Alexandre e rafael revista sequencia-como os juízes decidem
A não discriminação como direito fundamental e as redes municipais de proteção a minorias sexuais
1. A não-discriminação como direito
fundamental e as redes municipais de
proteção a minorias sexuais – LGBT
Alexandre Gustavo Melo Franco Bahia
Sumário
Introdução. 1. O princípio da não-discri-
minação na Constituição de 1988 e os sistemas
nacional e internacional de proteção dos Direitos
Fundamentais. 2. Leis federais e Propostas de
Emenda à Constituição − tentativa de avanço
e estagnação. 3. A não-discriminação como um
Direito Fundamental: prestações “positivas”
e “negativas”. 4. Leis municipais de proteção
contra discriminação e/ou de promoção dos
direitos de minorias sexuais. 5. Órgãos públi-
cos de defesa e ONGs − algumas experiências.
Considerações finais.
Introdução
Pensar os Direitos Fundamentais 1 a
partir dos Municípios parte da premissa de
que no nível local há possibilidades muito
maiores de luta e efetivação dos Direitos,
pois que se facilita o exercício da soberania
popular e da cidadania (art. 1o, I, II, e pa-
rágrafo único – Constituição de 1988), por
1
Utilizaremos aqui a expressão “direitos funda-
mentais” sem distinguir entre direitos consagrados em
Tratados e Convenções Internacionais (o que, em geral
é designado como direitos humanos), como também os
que (já) foram “positivados” em Ordenamentos Jurí-
dicos locais (constantes, em regra, em Constituições,
sob a denominação de “direitos fundamentais). Con-
sideramos que Direitos consagrados em instrumentos
Alexandre Gustavo Melo Franco Bahia é normativos (Tratados e Convenções Internacionais)
Mestre e Doutor em Direito Constitucional – sobre Direitos Humanos de que o Brasil seja parte se
UFMG. Professor do Programa de Mestrado incorporam ao nosso sistema de direitos, tornando-se,
em Direito da Faculdade de Direito do Sul de assim, obrigatórios, como prescreve o art. 5o, §§ 2o e
Minas. 3o da CR/88.
Brasília a. 47 n. 186 abr./jun. 2010 89
2. meio de atuações coletivas ou individuais, miento y ciudadanía” (GUAJADO, 2006,
institucionalizadas ou não. A constatação p. 54).
do argumento, no que tange à luta por re- Reconhecemos que a não-discriminação
conhecimento da minoria LGBT (lésbicas, contra a população LBGT é um direito
gays, bissexuais e transgêneros)2, parece fundamental e que merece tratamento
clara: enquanto no nível federal muito protetivo dos órgãos públicos.
pouco tem sido feito, Municípios (e também Apesar da urgência quanto ao tema – há
Estados-membros) vêm se mostrando mais que se recordar, de antemão, que, “apenas
“abertos” aos influxos comunicativos vin- no Brasil, a cada três dias uma pessoa é
dos da “periferia” (Cf. HABERMAS, 1997, assassinada em virtude de ódio motiva-
p. 85-102) e à criação mais eficaz de “redes do na orientação sexual” (RIOS, 2001, p.
de proteção” – pense-se, por exemplo, 279,280) –, o que mostraremos é que, no
em programas de redistribuição de renda nível federal interno, pouco ou quase nada
(como bolsa-família) que são executados e de concreto tem sido feito, o que contrasta
monitorados no âmbito dos Municípios, o com ações do Brasil como entidade de
que fortalece o papel destes como promo- Direito Público Externo, em Documentos
tores de direitos. Internacionais de que o país é signatário,
A respeito da atuação dos Municípios algumas delas inclusive propostas por ele.
perante políticas LGBT, um exemplo da De outro lado, os Municípios (e também
atuação local como fator de mudança (que os Estados) vêm mostrando ações mais
atinge não apenas o local, mas transcende) diretas. Procuraremos mostrar, outrossim,
são duas ONGs que atuam na cidade de a atuação (e os desafios) de algumas ONGs
Medellín, na Colômbia: Comunidad Amig@s em sua atuação local.
Comunes e El Solar, que, desde 2001 vêm
promovendo ações de visibilidade (da 1. O princípio da não-discriminação
identidade LGBT) – por meio de várias na Constituição de 1988 e os sistemas
atividades durante o “Mês da Diversidade
nacional e internacional de proteção
Sexual” – e de luta contra homofobia – com
o “Dia do Não à Homofobia” e a Colcha de
dos Direitos Fundamentais
la Pasión, feita com “retazos de mensajes a Em um sistema constitucional que se
personas que han sido víctimas de crímenes apresenta como constante aprendizado,
de homofobia, y que se constituye en un a Constituição é (e deve ser tida, sempre
primer paso de sensibilización y denuncia como) um projeto aberto (Cf. CARVA-
de estos actos” (SÁNCHEZ, 2005, p. 75). LHO NETTO, 2004, p. 282) a constantes
Também no Chile, ONGs têm buscado novas inclusões. Isso possibilita que novos
estabelecer “una base de sociabilidad y de direitos possam ser incorporados, como,
promoción de experiencias de reconoci- aliás, consta expressamente do parágrafo
2o de seu artigo 5o: “Os direitos e garantias
2
Quando falamos em minoria LGBT, não levamos
em consideração a diferença que é feita entre “mino-
expressos nesta Constituição não excluem
rias” e “grupos vulneráveis” (isto é, grupos que podem outros decorrentes do regime e dos princí-
até ser compostos por número grande de pessoas, mas pios por ela adotados, ou dos tratados in-
que sofrem discriminação, como mulheres, idosos e ternacionais em que a República Federativa
crianças), haja vista que, como mostra Séguin (2002, p.
13), não se pode hoje mais falar em minorias tendo em do Brasil seja parte”.
vista apenas critérios étnicos, religiosos, linguísticos No que tange a Tratados Internacionais
ou culturais. Dessa forma, conclui: “[n]a prática tanto (e similares) sobre Direitos Humanos de
os grupos vulneráveis quanto as minorias sofrem
discriminação e são vítimas da intolerância, motivo
que o Brasil é signatário e que, de alguma
que nos levou (...) a não nos atermos a diferença forma, tratam da igualdade (bem como
existente”. da proibição de discriminação), podemos
90 Revista de Informação Legislativa
3. citar: a Declaração Universal dos Direitos 1) A Declaração sobre a Eliminação de To-
Humanos, de 1948, especialmente o Art. 2o, das as Formas de Intolerância e Discriminação
1. “Toda pessoa tem capacidade para gozar Fundadas na Religião ou nas Convicções, da
os direitos e liberdades estabelecidos nesta Assembleia Geral da Organização das Na-
Declaração, sem distinção de qualquer ções Unidas (ONU) (25/11/81), Resolução
espécie, seja de raça, cor, sexo, língua, opi- n. 36/55:
nião, ou de outra natureza, origem nacional “Considerando que o desprezo e a
ou social, riqueza, nascimento ou qualquer violação dos direitos humanos e das
outra condição”; o Pacto Internacional sobre liberdades fundamentais, em particu-
Direitos Civis e Políticos, de 1966; a Conven- lar o direito a liberdade de pensamen-
ção Internacional sobre a Eliminação de todas to, de consciência, de religião ou de
as formas de Discriminação Racial (1965); qualquer convicção, causaram direta
a Declaração sobre a Raça e os Preconceitos ou indiretamente guerras e grandes
Raciais (1978); a III Conferência Mundial de sofrimentos à humanidade (...)
Combate ao Racismo, à Discriminação Racial, Considerando que é essencial pro-
à Xenofobia e à Intolerância Correlata – África mover a compreensão, a tolerância e
do Sul, 2001; e o Pacto de San José da Costa o respeito nas questões relacionadas
Rica (art. 13, § 5o). com a liberdade de religião e de
Sobre esses, vale lembrar que a Decla- convicções e assegurar que não seja
ração dos Direitos Humanos aprovada em aceito o uso da religião ou das con-
1948 é marcada justamente por ser uma vicções com fins incompatíveis com
resposta às atrocidades cometidas pelo os da Carta, com outros instrumentos
nazi-fascismo. Assim, esta Declaração, bem pertinentes das Nações Unidas e com
como todo o Sistema Internacional de Direi- os propósitos e princípios da presente
tos Humanos, é marcado pela afirmação da Declaração,
igualdade e dignidade da pessoa humana (...)
e a proteção contra qualquer forma de Preocupada com as manifestações
discriminação. de intolerância e pela existência de
Ainda, em consequência do Pacto In- discriminação nas esferas da religião
ternacional sobre Direitos Civis e Políticos, ou das convicções que ainda existem
“o Comitê de Direitos Humanos das em alguns lugares do mundo,
Nações Unidas considerou indevida a Decidida a adotar todas as medidas
discriminação por orientação sexual no necessárias para a rápida elimina-
tocante à criminalização de atos sexuais ção de tal intolerância em todas as
homossexuais, ao examinar o caso Toonen suas formas e manifestações e para
v. Austrália” (RIOS, 2001, p. 287). Como nos prevenir e combater a discriminação
lembra Relatório da ILGA, nessa decisão por motivos de religião ou de con-
os membros do Comitê confirmaram “que vicções,
as legislações que criminalizam relações (...)
sexuais consensuais do mesmo sexo estão Artigo 2
violando não apenas o direito à privaci- (...)
dade, mas também o direito à igualdade 2. Aos efeitos da presente declaração,
em face da lei sem qualquer discriminação entende-se por ‘intolerância e discri-
contrária aos artigos 17(1) e 26 do Pacto minação baseadas na religião ou nas
Internacional de Direitos Civis e Políticos” convicções’ toda a distinção, exclusão,
(OTTOSSON, 2008). restrição ou preferência fundada na
Além desses instrumentos, há alguns religião ou nas convicções e cujo fim
que merecem especial atenção: ou efeito seja a abolição ou o fim do
Brasília a. 47 n. 186 abr./jun. 2010 91
4. reconhecimento, o gozo e o exercício sexual e pela identidade de gênero. 2.
em igualdade dos direitos humanos e Encarregar a Comissão de Assuntos
das liberdades fundamentais. Jurídicos e Políticos (...) de incluir
Artigo 3 em sua agenda (...) o tema ‘Direi-
A discriminação entre os seres hu- tos humanos, orientação sexual e
manos por motivos de religião ou identidade de gênero’. 3. Solicitar ao
de convicções constitui uma ofensa Conselho Permanente que informe a
à dignidade humana e uma negação Assembléia Geral, (...) sobre o cum-
dos princípios da Carta das Nações primento desta resolução, que será
Unidas, e deve ser condenada como executada de acordo com os recursos
uma violação dos direitos humanos alocados no orçamento-programa da
e das liberdades fundamentais pro- Organização e outros recursos.”
clamados na Declaração Universal de 3) No mesmo ano de 2008, foi aprova-
Direitos Humanos e enunciados deta- da por 66 países (incluindo o Brasil) uma
lhadamente nos Pactos internacionais Declaração da ONU condenando violações
de direitos humanos, e como um dos direitos humanos com base na orienta-
obstáculo para as relações amistosas ção sexual e na identidade de gênero. Na
e pacíficas entre as nações. Declaração (A/63/635, de 22/12/08), os
Artigo 4 países signatários reafirmaram
(...) “o princípio da não discriminação,
2. Todos os Estados farão todos os que exige que os direitos humanos se
esforços necessários para promulgar apliquem por igual a todos os seres
ou derrogar leis, segundo seja o caso, humanos, independentemente de sua
a fim de proibir toda discriminação orientação sexual ou identidade de
deste tipo e por tomar as medidas gênero (...) [e se mostraram] profun-
adequadas para combater a intole- damente preocupados com as viola-
rância por motivos ou convicções na ções de direitos humanos e liberdades
matéria.” fundamentais baseadas na orientação
2) A Resolução n. 2435: Direitos Huma- sexual ou identidade de gênero. (...)
nos, Orientação Sexual e Identidade de Gênero, Estamos, assim mesmo, alarmados
aprovada pela Assembleia Geral da OEA pela violência, perseguição, discri-
em 3 de junho de 2008, mostrando preo- minação, exclusão, estigmatização
cupação com os “atos de violência e das e preconceito que se dirigem contra
violações aos direitos humanos correlatas pessoas de todos os países do mundo
perpetradas contra indivíduos, motivados por causa de sua orientação sexual
pela orientação sexual e pela identidade de ou identidade de gênero, e porque
gênero”3. A partir disso, declarou: estas práticas solapam a integridade
“RESOLVE: 1. Expressar preocupa- e dignidade daqueles submetidos a
ção pelos atos de violência e pelas tais abusos.”
violações aos direitos humanos cor- E, sendo assim, os Declarantes conde-
relatas, motivados pela orientação naram
“as violações de direitos humanos
3
Cabe aqui um esclarecimento. Identidade de baseadas na orientação sexual ou na
Gênero diz respeito a quais dos papéis sociais de gê- identidade de gênero onde queira
nero o indivíduo se identifica (masculino, feminino ou que tenha lugar, em particular o uso
transgênero); já a Orientação Sexual diz respeito a que
sexo está voltado o desejo, o afeto e o desejo sexual de
da pena de morte sobre esta base, as
alguém (daí se falar em heterossexual, homossexual e execuções extrajudiciais, sumárias ou
bissexual) (Cf. RIOS, 2001, p. 281). arbitrárias, a prática da tortura e ou-
92 Revista de Informação Legislativa
5. tros tratos ou penas cruéis, inumanos que sofrem preconceito em razão da orien-
ou degradantes, a detenção provisó- tação sexual, pois que esses instrumentos
ria ou detenção arbitrárias e a recusa integram a ordem constitucional brasileira
de direitos econômicos, sociais e (art. 5o, §§ 2o e 3o).
culturais incluindo o direito a saúde. A proposição de defesa dessas minorias
(...) Fazemos um chamado a todos os tem como um marco a Assembleia Nacional
países e mecanismos internacionais Constituinte de 1987-1988, que pretendeu
relevantes de direitos humanos que colocar a proteção em razão de orientação
se comprometam com a promoção sexual como um dos “Objetivos Fundamen-
e proteção dos direitos humanos tais” da República Federativa do Brasil. A
de todas as pessoas, independen- inclusão da proteção contra discriminação
temente de sua orientação sexual e por orientação sexual ao dispositivo cons-
identidade de gênero. (...) Urgimos titucional que, mais tarde, viria a estar
aos Estados a que tomem todas as prescrito no art. 3o, IV (“Art. 3o Constituem
medidas necessárias, em particular as objetivos fundamentais da República Fede-
legislativas ou administrativas, para rativa do Brasil: ... IV – promover o bem de
assegurar que a orientação sexual ou todos, sem preconceitos de origem, raça,
identidade de gênero não possam sexo, cor, idade e quaisquer outras formas
ser, sob nenhuma circunstância, a de discriminação”), esteve presente em pelo
base de sanções penais, em particular menos duas Comissões da Assembleia Na-
execuções, prisões ou detenção. (...) cional Constituinte (Comissão da Soberania
Urgimos os Estados a assegurar que e dos Direitos e Garantias do Homem e da
se investiguem as violações de direi- Mulher e Comissão da Ordem Social). Os
tos humanos baseados na orientação constituintes da Subcomissão dos Negros,
sexual ou na identidade de gênero Populações Indígenas, Pessoas Deficientes
e que os responsáveis enfrentem as e Minorias chegaram a receber em sessão
conseqüências perante a justiça. (...) João A. de Souza Mascarenhas, então
Urgimos os países a assegurar uma Diretor de Comunicação Social da ONG
proteção adequada aos defensores Triângulo Rosa, que discursou sobre a
de direitos humanos, e a eliminar os importância de constar a expressão “orien-
obstáculos que lhes impedem levar tação sexual” na proteção contra discrimi-
adiante seu trabalho em temas de nação (Cf. Diário da Assembleia Nacional
direitos humanos, orientação sexual Constituinte − DANC. de 20/05/1987). As
e identidade de gênero.” várias e incessantes propostas de emenda
Segundo Relatório da ILGA, em 2008 ao texto, a princípio rejeitadas, acabaram
oitenta e seis países, membros das Nações por prevalecer e retirar a expressão “orien-
Unidas, “ainda criminalizavam as rela- tação sexual” do Primeiro e do Segundo
ções sexuais consensuais entre adultos do Substitutivos apresentados para votação
mesmo sexo (...). Entre eles, 7 apresentam em Plenário4.
dispositivos legais com penalidade de
morte como forma de punição” (OTTOS- 4 Na Comissão de Sistematização, Eliel Rodrigues
(PMDB-BA) apresentou emenda para que fosse supri-
SON, 2008, p. 4). A despeito dos méritos mida a expressão “comportamento sexual” (na verda-
da Resolução e da urgência na aprovação de, “orientação sexual”), no que foi acompanhado por
de atos internacionais vinculantes, é impor- outros constituintes. Essa proposta foi acatada. Sob o
tante anotar que ainda não existe nenhuma pretexto de “enxugar” o texto constitucional, “o relator
da Comissão de Sistematização, deputado Bernardo
Convenção Internacional sobre o tema. Cabral, retirou a expressão orientação sexual daquela
Percebe-se, assim, o compromisso do redação” (Diário do Congresso Nacional, Seção I, de
Estado Brasileiro na defesa das minorias 8/8/95, p. 16533).
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6. De toda sorte, como se pode perceber, Yanagui (2007, p. 17 et seq.) mostra que
inclusive pelos discursos e justificativas há um número grande de proposições legis-
da retirada, o fato de a Constituição não lativas (e “votos de censura”, “indicações”,
falar expressamente na proibição de dis- etc.), tanto na Câmara quanto no Senado,
criminação por orientação sexual não quer visando tratar da temática relacionada a
dizer que a mesma não esteja presente, quer minorias sexuais. Entre elas, lembra o PL.
na proibição de discriminação por “sexo”, 4.242/2004, do Deputado Edson Duarte,
quer na expressão aberta “e quaisquer ou- o PL. 3.770/2004, do Deputado Eduardo
tras formas de discriminação”, quer ainda Valverde e os PL. 5/2003 e 5.003/2001, da
na integração de Tratados e Convenções Deputada Iara Bernardi (além de outros
Internacionais em nossa ordem jurídica (art. projetos em anos anteriores, já então arqui-
5o, §§ 2o). Assim, o reconhecimento – e, logo, vados), em geral visando a criminalização
a proteção – decorre diretamente do que a da homofobia. Aliás, parte desses Projetos
Constituição já prevê quando, por exemplo, de Lei foram reunidos e, ao serem aprova-
disciplina o direito de igualdade (art. 5o, dos na Câmara, seguiram para o Senado,
caput e I) e a proibição de qualquer forma dando origem ao PLC. 122.
de discriminação (art. 3o, IV). A Deputada Marta Suplicy apresentou
o PL. 1.151/95 visando regular a união de
pessoas do mesmo sexo. No final de 1996,
2. Leis Federais e Propostas de
foi dado parecer favorável pela Comissão
Emenda à Constituição – tentativas que o analisava. Entretanto, “[d]esde então,
de avanço e estagnação a apreciação da matéria em plenário vem
Merecem destaque as Propostas de sendo adiada. ‘De tal ordem a polêmica
Emenda à Constituição n. 392/2005, do que rodeia o tema, que a matéria entrou
Deputado Paulo Pimenta, e 66/2003, da em pauta seis vezes, sem nunca ter ido a
Deputada Maria do Rosário, visando (re) plenário. Juntaram-se as igrejas, todas as
introduzir ao inciso IV do art. 3o a prote- religiões e credos e empreenderam uma
ção contra discriminação por “orientação verdadeira cruzada contra sua aprovação’”
sexual” – antes dessas, a então Deputada (YANAGUI, 2007, p. 20).
Marta Suplicy apresentou, em 1995, a PEC No Direito Comparado, percebemos que
n. 139, que visava (re)inserir a proteção desde o ano de 1989, vários países da Europa
contra discriminação por orientação sexual vêm adotando legislações de “parceria civil”
entre os objetivos da República Federativa e mesmo de casamento: Dinamarca (1989),
do Brasil (art. 3o, IV); bem como acrescentar do dados da Igreja Luterana Austríaca e 2 – que ‘todo
a proibição de diferença de salários pelas indivíduo tem direito à vida, à liberdade e a segurança
mesmas razões (art. 7o, XXX) –5. Desde 2005, pessoal’, assim como ‘sem distinção, direito à igual pro-
teção da lei’ e ‘igual proteção contra toda discriminação
ambas as Propostas caminham apensas.
que infrinja esta Declaração e contra toda provocação
a tal discriminação’; 3 – que ‘toda pessoa tem o direito
5
Segundo Marta Suplicy: “O que pretendemos com ao respeito à sua integridade física, psíquica e moral’,
esta emenda é resgatar a cidadania de milhares de brasileiros da qual é parte constituinte a orientação sexual; (...)
que são preteridos no mercado de trabalho, assassinados, dis- 4 – que ‘nas sociedades pluralistas de hoje, no seio das
criminados no cotidiano do convívio social. Portanto dentro quais a família guarda naturalmente todo seu lugar e
do princípio que deve reger a ação legislativa, na per- seu valor, práticas, tais como a exclusão das pessoas
manente defesa dos direitos humanos e considerando: de certos empregos em razão de sua orientação sexual,
1 – que ‘o desconhecimento e o menosprezo dos direitos a existência de atos de agressão ou a manutenção de
humanos tem originado atos de barbárie ultrajantes para perseguição sobre essas pessoas, que tem sobrevivido
a consciência da humanidade’, dos quais o genocídio a vários séculos de preconceitos” (Diário do Congresso
nazista na Europa é exemplo, que eliminou, junto a Nacional Seção I, de 8/8/95, p. 16533,16534, grifo nosso).
seus milhões de judeus e outras importantes minorias Ver também a PEC no 67, de 1999, do Deputado Federal
raciais, aproximadamente 220.000 homossexuais, segun- Marcos Rolim, tratando de tema semelhante.
94 Revista de Informação Legislativa
7. seguida de Noruega, Suécia, Islândia, França, Há atualmente na Câmara dois Projetos
Portugal, Holanda (o primeiro país a adotar de Lei em apenso, ambos tratando da pos-
o casamento com iguais direitos para homos- sibilidade de adoção por casais homosse-
sexuais em 2001), Bélgica (em 2003 também xuais. O mais antigo, o PL. 2.285/2007, do
passou a permitir o casamento) e depois a Deputado Federal Sergio Barradas Carneiro
Espanha. Em 1994, o Parlamento Europeu (PT-BA), visa o reconhecimento em lei
aprovou Recomendação (Doc. A3-0028/94) da possibilidade da adoção por casais do
sobre a paridade de direitos dos homossexuais mesmo sexo. E o PL. 4.508/2008, do De-
na Comunidade Europeia. Também o Canadá putado Federal alagoano Olavo Calheiros
reconhece o casamento entre pessoas do (PSDB-AL), propõe justamente o inverso:
mesmo sexo; bem como alguns Estados nos seja incluído no Código Civil a proibição
EUA; Buenos Aires reconhece, desde 2002, a daquela forma de adoção.
união civil – de forma semelhante a Cidade Em 2001 foi criado o Conselho Nacional
do México. Em dezembro de 2007, o Uruguai de Combate à Discriminação; que, desde
se tornou o primeiro país latino-americano 2003, possui uma Comissão permanente
a regulamentar a união civil de pessoas do para receber denúncias de violações a direi-
mesmo sexo (Cf. BARROSO, 2007; ARÁN, tos humanos em razão de orientação sexual
2004). Como a própria democracia, esse e outra Comissão para elaborar um progra-
reconhecimento também não está imune a ma de combate à violência contra LGBT.
quedas e retrocessos, como foi a aprovação, em Em 2002, o segundo “Programa Nacio-
2008, via consulta popular, da “Proposição nal de Direitos Humanos” dedicou lugar
8”, pela qual foi aprovada Emenda à Cons- para medidas que deveriam ser encami-
tituição da Califórnia proibindo casamentos nhadas a respeito da orientação sexual e
não heterossexuais. população LGBT:
Yanagui (2007, p. 19) também anota “114. Propor emenda à Constituição
a existência de proposições “contra” os Federal para incluir a garantia do
homossexuais, como o PL. 5.816/2005, do direito à livre orientação sexual e
Deputado Elimar M. Damasceno, que pre- à proibição da discriminação por
via “apoio psicológico às pessoas que dese- orientação sexual.
jarem deixar a homossexualidade” (a pro- 115. Apoiar a regulamentação da par-
posta foi arquivada); também a Indicação ceria civil registrada entre pessoas do
n. 2.478/2004, do Deputado Milton Cardias, mesmo sexo e a regulamentação da
“sugerindo que o Ministério das Relações lei de redesignação de sexo e mudan-
Exteriores parabenize e apóie o presidente ça de registro civil para transexuais.
dos Estados Unidos, George Bush, quanto 116. Propor o aperfeiçoamento da
à sua manifestação contrária ao casamento legislação penal no que se refere à
entre pessoas do mesmo sexo”. discriminação e à violência motiva-
Além dos exemplos citados, vale a pena das por orientação sexual.
também mencionar outras iniciativas. 117. Excluir o termo ‘pederastia’ do
A lei 9.612/1998, que trata de rádios Código Penal Militar.
comunitárias, estabelece: “Art. 4o: As emis- 118. Incluir nos censos demográficos
soras do Serviço de Radiodifusão Comuni- e pesquisas oficiais dados relativos à
tária atenderão, em sua programação, aos orientação sexual.
seguintes princípios: (...) IV − não discrimi- (...)
nação de raça, religião, sexo, preferências 240. Promover a coleta e a divulga-
sexuais, convicções político-ideológico- ção de informações estatísticas sobre
partidárias e condição social nas relações a situação sócio-demográfica dos
comunitárias”. GLTTB, assim como pesquisas que
Brasília a. 47 n. 186 abr./jun. 2010 95
8. tenham como objeto as situações de É lamentável perceber que, passados
violência e discriminação praticadas sete anos do Programa, uma das únicas
em razão de orientação sexual. medidas efetivamente em vigor seja o item
241. Implementar programas de pre- 115, e, ainda assim, em parte, isto é, o Mi-
venção e combate à violência contra nistério da Saúde – acompanhando o que já
os GLTTB, incluindo campanhas de estabelecera Resolução do Conselho Fede-
esclarecimento e divulgação de in- ral de Medicina (Resolução n. 1.652/02) e
formações relativas à legislação que ainda a Carta dos Direitos dos Usuários da
garante seus direitos. Saúde6 – editou a Portaria n. 1.707/08, ins-
242. Apoiar programas de capaci- tituindo, “no âmbito do Sistema Único de
tação de profissionais de educação, Saúde (SUS), o Processo Transexualizador,
policiais, juízes e operadores do a ser implantado nas unidades federadas,
direto em geral para promover a com- respeitadas as competências das três esferas
preensão e a consciência ética sobre as de gestão”.
diferenças individuais e a eliminação O Plano Plurianual 2004-2007 também
dos estereótipos depreciativos com dá seguimento ao Programa Nacional e pre-
relação aos GLTTB. vê como ação a Elaboração do Plano de Com-
243. Inserir, nos programas de forma- bate à Discriminação contra Homossexuais.
ção de agentes de segurança pública e Assim, em 2004, o Governo Federal lançou
operadores do direito, o tema da livre o Programa “Brasil sem Homofobia”, que
orientação sexual. pretende criar um fórum de debates para
244. Apoiar a criação de instâncias formulação de políticas públicas7. Nesse
especializadas de atendimento a sentido, a Cartilha “Brasil sem Homofobia”
casos de discriminação e violência traça metas de formulação de políticas pú-
contra GLTTB no Poder Judiciário, blicas a serem buscadas nas mais diversas
no Ministério Público e no sistema áreas. Segundo a Cartilha, o Programa
de segurança pública. possui como princípios:
245. Estimular a formulação, imple- “A inclusão da perspectiva da não-
mentação e avaliação de políticas discriminação por orientação sexual
públicas para a promoção social e e de promoção dos direitos huma-
econômica da comunidade GLTTB. nos de gays, lésbicas, transgêneros
246. Incentivar programas de orien- e bissexuais, nas políticas públicas
tação familiar e escolar para a resolu-
ção de conflitos relacionados à livre
6
A Carta dos Direitos dos Usuários da Saúde
(Portaria-GM n. 675/06), em seu Terceiro Princípio,
orientação sexual, com o objetivo de “assegura ao cidadão o atendimento acolhedor e livre
prevenir atitudes hostis e violentas. de discriminação, visando à integridade de tratamento
247. Estimular a inclusão, em progra- e a uma relação mais pessoal e saudável”. E explica
mas de direitos humanos estaduais que por esse princípio, “[é] direito dos cidadãos aten-
e municipais, da defesa da livre dimento acolhedor na rede de serviços de saúde de
forma humanizada, livre de qualquer discriminação,
orientação sexual e da cidadania dos restrição ou negação em função de idade, raça, cor,
GLTTB. etnia, orientação sexual, identidade de gênero, carac-
248. Promover campanha junto aos terísticas genéticas, condições econômicas ou sociais,
profissionais da saúde e do direito estado de saúde, ser portador de patologia ou pessoa
vivendo com deficiência...”
para o esclarecimento de conceitos 7
Sobre o Programa, manifestou sua contrariedade
científicos e éticos relacionados à o Deputado Pastor Frankembergen (PTB-RR): “Deixo
comunidade GLTTB. registrada minha revolta e indignação com o famige-
249. Promover a sensibilização dos rado Programa Brasil sem Homofobia. (...) Deveria
chamar-se Programa em Favor da Promiscuidade e da
profissionais de comunicação para a Aberração... (Câmara dos Deputados, Sessão do dia
questão dos direitos dos GLTTB.” 9/9/04; grifo nosso).
96 Revista de Informação Legislativa
9. e estratégias do Governo Federal, entre argumentação moral-religiosa e ho-
a serem implantadas (parcial ou mofobia, Rios (2006, p. 95)9 argumenta:
integralmente) por seus diferentes “como uma pessoa religiosa deve
Ministérios e Secretarias; a produção aceitar a liberdade de crença e a pos-
de conhecimento para subsidiar a sibilidade de ateísmo daí decorrente
elaboração, implantação e avaliação como a melhor forma de garantir sua
das políticas públicas voltadas para o vivência religiosa, uma pessoa moral-
combate à violência e à discriminação mente conservadora pode admitir as
por orientação sexual, garantindo que garantias de liberdade sexual, a fim
o Governo Brasileiro inclua o recorte de que o Estado, por meio de seus
de orientação sexual e o segmento agentes, não tenha a possibilidade
GLTB em pesquisas nacionais a se- de interferir no exercício de sua mo-
rem realizadas por instâncias gover- ralidade. (...) [U]m direito democrá-
namentais da administração pública tico da sexualidade implica refutar
direta e indireta; a reafirmação de que discursos fundados em premissas
a defesa, a garantia e a promoção dos religiosas, uma vez que a ‘juridi-
direitos humanos incluem o combate cização’ dos direitos sexuais e dos
a todas as formas de discriminação e direitos reprodutivos na tradição dos
de violência e que, portanto, o com- direitos humanos coloca esse debate
bate à homofobia e a promoção dos na arena mais ampla do Estado laico
direitos humanos de homossexuais é e democrático de direito, em sintonia
um compromisso do Estado e de toda com ideais republicanos.”
a sociedade brasileira.” Quanto à suposta “desnecessidade”
No âmbito da educação, destaque para da lei – haja vista as proteções legais já
a edição n. 4 dos Cadernos SECAD, que existentes –, sem querer entrar no mérito
trata da questão do reconhecimento da da questão sobre até que ponto uma lei,
diversidade sexual na escola, e a Cartilha isoladamente, pode mudar o comportamento
“Diversidade Sexual na Escola”, elaborada intolerante, vale a pena conferir os dados,
pela UFRJ (Cf. HENRIQUES et al, 2007; no mínimo reveladores, de uma pesquisa
BORTOLINI, 2008). recente sobre o alarmante preconceito em
Como desdobramento, ocorreu em 2008 razão de orientação sexual no Brasil. A
a 1a Conferência Nacional GLBT. Fundação Perseu Abramo, com a Fundação
A maior polêmica atualmente, no âm- Rosa Luxemburgo Stiftung, realizou uma
bito legislativo, é provavelmente o PLC pesquisa sobre os graus de intolerância –
122, que busca colocar a homofobia como ou respeito – a comportamentos sexuais
uma das formas do crime de racismo. Essa LGBT (FUNDAÇÃO..., 2009). Venturini
polêmica tem se dado, principalmente, em (2008, 2009), comentando sobre a pesquisa,
razão de grupos religiosos que se opõem mostra que, quando perguntados sobre se
veementemente à adoção do PL, por enten- existe preconceito contra LGBT no Brasil,
derem que o mesmo violaria as liberdades mais de 90% dos entrevistados respon-
religiosa e de expressão8. Sobre a relação deram afirmativamente. Curiosamente,
no entanto, quando perguntados se eles
8
A título de exemplo, o discurso do Deputado possuíam esse preconceito, menos de 30%
Jefferson Campos (PTB-SP), para quem o Projeto de
Lei “significa a implantação do totalitarismo e do terro-
o admitiram. Ao se aprofundar no grau de
rismo ideológico de Estado, com manifesta violação à livre
manifestação do pensamento, à inviolabilidade da liberdade de discriminar pessoas, mas sim de se criticar um compor-
de consciência e de crença...” (Câmara dos Deputados, tamento, uma conduta, o que é totalmente legítimo
Sessão realizada no dia 10/6/2008) (grifo nosso)”. no processo democrático...” (Câmara dos Deputados,
De forma semelhante o Deputado Valter Brito Neto Sessão realizada no dia 9/7/2008) (grifo nosso).
(PRB-PB): “É um atentado à liberdade religiosa o fato, não 9
Cf.: CDD; IGLHRC, 2005.
Brasília a. 47 n. 186 abr./jun. 2010 97
10. preconceito dos entrevistados, a pesquisa 3. A não-discriminação como um
revelou que: Direito Fundamental: prestações
“6% dos entrevistados (...) foram “positivas” e “negativas”
classificados como tendo forte pre-
conceito contra LGBTs; 39% como O princípio da não discriminação apa-
portadores de um preconceito media- rece como um dos “objetivos da República
no (...) e 54% manifestaram um grau Federativa do Brasil”, dentro do Título em
de preconceito que foi classificado que a Constituição trata dos seus Princípios
como leve (...). A leitura negativa é Fundamentais, como mostramos acima, ao
que apenas 1% não expressou qual- falarmos do art. 3o, IV.
quer nível de preconceito10.” Como mencionado, ainda que na Cons-
Outro dado da pesquisa, particularmen- tituição não conste a expressão “orientação
te interessante aqui, é que, quando pergun- sexual”, a proteção à mesma está presente
tados sobre se o Poder Público deveria ter não apenas quando o dispositivo se refere
políticas de combate à discriminação contra a “sexo” – pois, como lembra Rios (2001,
LGBT, ou se isso é uma questão que deve p. 284), a discriminação por orientação
ser resolvida no âmbito privado, “70% sexual nada mais é do que uma forma de
concordam com a segunda alternativa, discriminação quanto ao sexo, pois, quando
contra apenas 24% [que concordam com a “Pedro” sofre ou não discriminação por
primeira]” (VENTURINI, 2009)11. orientação sexual dependendo do sexo
Outrossim, ao contrário do que foi dito, da pessoa a quem ele dirige sua conduta
o século XX, especialmente depois de Aus- sexual, “o sexo da pessoa envolvida em
chwitz, solidificou entendimento de que relação ao sexo de Pedro é que vai qua-
raça não se restringe a fatores biológicos, lificar a orientação sexual como causa de
o que o próprio Supremo Tribunal Federal eventual tratamento diferenciado” –, mas
ratificou no Habeas Corpus n. 82.424 (Cf. está também quando deixa o rol de prote-
BAHIA, 2006, p. 443-470). Foi, aliás, sobre ção em aberto (“e quaisquer outras formas
critérios eminentemente racistas (e clara- de discriminação”), bem como naqueles
mente não biológicos) que o nazismo exter- direitos advindos de Tratados e Conven-
minou milhares de ciganos, testemunhas de ções Internacionais (supra) de que o Brasil
Jeová e também homossexuais. é signatário (art. 5o, § 2o – CR/88).
Da mesma forma, a Homofobia não pode Ademais, está também presente quando
ser limitada a uma visão reducionista: “ho- a Constituição enuncia o princípio da igual-
mossexualidade + fobia” (isto é, como aver- dade (igualdade de tratamento) de todos,
são a homossexuais). Homofobia se marca “sem distinção de qualquer natureza” (art.
pela rejeição ou negação – em múltiplas 5o, caput) (sem itálico no original), quer em
esferas, materiais e simbólicas – da coexis- sua vertente “formal” (igualdade perante
tência, como iguais, com seres afetivo-sexuais a lei), quer “material” (igualdade na lei)12.
que diferem do modelo sexual dominante. Veja que, apesar de essa dimensão formal
Violência não se dá apenas de forma física, da igualdade estar ligada tradicionalmente
mas igualmente em discursos que não re- a uma concepção absenteísta de Estado
conheçam uma minoria como tal. eminentemente privado, as exigências da
luta por reconhecimento vão reclamar
10
Cf.: VENTURINI, 2008.
11
A respeito de pesquisas sobre homofobia no 12
Em uma leitura “formal”, a igualdade signifi-
Brasil, Cf.: (CARTILHA..., 2004; LACERDA; PEREIRA; cará, quanto à sexualidade, “a extensão do mesmo
CAMINO, 2002, p. 165-178; LOPES, 2005, p. 65-95; tratamento jurídico a todas as pessoas, sem distinção
GUAJARDO, 2006), traz importantes dados de pes- de orientação sexual homossexual ou heterossexual”
quisas sobre homofobia no Chile. (RIOS, 2001, p. 283). Cf.: RIOS, 2003.
98 Revista de Informação Legislativa
11. uma atuação positiva (materializante) “vida boa” deixa de ser um meio (para se
desse princípio: é dizer, para promover conseguir o objetivo de formar cidadãos) e
a igualdade entre os cidadãos em âmbito passa a ser um fim a ser perseguido pelo
público, várias leis municipais e estaduais Estado, o que, em vez de gerar cidadãos,
(além do PL 122) preveem a casais homos- gerou clientes. Habermas (1997, p. 99)
sexuais o direito de poder manifestar afeto defende que “uma liberdade assegurada
em público da mesma forma e nos limites paternalisticamente significa ao mesmo
que casais heterossexuais. Ao falarmos no tempo subtração de liberdade”13.
princípio da não-discriminação e relacioná- Some-se a isso o fato de que a definição
lo à igualdade, surge a questão sobre como de quais ações deveriam ser consideradas
se pode defender diversidade e proteção – bem como de quais diferenças deveriam
especial a minorias se, ao mesmo tempo, igualmente ser tomadas (para a definição
afirmamos a igualdade de todos. das políticas) – era feita de forma paternalis-
Entretanto, tal questão se mostra falsa ta, burocrática, em uma palavra: unilateral.
e superada quando percebemos que o Somente num terceiro estágio avança-se
conteúdo do direito de igualdade vem se para superar os dois anteriores e redefinir
modificando ao longo do tempo. Rosenfeld uma igualdade que reconhece as diferenças e
(1995, p. 1092,1093) mostra que o direito que não as explora por padrões de dominação
de igualdade, basilar para o constitucio- ou subordinação.
nalismo (e para o Direito Moderno), teria As alterações no tratamento da igual-
passado por três “estágios”. Num primeiro dade mencionadas acima podem ser vistas
estágio há ênfase na correlação entre desi- na mudança da pauta de reivindicações do
gualdade e as diferenças, é dizer, à época movimento feminista, mencionadas por
do feudalismo (bem como, em geral, em Habermas (2002, p. 236), que mostra que
toda Antiguidade Clássica), tinham-se por classificações sobregeneralizantes feitas pelo
“naturais” as diferenças de classes. Estado, que não levavam em consideração
Com as Revoluções burguesas, o Libera- situações particulares – nem reivindicações
lismo e as grandes Declarações de Direitos, específicas –, pressupunham “normalida-
consagra-se a igualdade como identidade. des” que não existiam, o que acabou por
Assim, resguarda-se a igualdade quando “converter as almejadas compensações
todos são considerados como iguais (for- de perdas em novas discriminações”, ou
malmente) perante a lei. Há um grande seja, permitiram “converter garantia de
salto aqui, pois é a primeira vez na história liberdade em privação de liberdade”. Em
que todos são tratados como iguais, pois vez de superar padrões sexistas, as buro-
que dotados de razão. cracias estatais acabavam por reforçá-las.
Essa igualdade formal, no entanto, não Supera-se, assim, a ideia de que exista um
resistiu às críticas. A “libertação” das amar- “padrão”, um patamar, a partir do qual
ras tradicionais de castas, que, em tese, pos- tudo é referenciado, como afirma Rios
sibilitaria a máxima autonomia da vontade (2003, p. 157): “Equiparamos, então, as
do indivíduo, acaba apenas por lhe gerar o mulheres aos homens; os negros aos bran-
“direito” de ser explorado em nome dessa cos; os homossexuais aos heterossexuais”
mesma liberdade. O Estado de Bem-Estar (é a tolerância “indulgente”, que concebe a
Social surge com a meta de “materializar” igualdade apenas da perspectiva do discrimi-
a igualdade (e a liberdade), livrando-as de nador). A igualdade implica que “se deve
roupagens privatistas, com o objetivo maior conferir igual reconhecimento, igual valor
de gerar cidadania – finalidade essa que às pessoas, independentemente de sua
também restou frustrada em boa medida, 13
Sobre a crise do Welfare State Cf.: HABERMAS,
já que a criação de condições materiais de 1987, p. 103-114.
Brasília a. 47 n. 186 abr./jun. 2010 99
12. condição”14. Especificamente quanto às rei- com quem prefira pelejar contra si.
vindicações do movimento feminista (mas (...) Ora, bolas, se a moda pega, logo
as lições valem para qualquer minoria), teremos o “SISTEMA DE COTAS”,
políticas tecnocraticamente estabelecidas, forçando o acesso de tantos [homosse-
por vezes, produziram o contrário do que xuais] por agremiação. (...). O que não
se almejava. se mostra razoável é a aceitação de
A igualdade de tratamento se impõe homossexuais no futebol brasileiro,
sempre que não haja razões (abalizadas porque prejudicariam a uniformidade
nos princípios fundamentais) para um tra- de pensamento da equipe, o entrosa-
tamento diferenciado. Assim, conclui Rios mento, o equilíbrio, o ideal... (...) Para
(2001, p. 287): não se falar no desconforto do torcedor,
“No caso da homossexualidade, consta- que pretende ir ao estádio, por vezes com
ta-se que o estágio do conhecimento seu filho, avistar o time do coração se
humano que hoje compartilhamos projetando na competição, ao invés de
desautoriza juízos discriminatórios perder-se em análises do comportamento
com base exclusiva no critério da deste, ou daquele atleta, com evidente
orientação sexual. Com efeito, a evo- problema na personalidade, ou existen-
lução experimentada pelas ciências cial; desconforto também dos colegas de
humanas e biológicas desde a metade equipe, do treinador, da comissão técnica
do século XX já é suficiente para a e da direção do clube. (...) É assim que eu
superação dos preconceitos que an- penso... e porque penso assim, na condição
teriormente turvaram a mentalidade de Magistrado, digo! (grifo nosso)15.”
contemporânea diante da homosse- Inadmissível, de forma semelhante,
xualidade (grifo nosso).” o parecer dado pelo Promotor da Vara e
Absolutamente inadmissíveis, portanto, Infância da Juventude de São José do Rio
decisões como a do Juiz Manoel Maximiano Preto, Cláudio Santos de Moraes, que deu
Junqueira Filho, da 9a Vara Criminal da parecer contrário à adoção de uma criança
cidade de São Paulo, que, ao decidir a Quei- por um casal homossexual alegando que se
xa-crime n. 936/07 (na qual um jogador de trata de uma família “anormal”; a despeito
futebol ajuizara ação contra dirigente por dos requerentes haverem passado por três
este supostamente haver dito que o pri- avaliações psicossociais, todas favoráveis
meiro seria homossexual). Ao decidir pelo (Cf. PROMOTOR..., 2008).
encerramento do feito, o juiz “aconselha” A não-discriminação aparece, dessa for-
o querelante no sentido de que, caso seja ma, como um Direito Fundamental, um prin-
realmente homossexual, que abandone os cípio, em nosso Ordenamento. Em razão
gramados. Isso porque: disso, entendemos, a partir das teorias de
“... futebol é jogo viril, varonil, não Habermas e Dworkin, que, como princípio,
homossexual (...). Quem se recorda da a proibição de discriminação é uma norma,
“COPA DO MUNDO DE 1970” (...) portanto, um comando deontólogico e
jamais conceberia um ídolo seu homos- não mero critério de resolução de lacunas
sexual (...), não poderia sonhar em (ou antinomias) ou mesmo comandos de
vivenciar um homossexual jogando otimização16. Como direito fundamental à
futebol. (...) Não que um homossexual
não possa jogar bola. Pois que jogue, 15
A decisão, escaneada, pode ser consulta-
querendo. Mas, forme o seu time e da, em: <http://www1.folha.uol.com.br/folha/
esporte/20070803-caso_richarlysson.pdf>.
inicie uma Federação. Agende jogos 16
Sobre as distinções apresentadas, Cf.: HA-
BERMAS, 2002, p. 355 et seq.; DWORKIN, 1999, p.
14
Cf.: DUTRA, 2004, p. 79. 229; CATTONI DE OLIVEIRA, 2002, p. 90; SOUZA
100 Revista de Informação Legislativa
13. igualdade, implica o reconhecimento dos 13.192/99 – e lei 10.582/0018); Campo Gran-
mesmos direitos deferidos a heterossexuais, de (lei 3.582/9819); Goiânia (Res. 06/0520);
como o reconhecimento da união estável, Fortaleza (lei 8.211/98); Foz do Iguaçu (lei
do casamento e também da adoção. 2.718/02); Guarulhos (lei 5.860/02); Juiz
de Fora (leis 9.789/00 e 10.000/01 e Res.
13/0621); Londrina (lei 8.812/02); Maceió
4. Leis municipais de proteção contra
(leis 4.667/97 e 4.898/99); Natal (lei 152/97);
discriminação e/ou de promoção dos Porto Alegre (Lei Complementar 350/9522);
direitos de minorias sexuais Recife (leis 16.730/200123 e 16.780/02 – re-
Ao contrário da “dificuldade” na gulamentada pelo Dec. 20.558/04 – e lei
aprovação de leis federais em favor dos 17.025/04); Rio de Janeiro (leis 2.475/96 e
homossexuais, constatamos que, no nível 3.786/0224); Salvador (lei 5.275/97); São José
local, os movimentos organizados veem do Rio Preto (lei 8.642/02); São Paulo (lei
conseguindo a aprovação de um número 10.948/01, Dec. 45.712/05, Dec. 46.037/05,
significativo de leis, além da constituição Dec. 50.594/06, Orientação Normativa
de fóruns institucionais de discussão e 06/02, Res. SSP 42/00 e 285/00, Port.
promoção dos direitos dessa minoria. 08/05); Teresina (lei 3.274/04)25.
Em um rápido apanhado, destacamos: 18
“Institui o serviço S.O.S. discriminação no âmbito
− Leis Orgânicas Municipais: Aracaju (art. do Município de Campinas”.
2o); Campinas (art. 5o, XVIII; Florianópolis 19
“Dispõe sobre a obrigatoriedade de orientação
sexual e de planejamento familiar aos pais de alunos
(art. 5o, IV); Fortaleza (art. 7o, XXI); Goiânia
do pré-escolar e 1o grau, da rede municipal de ensino
(art. 1o); Macapá (art. 7o); Paracatu (art. 7o, − REME e dá outras providências”.
VIII); Porto Alegre (art. 150); São Bernardo 20
Resolução que institui o Cód. de Ética e Decoro
do Campo (art. 10); São Paulo (art. 2o, VIII); Parlamentar e, em seu art. 2o, V, preceitua: “Contribuir
para a afirmação de uma cultura cujos calores não
Teresina (art. 9o).
reproduzam, a qualquer título, quaisquer precon-
− Legislação Municipal: Belo Horizon- ceitos entre os gêneros, especialmente com relação
te (leis 8.176/01 – regulamentada pelo à raça, credo, orientação sexual, convicção filosófica,
Dec. 10.681/01 – e 8.719/0317); Campinas ideológica ou política”.
21
Esta Resolução institui o Regimento Interno
(lei 9.809/98 – regulamentada pelo Dec.
da Secretaria Municipal de Educação e, em seu art.
24, III, disciplina: “promover ações de uma Política
NETO, 2002, p. 210 et seq.; BAHIA, apud CATTONI Educacional Inclusiva, considerando as diferenças
DE OLIVEIRA, 2004, p. 301-357. religiosas, étnico-raciais, sensoriais, cognitivas, físicas,
17
Essa última cria um “Sistema Municipal de Ga- mentais, de gênero e orientação sexual”.
rantia dos Direitos da Cidadania” (Capítulo II), formado 22
Regulamentada pelos Decretos 11.411/96 e
pela Secretaria Municipal dos Direitos da Cidadania, 11.857/97. Cf.: o Decreto 14.216/03, que assegura
o Conselho Municipal de Defesa Social e o Fundo direitos previdenciários a(o) companheiro(a) de casais
Municipal de Proteção e Defesa das Minorias (art. 3o). do mesmo sexo de servidores públicos municipais.
Assim, atribuiu-se à SMDC (art. 5o): “I − receber e apurar 23
Com essa lei, Recife foi “o primeiro município
denúncia, realizar audiência, elaborar relatório, julgar brasileiro a reconhecer o direito de pensão ao(a)s
fatos que infrinjam os direitos das minorias, e aplicar companheiro(a)s homossexuais dos servidores públi-
multas e penalidades estabelecidas nesta Lei (...)”. Para cos, em caso de morte destes” (VIANNA, 2004).
a atribuição de penalidades (art. 11) contra estabeleci- 24
Acrescenta o § 7o ao art. 29 da lei 285/79, que
mentos públicos ou privados (art. 10) que agirem de dispõe: “Equipara-se à condição de Companheira ou
forma discriminatória (de acordo com a relação de Companheiro de que trata o inciso I deste artigo, os
hipóteses do art. 2o), a lei estabelece um Procedimento parceiros do mesmo sexo, que mantenham relacio-
Administrativo, que se inicia com a denúncia, feita pelo namento de união estável, aplicando-se para confi-
cidadão ofendido (ou ofício de autoridade competente) guração da união estável, no que couber, os preceitos
(art. 12), a SMDC deverá lavrar Auto de Infração, se legais incidentes sobre a união estável entre parceiros
verificar que há fundamentos para o prosseguimento; de diferentes sexos”.
é dado prazo de defesa ao autuado (art. 15), bem como 25
Uma relação mais completa de Municípios que
prazo para produção de provas necessárias (art. 16), possuem Leis tratando da temática pode ser encon-
após o que será dada decisão (art. 16, § 1o). trada em: <http://www.abglt.org.br>.
Brasília a. 47 n. 186 abr./jun. 2010 101
14. Desde 1999, funciona no Rio de Janeiro nações quanto ao gênero, conforme
o “Disque Denúncia Homossexual”, depois disposto nos artigos 3o, inciso IV, 5o,
também implantado em outras cidades. inciso I, e 7o, inciso XXX, sendo, por-
Vianna (2004, p. 59) ressalta que iniciativas tanto, vedadas distinções de qualquer
como essas têm aproximado o movimento natureza, em razão da opção sexual
LGBT de órgãos públicos de segurança. do indivíduo.”
O Sistema de Proteção aos LGBT de As Resoluções SSP/SP 42/00 e 285/00
São Paulo merece destaque. De fato, a instituem o Grupo de Repressão e Análise
lei 10.948/01 em muito se assemelha a dos Delitos de Intolerância e estabelecem
outras leis municipais e estaduais que que todas as Delegacias deverão comunicar
preveem proteção contra discriminação e o GRADI em caso de notificações de crimes
estabelecem procedimentos de apuração e de intolerância. Em 2006, com o Dec. 50.594,
penalidades. Entretanto, até onde tivemos é criada a Delegacia de Crimes Raciais e
acesso, as demais leis apenas punem pes- Delitos de Intolerância – uma unidade que
soas jurídicas (públicas ou privadas) que visa tratar especificamente de casos de dis-
cometam aqueles atos. E a lei paulistana criminação e intolerância – em substituição
prevê, de forma mais ampla: ao GRADI.
“Artigo 3o − São passíveis de punição o
cidadão, inclusive os detentores de função
5. Órgãos públicos de defesa e ONGs –
pública, civil ou militar, e toda organi-
zação social ou empresa, com ou sem
algumas experiências
fins lucrativos, de caráter privado ou Por todo o País, contam-se centenas
público, instaladas neste Estado, que de Organizações Não-Governamentais de
intentarem contra o que dispõe esta defesa de LGBT. Sua atuação é eminente-
lei (grifo nosso).” mente local, daí sua importância quando
O Dec. 45.172/05 dispõe sobre a Secre- se fala na proteção contra discriminação
taria Especial para Participação e Parceria no âmbito dos Municípios. Em sociedades
(em São Paulo), que conta, entre outras Co- descentradas, sem grandes vínculos de
ordenadorias, com a “Coord. de Assuntos tradição e, aparentemente, refratária à po-
de Diversidade Sexual” (CADS). O Dec. lítica, é um dado sobremaneira interessante
46.037/05 instituiu o Conselho Municipal perceber como esses movimentos possibili-
de Atenção à Diversidade Sexual. A Orien- tam a (re)produção da ideia de “identidade
tação Normativa – IPREM 06/02 trata da de grupo”. Assim, apesar de locais, não se
concessão de benefícios previdenciários ao pode negar que essas ONGs estão entre os
companheiro(a) homossexual. Entre seus movimentos mais atuantes pela defesa de
“Considerando”, ressalta: Direitos Humanos na atualidade e do que
“1. Que o ordenamento jurídico apre- se pode denominar hoje “sociedade civil
senta lacunas e que há um descom- organizada”.
passo entre a atividade legislativa Como ressalta Anjos (2002, p. 227):
e o célere processo de transforma- “Uma das principais razões de ser
ções por que passa a sociedade; 2. da organização [não-governamental]
Que a integração entre o Direito e é funcionar como um representante
a realidade deve ser amparada em dos homossexuais perante os poderes
princípios gerais de Direito; 3. Que públicos, denunciando casos isolados
a Constituição Federal erigiu o prin- de discriminação contra homossexu-
cípio da igualdade como postulado ais. As ‘tecnologias sociais’ utilizadas
fundamental, especificamente em para isso vão desde a manifestação
relação a proteção contra discrimi- pública ao protesto por escrito junto
102 Revista de Informação Legislativa
15. a órgãos públicos julgados compe- acreditar que pequenas revoluções é que
tentes.” permitirão uma verdadeira mudança da
Mas não apenas protestos, as ONGs sociedade.”
também atuam de forma “propositiva”, Sobre o relato, a ONG possui existência
defendendo a adoção de políticas públicas formal há 1 ano e meio, e em 2007 promo-
contra a discriminação. Anjos (2002, p. veu “o 1o Fim de Semana da Diversidade
227,228) dá como exemplo a atuação de mi- Sexual da Região das Vertentes” (premiado
litantes junto a vereadores de Porto Alegre pelo Ministério da Cultura). Em 2008, “de-
para incluir no art. 150 da LO a expressão zenas de eventos de afirmação da nossa
“orientação sexual”. identidade, realizamos abaixo-assinados,
Ao iniciarmos esse ensaio, entramos protestos em praça pública contra a homo-
em contato, via Associação Brasileira de fobia”, “a 1a Semana da Diversidade Sexual
Gays, Lésbicas, Bissexuais, Travestis e da Região das Vertentes” e a “1a Parada da
Transexuais (ABLGT), com ONGs de todo Cidadania e do Orgulho GLBT da Região”,
o País e pedimos que relatassem um pouco com cerca de cinco mil pessoas. O MGRV
de suas experiências (como organização, presta assessoria jurídica a vítimas de dis-
mas também experiências pessoais dos que criminação e portadores de HIV/AIDS.
delas participam), principalmente de suas Carlos Bem conta que as principais rei-
relações com o Município onde estão loca- vindicações perante o Município são:
lizadas (haja vista que a maior parte delas • “Aprovação de dispositivos legais
é de âmbito municipal ou regional). (...) no sentido de reconhecer a existência
Após algumas semanas, reunimos os da população LGBT e desta forma forçar o
relatos de algumas delas, como segue executivo no desenvolvimento de políticas
abaixo. que promovam a cidadania e a garantia dos
1) MGRV (Movimento Gay Região das direitos humanos dessa população”.
Vertentes – sediado em São João Del Rei • Inclusão no orçamento do município a
– MG): Carlos Bem, diretor do MGRV, e questão dos direitos humanos das pessoas
Leandro Andrade (colaborador na ONG) LGBT;
trouxeram suas contribuições. Carlos nos • Criação e implantação de uma Coor-
conta que iniciou suas atividades na – mi- denadoria LGBT e um Centro de Referência
litância – em razão de agressão que ele e o LGBT.
namorado sofreram em um bar na cidade Sobre a relação do Município com a
de Machado. Conta que, mesmo procuran- ONG, Calos Bem lembra que, na legislatu-
do a polícia, pouco ou nada foi feito. ra passada, duas leis foram aprovadas (de
Para Leandro Andrade, a participação forma unânime) na proteção dos direitos
em uma ONG LGBT LGBT, além de um Decreto Municipal26.
“colabora para um real conhecimento Quanto à atual composição da Câmara,
daquilo que vem sendo criado para nos
dar maiores garantias já que o quadro 26
O Decreto 3.902/09 “[d]etermina aos órgãos
político brasileiro ainda é bastante ra- da Administração Pública Municipal e da iniciativa
privada que observem e respeitem o nome social de
dical e preconceituoso. A história das
travestis e transexuais”. Entre seus “Considerando”,
ONGgs tem sido importante para trazer lembra, entre outras razões, os arts. 1o, III; 3o, I e IV; 4o,
visibilidade a causas que, até então, II e 5o, caput da CR/88, além da Lei Estadual 14.170/02
viviam em guetos e digo isso referindo- (que “[d]etermina a imposição de sanções a pessoa
me a questões como violência contra a jurídica por ato discriminatório praticado contra
pessoa em virtude de sua orientação sexual no Estado
mulher, o negro, aos deficientes físicos, de Minas Gerais”) e a Lei Municipal 4172/07 (“que
etc. Dessa forma, participar ou estar pró- dispôs sobre a ação do município contra as práticas
ximo de uma ONG GLBT é, para mim, discriminatórias por orientação sexual”).
Brasília a. 47 n. 186 abr./jun. 2010 103
16. mostra-se confiante no trabalho de advocacy 3) Movimento Gay de Alfenas e Região
que a ONG tem feito27. Sul de Minas – MGA: segundo Sander
Em 2008, o Município reconheceu o Simaglio, coordenador da ONG, o MGA
MGRV como entidade de “utilidade pú- abrange as cidades de Alfenas, Varginha,
blica”. O Município possui um programa Pouso Alegre, Poços de Caldas e outras ci-
de prevenção de DST/AIDS, que atua em dades da região. Surgiu no ano 2000 (tendo
convênio com a ONG. sido registrada em 2003). No mesmo ano,
2) Centro de Referência em Direitos foi-lhes cedida coluna em um jornal de Al-
Humanos – Prevenção e Combate à Homo- fenas dirigida ao público gay. Em 2001, foi
fobia de João Pessoa: José Felipe dos Santos, aprovada em Alfenas a lei 3.277, que pune
coordenador do Centro de Referência em discriminação a homossexuais, conhecida
Direitos Humanos de João Pessoa, conta como “Lei Rosa” (em 2005, a ONG apoiou
que as principais conquistas da militância aprovação de lei semelhante na cidade de
na cidade são “mobilizar em prol do resgate Machado).
da auto-estima de lésbicas, gays, bissexuais, Em 2002, a ONG é declarada “de Utili-
travestis e transexuais (...), uma forte atuação dade Pública” municipal; em 2003 foi a vez
na área de advocay no legislativo e executivo da Assembleia Legislativa de Minas Gerais
pela aprovação de leis anti-discriminação declará-la como entidade “de Utilidade
homoafetiva e de ações de enfrentamento a Pública”. Nesse mesmo ano, a Câmara
discriminação e a violência homofóbica”. Há Municipal de Alfenas aprova projeto de
leis municipais nesse sentido: lei 1.568/96 lei que declara o dia 28 de junho como o
(prevê punição a práticas discriminatórias “Dia Municipal da Diversidade Sexual”.
em razão de orientação sexual / identidade A partir de 2003, a ONG vem participando
de gênero); lei 10.501/05 (institui o “Dia Mu- com a Coordenação Municipal de DST/
nicipal do Orgulho LGBT”) e a lei 1.110/07 AIDS de Alfenas do Dia Internacional de
(estende benefícios previdenciários a casais Luta contra a AIDS.
do mesmo sexo). No âmbito da Adminis- Em 2004, acontece a 1a Parada do Orgu-
tração Pública, foi criada a Assessoria da lho GLBT do Sul de Minas em Alfenas, pa-
Diversidade Humana. trocinada pelo Programa Nacional de DST/
O Centro de Referência vem, desde AIDS do Ministério da Saúde e UNESCO
2002, com ações de capacitação de gesto- (repetida em 2005). O MGA ajuizou ação
res de serviços públicos, seminários (em contra a Igreja Assembleia de Deus e seu
escolas e universidades) e realização das pastor, em razão de suposta discriminação
“Paradas da Cidadania LGBT”. Desde 2005, por orientação sexual.
o Centro de Referência, em parceria com a Em 2005, o Presidente do MGA foi
Secretaria Especial dos Direitos Humanos contratado pela Prefeitura de Alfenas para
(do governo federal), oferece “orientação coordenar o Programa Municipal de DST/
jurídica, psicológica e social” à população AIDS. Nesse ano, é assinado convênio
LGBT (e familiares) vítima de discrimina- com a Secretaria Estadual de Saúde para
ção. Sob a coordenação/participação do executar o projeto VHIVER, que dá asses-
Centro, foram realizadas as Conferências soria jurídica e psicológica a portadores
Municipal, Estadual e Nacional LGBT e a I de HIV.
e II Mostra da Diversidade Cultural LGBT. Em 2006, em razão da discriminação
sofrida por duas travestis em um clube de
27
Leandro Andrade visualiza na aprovação das Alfenas, foi feito Boletim de Ocorrência,
leis a oportunidade para que a questão LGBT seja
debatida, o que pode “colaborar para uma maior
com o auxílio do MGA, utilizando as Leis
reflexão frente ao público alvo dessas leis, podendo Municipal e Estadual que punem estabelecimen-
garantir uma maior segurança”. to por discriminar frequentadores.
104 Revista de Informação Legislativa
17. Considerações finais apesar de haver projetos de lei sobre todas
essas questões, os mesmos vêm se arras-
A proteção da população LBGT (bem
tando nas Casas do Congresso Nacional
como a garantia de direitos que levem
(quando não são arquivados).
ao seu reconhecimento e igualdade – no
Assim, a experiência local, ainda que ex-
sentido mais atual do termo) constitui
tremamente válida, deve chamar a atenção
uma luta atual (e urgente) no Brasil. Como
para a urgência de mudança de postura dos
vimos, há pesquisas que mostram dados
entes federais, sob pena de perpetuarmos
extremamente preocupantes sobre violên-
o descompasso entre o que o Presidente da
cia e preconceito; dados esses que devem
República (com aprovação do Congresso
(ou deveriam) se converter em políticas
Nacional) aprova em nível internacional
legislativas e administrativas.
(e Estados e Municípios colocam em prá-
Procuramos mostrar no presente de que
tica em suas respectivas esferas) e a (não)
forma a população LGBT e seus represen-
concretização dos mesmos conteúdos no
tantes organizados vêm encontrando no
nível federal.
nível local o locus privilegiado de proteção
e de promoção constitucional do direito
fundamental à não-discriminação. Os
Municípios (e Estados), diferentemente da Referências
União, têm se mostrado mais permeáveis à
concretização dos ditames constitucionais ANJOS, G. Homossexualidade, direitos humanos e
(e internacionais de que o Brasil é signatá- cidadania. Sociologias, Porto Alegre, ano 4, n. 7, p.
rio) relativos à não-discriminação. 227, jan./jun. 2002.
Isso pôde ser percebido pelo grande ARÁN, M.; CORRÊA, M. Sexualidade e Política na
número de leis (que tratam de várias rei- cultura contemporânea: o reconhecimento social e
vindicações de proteção), de organismos jurídico do casal homossexual. PHYSIS: Rev. Saúde
Coletiva, Rio de Janeiro, v. 14, n. 2, p. 329-341, 2004.
públicos (ou mantidos pelo poder público)
e dos relatos de experiências de ONGs. BAHIA, A. A interpretação jurídica no Estado De-
O contrário ocorre com o nível federal, mocrático de Direito: contribuição a partir da teoria
do discurso de Jürgen Habermas. In: CATTONI DE
pois, apesar de algumas iniciativas da
OLIVEIRA, M. (Coord.). Jurisdição e hermenêutica cons-
Administração Pública, o Legislativo vem titucional. Belo Horizonte: Mandamentos, 2004.
mostrando pouca (ou nenhuma) preocu-
______. Anti-semitismo, tolerância e valores: anota-
pação com essa questão. Entretanto, dada
ções sobre o papel do Judiciário e a questão da into-
a distribuição de competências de nosso fe- lerância a partir do voto do Ministro Celso de Mello
deralismo, a atuação de Municípios (e Esta- no HC 82.424. Revista dos Tribunais, São Paulo, v. 847,
dos) é limitada: eles podem até estabelecer p. 443-470, 2006.
multas e o fechamento de estabelecimen- BARROSO, L. Diferentes, mas iguais: o reconhecimento
tos que agirem de forma preconceituosa jurídico das relações homoafetivas no Brasil. 2007.
contra LGBT, entretanto, apenas a União Disponível em: <http://www.lrbarroso.com.br>.
pode instituir como “crime” as ações mais Acesso em: 10 fev. 2009.
violentas praticadas por outras pessoas. Os BORTOLINI, A. (Coord.). Diversidade sexual na esco-
Municípios até podem estabelecer direitos la. Rio de Janeiro: Pró-Reitoria de Extensão/UFRJ,
previdenciários para os servidores públi- 2008.
cos municipais, mas apenas a União pode CATTONI DE OLIVEIRA, M. Direito Constitucional.
garantir esses direitos a todos, servidores Belo Horizonte: Mandamentos, 2002.
públicos e aqueles sob o regime geral da CARTILHA Brasil sem homofobia. Programa de
previdência; assim como apenas a União Combate à Violência e à Discriminação contra GLTB
pode instituir, por lei, o instituto geral da e Promoção da Cidadania Homossexual. Brasília:
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