O documento discute a poesia de Cesário Verde, focando-se em três áreas principais: 1) a vida e obra do poeta, 2) como outros poetas valorizaram diferentes aspectos da sua poesia, 3) temas e estilos comuns nos seus poemas, como a dicotomia cidade-campo.
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Temas / Assuntos
Poetização do real – poesia de carácter realista e impressionista:
● atenção ao real e ao quotidiano
● captação das impressões causadas pela realidade
● transmissão de perceções sensoriais
● objetividade / subjetividade
Binómio cidade / campo:
● cidade: agitação e progresso, melancolia, aprisionamento, doença e morte
● campo: «o salutar refúgio», liberdade, saúde e vida
Imagética feminina:
● mulher fatal – associada à cidade e aos seus valores
● mulher regeneradora – associada ao campo e aos seus valores
Questão social:
● análise social
● intenção crítica
● anticlericalismo
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Estilo
Inovação poética:
● busca da perfeição formal
● linguagem plástica
● prosaísmo
Recursos estilísticos:
● adjetivação expressiva, comparação, metáfora, sinestesia
Estrutura formal:
● regularidade métrica (verso decassílabo e verso alexandrino), rimática
e estrófica
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A poesia de Cesário pela voz de outros poetas
Leitura dos poemas:
▪ Seleção dos aspetos da poesia de Cesário valorizados
por cada um dos poetas.
▪ Identificação das relações intertextuais com os poemas
de Cesário estudados.
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O olhar e a linguagem
Cesário Verde
Quis dizer o mais claro e o mais corrente
Em fala chã e em lúcida esquadria
Ser e dizer na justa luz do dia
Falar claro falar limpo falar rente
Porém nas roucas ruas da cidade
A nítida pupila se alucina
Cães se miram no vidro da retina
E ele vai naufragando como um barco
Amou vinhas e searas e campinas
Horizontes honestos e lavados
Mas bebeu a cidade a longos tragos
Deambulou por praças e esquinas
Fugiu da peste e da melancolia
Livre se quis e não servo dos fados
Diurno se quis – porém a luzidia
Noite assombrou os olhos dilatados
Refletindo o tremor da luz nas margens
Entre ruelas vê-se ao fundo o rio
Ele o viu com seus olhos de navio
Atentos à surpresa das imagens
Sophia de Mello Breyner Andresen, Ilhas, Lisboa, Caminho, 2004
Cesário, que conseguiu
Ver claro, ver simples, ver puro,
Ver o mundo nas suas coisas,
Ser um olhar com uma alma por trás, e que vida tão
breve!
Criança alfacinha do Universo,
Bendita sejas com tudo quanto está à vista!
Enfeito, no meu coração, a Praça da Figueira para ti
E não há recanto que não veja por ti, nos recantos de
seus recantos.
Álvaro de Campos , Poesia, edição de Teresa Rita Lopes, Lisboa, Assírio &
Alvim, 2002
Carlos Botelho, Lisboa e Tejo; Domingo, 1935 (pormenor)
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O homem da cidade / O poeta do campo
Ao entardecer, debruçado pela janela,
E sabendo de soslaio que há campos em frente,
Leio até me arderem os olhos
O livro de Cesário Verde.
Que pena que tenho dele! Ele era um camponês
Que andava preso em liberdade pela cidade.
Mas o modo como olhava para as casas,
E o modo como reparava nas ruas,
E a maneira como dava pelas pessoas,
É o de quem olha para árvores,
E de quem desce os olhos pela estrada por onde vai andando
E anda a reparar nas flores que há pelos campos…
Por isso ele tinha aquela grande tristeza
Que ele nunca disse bem que tinha,
Mas andava na cidade como quem não anda pelo campo
E triste como esmagar flores em livros
E pôr plantas em jarros…
Alberto Caeiro , Poesia, edição de Fernando Cabral Martins e Richard Zenith,
Lisboa, Assírio & Alvim, 2001
Abel Manta, Rua de São Bernardo, Lisboa, 1928
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O poeta do campo
Piquenique sem Cesário Verde
Com o dia encoberto, de manhã, vou
para o campo com o Cesário; e num prado
de versos levantam-se rolas e perdizes,
como imagens, batendo as asas
com a música que espanta as ovelhas.
E num canto mais verde, que
as árvores protegem do céu, vejo
a mulher que me espera, nesse
almoço sobre a relva que nenhum pintor
sonhou, e eu desenho com palavras.
Seguro-lhe a cabeça nos meus
braços, e ela repousa num fragmento
de amor, que as flores da primavera
envolvem numa grinalda esculpida,
enquanto Cesário se afasta e ficamos sós.
Nuno Júdice, Geometria Variável, Lisboa, Dom Quixote, 2005
Édouard Manet, Almoço na Relva, 1863
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O poeta da cidade
Em Lisboa com Cesário Verde
Nesta cidade, onde agora me sinto
mais estrangeiro que um gato persa;
nesta Lisboa, onde mansos e lisos
os dias passam a ver gaivotas,
e a cor dos jacarandás floridos
se mistura à do Tejo, em flor também;
só o Cesário vem ao meu encontro,
me faz companhia, quando de rua
em rua procuro um rumor distante
de passos ou aves, nem eu já sei bem.
Só ele ajusta a luz feliz dos seus
versos aos olhos ardidos que são
os meus agora; só ele traz a sombra
de um verão muito antigo, com corvetas
lentas ainda no rio, e a música,
sumo do sol a escorrer da boca,
ó minha infância, meu jardim fechado,
ó meu poeta, talvez fosse contigo
que aprendi a pesar sílaba a sílaba
cada palavra, essas que tu levaste
quase sempre, como poucos mais,
à suprema perfeição da língua.
Eugénio de Andrade, Escrita da Terra, Porto, Fundação
Eugénio de Andrade, 2000 Jardim Cesário Verde, Lisboa.
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II Soneto para Cesário
II Soneto para Cesário
(escrito aí há 40 anos)
Se te encontrasse, agora, na paisagem
noturna dos fantasmas da cidade,
contava-te dos nossos pobres versos
no teu rasto de sombra e claridade
Contava-te do frio que há em medir
a distância entre as mãos e as estrelas,
com lágrimas de pedra nos sapatos
e um cansaço impossível de escondê-las
Contava-te – sei lá! – desta rotina
de embalarmos a morte nas paredes,
de tecermos o destino nas valetas
De uma história de luas e de esquinas,
com retratos e flores da madrugada
a boiarem na água das sarjetas.
Dinis Machado
13 de fevereiro de 1994
Ler, novembro 2008Abel Manta, Barcos da Nazaré, não datado.