. Hoje é impossível concluirmos pela
inadmissibilidade da tentativa de crime de estupro, basta pensarmos no
sujeito que rasga a roupa da vítima com a finalidade de ter conjunção
carnal com ela, mas no instante que iria introduzir o pênis na cavidade
vaginal da vítima a polícia chega. De fato, antes da conjunção carnal houve
necessariamente um contato físico que caracterizaria ato libidinoso, mas
tais atos foram necessários para que o agente pudesse consumar a
conjunção carnal.

Já a respeito do elemento subjetivo, o tipo penal exige
que o agente atue dolosamente, isto significa que não há modalidade
culposa do crime. Mas atenção, o tipo penal não exige uma finalidade
específica, basta que o agente tenha conjunção carnal com a vítima ou
pratique ato de libidinagem.

1.2 Das Formas Qualificadas.

Antes da alteração promovida pela lei 12.015/09, o
crime de estupro qualificado necessitava da combinação com o art. 223 do
Código Penal. O dispositivo tornava qualificado o crime quando da
violência resultasse lesão grave e quando do fato ocorresse a morte da
vítima.

Agora contrariamente do que ocorria no revogado art.
223, o legislador previu expressamente que o crime será qualificado
quando da conduta do agente resultar lesão corporal grave ou morte da
vítima.

Assim, não importa se o agente atuou com emprego de
violência ou grave ameaça, a fim de levar a efeito o estupro, se, dessa
conduta resultar lesão corporal de natureza grave ou morte, deverá o
agente responder pelo crime qualificado.
Tomemos como exemplo a sugestão de Rogério Greco:
A título de raciocínio, imagine-se a hipótese em que o agente, querendo
praticar o estupro, ameace gravemente a vítima, mesmo sabendo de sua
condição de pessoa portadora de problemas cardíacos. Ao ouvir a ameaça
e durante a prática do ato sexual, ou seja, após o início do coito vagínico, a
vítima tem um infarto fulminante, vindo, consequentemente, a falecer.
Nesse caso o agente deverá responder pelo estupro qualificado pelo
resultado morte.

Apenas tome cuidado que o crime de estupro
qualificado pela lesão grave ou morte é crime, essencialmente,
preterdoloso, isto significa que o resultado agravador (morte ou lesão
grave) deve ser produzido a título de culpa.

E mais, o resultado agravador deve ser no mínimo
previsível, sob pena de responsabilidade objetiva, nos termos do art. 19
do CP. Para ilustrar, basta da violência ocorrer a lesão corporal grave que
resulta o aborto, sem que o autor do crime nem a vítima soubessem da
eventual gravidez. Embora a conduta do agente tenha produzido uma
lesão corporal gravíssima, ele não responderá pela qualificadora, pois o
resultado agravador não foi no mínimo previsto ou previsível.

Outra questão relevante é saber se o resultado
agravador pode ser obtido a título de dolo ou tão somente a título de
culpa.

Entendemos como a maioria dos doutrinadores, o
crime de estupro qualificado pelo resultado lesão grave ou morte é por
essência um crime preterdoloso, assim caso o agente pretenda produzir o
resultado agravador dolosamente, ele responderá por crime de estupro
simples em concurso material com crime de homicídio ou lesão corporal.
Assim, conforme salienta Noronha, o resultado que
agrava especialmente a pena for proveniente de caso fortuito ou força
maior, o agente não poderá ser responsabilizado pelas modalidades
qualificadas, conforme preconiza o art. 19 do CP.

Permanecendo no mundo das possibilidades,
imaginemos agora que o agente tenha dado início a execução do crime de
estupro, mas antes de manter conjunção carnal a vítima venha a falecer
por alguma razão. Na sugestão de Rogério Greco, suponhamos que o
agente derrube a vítima violentamente no chão, fazendo que esta bata a
cabeça, por exemplo, em uma pedra, produzindo-lhe a morte antes que
seja praticada a conjunção. Nesse caso, pergunta-se: Teríamos uma
tentativa qualificada de estupro ou o estupro poderia ser considerado
consumado havendo morte da vítima, mesmo sem a ocorrência da
penetração?

Há duas correntes para o caso. Alguns doutrinadores
entendem que o agente responderia por crime de estupro qualificado pelo
resultado morte, não obstante o crime sexual ter permanecido na forma
tentada. Aplicando a questão a mesma interpretação do latrocínio
consumado, ou seja, havendo morte da vítima o crime estará consumado,
mesmo que a subtração permaneça na forma tentada.

Mesmo sendo esta posição a que goza da predileção da
maioria da doutrina, entendemos que o crime de estupro é qualificado
tentado.

Para que o crime seja consumado é necessária a
reunião de todos os elementos que compõem o tipo penal. Assim será
consumado, nos termos do art. 14, I, do Código Penal, aquele crime que
reúne todos os elementos da definição legal.

Tratando-se de crime complexo, ou seja, aquele que há
fusão de dois ou mais crimes, fazendo desaparecer os crimes autônomos
que dele fazem parte, somente haveria a reunião de todos os elementos
da definição legal quando houvesse além da morte a conjunção carnal,
logo não é possível dizer que o crime de estupro qualificado pelo
resultado morte está consumado quando o delito sexual permanece a
forma tentada. Dessa forma, peço vênia aos que entendem de forma
diversa.

É qualificado ainda o estupro quando a vítima for
menor de 18 anos e maior de quatorze anos, conforme o art. 213, § 1°, do
Código Penal. Nesse ponto, há uma divergência em relação a existência da
qualificadora quando o crime for praticado no dia em que a vítima
completa quatorze anos, assim estaríamos diante de um fato atípico, pois
o estupro de vulnerável tutela a vítima menor de quatorze anos enquanto
a qualificadora exige que a vítima seja maior de quatorze anos quando
não houver emprego de violência ou diante de estupro simples quando
houver violência?

Com a devida vênia, entendemos extremo preciosismo
e de uma literalidade sem precedente considerar que neste caso a vítima
tenha que ter quatorze anos e um dia para qualificar o crime, assim, caso
haja emprego de violência no dia em que vítima completa quatorze anos o
crime será qualificado, agora se não houver o emprego da violência a
conduta será atípica.

1.3 Causa de Aumento de Pena.
Haverá causa de aumenta de pena de quarta parte
quando o crime for praticado em concurso de 2 ou mais pessoa; de
metade se o agente é ascendente, padrasto ou madrasta, tio, irmão,
cônjuge, companheiro, tutor, curador, preceptor ou empregador da vítima
ou por qualquer outro título tem autoridade sobre ela; de metade, se do
crime resultar gravidez e por fim de um sexto até a metade, se o agente
transmite à vítima doença sexualmente transmissível de que sabe ou
deveria saber ser portador.

Na primeira causa de aumento de pena, somos
partidários da necessitada que os agentes estejam presentes, in loco, para
que ocorra a incidência da majorante. O concurso de agentes no estupro
visa dar uma maior facilidade no cometimento do crime, diminuindo ou,
mesmo, anulando a possibilidade de resistência da vítima.

Quanto a segunda causa de aumento de pena, dar uma
maior reprovação ante a qualidade do sujeito ativo, não se imagina que
um pessoa que detenha o poder de proteção atente contra a liberdade
sexual da vítima. Aqui andou bem o legislador impondo uma reprovação
mais severa.

As duas últimas causas de aumento de pena são
novidades, infelizmente a mulher, vítima de estupro pode vir a engravidar
e consequentemente, rejeitar o feto ou criança, pois sempre lhe trará
péssimas lembranças do dia da violência, tanto que o Código Penal
autoriza, neste caso, a prática do aborto, nos termos do art. 128, II, do
Código Penal.

A última se refere à possibilidade da vítima contrair
doença sexualmente transmissível do autor do crime. Nesse caso, o
legislador exigiu a real e efetiva transmissão da doença, sendo
responsabilidade o agente que sabe ou deveria saber estar acometido da
moléstia grave.

A polêmica nesta questão é identificar se a expressão
deve saber tem natureza de culpa ou dolo eventual. Majoritariamente,
consideramos que a expressão deve saber tem natureza de dolo eventual,
pois quando o legislador deseja fazer menção de responsabilidade a título
de culpa o faz expressamente, nos termos do parágrafo único do art. 18
do Código Penal.

1.4 Do Concurso de Crimes.

Inicialmente farei alusão ao concurso de crimes no
sistema antigo. Antes da vigência da lei 12.015/09 o agente que no
mesmo contexto fático praticasse conjunção carnal e ato libidinoso
poderia responder por dois crimes em concurso material ou dependendo
da situação por dois crimes em continuidade delitiva.

Havia certa controvérsia, tanto da doutrina quando na
jurisprudência ora entendendo que a conjunção carnal e o ato libidinoso
resultariam na prática de dois crimes, pois não existiria continuidade
delitiva, pois tratava-se de crimes de espécies distintas.

Com a publicação da lei 12.015/09 sugiram duas
correntes. A primeira defendendo que a prática da conjunção carnal e do
ato libidinoso no mesmo contexto fático seria crime único, pois tratava-se
de tipo penal alternativo ou crime de ação múltipla ou conteúdo variado,
significa que a prática de um ou de vários verbos constantes no tipo penal
resultaria na prática de crime único.
Porém havia quem sustentasse que o crime de estupro,
com a atual redação dada pela lei 12.015/09, era tipo penal cumulativo,
ou seja, apesar da descrição plurinuclear a prática dos vários verbos do
tipo penal resultaria em uma pluralidade de crime, dependendo da
situação haveria continuidade delitiva. Embora minoritária esta corrente
era sustentada pela Sexta Turma do STJ.

A doutrina, amplamente dominante, sempre sustentou
que a atual redação do art. 213, do CP, a classificação do tipo penal como
sendo crime alternativo ou crime de ação múltipla ou conteúdo varia.

Hoje esta posição também vem sendo seguida pelo STF
e STJ.

Outra questão diz respeito aos crimes praticados antes
da vigência da lei 12.015/09. Tratando-se de lei que determinou a
incorporação do art. 214 pelo art. 213 não resta dúvida que acabou
beneficiando o réu, assim o juiz deverá ajustar o processo em tramitação
ao conteúdo da nova lei.

Agora se a decisão já foi transitada em julgada, caberá
ao juiz da execução penal fazer os devidos ajustes, nos termos do art. 66,
I, da LEP c/c o verbete da súmula 611 do STF.

É importante frisarmos que tanto o STJ quanto o STF
vem admitindo continuidade delitiva no crime de estupro, mesmo com a
nova redação, basta imaginarmos o agente que teve conjunção carnal com
a vítima em um determinado dia e posteriormente praticou atos de
libidinagem. É claro que a decisão dependerá da análise dos requisitos
subjetivos e objetivos do art. 71, do CP.
Assim diante das decisões e de uma análise teorizada,
podemos concluir que o crime de estupro é crime de ação plurinuclear, ou
seja, a prática de um ou de vários núcleos do tipo penal resultará na
prática de delito único. Agora, caso seguíssemos a corrente minoritária,
seria possível concluirmos pela pluralidade de crimes, desde que
adotássemos a corrente que entende que o crime é tipo penal cumulativo.

1.5 Das Ações Penais.

Antes da vigência da lei 12.015/09, o crime de estupro,
a rigor, era crime de ação penal privada, sendo pública condicionada
quando a vítima ou seus pais fosse pobre e não pudesse prover às
despesas do processo, sem privar-se de recursos indispensáveis à
manutenção própria ou familiar, por fim era de ação penal pública
incondicionada quando o crime fosse praticado por quem detivesse o
poder familiar, ou na qualidade de padrasto, tutor ou curador.

Havia ainda a possibilidade de a ação ser penal pública
incondicionada quando o crime fosse praticado mediante violência real,
nos termos do verbete da súmula 608/STF.

Agora o art. 225, do CP, prevê que a ação penal será,
em regra, pública condicionada à representação ou quando o crime for
praticado contra vulnerável ou pessoa menor de 18 anos a ação será
pública incondicionada.

A redação do art. 225, do CP, não é a das melhores,
mas é possível concluirmos que atualmente, em regra, a ação nos crimes
descritos no capítulo I, tem natureza de ação penal pública condicionada,
enquanto os crimes descritos no capítulo II serão promovidos mediante
ação penal pública incondicionada.

Não obstante, o caput do artigo mencionar que os
crimes descritos nos capítulos I e II são de ação penal pública
condicionada à representação, o certo é que todos os delitos do capítulo II
são de ação penal pública incondicionada, pois o espírito da lei foi o de
tornar mais rigorosa a intervenção do Estado nos crimes contra
vulneráveis.

Há ainda a discussão se o teor da súmula 608/STF
encontra-se superado ou não, pois o art. 225, caput, do CP,
expressamente determinou que a ação nos crimes descritos no capítulo I,
dependerá de representação da vítima, isto significa dizer em outros
termos, o crime praticado mediante violência ou grave ameaça contra
maiores de dezoito anos será de ação penal pública condicionada a
representação?

Os mais precipitados poderiam concluir que sim, mas
esta não é a melhor interpretação para o problema. Um, o intuito do
legislador foi dar tratamento mais rigoroso ao crime contra dignidade
sexual. Dois co crime cometido mediante violência é crime complexo e,
portanto, de ação penal pública incondicionado. Três, atualmente, o STJ e
STF ainda vêm decidindo no sentido da aplicação da súmula 608/STF.

Assim, podemos concluir no seguinte sentido, que a
ação penal pública condicionada ficará restrita aos casos de grave ameaça,
já em relação aos crimes cometidos com violência, vulneráveis ou
menores de 18 anos a ação penal será pública incondicionada.
Bem, percebemos que a natureza da ação penal foi
alterada com a vigência da lei 12.015/09. Agora como ficam os processos
que já estão em andamento e foram promovidos mediante ação penal
privada ou ação penal pública condicionada à representação?

A questão, a priori, nos remete a ideia de que a
alteração da natureza da ação é matéria ou norma de natureza formal,
assim diante do art. 2°, caput, do CPP, haverá aplicação imediata da
norma ao processo que está em trâmite, preservando válidos os atos
praticados na vigência da lei antiga.

Mas o problema não é tão simples como parece, a lei
que altera a natureza da ação penal, envolve invariavelmente o direito de
punir, assim antes de definirmos se a atual lei atingirá o processo, é
imprescindível analisarmos se a lei beneficiará ou não o réu.

Imaginemos o seguinte, o processo iniciou-se com ação
penal privada, mas durante a fase de instrução a lei alterou a natureza da
ação para pública condicionada à representação. Se baixássemos o
processo para que a vítima representasse no sentido de legitimar o
Ministério Público a prosseguir no processo, estaríamos privando o réu
das possibilidades que a natureza da ação penal poderia acarretar, como
por exemplo, extinção da punibilidade por perempção, nos termos do art.
60, do CPP. Dessa maneira, entendemos que a ação penal privada que
apura o crime de estupro deve prosseguir privada, podendo, por exemplo,
o réu ser beneficiado, dependendo do caso, com uma desistência do
querelante, logo haveria extinção da punibilidade ao passo que se a ação
se transmudasse para ação penal pública condicionada à representação o
réu suportaria conseqüências muito mais drásticas, como por exemplo, a
impossibilidade do Ministério Público dispor da ação.
1.6 Dos Crimes Contra Vulneráveis.

Como disse durante nossas aulas, os crimes de violação
sexual mediante fraude e assédio sexual, são crimes que quase não tem
incidência. Mas para que possamos apenas ter noções gerais, basta
imaginarmos que um irmão gêmeo desejando ter conjunção carnal com a
namorada do outro irmão faz se passar pelo verdadeiro namorado, ou
seja, seu irmão. Neste caso, ele responderia por violação sexual mediante
fraude.

Existe ainda um exemplo interessante, a prostituta
pode ser, sem problema algum, vítima de crimes sexuais, mas imaginamos
que o agente para ter conjunção carnal com a prostituto se propõe a dar
uma quantia substancial em dinheiro para ela ao final do programa. Após
a prestação sexual o agente deixa de pagar o programa, neste caso como
a conjunção carnal foi obtida mediante erro, o agente responderá por
violação sexual mediante fraude.

Voltando ao objetivo principal de nosso estudo, a lei
12.015/09 revogou expressamente o art. 224, do CP que previa a hipótese
estupro ou atentado violento ao pudor presumido.

Agora diante do novo cenário, foi criado um crime
autônomo para tutelar os menores de quatorze anos, pessoas que estão
em enfermidade ou doentes mentais e ainda quando a vítima tiver sua
capacidade de resistência reduzida.

Dessa forma, a lei 12.015/09 criou um novo capítulo
que se trata dos crimes contra os vulneráveis, basicamente o capítulo II
criou os crimes de estupro de vulnerável, corrupção de menores,
satisfação da lascívia na presença de criança ou adolescente e o crime de
favorecimento da prostituição ou qualquer outra forma de exploração
sexual de vulneráveis.

Inicialmente, o crime de estupro de vulnerável estaria
caracterizado quando o agente mantivesse conjunção carnal com vítima
menor de quatorze anos, que esteja acometida de enfermidade ou doença
mental, bem como tenha sua capacidade de resistência reduzida.

Percebe que o dispositivo penal descrito no art. 217-A
não exige o emprego de violência ou grave ameaça para que exista o
delito, e considerar viciado o consentimento.

Dessa forma, ocorrerá o crime de estupro de vulnerável
mesmo que a vítima consinta que o agente tenha conjunção carnal com
ela o pratique qualquer outro ato de libidinagem.

A polêmica quanto ao estupro de vulnerável concentrase em saber se a presunção de violência é absoluta ou relativa, isto
significa, que será possível ou não prova do consentimento por parte da
vítima.

Segundo Rogério Greco, a questão perdeu razão de
existir, pois quando o legislador criou um crime autônomo para tutelar os
crimes contra vulneráveis, mormente os menores de quatorze anos, ele
definiu o intuito de considerar o crime como sendo de presunção
absoluta, ou seja, independe de prova do consentimento da vítima.
O STF e o STJ entendem que a presunção do crime é
absoluta, portanto independe da prova do consentimento ou não da
vítima, assim o crime existirá mesmo que vítima permita a prática da
conjunção carnal.

Não obstante, de fato a presunção se absoluta, não
podemos desprezar as singularidades que o caso concreto poderá
apresentar, por exemplo, agente que de longa data já namorava a vítima.
Assim, o fato de considerarmos o crime como de presunção absoluta, isto
não impede o intérprete de flexibilizar a norma atendendo as
características especiais do caso concreto.

Nota que a conclusão não permite considerarmos que o
consentimento seja relativizado, pelo contrário, a presunção é absoluta,
apenas haverá flexibilidade ante as peculiaridades do caso concreto. Logo,
com a permissa venia dos que entendem de modo diverso, entendo que
mesmo com a publicação da lei 12.015/09 haverá discussão a respeito da
presunção absoluta ou relativa do consentimento no crime de estupro de
vulnerável.

Note que antes de nos aprofundarmos no estudo de
estupro de vulnerável, mencionamos que o delito não é cometido
mediante violência ou grave, pois basta a conjunção carnal ou o ato de
libidinagem, mesmo com o consentimento da vítima, é suficiente para
existência do crime. Mas e se houver emprego de violência ou grave
ameaça, como ficaria o caso?

Não seria possível admitirmos que neste caso o crime
seria de estupro simples, pois a lei certamente veio tutelar mais
rigorosamente aqueles que cometem crimes contra vulneráveis, por outro
lado, estaríamos promovendo indiretamente que o agente, ao invés de
praticar o crime sem violência, empregasse como forma de alcançar seu
desejo sexual.

Desse modo, entendemos que aquele que empregar
violência ou grave ameaça contra vulnerável para ter conjunção carnal ou
qualquer outro ato de libidinagem deverá responder pelos crimes de
estupro de vulnerável em concurso material com o crime de
constrangimento ilegal.

Não podemos nos furtar que aquela discussão do crime
de estupro presumido ser ou não hediondo acabou, pois a lei 12.015/09
inseriu expressamente o crime de estupro de vulnerável no art. 1°, da Lei
8.072/90.

Agora a polêmica se concentra na possibilidade de
incidência ou não da causa de aumento de pena descrita no art. 9°, da lei
8.072/90. Alguns doutrinadores, entendiam que a causa de aumento de
pena prevista na lei de crimes hediondos representaria um bis in idem,
pois serviria como elementar do tipo penal e posteriormente como causa
de aumento de pena. Os tribunais, principalmente, o STF entendia no
sentido de não haver a duplicidade, pois elementar do tipo penal e
circunstância de causa de aumento de pena tem natureza jurídica
distintas.

Atualmente, como a nova lei revogou o art. 224, do CP,
não haverá mais necessidade de permanecer a discussão, não havendo
incidência da causa de aumento de pena descrita no art. 9°, da lei
8.072/90.
Recentemente, o STF determinou o juízo das Execuções
Penais ajustar a condenação do réu ao novo entendimento que considera
que a causa de aumento de pena da lei de crimes hediondos está
revogada pela lei 12.015/90.

Quanto as discussões das qualificadoras, embora sejam
autônomas, previstas no próprio art. 217-A, remetemos o leitor as
problemáticas das qualificadoras do estupro, do mesmo modo com
relação a tentativa e momento consumativo.

1.7 Da Corrupção de Menores.

O art. 218 teve o conteúdo totalmente alterado pela lei
12.015/09, inicialmente, o crime de corrupção de menores era praticado
quando o agente corrompia ou facilitava a corrupção de pessoa maior de
quatorze anos e menor de dezoito anos, com ela praticando ato de
libidinagem, ou induzindo-o a praticar ou presenciar.

Infere-se da nova redação uma modalidade especial de
lenocínio, quando o agente induz alguém menor de quatorze anos a
satisfazer a lascívia de outrem. O art. 227, do CP prevê o crime de
Mediação Para Servir a Lascívia de Outrem.

O legislador, embora tenha preservado o nomen júris
da corrupção de menores, o crime de fato é de mediação para servir a
lascívia de outrem tendo como vítima uma pessoa menor de quatorze
anos.
Assim, houve o que denominamos de abolitio criminis
com a antiga forma da corrupção de menores, pois atualmente o crime
existirá quando alguém convencer um menor de quatorze anos a
satisfazer a lascívia de uma terceira pessoa.

A lascívia descrita pelo legislador consiste em qualquer
forma de atividade ligada ao sexo, ou seja, qualquer comportamento de
natureza sexual, que tenha por finalidade realizar os desejos libidinosos de
alguém.

É importante que o agente convença a vítima a
satisfazer o desejo sexual de pessoa determinada, pois do contrário o
crime deixa de ser corrupção de menores para caracterizar o delito de
favorecimento da prostituição ou outra forma de exploração sexual.

Não podemos nos distanciarmos da ideia que o delito é
restrita a atividade contemplativa, pois se houver a conjunção carnal ou
qualquer outra forma de ato de libidinagem o crime deixa de ser
corrupção para caracterizar o crime de estupro de vulnerável.

Neste ponto, se o terceiro tiver contato físico com a
menor de quatorze anos o crime será o de estupro de vulnerável ou
estupro, se for previsível em relação ao agente que convenceu a menor,
haverá participação em crime de estupro de vulnerável ou estupro
simples. Não esqueça a possibilidade de participação em crime menos
grave, assim poderá o sujeito que induziu a menor responder pela
corrupção, mesmo com o contato físico, nos termos do art. 29, § 2° do CP.
1.8 Satisfação de Lascívia Mediante Presença de Criança ou Adolescente.

O art. 218-A corrigiu uma imperfeição que havia na
redação do art. 218, do CP, ante a previsão que tutelava apenas os
maiores de quatorze anos e menores de 18 anos, dessa forma quando o
agente obrigasse a vítima menor de quatorze apenas a presenciar o ato de
libidinagem o fato era atípico, muito forçosamente poderíamos
caracterizá-lo como crime de constrangimento ilegal.

Agora diante da nova redação, comete o crime quem
praticar na presença de alguém menor de quatorze anos, ou induzir a
presenciar, conjunção carnal ou outro ato libidinoso, a fim de satisfazer
lascívia própria ou de outrem.

Para que ocorra o crime em estudo, é necessário que o
agente esteja praticando a conjunção carnal ou outro ato de libidinoso na
presença de menor de quatorze anos, sendo irrelevante a consciência do
menor.

A finalidade do agente, ao permitir ou a induzir que o
menor assista a prática dos atos sexuais pode ser tanto dirigida à
satisfação da sua própria lascívia, como de terceiros.

O crime se consuma quando o menor efetivamente
presencia a prática da conjunção carnal ou outro ato libidinoso,
satisfazendo a lascívia do agente que pratica os atos sexuais, ou mesmo de
terceiro.
1.9 Favorecimento da Prostituição ou Outra Forma de Exploração Sexual
de Vulnerável.

Por fim, chegamos ao estudo especial do crime de
favorecimento da prostituição. O art. 218-B descreve o Favorecimento da
Prostituição de Vulnerável. Quando a vítima não for considerada
vulnerável o crime estará previsto no art. 228, do CP.

Pratica o crime o sujeito que submete, induz ou atrai à
prostituição ou outra forma de exploração sexual alguém menor de
dezoito anos ou, que por enfermidade ou deficiência mental, não tem o
necessário discernimento para prática do ato, ou ainda, facilita, impede ou
dificulte que abandone.

Infere-se do núcleo do tipo penal que submeter
consiste em sujeitar à vítima à prostituição. Induzir ou atrair acaba sendo
faces de uma mesma moeda, pois convencer ou estimular à prostituição
não deixa de ter sentido único. Ocorre a facilitação quando o agente
proporciona meios eficazes de exercer a prostituição. Também configura o
crime quando o sujeito impede ou dificulte que a vítima abandone a
prostituição, neste caso os exemplos são farto e notoriamente
conhecidos, como por exemplo, a atividade extorsão relativas as eventuais
dívidas de hospedagem.

Quando o tipo penal menciona qualquer outra forma
de exploração sexual, significa que haverá crime quando a vítima
trabalhasse em casa de streap-tease, disque sexo etc.
O crime é tipo penal alternativo ou crime de ação
múltipla ou de conteúdo variado, isto significa que a prática de um núcleo
do verbo do tipo ou de vários resultará em crime único.

Note que o dispositivo penal menciona que haverá
crime quando o agente, por exemplo, convença alguém menor de 18 anos
à prostituição, mas existe um limite de idade no tipo penal. Desse forma, o
sujeito somente poderá cometer o crime quando a vítima for menor de 18
anos e maior de 14 anos, do contrária estriamos diante de participação de
estupro de vulnerável ou corrupção de menores dependendo do caso.

Não obstante o crime se consume com a simples
entrega ao comércio carnal, entendemos que deverá ter uma
habitualidade, isto significa que o crime é instantâneo, mas a atividade
carnal deverá ser habitual, pois inexiste prostituição eventual.

Devemos tomar cuidado que majoritariamente, os
doutrinadores entendem que a entrega a um único cliente seria suficiente
para haver o crime.

O art. 218-B inseriu ainda em nosso ordenamento duas
formas equiparadas de praticar o crime, quais sejam, quem pratica
conjunção carnal ou outro ato libidinoso com alguém menor de 18 anos e
maior de 14 anos na situação descrita no caput do artigo e quando o
proprietário, o gerente ou o responsável do local permita que se
verifiquem as práticas referidas no caput do art. 218-B.

O legislador visou punir também que não facilita mas
mantém relacionamento com alguém maior de 14 anos e menor de 18
anos, na verdade é uma forma de inibir o incentivo à prostituição. Houve
ainda a previsão do inciso II, do § 2°, do art. 218-B para coibir o turismo
sexual.

Por fim, cabe mencionar que o proprietário, gerente ou
responsável do local onde ocorrer à prática das atividades descritas no art.
218-B perderá a licença de localização e de funcionamento do
estabelecimento, consoante o § 3°, do art. 218-B. Apenas tome cuidado
que, embora o efeito seja obrigatório, o julgador deverá fazer menção a
ele em sua sentença, apontando o estabelecimento onde eram levadas a
efeito as condutas previstas pelo caput do art. 218-B. A sua omissão
poderá ser suprida pela via dos embargos de declaração.

1.1.1 Jurisprudência.
Estupro e atentado violento ao pudor: continuidade delitiva - 1
A 1ª Turma concedeu, de ofício, habeas corpus para incumbir ao juízo da execução a tarefa de
enquadrar o caso ao cenário jurídico trazido pela Lei 12.015/2009, devendo, para tanto, proceder à nova
dosimetria da pena fixada e afastar o concurso material entre os ilícitos contra a dignidade sexual,
aplicando a regra da continuidade (CP, art. 71, parágrafo único: “Nos crimes dolosos, contra vítimas
diferentes, cometidos com violência ou grave ameaça à pessoa, poderá o juiz, considerando a
culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e a personalidade do agente, bem como os motivos e as
circunstâncias, aumentar a pena de um só dos crimes, se idênticas, ou a mais grave, se diversas, até o
triplo, observadas as regras do parágrafo único do art. 70 e do art. 75 deste Código”). Na situação dos
autos, pleiteava-se a exclusão da causa de aumento de pena prevista no art. 9º da Lei 8.072/90 (Lei dos
Crimes Hediondos) a condenado pela prática dos crimes de estupro e atentado violento ao pudor contra
menores de 14 anos. A impetração argumentava que: a) a aplicação da referida causa especial de aumento
com a presunção de violência decorrente da menoridade das vítimas, sem a ocorrência do resultado lesão
corporal grave ou morte, implicaria bis in idem, porquanto a violência já teria incidido na espécie como
elementar do crime; e b) o art. 9º daquela norma estaria implicitamente revogado após o advento da Lei
12.015/2009.
HC 103404/SP, rel. Min. Dias Toffoli, 14.12.2010. (HC-103404)

Estupro e atentado violento ao pudor: continuidade delitiva - 2
Inicialmente, a Turma, por maioria, vencido o Min. Marco Aurélio, não conheceu do writ, ao
fundamento de que a apreciação da matéria sob o enfoque da nova lei acarretaria indevida supressão de
instância. Salientou-se, no entanto, a existência de precedentes desta Corte segundo os quais não
configuraria bis in idem a aludida aplicação da causa especial de aumento de pena. Ademais, observaramse recentes posicionamentos das Turmas no sentido de que, ante a nova redação do art. 213 do CP, teria
desaparecido o óbice que impediria o reconhecimento da regra do crime continuado entre os antigos
delitos de estupro e atentado violento ao pudor. Por fim, determinou-se que o juízo da execução enquadre
a situação dos autos ao atual cenário jurídico, nos termos do Enunciado 611 da Súmula do STF
(“Transitada em julgado a sentença condenatória, compete ao juízo das execuções a aplicação de lei
mais benigna”). Alguns precedentes citados: HC 102355/SP (DJe de 28.5.2010); HC 94636/SP (DJe de
24.9.2010).
HC 103404/SP, rel. Min. Dias Toffoli, 14.12.2010. (HC-103404)
Estupro e Atentado Violento ao Pudor: Lei 12.015/2009 e Continuidade Delitiva
Em observância ao princípio constitucional da retroatividade da lei penal mais benéfica (CF, art. 5º,
XL), deve ser reconhecida a continuidade delitiva aos crimes de estupro e atentado violento ao pudor
praticados anteriormente à vigência da Lei 12.015/2009 e nas mesmas condições de tempo, lugar e
maneira de execução. Com base nesse entendimento, a Turma concedeu habeas corpus de ofício para
determinar ao juiz da execução, nos termos do enunciado da Súmula 611 do STF, que realize nova
dosimetria da pena, de acordo com a regra do art. 71 do CP. Tratava-se, na espécie, de writ no qual
condenado em concurso material pela prática de tais delitos, pleiteava a absorção do atentado violento ao
pudor pelo estupro e, subsidiariamente, o reconhecimento da continuidade delitiva. Preliminarmente, não
se conheceu da impetração. Considerou-se que a tese defensiva implicaria reexame de fatos e provas,
inadmissível na sede eleita. Por outro lado, embora a matéria relativa à continuidade delitiva não tivesse
sido apreciada pelas instâncias inferiores, à luz da nova legislação, ressaltou-se que a citada lei uniu os
dois ilícitos em um único tipo penal, não mais havendo se falar em espécies distintas de crimes. Ademais,
elementos nos autos evidenciariam que os atos imputados ao paciente teriam sido perpetrados nas
mesmas condições de tempo, lugar e maneira de execução.
HC 96818/SP, rel. Min. Joaquim Barbosa, 10.8.2010. (HC-96818)

RELATOR: MIN. CEZAR PELUSO
RELATÓRIO
O SENHOR MINISTRO CEZAR PELUSO - (Relator): Trata-se de habeas corpus impetrado pela PROCURADORIA-GERAL
DO ESTADO DE SÃO PAULO em favor de **, contra decisão proferida no RE nº 718.121 do Superior Tribunal de Justiça.
O paciente foi condenado pelos delitos previstos nos artigos 213 e 214, na forma do art. 69, todos do Código Penal, à pena de
12 (doze) anos de reclusão, em regime integral fechado (fl. 40).
Houve apelação da defesa, e o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo reconheceu a continuidade delitiva, reduzindo a
pena para sete anos de reclusão em regime inicial fechado (fl. 47).
Dessa decisão recorreu o Ministério Público, e o STJ deu-lhe provimento ao recurso para repelir a continuidade delitiva entre
os crimes de estupro e atentado violento ao pudor e restabelecer o regime integralmente fechado para o cumprimento da pena, em
decisão monocrática assim ementada:
“RECURSO ESPECIAL. PENAL. CRIMES HEDIONDOS. PROGRESSÃO DE REGIME. IMPOSSIBILIDADE. ART.
2º, § 1º, LEI 8.072/90. INAPLICABILIDADE DA LEI 9.455/97. SÚMULA 698 DO STF. ESTUPRO E ATENTADO
VIOLENTO AO PUDOR. APLICAÇÃO DO ART. 71 DO CP. IMPOSSIBILIDADE. DELITOS DE ESPÉCIES DISTINTAS.
PRECEDENTES. RECURSO PROVIDO” (fl. 48).
Alega, a defesa, a existência de duplo constrangimento ilegal, diante do não-reconhecimento da continuidade entre os delitos
e da vedação à progressão de regime.
Requer seja restabelecida a decisão do Tribunal de Justiça, reconhecendo-se a continuidade delitiva e o cumprimento da pena
em regime inicialmente fechado.
Concedi parcialmente a liminar, para reconhecer o direito à progressão de regime (fls. 55-56).
A Procuradoria-Geral da República opinou pela concessão parcial do writ, apenas para afastar o óbice à progressão de regime
(fls. 84-90).
É o relatório.
VOTO

O SENHOR MINISTRO CEZAR PELUSO - (Relator): 1. O Plenário desta Corte, no julgamento do HC nº 86.238 (Rel.
p/ac. Min. RICARDO LEWANDOWSKI, j. 18/06/2009) assentou, contra meu voto, que se não admite reconhecimento de crime
continuado entre os delitos de estupro e de atentado violento ao pudor, ainda que presentes os requisitos conceptuais que se devem
extrair do art. 71 do Código Penal (cf. ainda HC nº 89.770, Rel. Min. EROS GRAU, DJ 06/11/2006; HC nº 83.453, Rel. Min.
CARLOS VELLOSO, DJ 24/10/2003; HC nº 75.451, Rel. Min. NERI DA SILVEIRA, DJ 02/06/2000; HC nº 74.630, Rel. Min.
ILMAR GALVÃO, DJ 07/03/1997; HC nº 70.334, Rel. Min. SYDNEY SANCHES, DJ 27/05/1994; RE nº 111.083, Rel. Min.
ALDIR PASSARINHO, DJ 15/04/1987; RE nº 103.161, Rel. Min. OSCAR CORRÊA, DJ 21/09/1984).
Entendo, contudo, que o debate adquiriu nova relevância com o advento da Lei nº 12.015/2009, que, entre outras alterações
no Título VI do Código Penal, lhe unificou as redações dos antigos arts. 213 e 214 em um tipo único, verbis:
“Art. 213. Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou
permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso.
Pena – reclusão, de 6 (seis) a 10 (dez) anos.”
Conquanto mantenha o nomen juris, a redação do novo tipo penal “descreve e estabelece uma única ação ou conduta do
sujeito ativo, ainda que mediante uma pluralidade de movimentos. Há somente a conduta do agente de constranger alguém,
mediante violência ou grave ameaça”. Ademais, “é de vital importância observar que o constrangimento é dirigido a que a vítima
pratique ou deixe que com ela se pratique atos libidinosos, sejam eles de qualquer espécie, seja através de conjunção carnal, seja
através de coito anal, seja através de felação etc., já que tais modalidades nada mais são do que espécies do gênero ato libidinoso,
e, tanto isso é verdade, que o tipo penal em questão é explícito ao mencionar conjunção carnal ou outro ato libidinoso, a
confirmar, pois, tal afirmação”.
Como se vê, a alteração legislativa repercute decisivamente no debate. Ora, se o impedimento para reconhecer a continuidade
delitiva entre o estupro e o atentado violento ao pudor residia tão-somente no fato de não serem crimes da mesma espécie,
entendidos, pela ilustrada maioria, como fatos descritos pelo mesmo tipo penal, tal óbice foi removido pela edição da nova lei.
Pode-se extrair, daí, que o novo tipo penal vai além da mera junção dos tipos anteriores, na medida em que integra todas as
espécies de atos libidinosos praticados num mesmo contexto fático, sob mesmas circunstâncias e contra a mesma vítima. Isso
significa que a nova lei torna possível o reconhecimento da continuidade delitiva entre os antigos delitos de estupro e atentado
violento ao pudor, quando praticados nas mesmas circunstâncias, sem prejuízo do entendimento da Corte de reduzir conceitualmente
a figura à identidade de espécie dos crimes.
Nesse sentido, entende MATHEUS SILVEIRA PUPO, em recentíssimo artigo:
“[A]glutinando aqueles dois crimes em um único dispositivo, certamente se terá como repercussão prática a
mudança no entendimento quase pacífico no âmbito dos Tribunais Superiores, não reconhecendo a existência de crime
continuado entre o antigo estupro e o atentado violento ao pudor, afora as hipóteses de praeludia coiti, sob o argumento de
que não seriam crimes da mesma espécie, ainda que praticados nas mesmas condições de tempo, lugar e maneira de
execução.
Afinal, doravante, o óbice intransponível apontado por esta corrente – tratar-se de crimes antevistos em tipos
diferentes – deixou de existir, pois as duas condutas, antes autônomas, estão agora tratadas na mesma figura penal.
Por ser assim, quando perpetrados nas mesmas condições de locus, tempus e modus operandi, nos termos do artigo
71 do Código Penal, deverá ser reconhecida a existência de crime continuado, quanto às condutas que antes recebiam o
nomen iuris de estupro e de atentado violento ao pudor, hoje contempladas no artigo 213, caput, da Lei Penal.”
2. Está claro, pois, que a Lei nº 12.015/09 constitui lei penal mais benéfica, donde aplicar-se retroativamente, nos termos do
art. 5º, XL, da Constituição Federal, e art. 2º, parágrafo único, do Código Penal.
E, como visto, é incontroverso que os fatos imputados ao ora paciente foram cometidos nas mesmas circunstâncias de
tempo, modo e local e contra a mesma vítima, razão por que, aliás, a continuidade já havia sido reconhecida pelo Tribunal local.
Afastada, pois, a base legal da decisão ora impugnada, deve restabelecida a decisão do Tribunal de Justiça.
3. Quanto ao regime de cumprimento de pena também lhe assiste razão ao paciente.
Como já asseverei em sede liminar, o Plenário, no julgamento do HC nº 82.959 (Rel. Min. MARCO AURÉLIO, DJ
01/09/2006), declarou “a inconstitucionalidade do § 1o do artigo 2o da Lei nº 8.072, de 25 de julho de 1990”, o que afasta, para
efeito de progressão de regime, o obstáculo representado por essa norma tida por inválida.
E, como os fatos ocorreram antes da entrada em vigor da Lei nº 11.464/07, incide a regra do art. 112 da Lei de Execução
Penal (HC nº 91.631, Rel. Min. CÁRMEN LÚCIA, DJ 09.11.2007; HC nº 92.410, Rel. Min. MENEZES DIREITO, DJ
01.02.2008; HC nº 89.699, Rel. Min. CEZAR PELUSO, DJ 09/05/2008), sem prejuízo da apreciação, pelo magistrado competente,
nos termos do art. 66, inc. III, alínea b, da LEP, dos demais requisitos de admissibilidade de progressão de regime prisional.
4. Diante do exposto, concedo a ordem para restabelecer o acórdão proferido pelo Tribunal local, que fixou a pena do
paciente em 7 (sete) anos de reclusão, em regime inicialmente fechado.

Lei 12.015/2009: Estupro e Atentado Violento ao Pudor
A Turma deferiu habeas corpus em que condenado pelos delitos previstos nos artigos 213 e 214, na
forma do art. 69, todos do CP, pleiteava o reconhecimento da continuidade delitiva entre os crimes de
estupro e atentado violento ao pudor. Observou-se, inicialmente, que, com o advento da Lei 12.015/2009,
que promovera alterações no Título VI do CP, o debate adquirira nova relevância, na medida em que
ocorrera a unificação dos antigos artigos 213 e 214 em um tipo único [CP, Art. 213: “Constranger
alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com
ele se pratique outro ato libidinoso: (Redação dada pela Lei nº 12.015, de 2009).”]. Nesse diapasão, por
reputar constituir a Lei 12.015/2009 norma penal mais benéfica, assentou-se que se deveria aplicá-la
retroativamente ao caso, nos termos do art. 5º, XL, da CF, e do art. 2º, parágrafo único, do CP.
HC 86110/SP, rel. Min. Cezar Peluso, 2.3.2010. (HC-86110)

Quinta Turma
CONTINUIDADE DELITIVA. ESTUPRO. ATENTADO VIOLENTO.
PUDOR.
Trata-se, entre outras questões, de saber se, com o advento da Lei n.
12.015/2009, há continuidade delitiva entre os atos previstos antes
separadamente nos tipos de estupro (art. 213 do CP) e atentado violento ao
pudor (art. 214 do mesmo codex), agora reunidos em uma única figura típica
(arts. 213 e 217-A daquele código). Assim, entendeu o Min. Relator que
primeiramente se deveria distinguir a natureza do novo tipo legal, se ele seria
um tipo misto alternativo ou um tipo misto cumulativo. Asseverou que, na
espécie, estaria caracterizado um tipo misto cumulativo quanto aos atos de
penetração, ou seja, dois tipos legais estão contidos em uma única descrição
típica. Logo, constranger alguém à conjunção carnal não será o mesmo que
constranger à prática de outro ato libidinoso de penetração (sexo oral ou anal,
por exemplo). Seria inadmissível reconhecer a fungibilidade (característica dos
tipos mistos alternativos) entre diversas formas de penetração. A fungibilidade
poderá ocorrer entre os demais atos libidinosos que não a penetração, a
depender do caso concreto. Afirmou ainda que, conforme a nova redação do
tipo, o agente poderá praticar a conjunção carnal ou outros atos libidinosos.
Dessa forma, se praticar, por mais de uma vez, cópula vaginal, a depender do
preenchimento dos requisitos do art. 71 ou do art. 71, parágrafo único, do CP,
poderá, eventualmente, configurar-se continuidade. Ou então, se constranger
vítima a mais de uma penetração (por exemplo, sexo anal duas vezes), de igual
modo, poderá ser beneficiado com a pena do crime continuado. Contudo, se
pratica uma penetração vaginal e outra anal, nesse caso, jamais será possível a
caracterização de continuidade, assim como sucedia com o regramento
anterior. É que a execução de uma forma nunca será similar à de outra, são
condutas distintas. Com esse entendimento, a Turma, ao prosseguir o
julgamento, por maioria, afastou a possibilidade de continuidade delitiva entre
o delito de estupro em relação ao atentado violento ao pudor. HC 104.724-MS,
Rel. originário Min. Jorge Mussi, Rel. para acórdão Min. Felix Fischer,
julgado em 22/6/2010.
Informativo nº 0434
Período: 10 a 14 de maio de 2010.
Sexta Turma
ATENTADO. PUDOR. MENORES. CONTINUIDADE DELITIVA.
O paciente atraiu uma adolescente de 13 anos ao interior de seu
estabelecimento comercial, como o objetivo de praticar atentado violento ao
pudor contra ela. Para tanto, utilizou-se do seguinte expediente: seu empregado
beijou a vítima, e o paciente, simulando fúria, disse à vítima que sua loja
possuía circuito interno de televisão e que, caso não fizesse tudo o que lhe
fosse determinado, enviaria o filme, com a cena gravada, a seus pais. Com esse
mesmo ardil, tempos depois, constrangeu uma adolescente de 16 anos à mesma
prática. Então, condenado às penas do crime dos arts. 214, c/c o 224, “a”, e
226, I, do CP (em suas antigas redações) e, de novo, às do art. 214 do CP
(também na redação primeva), buscou, mediante habeas corpus, o
reconhecimento da continuidade delitiva (art. 71 desse mesmo codex), além do
afastamento da pecha de hediondez atribuída aos crimes. Contudo, embora haja
semelhança no modus operandi, os delitos foram praticados contra diferentes
vítimas, em dias diversos, de maneira autônoma e isolada, sem a comprovação
de qualquer liame que vinculasse ambas as empreitadas criminosas. Dessarte,
não há falar em unidade de desígnios e, consequentemente, em crime
continuado, assemelhando-se a hipótese à habitualidade criminosa. Anote-se,
também, que o habeas corpus, tal como acolhido pela jurisprudência do STJ,
não se mostra adequado à verificação da existência de crime continuado, que
requer exame detalhado de provas sobre circunstâncias de tempo, lugar e modo
de execução dos crimes cometidos, além da análise de requisitos subjetivos.
Quanto ao tema da hediondez, a Turma, a partir do julgamento do HC 88.664-
GO, passou a afastá-la nos crimes de estupro ou atentado violento ao pudor
cometidos mediante violência presumida. Assim, o precedente não se aplica ao
crime praticado contra a vítima de 16 anos, porque cometido na forma simples.
Entretanto, também não se afasta a hediondez do delito praticado contra a de
13 anos, pois houve violência moral consistente na grave ameaça à vítima.
Com esse entendimento, a Turma, ao prosseguir o julgamento, por maioria,
negou provimento ao recurso. O voto vencido dava parcial provimento ao
recurso para reduzir a pena do crime praticado contra a vítima de 16 anos, ao
classificar os fatos como atentado ao pudor mediante fraude (antiga redação do
art. 216 do CP). Precedentes citados do STF: HC 96.790-SC, DJe 24/4/2009;
do STJ: REsp 799.013-MG, DJ 28/9/2009; HC 94.901-SP, DJe 5/5/2008; HC
44.389-SP, DJ 13/3/2006, e HC 88.664-GO, DJe 8/9/2009. RHC 22.800-SP, Rel.
Min. Og Fernandes, julgado em 11/5/2010 (ver Informativo n. 400).
Informativo nº 0422
Período: 8 a 12 de fevereiro de 2010.
Sexta Turma
ESTUPRO. ATENTADO VIOLENTO AO PUDOR. LEI N. 12.015/2009.
Trata-se de habeas corpus no qual se pleiteia, em suma, o reconhecimento de
crime continuado entre as condutas de estupro e atentado violento ao pudor,
com o consequente redimensionamento das penas. Registrou-se, inicialmente,
que, antes das inovações trazidas pela Lei n. 12.015/2009, havia fértil
discussão acerca da possibilidade de reconhecer a existência de crime
continuado entre os delitos de estupro e atentado violento ao pudor, quando o
ato libidinoso constituísse preparação à prática do delito de estupro, por
caracterizar o chamado prelúdio do coito (praeludia coiti), ou de determinar se
tal situação configuraria concurso material sob o fundamento de que seriam
crimes do mesmo gênero, mas não da mesma espécie. A Turma concedeu a
ordem ao fundamento de que, com a inovação do Código Penal introduzida
pela Lei n. 12.015/2009 no título referente aos hoje denominados “crimes
contra a dignidade sexual”, especificamente em relação à redação conferida ao
art. 213 do referido diploma legal, tal discussão perdeu o sentido. Assim,
diante dessa constatação, a Turma assentou que, caso o agente pratique estupro
e atentado violento ao pudor no mesmo contexto e contra a mesma vítima, esse
fato constitui um crime único, em virtude de que a figura do atentado violento
ao pudor não mais constitui um tipo penal autônomo, ao revés, a prática de
outro ato libidinoso diverso da conjunção carnal também constitui estupro.
Observou-se que houve ampliação do sujeito passivo do mencionado crime,
haja vista que a redação anterior do dispositivo legal aludia expressamente a
mulher e, atualmente, com a redação dada pela referida lei, fala-se em alguém.
Ressaltou-se ainda que, não obstante o fato de a Lei n. 12.015/2009 ter
propiciado, em alguns pontos, o recrudescimento de penas e criação de novos
tipos penais, o fato é que, com relação a ponto específico relativo ao art. 213
do CP, está-se diante de norma penal mais benéfica (novatio legis in mellius).
Assim, sua aplicação, em consonância com o princípio constitucional da
retroatividade da lei penal mais favorável, há de alcançar os delitos cometidos
antes da Lei n. 12.015/2009, e, via de consequência, o apenamento referente ao
atentado violento ao pudor não há de subsistir. Todavia, registrou-se também
que a prática de outro ato libidinoso não restará impune, mesmo que praticado
nas mesmas circunstâncias e contra a mesma pessoa, uma vez que caberá ao
julgador distinguir, quando da análise das circunstâncias judiciais previstas no
art. 59 do CP para fixação da pena-base, uma situação da outra, punindo mais
severamente aquele que pratique mais de uma ação integrante do tipo, pois
haverá maior reprovabilidade da conduta (juízo da culpabilidade) quando o
agente constranger a vítima à conjugação carnal e, também, ao coito anal ou
qualquer outro ato reputado libidinoso. Por fim, determinou-se que a nova
dosimetria da pena há de ser feita pelo juiz da execução penal, visto que houve
o trânsito em julgado da condenação, a teor do que dispõe o art. 66 da Lei n.
7.210/1984. HC 144.870-DF, Rel. Min. Og Fernandes, julgado em 9/2/2010.
Informativo nº 0400
Período: 22 a 26 de junho de 2009.
Sexta Turma
ESTUPRO. VIOLÊNCIA PRESUMIDA.
O ora paciente foi condenado, em primeiro grau, à pena de 8 anos e 7 meses de
reclusão pela prática de estupro contra menor de 14 anos de idade. O TJ deu
provimento à apelação da defesa, reduzindo a pena a 6 anos e 9 meses de
reclusão a ser cumprida integralmente no regime fechado, considerado o
caráter de hediondez desse delito, ainda que na forma de violência presumida.
No HC, alega-se não existirem elementos de convicção para condenação do
paciente e ainda se sustenta, subsidiariamente, falta de fundamentação à
exasperação da pena acima do mínimo legal; assim, pede-se sua absolvição.
Para o Min. Celso Limongi (Desembargador convocado do TJ-SP), um aspecto
que merece destaque prende-se a que, para boa interpretação da lei, é
necessário levar em consideração todo o arcabouço normativo, todo o
ordenamento jurídico do País. A interpretação da lei não prescinde do
conhecimento de todos os ramos do Direito. Mas uma visão abrangente desse
arcabouço facilita, e muito, o entendimento, bem como sua interpretação. Em
tal linha de raciocínio, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) precisa
ser analisado para enfrentar essa questão, qual seja, a de se saber se o estupro e
o atentado violento ao pudor por violência presumida se qualificam como
crimes e, mais, como crimes hediondos. Conforme o art. 2º daquele Estatuto, o
menor é considerado adolescente dos 12 aos 18 anos de idade, podendo até
sofrer medidas socioeducativas. Assim, se o menor, a partir de 12 anos, pode
sofrer tais medidas por ser considerado pelo legislador capaz de discernir a
ilicitude de um ato infracional, tido como delituoso, não se concebe, nos dias
atuais, quando os meios de comunicação em massa adentram todos os locais,
em especial os lares, com matérias alusivas ao sexo, que o menor de 12 a 14
anos não tenha capacidade de consentir validamente um ato sexual. Desse
modo, nesse caso, o CP, ao presumir a violência por não dispor a vítima menor
de 14 anos de vontade válida, está equiparando-a a uma pessoa portadora de
alienação mental, o que não é razoável, isso em pleno século XXI.
Efetivamente, não se pode admitir, no ordenamento jurídico, uma contradição
tão manifesta, qual seja, a de punir o adolescente de 12 anos de idade por ato
infracional, e aí válida sua vontade, e considerá-lo incapaz tal como um
alienado mental, quando pratique ato libidinoso ou conjunção carnal. Ademais,
não se entende hediondas essas modalidades de crime em que milita contra o
sujeito ativo presunção de violência. Isso porque a Lei de Crimes Hediondos
não contempla tais modalidades, ali se encontra, como crimes sexuais
hediondos, tão-só o estupro e o atentado violento ao pudor, nas formas
qualificadas. A presunção de violência está prevista apenas no art. 224, a, do
CP, e a ela a referida lei não faz a mínima referência. E, sem previsão legal,
obviamente não existe fato típico, proibida a analogia contra o réu. Com esses
argumentos, entre outros, a Turma, ao prosseguir o julgamento, por maioria,
concedeu a ordem para desconstituir a decisão que condenou o paciente como
incurso nas penas do art. 213 do CP, absolvendo-o sob o fundamento de que os
fatos a ele imputados não configuram, na espécie, crime de estupro com
violência presumida. O Min. Og Fernandes, o relator originário, ficou vencido
em parte por entender, de acordo com julgado da Terceira Seção do STJ, o
reconhecimento da violência presumida no caso, presunção essa tida por
absoluta, só concedendo a ordem para efeito de progressão de regime. HC
88.664-GO, Rel. originário Min. Og Fernandes, Rel. para o acórdão Min.
Celso Limongi (Desembargador convocado do TJ-SP), julgado em
23/6/2009.

Informativo nº 0409
Período: 28 de setembro a 2 de outubro de 2009.
Quinta Turma
ESTUPRO. RETROATIVIDADE. LEI.
Este Superior Tribunal firmou a orientação de que a majorante inserta no art. 9º
da Lei n. 8.072/1990, nos casos de presunção de violência, consistiria em
afronta ao princípio ne bis in idem. Entretanto, tratando-se de hipótese de
violência real ou grave ameaça perpetrada contra criança, seria aplicável a
referida causa de aumento. Com a superveniência da Lei n. 12.015/2009, foi
revogada a majorante prevista no art. 9º da Lei dos Crimes Hediondos, não
sendo mais admissível sua aplicação para fatos posteriores à sua edição. Não
obstante, remanesce a maior reprovabilidade da conduta, pois a matéria passou
a ser regulada no art. 217-A do CP, que trata do estupro de vulnerável, no qual
a reprimenda prevista revela-se mais rigorosa do que a do crime de estupro
(art. 213 do CP). Tratando-se de fato anterior, cometido contra menor de 14
anos e com emprego de violência ou grave ameaça, deve retroagir o novo
comando normativo (art. 217-A) por se mostrar mais benéfico ao acusado, ex
vi do art. 2º, parágrafo único, do CP. REsp 1.102.005-SC, Rel. Min. Felix
Fischer, julgado em 29/9/2009.
2.0 Bibliografia.

GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal Parte Especial, v III. Rio de Janeiro:
Ed. Impetus, 2011.
NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal Comentado. São Paulo: Ed. RT,
2011.
CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal Parte Especial, v 3. São Paulo: Ed
Saraiva, 2011.
GOMES, LUIZ FLÁVIO; CUNHA, Rogério Sanches. Direito Penal Especial, v.
3. São Paulo: RT, 2010.

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Novidades da Lei 12.015/09 sobre Crimes Contra a Dignidade Sexual

  • 1. Título VI Dos Crimes Contra Dignidade Sexual LEI 12.015/09 1.0 Dos Crimes Contra Liberdade Sexual. 1.1 Do Estupro. A lei 12.015 de 07 de agosto de 2009 alterou substancialmente o capítulo I e II do Código Penal, dentre as grandes novidades, o crime de Atentado Violento ao Pudor, descrito no antigo 214, do Estatuto Repressivo foi incorporado pelo o art. 213 do Código Penal, terminando com a distinção entre Estupro e Atentado Violento ao Pudor. Embora não seja objeto de nossos estudos a lei ainda alterou o capítulo dos Crimes de Lenocínio ou qualquer outra forma de exploração sexual e os crimes de tráfico de pessoas. O intuito do curso é apresentar as novidades introduzas ao Código Penal a partir da vigência da lei 12015/09. Basicamente aprenderemos e entenderemos as antigas e atuais controvérsias que sugiram ante a publicação da lei. 1.1 Do Crime de Estupro. O art. 213 do Código Penal prevê a seguinte redação: Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção
  • 2. carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso. Infere-se da nova redação que a vítima de estupro deixa de ser exclusivamente mulher para abranger qualquer pessoa, isto significa que a rigor o homem poderá ser vítima de estupro. No sistema anterior não se imaginava que o homem seria constrangido por uma mulher para ter com ela conjunção, se isto ocorresse, o que era pouco provável, a mulher responderia pelo crime de constrangimento ilegal. Hoje a mulher que constranger o homem a manter com ela conjunção carnal o crime se adequará perfeitamente ao art. 213 do Código Penal, pois o tipo penal descreve expressamente que a vítima será alguém. Especificamente, o tipo penal exige que alguém mediante violência ou grave ameaça tenha conjunção ou pratique ou permita que com ele se pratique ato libidinoso diverso da conjunção carnal. Note que ter conjunção carnal normal não é crime, o delito estará caracterizado quando alguém mediante o emprego violência ou grave ameaça obrigue a vítima a ter conjunção carnal ou praticar ou permita que com ele se pratique ato libidinoso. Constranger significa compelir, obrigar, forçar ou subjugar a vítima a praticar o ato libidinoso ou a ter conjunção carnal. Não
  • 3. haverá o crime se a conjunção carnal for consentida, salvo quando o consentimento for viciado em razão da idade, enfermidade, doença mental ou qualquer forma de reduzir a capacidade de resistência da vítima (art. 217-A, do CP). Quanto a violência, o autor deverá utilizar-se de violência física (vis absoluta), ameaça (vis compulsiva) coagindo moralmente a vítima. Esta ameaça pode ser própria ou contra terceiro, na hipótese em que a mãe da criança é coagida a ter conjunção carnal com o agente enquanto ele ameaça a matar o filho da vítima caso ela não mantenha conjunção carnal com ele. A contravenção de vias de fato e o crime de lesão leve serão absorvidos, ou seja, o crime e a contravenção penal são meios necessários para que o agente chegue a consumação do delito. Como anteriormente mencionado, a falta de consentimento é um elemento essencial para que ocorra o crime de estupro. Mas o contato físico nem sempre é necessário para sua caracterização. Embora seja consolidado o entendimento do STJ no sentido da necessidade de contato físico para que ocorra o delito, pensamos que o fato deverá ser analisado caso a caso. Imaginemos que o autor constranja a vítima a masturbar-se enquanto ele permanece exercendo atividade meramente contemplativa. Note que não houve contato físico entre a vítima e o agente, mas o crime foi consumado no instante em que o agente coagiu a vítima a praticar atos de libidinagem sobre o seu próprio corpo. Assim podemos concluir que a vítima poderá agir de forma ativa, passiva, ativa e passiva, isto significa que o crime estará caracterizado quando o agente obriga a vítima a praticar atos nele ou quando constrange a vítima a permita que nela se pratique e por fim quando o agente obriga a vítima a praticar atos de libidinagem sobre o corpo dela. A postura da vítima em
  • 4. síntese seria a de permitir que nela ou sobre ela se pratique e por fim quando o agente a obriga a praticar nele o ato libidinoso. Quando estudamos o crime de estupro é preciso tomarmos cuidado com a intervenção desmedida do direito de punir do Estado, pois dependendo do caso poderíamos aplicar uma pena de 6 anos para quem desejasse apenas brincar, humilhar ou sujeitar a vítima a um vexame qualquer. Nesse sentido, o beijo não é necessariamente crime de estupro, isto significa que nem sempre o ato libidinoso será um crime de relevância, podendo assim caracterizar uma contravenção penal (importunação ofensivo ao pudor), um crime de constrangimento ilegal ou até mesmo uma injúria real. Com a atual redação o crime de estupro passou a ser considerado crime comum, pois qualquer pessoa poderá ser vítima do delito, assim tanto a mulher quanto o homem poderão ser sujeito passivo do crime descrito no art. 213 do CP. Novamente, neste ponto necessitamos ter cuidado, pois ainda prevalece a ainda que o crime de estupro praticado na forma de ter conjunção carnal obrigatoriamente deve ser cometido na relação heterossexual. Explico. Não é possível que uma mulher seja autora de estupro sendo vítima outra mulher, pois nesta hipótese estaríamos diante de uma relação homossexual. Como fica então a situação da mulher de constrange um homem a manter conjunção carnal com outra mulher? Se considerarmos que o crime de estupro nesta modalidade é crime de mão própria, não é possível atribuirmos à autoria
  • 5. do crime a mulher, pois na modalidade de crime de mão própria a condição pessoal do autor é indelegável ou intransferível. Para evitar a impunidade, Raúl Zaffaroni lança mão da autoria de determinação, preconiza o ilustre doutrinado que a mulher não é punida como autora do crime de estupro, senão que se lhe aplica a pena do estupro por haver cometido o delito de determinar o estupro. Tal raciocínio não se afasta da ideia da coação moral irresistível, nos termos do art. 22 do CP. Aproveitando-se do momento de autoria ou concurso de agentes, é possível autoria, coautoria ou participação no crime de estupro, desde que estejam presentes os requisitos do concurso de pessoas (pluralidade de pessoas, relevância causal, liame subjetivo e identidade de infrações). Com relação ao momento consumativo, o crime se perfaz quando o agente introduzir total ou parcialmente o pênis na cavidade vaginal da mulher ou praticar ou permitir que com ele se pratique qualquer ato libidinoso. Neste ponto, é fundamental observarmos que existe quem defende a impossibilidade da tentativa do crime de estupro, pois se não houver a conjunção carnal haverá no mínimo a prática de atos libidinosos. Realmente, esta discussão havia antes de adotarmos a teoria finalista da ação. Hoje é impossível concluirmos pela inadmissibilidade da tentativa de crime de estupro, basta pensarmos no sujeito que rasga a roupa da vítima com a finalidade de ter conjunção
  • 6. carnal com ela, mas no instante que iria introduzir o pênis na cavidade vaginal da vítima a polícia chega. De fato, antes da conjunção carnal houve necessariamente um contato físico que caracterizaria ato libidinoso, mas tais atos foram necessários para que o agente pudesse consumar a conjunção carnal. Já a respeito do elemento subjetivo, o tipo penal exige que o agente atue dolosamente, isto significa que não há modalidade culposa do crime. Mas atenção, o tipo penal não exige uma finalidade específica, basta que o agente tenha conjunção carnal com a vítima ou pratique ato de libidinagem. 1.2 Das Formas Qualificadas. Antes da alteração promovida pela lei 12.015/09, o crime de estupro qualificado necessitava da combinação com o art. 223 do Código Penal. O dispositivo tornava qualificado o crime quando da violência resultasse lesão grave e quando do fato ocorresse a morte da vítima. Agora contrariamente do que ocorria no revogado art. 223, o legislador previu expressamente que o crime será qualificado quando da conduta do agente resultar lesão corporal grave ou morte da vítima. Assim, não importa se o agente atuou com emprego de violência ou grave ameaça, a fim de levar a efeito o estupro, se, dessa conduta resultar lesão corporal de natureza grave ou morte, deverá o agente responder pelo crime qualificado.
  • 7. Tomemos como exemplo a sugestão de Rogério Greco: A título de raciocínio, imagine-se a hipótese em que o agente, querendo praticar o estupro, ameace gravemente a vítima, mesmo sabendo de sua condição de pessoa portadora de problemas cardíacos. Ao ouvir a ameaça e durante a prática do ato sexual, ou seja, após o início do coito vagínico, a vítima tem um infarto fulminante, vindo, consequentemente, a falecer. Nesse caso o agente deverá responder pelo estupro qualificado pelo resultado morte. Apenas tome cuidado que o crime de estupro qualificado pela lesão grave ou morte é crime, essencialmente, preterdoloso, isto significa que o resultado agravador (morte ou lesão grave) deve ser produzido a título de culpa. E mais, o resultado agravador deve ser no mínimo previsível, sob pena de responsabilidade objetiva, nos termos do art. 19 do CP. Para ilustrar, basta da violência ocorrer a lesão corporal grave que resulta o aborto, sem que o autor do crime nem a vítima soubessem da eventual gravidez. Embora a conduta do agente tenha produzido uma lesão corporal gravíssima, ele não responderá pela qualificadora, pois o resultado agravador não foi no mínimo previsto ou previsível. Outra questão relevante é saber se o resultado agravador pode ser obtido a título de dolo ou tão somente a título de culpa. Entendemos como a maioria dos doutrinadores, o crime de estupro qualificado pelo resultado lesão grave ou morte é por essência um crime preterdoloso, assim caso o agente pretenda produzir o resultado agravador dolosamente, ele responderá por crime de estupro simples em concurso material com crime de homicídio ou lesão corporal.
  • 8. Assim, conforme salienta Noronha, o resultado que agrava especialmente a pena for proveniente de caso fortuito ou força maior, o agente não poderá ser responsabilizado pelas modalidades qualificadas, conforme preconiza o art. 19 do CP. Permanecendo no mundo das possibilidades, imaginemos agora que o agente tenha dado início a execução do crime de estupro, mas antes de manter conjunção carnal a vítima venha a falecer por alguma razão. Na sugestão de Rogério Greco, suponhamos que o agente derrube a vítima violentamente no chão, fazendo que esta bata a cabeça, por exemplo, em uma pedra, produzindo-lhe a morte antes que seja praticada a conjunção. Nesse caso, pergunta-se: Teríamos uma tentativa qualificada de estupro ou o estupro poderia ser considerado consumado havendo morte da vítima, mesmo sem a ocorrência da penetração? Há duas correntes para o caso. Alguns doutrinadores entendem que o agente responderia por crime de estupro qualificado pelo resultado morte, não obstante o crime sexual ter permanecido na forma tentada. Aplicando a questão a mesma interpretação do latrocínio consumado, ou seja, havendo morte da vítima o crime estará consumado, mesmo que a subtração permaneça na forma tentada. Mesmo sendo esta posição a que goza da predileção da maioria da doutrina, entendemos que o crime de estupro é qualificado tentado. Para que o crime seja consumado é necessária a reunião de todos os elementos que compõem o tipo penal. Assim será
  • 9. consumado, nos termos do art. 14, I, do Código Penal, aquele crime que reúne todos os elementos da definição legal. Tratando-se de crime complexo, ou seja, aquele que há fusão de dois ou mais crimes, fazendo desaparecer os crimes autônomos que dele fazem parte, somente haveria a reunião de todos os elementos da definição legal quando houvesse além da morte a conjunção carnal, logo não é possível dizer que o crime de estupro qualificado pelo resultado morte está consumado quando o delito sexual permanece a forma tentada. Dessa forma, peço vênia aos que entendem de forma diversa. É qualificado ainda o estupro quando a vítima for menor de 18 anos e maior de quatorze anos, conforme o art. 213, § 1°, do Código Penal. Nesse ponto, há uma divergência em relação a existência da qualificadora quando o crime for praticado no dia em que a vítima completa quatorze anos, assim estaríamos diante de um fato atípico, pois o estupro de vulnerável tutela a vítima menor de quatorze anos enquanto a qualificadora exige que a vítima seja maior de quatorze anos quando não houver emprego de violência ou diante de estupro simples quando houver violência? Com a devida vênia, entendemos extremo preciosismo e de uma literalidade sem precedente considerar que neste caso a vítima tenha que ter quatorze anos e um dia para qualificar o crime, assim, caso haja emprego de violência no dia em que vítima completa quatorze anos o crime será qualificado, agora se não houver o emprego da violência a conduta será atípica. 1.3 Causa de Aumento de Pena.
  • 10. Haverá causa de aumenta de pena de quarta parte quando o crime for praticado em concurso de 2 ou mais pessoa; de metade se o agente é ascendente, padrasto ou madrasta, tio, irmão, cônjuge, companheiro, tutor, curador, preceptor ou empregador da vítima ou por qualquer outro título tem autoridade sobre ela; de metade, se do crime resultar gravidez e por fim de um sexto até a metade, se o agente transmite à vítima doença sexualmente transmissível de que sabe ou deveria saber ser portador. Na primeira causa de aumento de pena, somos partidários da necessitada que os agentes estejam presentes, in loco, para que ocorra a incidência da majorante. O concurso de agentes no estupro visa dar uma maior facilidade no cometimento do crime, diminuindo ou, mesmo, anulando a possibilidade de resistência da vítima. Quanto a segunda causa de aumento de pena, dar uma maior reprovação ante a qualidade do sujeito ativo, não se imagina que um pessoa que detenha o poder de proteção atente contra a liberdade sexual da vítima. Aqui andou bem o legislador impondo uma reprovação mais severa. As duas últimas causas de aumento de pena são novidades, infelizmente a mulher, vítima de estupro pode vir a engravidar e consequentemente, rejeitar o feto ou criança, pois sempre lhe trará péssimas lembranças do dia da violência, tanto que o Código Penal autoriza, neste caso, a prática do aborto, nos termos do art. 128, II, do Código Penal. A última se refere à possibilidade da vítima contrair doença sexualmente transmissível do autor do crime. Nesse caso, o legislador exigiu a real e efetiva transmissão da doença, sendo
  • 11. responsabilidade o agente que sabe ou deveria saber estar acometido da moléstia grave. A polêmica nesta questão é identificar se a expressão deve saber tem natureza de culpa ou dolo eventual. Majoritariamente, consideramos que a expressão deve saber tem natureza de dolo eventual, pois quando o legislador deseja fazer menção de responsabilidade a título de culpa o faz expressamente, nos termos do parágrafo único do art. 18 do Código Penal. 1.4 Do Concurso de Crimes. Inicialmente farei alusão ao concurso de crimes no sistema antigo. Antes da vigência da lei 12.015/09 o agente que no mesmo contexto fático praticasse conjunção carnal e ato libidinoso poderia responder por dois crimes em concurso material ou dependendo da situação por dois crimes em continuidade delitiva. Havia certa controvérsia, tanto da doutrina quando na jurisprudência ora entendendo que a conjunção carnal e o ato libidinoso resultariam na prática de dois crimes, pois não existiria continuidade delitiva, pois tratava-se de crimes de espécies distintas. Com a publicação da lei 12.015/09 sugiram duas correntes. A primeira defendendo que a prática da conjunção carnal e do ato libidinoso no mesmo contexto fático seria crime único, pois tratava-se de tipo penal alternativo ou crime de ação múltipla ou conteúdo variado, significa que a prática de um ou de vários verbos constantes no tipo penal resultaria na prática de crime único.
  • 12. Porém havia quem sustentasse que o crime de estupro, com a atual redação dada pela lei 12.015/09, era tipo penal cumulativo, ou seja, apesar da descrição plurinuclear a prática dos vários verbos do tipo penal resultaria em uma pluralidade de crime, dependendo da situação haveria continuidade delitiva. Embora minoritária esta corrente era sustentada pela Sexta Turma do STJ. A doutrina, amplamente dominante, sempre sustentou que a atual redação do art. 213, do CP, a classificação do tipo penal como sendo crime alternativo ou crime de ação múltipla ou conteúdo varia. Hoje esta posição também vem sendo seguida pelo STF e STJ. Outra questão diz respeito aos crimes praticados antes da vigência da lei 12.015/09. Tratando-se de lei que determinou a incorporação do art. 214 pelo art. 213 não resta dúvida que acabou beneficiando o réu, assim o juiz deverá ajustar o processo em tramitação ao conteúdo da nova lei. Agora se a decisão já foi transitada em julgada, caberá ao juiz da execução penal fazer os devidos ajustes, nos termos do art. 66, I, da LEP c/c o verbete da súmula 611 do STF. É importante frisarmos que tanto o STJ quanto o STF vem admitindo continuidade delitiva no crime de estupro, mesmo com a nova redação, basta imaginarmos o agente que teve conjunção carnal com a vítima em um determinado dia e posteriormente praticou atos de libidinagem. É claro que a decisão dependerá da análise dos requisitos subjetivos e objetivos do art. 71, do CP.
  • 13. Assim diante das decisões e de uma análise teorizada, podemos concluir que o crime de estupro é crime de ação plurinuclear, ou seja, a prática de um ou de vários núcleos do tipo penal resultará na prática de delito único. Agora, caso seguíssemos a corrente minoritária, seria possível concluirmos pela pluralidade de crimes, desde que adotássemos a corrente que entende que o crime é tipo penal cumulativo. 1.5 Das Ações Penais. Antes da vigência da lei 12.015/09, o crime de estupro, a rigor, era crime de ação penal privada, sendo pública condicionada quando a vítima ou seus pais fosse pobre e não pudesse prover às despesas do processo, sem privar-se de recursos indispensáveis à manutenção própria ou familiar, por fim era de ação penal pública incondicionada quando o crime fosse praticado por quem detivesse o poder familiar, ou na qualidade de padrasto, tutor ou curador. Havia ainda a possibilidade de a ação ser penal pública incondicionada quando o crime fosse praticado mediante violência real, nos termos do verbete da súmula 608/STF. Agora o art. 225, do CP, prevê que a ação penal será, em regra, pública condicionada à representação ou quando o crime for praticado contra vulnerável ou pessoa menor de 18 anos a ação será pública incondicionada. A redação do art. 225, do CP, não é a das melhores, mas é possível concluirmos que atualmente, em regra, a ação nos crimes descritos no capítulo I, tem natureza de ação penal pública condicionada,
  • 14. enquanto os crimes descritos no capítulo II serão promovidos mediante ação penal pública incondicionada. Não obstante, o caput do artigo mencionar que os crimes descritos nos capítulos I e II são de ação penal pública condicionada à representação, o certo é que todos os delitos do capítulo II são de ação penal pública incondicionada, pois o espírito da lei foi o de tornar mais rigorosa a intervenção do Estado nos crimes contra vulneráveis. Há ainda a discussão se o teor da súmula 608/STF encontra-se superado ou não, pois o art. 225, caput, do CP, expressamente determinou que a ação nos crimes descritos no capítulo I, dependerá de representação da vítima, isto significa dizer em outros termos, o crime praticado mediante violência ou grave ameaça contra maiores de dezoito anos será de ação penal pública condicionada a representação? Os mais precipitados poderiam concluir que sim, mas esta não é a melhor interpretação para o problema. Um, o intuito do legislador foi dar tratamento mais rigoroso ao crime contra dignidade sexual. Dois co crime cometido mediante violência é crime complexo e, portanto, de ação penal pública incondicionado. Três, atualmente, o STJ e STF ainda vêm decidindo no sentido da aplicação da súmula 608/STF. Assim, podemos concluir no seguinte sentido, que a ação penal pública condicionada ficará restrita aos casos de grave ameaça, já em relação aos crimes cometidos com violência, vulneráveis ou menores de 18 anos a ação penal será pública incondicionada.
  • 15. Bem, percebemos que a natureza da ação penal foi alterada com a vigência da lei 12.015/09. Agora como ficam os processos que já estão em andamento e foram promovidos mediante ação penal privada ou ação penal pública condicionada à representação? A questão, a priori, nos remete a ideia de que a alteração da natureza da ação é matéria ou norma de natureza formal, assim diante do art. 2°, caput, do CPP, haverá aplicação imediata da norma ao processo que está em trâmite, preservando válidos os atos praticados na vigência da lei antiga. Mas o problema não é tão simples como parece, a lei que altera a natureza da ação penal, envolve invariavelmente o direito de punir, assim antes de definirmos se a atual lei atingirá o processo, é imprescindível analisarmos se a lei beneficiará ou não o réu. Imaginemos o seguinte, o processo iniciou-se com ação penal privada, mas durante a fase de instrução a lei alterou a natureza da ação para pública condicionada à representação. Se baixássemos o processo para que a vítima representasse no sentido de legitimar o Ministério Público a prosseguir no processo, estaríamos privando o réu das possibilidades que a natureza da ação penal poderia acarretar, como por exemplo, extinção da punibilidade por perempção, nos termos do art. 60, do CPP. Dessa maneira, entendemos que a ação penal privada que apura o crime de estupro deve prosseguir privada, podendo, por exemplo, o réu ser beneficiado, dependendo do caso, com uma desistência do querelante, logo haveria extinção da punibilidade ao passo que se a ação se transmudasse para ação penal pública condicionada à representação o réu suportaria conseqüências muito mais drásticas, como por exemplo, a impossibilidade do Ministério Público dispor da ação.
  • 16. 1.6 Dos Crimes Contra Vulneráveis. Como disse durante nossas aulas, os crimes de violação sexual mediante fraude e assédio sexual, são crimes que quase não tem incidência. Mas para que possamos apenas ter noções gerais, basta imaginarmos que um irmão gêmeo desejando ter conjunção carnal com a namorada do outro irmão faz se passar pelo verdadeiro namorado, ou seja, seu irmão. Neste caso, ele responderia por violação sexual mediante fraude. Existe ainda um exemplo interessante, a prostituta pode ser, sem problema algum, vítima de crimes sexuais, mas imaginamos que o agente para ter conjunção carnal com a prostituto se propõe a dar uma quantia substancial em dinheiro para ela ao final do programa. Após a prestação sexual o agente deixa de pagar o programa, neste caso como a conjunção carnal foi obtida mediante erro, o agente responderá por violação sexual mediante fraude. Voltando ao objetivo principal de nosso estudo, a lei 12.015/09 revogou expressamente o art. 224, do CP que previa a hipótese estupro ou atentado violento ao pudor presumido. Agora diante do novo cenário, foi criado um crime autônomo para tutelar os menores de quatorze anos, pessoas que estão em enfermidade ou doentes mentais e ainda quando a vítima tiver sua capacidade de resistência reduzida. Dessa forma, a lei 12.015/09 criou um novo capítulo que se trata dos crimes contra os vulneráveis, basicamente o capítulo II criou os crimes de estupro de vulnerável, corrupção de menores,
  • 17. satisfação da lascívia na presença de criança ou adolescente e o crime de favorecimento da prostituição ou qualquer outra forma de exploração sexual de vulneráveis. Inicialmente, o crime de estupro de vulnerável estaria caracterizado quando o agente mantivesse conjunção carnal com vítima menor de quatorze anos, que esteja acometida de enfermidade ou doença mental, bem como tenha sua capacidade de resistência reduzida. Percebe que o dispositivo penal descrito no art. 217-A não exige o emprego de violência ou grave ameaça para que exista o delito, e considerar viciado o consentimento. Dessa forma, ocorrerá o crime de estupro de vulnerável mesmo que a vítima consinta que o agente tenha conjunção carnal com ela o pratique qualquer outro ato de libidinagem. A polêmica quanto ao estupro de vulnerável concentrase em saber se a presunção de violência é absoluta ou relativa, isto significa, que será possível ou não prova do consentimento por parte da vítima. Segundo Rogério Greco, a questão perdeu razão de existir, pois quando o legislador criou um crime autônomo para tutelar os crimes contra vulneráveis, mormente os menores de quatorze anos, ele definiu o intuito de considerar o crime como sendo de presunção absoluta, ou seja, independe de prova do consentimento da vítima.
  • 18. O STF e o STJ entendem que a presunção do crime é absoluta, portanto independe da prova do consentimento ou não da vítima, assim o crime existirá mesmo que vítima permita a prática da conjunção carnal. Não obstante, de fato a presunção se absoluta, não podemos desprezar as singularidades que o caso concreto poderá apresentar, por exemplo, agente que de longa data já namorava a vítima. Assim, o fato de considerarmos o crime como de presunção absoluta, isto não impede o intérprete de flexibilizar a norma atendendo as características especiais do caso concreto. Nota que a conclusão não permite considerarmos que o consentimento seja relativizado, pelo contrário, a presunção é absoluta, apenas haverá flexibilidade ante as peculiaridades do caso concreto. Logo, com a permissa venia dos que entendem de modo diverso, entendo que mesmo com a publicação da lei 12.015/09 haverá discussão a respeito da presunção absoluta ou relativa do consentimento no crime de estupro de vulnerável. Note que antes de nos aprofundarmos no estudo de estupro de vulnerável, mencionamos que o delito não é cometido mediante violência ou grave, pois basta a conjunção carnal ou o ato de libidinagem, mesmo com o consentimento da vítima, é suficiente para existência do crime. Mas e se houver emprego de violência ou grave ameaça, como ficaria o caso? Não seria possível admitirmos que neste caso o crime seria de estupro simples, pois a lei certamente veio tutelar mais rigorosamente aqueles que cometem crimes contra vulneráveis, por outro lado, estaríamos promovendo indiretamente que o agente, ao invés de
  • 19. praticar o crime sem violência, empregasse como forma de alcançar seu desejo sexual. Desse modo, entendemos que aquele que empregar violência ou grave ameaça contra vulnerável para ter conjunção carnal ou qualquer outro ato de libidinagem deverá responder pelos crimes de estupro de vulnerável em concurso material com o crime de constrangimento ilegal. Não podemos nos furtar que aquela discussão do crime de estupro presumido ser ou não hediondo acabou, pois a lei 12.015/09 inseriu expressamente o crime de estupro de vulnerável no art. 1°, da Lei 8.072/90. Agora a polêmica se concentra na possibilidade de incidência ou não da causa de aumento de pena descrita no art. 9°, da lei 8.072/90. Alguns doutrinadores, entendiam que a causa de aumento de pena prevista na lei de crimes hediondos representaria um bis in idem, pois serviria como elementar do tipo penal e posteriormente como causa de aumento de pena. Os tribunais, principalmente, o STF entendia no sentido de não haver a duplicidade, pois elementar do tipo penal e circunstância de causa de aumento de pena tem natureza jurídica distintas. Atualmente, como a nova lei revogou o art. 224, do CP, não haverá mais necessidade de permanecer a discussão, não havendo incidência da causa de aumento de pena descrita no art. 9°, da lei 8.072/90.
  • 20. Recentemente, o STF determinou o juízo das Execuções Penais ajustar a condenação do réu ao novo entendimento que considera que a causa de aumento de pena da lei de crimes hediondos está revogada pela lei 12.015/90. Quanto as discussões das qualificadoras, embora sejam autônomas, previstas no próprio art. 217-A, remetemos o leitor as problemáticas das qualificadoras do estupro, do mesmo modo com relação a tentativa e momento consumativo. 1.7 Da Corrupção de Menores. O art. 218 teve o conteúdo totalmente alterado pela lei 12.015/09, inicialmente, o crime de corrupção de menores era praticado quando o agente corrompia ou facilitava a corrupção de pessoa maior de quatorze anos e menor de dezoito anos, com ela praticando ato de libidinagem, ou induzindo-o a praticar ou presenciar. Infere-se da nova redação uma modalidade especial de lenocínio, quando o agente induz alguém menor de quatorze anos a satisfazer a lascívia de outrem. O art. 227, do CP prevê o crime de Mediação Para Servir a Lascívia de Outrem. O legislador, embora tenha preservado o nomen júris da corrupção de menores, o crime de fato é de mediação para servir a lascívia de outrem tendo como vítima uma pessoa menor de quatorze anos.
  • 21. Assim, houve o que denominamos de abolitio criminis com a antiga forma da corrupção de menores, pois atualmente o crime existirá quando alguém convencer um menor de quatorze anos a satisfazer a lascívia de uma terceira pessoa. A lascívia descrita pelo legislador consiste em qualquer forma de atividade ligada ao sexo, ou seja, qualquer comportamento de natureza sexual, que tenha por finalidade realizar os desejos libidinosos de alguém. É importante que o agente convença a vítima a satisfazer o desejo sexual de pessoa determinada, pois do contrário o crime deixa de ser corrupção de menores para caracterizar o delito de favorecimento da prostituição ou outra forma de exploração sexual. Não podemos nos distanciarmos da ideia que o delito é restrita a atividade contemplativa, pois se houver a conjunção carnal ou qualquer outra forma de ato de libidinagem o crime deixa de ser corrupção para caracterizar o crime de estupro de vulnerável. Neste ponto, se o terceiro tiver contato físico com a menor de quatorze anos o crime será o de estupro de vulnerável ou estupro, se for previsível em relação ao agente que convenceu a menor, haverá participação em crime de estupro de vulnerável ou estupro simples. Não esqueça a possibilidade de participação em crime menos grave, assim poderá o sujeito que induziu a menor responder pela corrupção, mesmo com o contato físico, nos termos do art. 29, § 2° do CP.
  • 22. 1.8 Satisfação de Lascívia Mediante Presença de Criança ou Adolescente. O art. 218-A corrigiu uma imperfeição que havia na redação do art. 218, do CP, ante a previsão que tutelava apenas os maiores de quatorze anos e menores de 18 anos, dessa forma quando o agente obrigasse a vítima menor de quatorze apenas a presenciar o ato de libidinagem o fato era atípico, muito forçosamente poderíamos caracterizá-lo como crime de constrangimento ilegal. Agora diante da nova redação, comete o crime quem praticar na presença de alguém menor de quatorze anos, ou induzir a presenciar, conjunção carnal ou outro ato libidinoso, a fim de satisfazer lascívia própria ou de outrem. Para que ocorra o crime em estudo, é necessário que o agente esteja praticando a conjunção carnal ou outro ato de libidinoso na presença de menor de quatorze anos, sendo irrelevante a consciência do menor. A finalidade do agente, ao permitir ou a induzir que o menor assista a prática dos atos sexuais pode ser tanto dirigida à satisfação da sua própria lascívia, como de terceiros. O crime se consuma quando o menor efetivamente presencia a prática da conjunção carnal ou outro ato libidinoso, satisfazendo a lascívia do agente que pratica os atos sexuais, ou mesmo de terceiro.
  • 23. 1.9 Favorecimento da Prostituição ou Outra Forma de Exploração Sexual de Vulnerável. Por fim, chegamos ao estudo especial do crime de favorecimento da prostituição. O art. 218-B descreve o Favorecimento da Prostituição de Vulnerável. Quando a vítima não for considerada vulnerável o crime estará previsto no art. 228, do CP. Pratica o crime o sujeito que submete, induz ou atrai à prostituição ou outra forma de exploração sexual alguém menor de dezoito anos ou, que por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para prática do ato, ou ainda, facilita, impede ou dificulte que abandone. Infere-se do núcleo do tipo penal que submeter consiste em sujeitar à vítima à prostituição. Induzir ou atrair acaba sendo faces de uma mesma moeda, pois convencer ou estimular à prostituição não deixa de ter sentido único. Ocorre a facilitação quando o agente proporciona meios eficazes de exercer a prostituição. Também configura o crime quando o sujeito impede ou dificulte que a vítima abandone a prostituição, neste caso os exemplos são farto e notoriamente conhecidos, como por exemplo, a atividade extorsão relativas as eventuais dívidas de hospedagem. Quando o tipo penal menciona qualquer outra forma de exploração sexual, significa que haverá crime quando a vítima trabalhasse em casa de streap-tease, disque sexo etc.
  • 24. O crime é tipo penal alternativo ou crime de ação múltipla ou de conteúdo variado, isto significa que a prática de um núcleo do verbo do tipo ou de vários resultará em crime único. Note que o dispositivo penal menciona que haverá crime quando o agente, por exemplo, convença alguém menor de 18 anos à prostituição, mas existe um limite de idade no tipo penal. Desse forma, o sujeito somente poderá cometer o crime quando a vítima for menor de 18 anos e maior de 14 anos, do contrária estriamos diante de participação de estupro de vulnerável ou corrupção de menores dependendo do caso. Não obstante o crime se consume com a simples entrega ao comércio carnal, entendemos que deverá ter uma habitualidade, isto significa que o crime é instantâneo, mas a atividade carnal deverá ser habitual, pois inexiste prostituição eventual. Devemos tomar cuidado que majoritariamente, os doutrinadores entendem que a entrega a um único cliente seria suficiente para haver o crime. O art. 218-B inseriu ainda em nosso ordenamento duas formas equiparadas de praticar o crime, quais sejam, quem pratica conjunção carnal ou outro ato libidinoso com alguém menor de 18 anos e maior de 14 anos na situação descrita no caput do artigo e quando o proprietário, o gerente ou o responsável do local permita que se verifiquem as práticas referidas no caput do art. 218-B. O legislador visou punir também que não facilita mas mantém relacionamento com alguém maior de 14 anos e menor de 18 anos, na verdade é uma forma de inibir o incentivo à prostituição. Houve
  • 25. ainda a previsão do inciso II, do § 2°, do art. 218-B para coibir o turismo sexual. Por fim, cabe mencionar que o proprietário, gerente ou responsável do local onde ocorrer à prática das atividades descritas no art. 218-B perderá a licença de localização e de funcionamento do estabelecimento, consoante o § 3°, do art. 218-B. Apenas tome cuidado que, embora o efeito seja obrigatório, o julgador deverá fazer menção a ele em sua sentença, apontando o estabelecimento onde eram levadas a efeito as condutas previstas pelo caput do art. 218-B. A sua omissão poderá ser suprida pela via dos embargos de declaração. 1.1.1 Jurisprudência. Estupro e atentado violento ao pudor: continuidade delitiva - 1 A 1ª Turma concedeu, de ofício, habeas corpus para incumbir ao juízo da execução a tarefa de enquadrar o caso ao cenário jurídico trazido pela Lei 12.015/2009, devendo, para tanto, proceder à nova dosimetria da pena fixada e afastar o concurso material entre os ilícitos contra a dignidade sexual, aplicando a regra da continuidade (CP, art. 71, parágrafo único: “Nos crimes dolosos, contra vítimas diferentes, cometidos com violência ou grave ameaça à pessoa, poderá o juiz, considerando a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e a personalidade do agente, bem como os motivos e as circunstâncias, aumentar a pena de um só dos crimes, se idênticas, ou a mais grave, se diversas, até o triplo, observadas as regras do parágrafo único do art. 70 e do art. 75 deste Código”). Na situação dos autos, pleiteava-se a exclusão da causa de aumento de pena prevista no art. 9º da Lei 8.072/90 (Lei dos Crimes Hediondos) a condenado pela prática dos crimes de estupro e atentado violento ao pudor contra menores de 14 anos. A impetração argumentava que: a) a aplicação da referida causa especial de aumento com a presunção de violência decorrente da menoridade das vítimas, sem a ocorrência do resultado lesão corporal grave ou morte, implicaria bis in idem, porquanto a violência já teria incidido na espécie como elementar do crime; e b) o art. 9º daquela norma estaria implicitamente revogado após o advento da Lei 12.015/2009. HC 103404/SP, rel. Min. Dias Toffoli, 14.12.2010. (HC-103404) Estupro e atentado violento ao pudor: continuidade delitiva - 2 Inicialmente, a Turma, por maioria, vencido o Min. Marco Aurélio, não conheceu do writ, ao fundamento de que a apreciação da matéria sob o enfoque da nova lei acarretaria indevida supressão de instância. Salientou-se, no entanto, a existência de precedentes desta Corte segundo os quais não configuraria bis in idem a aludida aplicação da causa especial de aumento de pena. Ademais, observaramse recentes posicionamentos das Turmas no sentido de que, ante a nova redação do art. 213 do CP, teria desaparecido o óbice que impediria o reconhecimento da regra do crime continuado entre os antigos delitos de estupro e atentado violento ao pudor. Por fim, determinou-se que o juízo da execução enquadre a situação dos autos ao atual cenário jurídico, nos termos do Enunciado 611 da Súmula do STF (“Transitada em julgado a sentença condenatória, compete ao juízo das execuções a aplicação de lei mais benigna”). Alguns precedentes citados: HC 102355/SP (DJe de 28.5.2010); HC 94636/SP (DJe de 24.9.2010). HC 103404/SP, rel. Min. Dias Toffoli, 14.12.2010. (HC-103404)
  • 26. Estupro e Atentado Violento ao Pudor: Lei 12.015/2009 e Continuidade Delitiva Em observância ao princípio constitucional da retroatividade da lei penal mais benéfica (CF, art. 5º, XL), deve ser reconhecida a continuidade delitiva aos crimes de estupro e atentado violento ao pudor praticados anteriormente à vigência da Lei 12.015/2009 e nas mesmas condições de tempo, lugar e maneira de execução. Com base nesse entendimento, a Turma concedeu habeas corpus de ofício para determinar ao juiz da execução, nos termos do enunciado da Súmula 611 do STF, que realize nova dosimetria da pena, de acordo com a regra do art. 71 do CP. Tratava-se, na espécie, de writ no qual condenado em concurso material pela prática de tais delitos, pleiteava a absorção do atentado violento ao pudor pelo estupro e, subsidiariamente, o reconhecimento da continuidade delitiva. Preliminarmente, não se conheceu da impetração. Considerou-se que a tese defensiva implicaria reexame de fatos e provas, inadmissível na sede eleita. Por outro lado, embora a matéria relativa à continuidade delitiva não tivesse sido apreciada pelas instâncias inferiores, à luz da nova legislação, ressaltou-se que a citada lei uniu os dois ilícitos em um único tipo penal, não mais havendo se falar em espécies distintas de crimes. Ademais, elementos nos autos evidenciariam que os atos imputados ao paciente teriam sido perpetrados nas mesmas condições de tempo, lugar e maneira de execução. HC 96818/SP, rel. Min. Joaquim Barbosa, 10.8.2010. (HC-96818) RELATOR: MIN. CEZAR PELUSO RELATÓRIO O SENHOR MINISTRO CEZAR PELUSO - (Relator): Trata-se de habeas corpus impetrado pela PROCURADORIA-GERAL DO ESTADO DE SÃO PAULO em favor de **, contra decisão proferida no RE nº 718.121 do Superior Tribunal de Justiça. O paciente foi condenado pelos delitos previstos nos artigos 213 e 214, na forma do art. 69, todos do Código Penal, à pena de 12 (doze) anos de reclusão, em regime integral fechado (fl. 40). Houve apelação da defesa, e o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo reconheceu a continuidade delitiva, reduzindo a pena para sete anos de reclusão em regime inicial fechado (fl. 47). Dessa decisão recorreu o Ministério Público, e o STJ deu-lhe provimento ao recurso para repelir a continuidade delitiva entre os crimes de estupro e atentado violento ao pudor e restabelecer o regime integralmente fechado para o cumprimento da pena, em decisão monocrática assim ementada: “RECURSO ESPECIAL. PENAL. CRIMES HEDIONDOS. PROGRESSÃO DE REGIME. IMPOSSIBILIDADE. ART. 2º, § 1º, LEI 8.072/90. INAPLICABILIDADE DA LEI 9.455/97. SÚMULA 698 DO STF. ESTUPRO E ATENTADO VIOLENTO AO PUDOR. APLICAÇÃO DO ART. 71 DO CP. IMPOSSIBILIDADE. DELITOS DE ESPÉCIES DISTINTAS. PRECEDENTES. RECURSO PROVIDO” (fl. 48). Alega, a defesa, a existência de duplo constrangimento ilegal, diante do não-reconhecimento da continuidade entre os delitos e da vedação à progressão de regime. Requer seja restabelecida a decisão do Tribunal de Justiça, reconhecendo-se a continuidade delitiva e o cumprimento da pena em regime inicialmente fechado. Concedi parcialmente a liminar, para reconhecer o direito à progressão de regime (fls. 55-56). A Procuradoria-Geral da República opinou pela concessão parcial do writ, apenas para afastar o óbice à progressão de regime (fls. 84-90). É o relatório. VOTO O SENHOR MINISTRO CEZAR PELUSO - (Relator): 1. O Plenário desta Corte, no julgamento do HC nº 86.238 (Rel. p/ac. Min. RICARDO LEWANDOWSKI, j. 18/06/2009) assentou, contra meu voto, que se não admite reconhecimento de crime continuado entre os delitos de estupro e de atentado violento ao pudor, ainda que presentes os requisitos conceptuais que se devem extrair do art. 71 do Código Penal (cf. ainda HC nº 89.770, Rel. Min. EROS GRAU, DJ 06/11/2006; HC nº 83.453, Rel. Min. CARLOS VELLOSO, DJ 24/10/2003; HC nº 75.451, Rel. Min. NERI DA SILVEIRA, DJ 02/06/2000; HC nº 74.630, Rel. Min. ILMAR GALVÃO, DJ 07/03/1997; HC nº 70.334, Rel. Min. SYDNEY SANCHES, DJ 27/05/1994; RE nº 111.083, Rel. Min. ALDIR PASSARINHO, DJ 15/04/1987; RE nº 103.161, Rel. Min. OSCAR CORRÊA, DJ 21/09/1984). Entendo, contudo, que o debate adquiriu nova relevância com o advento da Lei nº 12.015/2009, que, entre outras alterações no Título VI do Código Penal, lhe unificou as redações dos antigos arts. 213 e 214 em um tipo único, verbis: “Art. 213. Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso. Pena – reclusão, de 6 (seis) a 10 (dez) anos.” Conquanto mantenha o nomen juris, a redação do novo tipo penal “descreve e estabelece uma única ação ou conduta do sujeito ativo, ainda que mediante uma pluralidade de movimentos. Há somente a conduta do agente de constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça”. Ademais, “é de vital importância observar que o constrangimento é dirigido a que a vítima pratique ou deixe que com ela se pratique atos libidinosos, sejam eles de qualquer espécie, seja através de conjunção carnal, seja através de coito anal, seja através de felação etc., já que tais modalidades nada mais são do que espécies do gênero ato libidinoso, e, tanto isso é verdade, que o tipo penal em questão é explícito ao mencionar conjunção carnal ou outro ato libidinoso, a confirmar, pois, tal afirmação”.
  • 27. Como se vê, a alteração legislativa repercute decisivamente no debate. Ora, se o impedimento para reconhecer a continuidade delitiva entre o estupro e o atentado violento ao pudor residia tão-somente no fato de não serem crimes da mesma espécie, entendidos, pela ilustrada maioria, como fatos descritos pelo mesmo tipo penal, tal óbice foi removido pela edição da nova lei. Pode-se extrair, daí, que o novo tipo penal vai além da mera junção dos tipos anteriores, na medida em que integra todas as espécies de atos libidinosos praticados num mesmo contexto fático, sob mesmas circunstâncias e contra a mesma vítima. Isso significa que a nova lei torna possível o reconhecimento da continuidade delitiva entre os antigos delitos de estupro e atentado violento ao pudor, quando praticados nas mesmas circunstâncias, sem prejuízo do entendimento da Corte de reduzir conceitualmente a figura à identidade de espécie dos crimes. Nesse sentido, entende MATHEUS SILVEIRA PUPO, em recentíssimo artigo: “[A]glutinando aqueles dois crimes em um único dispositivo, certamente se terá como repercussão prática a mudança no entendimento quase pacífico no âmbito dos Tribunais Superiores, não reconhecendo a existência de crime continuado entre o antigo estupro e o atentado violento ao pudor, afora as hipóteses de praeludia coiti, sob o argumento de que não seriam crimes da mesma espécie, ainda que praticados nas mesmas condições de tempo, lugar e maneira de execução. Afinal, doravante, o óbice intransponível apontado por esta corrente – tratar-se de crimes antevistos em tipos diferentes – deixou de existir, pois as duas condutas, antes autônomas, estão agora tratadas na mesma figura penal. Por ser assim, quando perpetrados nas mesmas condições de locus, tempus e modus operandi, nos termos do artigo 71 do Código Penal, deverá ser reconhecida a existência de crime continuado, quanto às condutas que antes recebiam o nomen iuris de estupro e de atentado violento ao pudor, hoje contempladas no artigo 213, caput, da Lei Penal.” 2. Está claro, pois, que a Lei nº 12.015/09 constitui lei penal mais benéfica, donde aplicar-se retroativamente, nos termos do art. 5º, XL, da Constituição Federal, e art. 2º, parágrafo único, do Código Penal. E, como visto, é incontroverso que os fatos imputados ao ora paciente foram cometidos nas mesmas circunstâncias de tempo, modo e local e contra a mesma vítima, razão por que, aliás, a continuidade já havia sido reconhecida pelo Tribunal local. Afastada, pois, a base legal da decisão ora impugnada, deve restabelecida a decisão do Tribunal de Justiça. 3. Quanto ao regime de cumprimento de pena também lhe assiste razão ao paciente. Como já asseverei em sede liminar, o Plenário, no julgamento do HC nº 82.959 (Rel. Min. MARCO AURÉLIO, DJ 01/09/2006), declarou “a inconstitucionalidade do § 1o do artigo 2o da Lei nº 8.072, de 25 de julho de 1990”, o que afasta, para efeito de progressão de regime, o obstáculo representado por essa norma tida por inválida. E, como os fatos ocorreram antes da entrada em vigor da Lei nº 11.464/07, incide a regra do art. 112 da Lei de Execução Penal (HC nº 91.631, Rel. Min. CÁRMEN LÚCIA, DJ 09.11.2007; HC nº 92.410, Rel. Min. MENEZES DIREITO, DJ 01.02.2008; HC nº 89.699, Rel. Min. CEZAR PELUSO, DJ 09/05/2008), sem prejuízo da apreciação, pelo magistrado competente, nos termos do art. 66, inc. III, alínea b, da LEP, dos demais requisitos de admissibilidade de progressão de regime prisional. 4. Diante do exposto, concedo a ordem para restabelecer o acórdão proferido pelo Tribunal local, que fixou a pena do paciente em 7 (sete) anos de reclusão, em regime inicialmente fechado. Lei 12.015/2009: Estupro e Atentado Violento ao Pudor A Turma deferiu habeas corpus em que condenado pelos delitos previstos nos artigos 213 e 214, na forma do art. 69, todos do CP, pleiteava o reconhecimento da continuidade delitiva entre os crimes de estupro e atentado violento ao pudor. Observou-se, inicialmente, que, com o advento da Lei 12.015/2009, que promovera alterações no Título VI do CP, o debate adquirira nova relevância, na medida em que ocorrera a unificação dos antigos artigos 213 e 214 em um tipo único [CP, Art. 213: “Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso: (Redação dada pela Lei nº 12.015, de 2009).”]. Nesse diapasão, por reputar constituir a Lei 12.015/2009 norma penal mais benéfica, assentou-se que se deveria aplicá-la retroativamente ao caso, nos termos do art. 5º, XL, da CF, e do art. 2º, parágrafo único, do CP. HC 86110/SP, rel. Min. Cezar Peluso, 2.3.2010. (HC-86110) Quinta Turma CONTINUIDADE DELITIVA. ESTUPRO. ATENTADO VIOLENTO. PUDOR. Trata-se, entre outras questões, de saber se, com o advento da Lei n. 12.015/2009, há continuidade delitiva entre os atos previstos antes separadamente nos tipos de estupro (art. 213 do CP) e atentado violento ao pudor (art. 214 do mesmo codex), agora reunidos em uma única figura típica (arts. 213 e 217-A daquele código). Assim, entendeu o Min. Relator que primeiramente se deveria distinguir a natureza do novo tipo legal, se ele seria
  • 28. um tipo misto alternativo ou um tipo misto cumulativo. Asseverou que, na espécie, estaria caracterizado um tipo misto cumulativo quanto aos atos de penetração, ou seja, dois tipos legais estão contidos em uma única descrição típica. Logo, constranger alguém à conjunção carnal não será o mesmo que constranger à prática de outro ato libidinoso de penetração (sexo oral ou anal, por exemplo). Seria inadmissível reconhecer a fungibilidade (característica dos tipos mistos alternativos) entre diversas formas de penetração. A fungibilidade poderá ocorrer entre os demais atos libidinosos que não a penetração, a depender do caso concreto. Afirmou ainda que, conforme a nova redação do tipo, o agente poderá praticar a conjunção carnal ou outros atos libidinosos. Dessa forma, se praticar, por mais de uma vez, cópula vaginal, a depender do preenchimento dos requisitos do art. 71 ou do art. 71, parágrafo único, do CP, poderá, eventualmente, configurar-se continuidade. Ou então, se constranger vítima a mais de uma penetração (por exemplo, sexo anal duas vezes), de igual modo, poderá ser beneficiado com a pena do crime continuado. Contudo, se pratica uma penetração vaginal e outra anal, nesse caso, jamais será possível a caracterização de continuidade, assim como sucedia com o regramento anterior. É que a execução de uma forma nunca será similar à de outra, são condutas distintas. Com esse entendimento, a Turma, ao prosseguir o julgamento, por maioria, afastou a possibilidade de continuidade delitiva entre o delito de estupro em relação ao atentado violento ao pudor. HC 104.724-MS, Rel. originário Min. Jorge Mussi, Rel. para acórdão Min. Felix Fischer, julgado em 22/6/2010. Informativo nº 0434 Período: 10 a 14 de maio de 2010. Sexta Turma ATENTADO. PUDOR. MENORES. CONTINUIDADE DELITIVA. O paciente atraiu uma adolescente de 13 anos ao interior de seu estabelecimento comercial, como o objetivo de praticar atentado violento ao pudor contra ela. Para tanto, utilizou-se do seguinte expediente: seu empregado beijou a vítima, e o paciente, simulando fúria, disse à vítima que sua loja possuía circuito interno de televisão e que, caso não fizesse tudo o que lhe fosse determinado, enviaria o filme, com a cena gravada, a seus pais. Com esse mesmo ardil, tempos depois, constrangeu uma adolescente de 16 anos à mesma prática. Então, condenado às penas do crime dos arts. 214, c/c o 224, “a”, e 226, I, do CP (em suas antigas redações) e, de novo, às do art. 214 do CP (também na redação primeva), buscou, mediante habeas corpus, o reconhecimento da continuidade delitiva (art. 71 desse mesmo codex), além do afastamento da pecha de hediondez atribuída aos crimes. Contudo, embora haja semelhança no modus operandi, os delitos foram praticados contra diferentes vítimas, em dias diversos, de maneira autônoma e isolada, sem a comprovação de qualquer liame que vinculasse ambas as empreitadas criminosas. Dessarte, não há falar em unidade de desígnios e, consequentemente, em crime continuado, assemelhando-se a hipótese à habitualidade criminosa. Anote-se, também, que o habeas corpus, tal como acolhido pela jurisprudência do STJ, não se mostra adequado à verificação da existência de crime continuado, que requer exame detalhado de provas sobre circunstâncias de tempo, lugar e modo de execução dos crimes cometidos, além da análise de requisitos subjetivos. Quanto ao tema da hediondez, a Turma, a partir do julgamento do HC 88.664-
  • 29. GO, passou a afastá-la nos crimes de estupro ou atentado violento ao pudor cometidos mediante violência presumida. Assim, o precedente não se aplica ao crime praticado contra a vítima de 16 anos, porque cometido na forma simples. Entretanto, também não se afasta a hediondez do delito praticado contra a de 13 anos, pois houve violência moral consistente na grave ameaça à vítima. Com esse entendimento, a Turma, ao prosseguir o julgamento, por maioria, negou provimento ao recurso. O voto vencido dava parcial provimento ao recurso para reduzir a pena do crime praticado contra a vítima de 16 anos, ao classificar os fatos como atentado ao pudor mediante fraude (antiga redação do art. 216 do CP). Precedentes citados do STF: HC 96.790-SC, DJe 24/4/2009; do STJ: REsp 799.013-MG, DJ 28/9/2009; HC 94.901-SP, DJe 5/5/2008; HC 44.389-SP, DJ 13/3/2006, e HC 88.664-GO, DJe 8/9/2009. RHC 22.800-SP, Rel. Min. Og Fernandes, julgado em 11/5/2010 (ver Informativo n. 400). Informativo nº 0422 Período: 8 a 12 de fevereiro de 2010. Sexta Turma ESTUPRO. ATENTADO VIOLENTO AO PUDOR. LEI N. 12.015/2009. Trata-se de habeas corpus no qual se pleiteia, em suma, o reconhecimento de crime continuado entre as condutas de estupro e atentado violento ao pudor, com o consequente redimensionamento das penas. Registrou-se, inicialmente, que, antes das inovações trazidas pela Lei n. 12.015/2009, havia fértil discussão acerca da possibilidade de reconhecer a existência de crime continuado entre os delitos de estupro e atentado violento ao pudor, quando o ato libidinoso constituísse preparação à prática do delito de estupro, por caracterizar o chamado prelúdio do coito (praeludia coiti), ou de determinar se tal situação configuraria concurso material sob o fundamento de que seriam crimes do mesmo gênero, mas não da mesma espécie. A Turma concedeu a ordem ao fundamento de que, com a inovação do Código Penal introduzida pela Lei n. 12.015/2009 no título referente aos hoje denominados “crimes contra a dignidade sexual”, especificamente em relação à redação conferida ao art. 213 do referido diploma legal, tal discussão perdeu o sentido. Assim, diante dessa constatação, a Turma assentou que, caso o agente pratique estupro e atentado violento ao pudor no mesmo contexto e contra a mesma vítima, esse fato constitui um crime único, em virtude de que a figura do atentado violento ao pudor não mais constitui um tipo penal autônomo, ao revés, a prática de outro ato libidinoso diverso da conjunção carnal também constitui estupro. Observou-se que houve ampliação do sujeito passivo do mencionado crime, haja vista que a redação anterior do dispositivo legal aludia expressamente a mulher e, atualmente, com a redação dada pela referida lei, fala-se em alguém. Ressaltou-se ainda que, não obstante o fato de a Lei n. 12.015/2009 ter propiciado, em alguns pontos, o recrudescimento de penas e criação de novos tipos penais, o fato é que, com relação a ponto específico relativo ao art. 213 do CP, está-se diante de norma penal mais benéfica (novatio legis in mellius). Assim, sua aplicação, em consonância com o princípio constitucional da retroatividade da lei penal mais favorável, há de alcançar os delitos cometidos antes da Lei n. 12.015/2009, e, via de consequência, o apenamento referente ao atentado violento ao pudor não há de subsistir. Todavia, registrou-se também que a prática de outro ato libidinoso não restará impune, mesmo que praticado nas mesmas circunstâncias e contra a mesma pessoa, uma vez que caberá ao
  • 30. julgador distinguir, quando da análise das circunstâncias judiciais previstas no art. 59 do CP para fixação da pena-base, uma situação da outra, punindo mais severamente aquele que pratique mais de uma ação integrante do tipo, pois haverá maior reprovabilidade da conduta (juízo da culpabilidade) quando o agente constranger a vítima à conjugação carnal e, também, ao coito anal ou qualquer outro ato reputado libidinoso. Por fim, determinou-se que a nova dosimetria da pena há de ser feita pelo juiz da execução penal, visto que houve o trânsito em julgado da condenação, a teor do que dispõe o art. 66 da Lei n. 7.210/1984. HC 144.870-DF, Rel. Min. Og Fernandes, julgado em 9/2/2010. Informativo nº 0400 Período: 22 a 26 de junho de 2009. Sexta Turma ESTUPRO. VIOLÊNCIA PRESUMIDA. O ora paciente foi condenado, em primeiro grau, à pena de 8 anos e 7 meses de reclusão pela prática de estupro contra menor de 14 anos de idade. O TJ deu provimento à apelação da defesa, reduzindo a pena a 6 anos e 9 meses de reclusão a ser cumprida integralmente no regime fechado, considerado o caráter de hediondez desse delito, ainda que na forma de violência presumida. No HC, alega-se não existirem elementos de convicção para condenação do paciente e ainda se sustenta, subsidiariamente, falta de fundamentação à exasperação da pena acima do mínimo legal; assim, pede-se sua absolvição. Para o Min. Celso Limongi (Desembargador convocado do TJ-SP), um aspecto que merece destaque prende-se a que, para boa interpretação da lei, é necessário levar em consideração todo o arcabouço normativo, todo o ordenamento jurídico do País. A interpretação da lei não prescinde do conhecimento de todos os ramos do Direito. Mas uma visão abrangente desse arcabouço facilita, e muito, o entendimento, bem como sua interpretação. Em tal linha de raciocínio, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) precisa ser analisado para enfrentar essa questão, qual seja, a de se saber se o estupro e o atentado violento ao pudor por violência presumida se qualificam como crimes e, mais, como crimes hediondos. Conforme o art. 2º daquele Estatuto, o menor é considerado adolescente dos 12 aos 18 anos de idade, podendo até sofrer medidas socioeducativas. Assim, se o menor, a partir de 12 anos, pode sofrer tais medidas por ser considerado pelo legislador capaz de discernir a ilicitude de um ato infracional, tido como delituoso, não se concebe, nos dias atuais, quando os meios de comunicação em massa adentram todos os locais, em especial os lares, com matérias alusivas ao sexo, que o menor de 12 a 14 anos não tenha capacidade de consentir validamente um ato sexual. Desse modo, nesse caso, o CP, ao presumir a violência por não dispor a vítima menor de 14 anos de vontade válida, está equiparando-a a uma pessoa portadora de alienação mental, o que não é razoável, isso em pleno século XXI. Efetivamente, não se pode admitir, no ordenamento jurídico, uma contradição tão manifesta, qual seja, a de punir o adolescente de 12 anos de idade por ato infracional, e aí válida sua vontade, e considerá-lo incapaz tal como um alienado mental, quando pratique ato libidinoso ou conjunção carnal. Ademais, não se entende hediondas essas modalidades de crime em que milita contra o sujeito ativo presunção de violência. Isso porque a Lei de Crimes Hediondos não contempla tais modalidades, ali se encontra, como crimes sexuais hediondos, tão-só o estupro e o atentado violento ao pudor, nas formas
  • 31. qualificadas. A presunção de violência está prevista apenas no art. 224, a, do CP, e a ela a referida lei não faz a mínima referência. E, sem previsão legal, obviamente não existe fato típico, proibida a analogia contra o réu. Com esses argumentos, entre outros, a Turma, ao prosseguir o julgamento, por maioria, concedeu a ordem para desconstituir a decisão que condenou o paciente como incurso nas penas do art. 213 do CP, absolvendo-o sob o fundamento de que os fatos a ele imputados não configuram, na espécie, crime de estupro com violência presumida. O Min. Og Fernandes, o relator originário, ficou vencido em parte por entender, de acordo com julgado da Terceira Seção do STJ, o reconhecimento da violência presumida no caso, presunção essa tida por absoluta, só concedendo a ordem para efeito de progressão de regime. HC 88.664-GO, Rel. originário Min. Og Fernandes, Rel. para o acórdão Min. Celso Limongi (Desembargador convocado do TJ-SP), julgado em 23/6/2009. Informativo nº 0409 Período: 28 de setembro a 2 de outubro de 2009. Quinta Turma ESTUPRO. RETROATIVIDADE. LEI. Este Superior Tribunal firmou a orientação de que a majorante inserta no art. 9º da Lei n. 8.072/1990, nos casos de presunção de violência, consistiria em afronta ao princípio ne bis in idem. Entretanto, tratando-se de hipótese de violência real ou grave ameaça perpetrada contra criança, seria aplicável a referida causa de aumento. Com a superveniência da Lei n. 12.015/2009, foi revogada a majorante prevista no art. 9º da Lei dos Crimes Hediondos, não sendo mais admissível sua aplicação para fatos posteriores à sua edição. Não obstante, remanesce a maior reprovabilidade da conduta, pois a matéria passou a ser regulada no art. 217-A do CP, que trata do estupro de vulnerável, no qual a reprimenda prevista revela-se mais rigorosa do que a do crime de estupro (art. 213 do CP). Tratando-se de fato anterior, cometido contra menor de 14 anos e com emprego de violência ou grave ameaça, deve retroagir o novo comando normativo (art. 217-A) por se mostrar mais benéfico ao acusado, ex vi do art. 2º, parágrafo único, do CP. REsp 1.102.005-SC, Rel. Min. Felix Fischer, julgado em 29/9/2009.
  • 32. 2.0 Bibliografia. GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal Parte Especial, v III. Rio de Janeiro: Ed. Impetus, 2011. NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal Comentado. São Paulo: Ed. RT, 2011. CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal Parte Especial, v 3. São Paulo: Ed Saraiva, 2011. GOMES, LUIZ FLÁVIO; CUNHA, Rogério Sanches. Direito Penal Especial, v. 3. São Paulo: RT, 2010.