Este documento discute a personalidade jurídica, nascituro e pessoa física ou natural. Define personalidade jurídica como a aptidão para titularizar direitos e obrigações. Explica que a personalidade é adquirida no nascimento com vida e que o nascituro, embora não seja considerado pessoa, tem proteção legal de seus direitos desde a concepção.
1. 1
MATERIAL DE APOIO
DIREITO CIVIL
PARTE GERAL
Apostila 01
Prof. Pablo Stolze Gagliano
Temas: Personalidade Jurídica. Nascituro. Embrião. Pessoa
Física ou Natural
1. A Personalidade Jurídica.
1.1. Conceito.
Personalidade Jurídica, para a Teoria Geral do Direito Civil, é a
aptidão genérica para se titularizar direitos e contrair obrigações, ou,
em outras palavras, é o atributo necessário para ser sujeito de direito.
Neste ponto, vale transcrever a sábia preleção de RIPERT e
BOULANGER, na monumental obra “Tratado de Derecho Civil” segun el
Tratado de Planiol (Tomo I – Parte General, Buenos Aires: La Rey,
1988, pág. 310):
“La personalidad jurídica está vinculada a la existencia del
individuo, y no a su conciencia o a su voluntad. Um niño muy
pequeno, o um loco, es una persona. Entre las personas físicas no se
hace diferencia alguna para la atribuición de derechos civiles; por muy
2. 2
débil o incapacitado que esté, todo ser humano es, y sigue siendo, una
persona del derecho”.
1.2. Aquisição da personalidade jurídica (Pessoa Física ou
Natural)
O seu surgimento ocorre a partir do nascimento com vida (art.
2°, NCC e art. 4º, CC-16).
No instante em que principia o funcionamento do aparelho
cárdio-respiratório, clinicamente aferível pelo exame de docimasia
hidrostática de Galeno, o recém-nascido adquire personalidade
jurídica, tornando-se sujeito de direito, mesmo que venha a falecer
minutos depois.
Na mesma linha, a Res. nº 1/88 do Conselho Nacional de Saúde1
dispõe que o nascimento com vida é a:
“expulsão ou extração completa do produto da concepção
quando, após a separação, respire e tenha batimentos cardíacos,
tendo sido ou não cortado o cordão, esteja ou não desprendida a
placenta”.
Em uma perspectiva constitucional de respeito à dignidade da
pessoa, não importa que o feto tenha forma humana ou tempo mínimo
de sobrevida (como se dá no Código Civil Espanhol – art. 30).
Assim, se o recém-nascido – cujo pai já tenha morrido - falece
minutos após o parto, terá adquirido, por exemplo, todos os direitos
sucessórios do seu genitor, transferindo-os para a sua mãe, uma vez
que se tornou, ainda que por breves instantes, sujeito de direito.
1
Cit. por DINIZ, Maria Helena, in Curso de Direito Civil Brasileiro, 25ª ed. São Paulo: Saraiva, 2008, pág.
198.
3. 3
1.3. O Nascituro.
LIMONGI FRANÇA, citado por FRANCISCO AMARAL, define o
nascituro como sendo “o que está por nascer, mas já concebido no
ventre materno”.2
Cuida-se do ente concebido, embora ainda não nascido, dotado
de vida intra-uterina, daí porque a doutrina diferencia-o (o nascituro)
do embrião mantido em laboratório3.
A Lei Civil trata do nascituro quando, posto não o considere
pessoa, coloca a salvo os seus direitos desde a concepção (art. 2º,
NCC, art. 4º, CC-16).
Ora, se for admitida a teoria natalista, segundo a qual a
aquisição da personalidade opera-se a partir do nascimento com vida,
é razoável o entendimento no sentido de que, não sendo pessoa, o
nascituro possui mera expectativa de direito (VICENTE RÁO, SILVIO
RODRIGUES, EDUARDO ESPÍNOLA, SILVIO VENOSA).
Mas a questão não é pacífica na doutrina.
Os adeptos da teoria da personalidade condicional sufragam
entendimento no sentido de que o nascituro possui direitos sob
condição suspensiva. Vale dizer, ao ser concebido, já pode titularizar
alguns direitos (extrapatrimoniais), como o direito à vida, mas só
adquire completa personalidade, quando implementada a condição do
seu nascimento com vida.
2
AMARAL, Francisco, Introdução ao Direito Civil, Renovar, pág. 217.
3
Um interessante projeto de lei que cuida da reprodução humana assistida é o PL 90/99, que, em seu art. 9°
§ 1°, prevê expressamente que: “Não se aplicam aos embriões originados in vitro, antes de sua introdução
no aparelho reprodutor da mulher receptora, os direitos assegurados ao nascituro na forma da lei. Já o
Projeto de Reforma do CC, em sua redação original, aponta em sentido contrário: “Art. 2°. A personalidade
civil da pessoa começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do
embrião e do nascituro” (grifos nossos).
4. 4
A teoria concepcionista, por sua vez, influenciada pelo Direito
Francês, é mais direta e ousada: entende que o nascituro é pessoa
desde a concepção (TEIXEIRA DE FREITAS, CLÓVIS BEVILÁQUA,
SILMARA CHINELATO).
CLÓVIS BEVIÁQUA, em seus “Comentários ao Código Civil dos
Estados Unidos do Brasil”, Rio de Janeiro: Ed. Rio, 1975, pág. 178,
após elogiar abertamente a teoria concepcionista, ressaltando os seus
excelentes argumentos, conclui ter adotado a natalista, “por parecer
mais prática” (sic). No entanto, o próprio autor, nesta mesma obra,
não resiste ao apelo concepcionista, ao destacar situações em que o
nascituro “se apresenta como pessôa” (sic).
A despeito de toda essa profunda controvérsia doutrinária, o fato
é que, nos termos da legislação em vigor, inclusive do Novo Código
Civil, o nascituro tem a proteção legal dos seus direitos desde a
concepção.
Nesse sentido, pode-se apresentar o seguinte quadro
esquemático, não exaustivo:
a) o nascituro é titular de direitos personalíssimos (como o
direito à vida, o direito à proteção pré-natal etc.)4;
b) pode receber doação, sem prejuízo do recolhimento do
imposto de transmissão inter vivos;
c) pode ser beneficiado por legado e herança;
d) pode ser-lhe nomeado curador para a defesa dos seus
interesses (arts. 877 e 878, CPC);
e) o Código Penal tipifica o crime de aborto;
4
O art. 7. do Estatuto da Criança e do Adolescente dispõe que: “a criança e o adolescente têm direito à
proteção à vida e à saúde, mediante a efetivação de políticas públicas que permitam o nascimento e o
desenvolvimento sadio e harmonioso, em condições dignas de existência”.
5. 5
f) como decorrência da proteção conferida pelos direitos da
personalidade, concluímos que o nascituro tem direito à
realização do exame de DNA, para efeito de aferição de
paternidade5.
Sufragamos, ainda, a possibilidade de se reconhecer ao
nascituro direito aos alimentos, embora a matéria seja extremamente
polêmica.
Nesse sentido, confira-se o seguinte julgado do TJRS:
“INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE. ALIMENTOS
PROVISÓRIOS EM FAVOR DO NASCITURO. POSSIBILIDADE.
5
Confira-se, neste ponto, o julgado do Supremo Tribunal Federal no caso “Glória Trevis” (Rcl 2040
QUESTÃO DE ORDEM NA RECLAMAÇÃO, Relator(a): Min. NÉRI DA SILVEIRA, Julgamento:
21/02/2002 , Órgão Julgador: Tribunal Pleno, Publicação: DJ DATA-27-06-2003 PP-00031 EMENT
VOL-02116-01 PP-00129), em que podemos observar a aplicação da teoria da “ponderação de interesses”,
visando a dirimir eventuais conflitos entre direitos constitucionais. Embora se buscasse, em verdade, a
apuração de um crime, o fato é que o nascituro mereceria, em nosso sentir, no caso em tela, o beneficio da
produção da prova pericial, para que, após seu nascimento, não houvesse que carregar o peso das
circunstâncias duvidosas da sua concepção: “EMENTA: - Reclamação. Reclamante submetida ao
processo de Extradição n.º 783, à disposição do STF. 2. Coleta de material biológico da
placenta, com propósito de se fazer exame de DNA, para averigüação de paternidade do
nascituro, embora a oposição da extraditanda. 3. Invocação dos incisos X e XLIX do art. 5º, da
CF/88. 4. Ofício do Secretário de Saúde do DF sobre comunicação do Juiz Federal da 10ª Vara
da Seção Judiciária do DF ao Diretor do Hospital Regional da Asa Norte - HRAN, autorizando a
coleta e entrega de placenta para fins de exame de DNA e fornecimento de cópia do prontuário
médico da parturiente. 5. Extraditanda à disposição desta Corte, nos termos da Lei n.º
6.815/80. Competência do STF, para processar e julgar eventual pedido de autorização de
coleta e exame de material genético, para os fins pretendidos pela Polícia Federal. 6. Decisão
do Juiz Federal da 10ª Vara do Distrito Federal, no ponto em que autoriza a entrega da
placenta, para fins de realização de exame de DNA, suspensa, em parte, na liminar concedida
na Reclamação. Mantida a determinação ao Diretor do Hospital Regional da Asa Norte, quanto à
realização da coleta da placenta do filho da extraditanda. Suspenso também o despacho do Juiz
Federal da 10ª Vara, na parte relativa ao fornecimento de cópia integral do prontuário médico
da parturiente. 7. Bens jurídicos constitucionais como "moralidade administrativa",
"persecução penal pública" e "segurança pública" que se acrescem, - como bens da
comunidade, na expressão de Canotilho, - ao direito fundamental à honra (CF, art. 5°, X), bem
assim direito à honra e à imagem de policiais federais acusados de estupro da extraditanda,
nas dependências da Polícia Federal, e direito à imagem da própria instituição, em confronto
com o alegado direito da reclamante à intimidade e a preservar a identidade do pai de seu filho.
8. Pedido conhecido como reclamação e julgado procedente para avocar o julgamento do pleito
do Ministério Público Federal, feito perante o Juízo Federal da 10ª Vara do Distrito Federal. 9.
Mérito do pedido do Ministério Público Federal julgado, desde logo, e deferido, em parte, para
autorizar a realização do exame de DNA do filho da reclamante, com a utilização da placenta
recolhida, sendo, entretanto, indeferida a súplica de entrega à Polícia Federal do "prontuário
médico" da reclamante”.
6. 6
ADEQUAÇÃO DO QUANTUM. 1. Não pairando dúvida acerca do
envolvimento sexual entretido pela gestante com o investigado, nem
sobre exclusividade desse relacionamento, e havendo necessidade da
gestante, justifica-se a concessão de alimentos em favor do nascituro.
2. Sendo o investigado casado e estando também sua esposa grávida,
a pensão alimentícia deve ser fixada tendo em vista as necessidades
do alimentando, mas dentro da capacidade econômica do alimentante,
isto é, focalizando tanto os seus ganhos como também os encargos
que possui. Recurso provido em parte. (AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº
70006429096, SÉTIMA CÂMARA CÍVEL, TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO RS,
RELATOR: SÉRGIO FERNANDO DE VASCONCELLOS CHAVES, JULGADO
EM 13/08/2003)”.
Na doutrina, preleciona o Prof. Teixeira Giorgis:
“Como a regra constitucional declara a vida inviolável e o
estatuto menorista assegura à gestante o atendimento pré-natal e
perinatal, não há mais controvérsia sobre o direito do nascituro a
alimentos. Então se aceita que a pesquisa da filiação seja cumulada
com um pedido de alimentos provisórios para que a mãe possa
enfrentar as despesas anteriores ao parto, como os custos da
pediatria, a assistência cirúrgica, transfusões, ultra-sonografia,
intervenções fetais e outras (AGI 596067629); é que a gravidez
diminui a capacidade laborativa da pessoa (AGI nº 70016977936),
situação que também se aceita em caso de união estável (AGI nºs
70017520479 e 70016977936).Para a concessão dos alimentos é
necessário haver indícios convincentes sobre a paternidade invocada
(AGI nº 70018406652), não sendo atendida a postulação quando não
ocorram elementos seguros sobre a genitura ou sobre o início da
prenhez (AGI nº70009811027). Assim também acontece quando os
7. 7
cônjuges estão separados de fato por mais de quatro meses (APC nº
587002155)”.6
Até mesmo direito à reparação por dano moral em favor do
nascituro já foi admitido pelo Superior Tribunal de Justiça:
“DIREITO CIVIL. DANOS MORAIS. MORTE. ATROPELAMENTO.
COMPOSIÇÃO FÉRREA. AÇÃO AJUIZADA 23 ANOS APÓS O EVENTO.
PRESCRIÇÃO INEXISTENTE. INFLUÊNCIA NA QUANTIFICAÇÃO DO
QUANTUM. PRECEDENTES DA TURMA. NASCITURO. DIREITO AOS
DANOS MORAIS. DOUTRINA. ATENUAÇÃO. FIXAÇÃO NESTA
INSTÂNCIA. POSSIBILIDADE. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. I -
Nos termos da orientação da Turma, o direito à indenização por dano
moral não desaparece com o decurso de tempo (desde que não
transcorrido o lapso prescricional), mas é fato a ser considerado na
fixação do quantum. II - O nascituro também tem direito aos danos
morais pela morte do pai, mas a circunstância de não tê-lo conhecido
em vida tem influência na fixação do quantum.
III - Recomenda-se que o valor do dano moral seja fixado desde logo,
inclusive nesta instância, buscando dar solução definitiva ao caso e
evitando inconvenientes e retardamento da solução jurisdicional.”
(STJ, QUARTA TURMA, RESP 399028 / SP ; RECURSO ESPECIAL
2001/0147319-0, Ministro SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA, Julg.
26/02/2002, DJ 15.04.2002 p.00232)
6
GIORGIS, José Carlos Teixeira, in “Alimentos para o Nascituro”
http://www.espacovital.com.br/noticia_ler.php?idnoticia=8070, acessado em 20 de julho de 2008.
8. 8
Questão de concurso: Existe proteção jurídica ao natimorto?
Segundo a doutrina, existe, sim.
Em respeito ao princípio da dignidade da pessoa humana,
deve-se proteger o nome, a imagem e a memória daquele que nasceu
morto7.
2. Capacidade de Direito e de Fato e Legitimidade.
Adquirida a personalidade jurídica, toda pessoa passa a ser
capaz de direitos e obrigações.
Possui, portanto, capacidade de direito ou de gozo.
Todo ser humano tem, assim, capacidade de direito, pelo fato de
que a personalidade jurídica é um atributo inerente à sua condição.
Se puder atuar pessoalmente, possui, também, capacidade de
fato ou de exercício.
Reunidos os dois atributos, fala-se em capacidade civil plena:
CAP. DE DIREITO + CAP. DE FATO CAPACIDADE CIVIL PLENA
A falta de capacidade de fato ou de exercício, conduz-nos ao
problema da incapacidade.
Questão de Concurso: O que é a “restitutio in integrum”, em
Teoria Geral (no âmbito dos atos praticados por menores)?
7
Enunciado 01 (Jornadas de Direito Civil – CJF): “Art. 2º. A proteção que o Código defere ao nascituro
alcança o natimorto no que concerne aos direitos da personalidade, tais como nome, imagem e sepultura.”
As Jornadas de Direito Civil são importantes postulados de doutrina, fruto de encontros de juristas,
realizados em Brasília. Você pode encontrar os enunciados das I, III e IV Jornadas (eis que na II não houve
apresentação dessa ordem) no site www.novodireitocivil.com.br (fonte: Conselho da Justiça Federal).
9. 9
Segundo Clóvis Beviláqua, em sua obra “Theoria Geral do Direito
Civil” (RED, 1999, págs. 120-123), este instituto tem origem romana,
consistindo “no benefício concedido aos menores e às pessoas que se
lhes equiparam, a fim de poderem anular quaisquer atos válidos sob
outros pontos de vista, nos quais tenham sido lesadas” (pág. 121).
Concedida a restituição, as partes retornam ao estado anterior
de coisas.
O Código de 1916, em seu art. 8º acabava com este benefício.
O novo Código Civil, na mesma linha, não tem dispositivo algum
beneficiando especificamente menores ou incapazes, razão por que
entendemos continuar extinto o instituto.
Afastada esta hipótese, previu o novo estatuto, outrossim,
especial situação de invalidade do negócio jurídico, para salvaguardar
interesse do incapaz, quando o seu representante praticar ato
atentatório ao seu interesse:
Art. 119. É anulável o negócio concluído pelo representante em
conflito de interesses com o representado, se tal fato era ou devia ser
do conhecimento de quem com aquele tratou.
Parágrafo único. É de cento e oitenta dias, a contar da conclusão do
negócio ou da cessação da incapacidade, o prazo de decadência para
pleitear-se a anulação prevista neste artigo.
Questão de Concurso: O que se entende por “estado das
pessoas”?
Segundo Orlando Gomes (in Introdução ao Direito Civil, 10. ed,
2. tiragem, Rio de Janeiro: Forense, 1993, pág. 172), “A noção de
10. 10
status coliga-se à de capacidade. O status é uma qualidade jurídica
decorrente da inserção de um sujeito numa categoria social, da qual
derivam, para este, direitos e deveres”.
Nessa linha de pensamento, é possível se identificarem estados
político (nacionais e estrangeiros), familiar (cônjuge, companheiro,
parente), individual (idade, sexo, saúde).
2.1. Incapacidade absoluta.
O Código Civil de 1916, em seu art. 5O, reputava absolutamente
incapazes de exercer pessoalmente os atos da vida civil:
a) os menores de 16 (dezesseis) anos;
b) os loucos de todo o gênero;
c) os surdos-mudos, que não puderem exprimir a sua vontade;
d) os ausentes, declarados tais por ato do juiz.
Seguindo a diretriz mais moderna e adequada do Novo Código
Civil, as seguintes pessoas são consideradas absolutamente incapazes
de exercer pessoalmente os atos da vida civil:
2.1.1. Os menores de dezesseis anos.
Trata-se dos menores impúberes.
Abaixo deste limite etário, o legislador considera que a pessoa é
inteiramente imatura para atuar na órbita do direito.
11. 11
Vale lembrar que, no Estatuto da Criança e do Adolescente, a
distinção é peculiar:
“Art. 2º, ECA - Considera-se criança, para os efeitos desta Lei, a
pessoa até doze anos de idade incompletos, e adolescente aquela
entre doze e dezoito anos de idade.
Parágrafo único. Nos casos expressos em lei, aplica-se
excepcionalmente este Estatuto às pessoas entre dezoito e vinte e um
anos de idade”.
Observe-se, todavia, que tanto a criança quanto o adolescente
são considerados incapazes (absoluta ou relativamente incapazes,
conforme veremos no item 2.2.1.).
2.1.2. Os que, por enfermidade ou deficiência mental, não
tiverem o necessário discernimento para a prática desses atos.
As pessoas que padeçam de doença ou deficiência
mental, que as torne incapazes de praticar atos no comércio jurídico,
são consideradas absolutamente incapazes.
O Novo Código Civil afastou a expressão “loucos de todo o
gênero”, duramente criticada por Nina Rodrigues na época da
elaboração do Código Civil de 1916.
A incapacidade deve ser oficialmente reconhecida por
meio do procedimento de interdição, previsto nos arts. 1177 a 1186 do
CPC.
A doutrina admite, ainda, uma incapacidade natural,
quando a enfermidade ou deficiência não se encontra judicialmente
declarada.
12. 12
Nesse caso, admite-se a invalidação do ato praticado pelo
incapaz não oficialmente interditado, se ficarem demonstrados: o
prejuízo ao incapaz e a má-fé da outra parte.
É bom lembrar ainda que, declarada judicialmente a
incapacidade, não são considerados válidos os atos praticados pelo
incapaz mesmo nos intervalos de perfeita lucidez.
2.1.3. Os que, mesmo por causa transitória, não puderem
exprimir a sua vontade.
São considerados absolutamente incapazes aqueles que, em
razão de uma causa temporária (ou permanente, claro) estejam
impedidas de manifestar vontade.
É o caso da pessoa vítima de uma intoxicação fortuita, ou em
estado de coma, em virtude de acidente de veículo.
Questão de concurso: E como fica a situação do surdo-mudo
incapaz de manifestar vontade?
Não estando previsto em inciso autônomo, como ocorria no
Código revogado, ainda assim, ele poderá ser considerado
absolutamente incapaz, caso se enquadre em qualquer das hipóteses
do art. 3°, especialmente a do inc. III.
Questão de concurso: a senilidade é causa de incapacidade?
Não. A senilidade não gera incapacidade civil.
13. 13
Diferentemente, outrossim, é a situação da pessoa de idade
avançada que apresente problema de saúde mental apto a justificar a
sua interdição.
2.2. Incapacidade relativa.
O Código de 1916, em seu art. 6O, considerava incapazes,
relativamente a certos atos ou à maneira de os exercer:
a) os maiores de 16 (dezesseis) e menores de 21 (vinte e um)
anos;
b) os pródigos;
c) os silvícolas.
Consoante a diretriz do Novo Código Civil, são incapazes,
relativamente a certos atos, ou à maneira de os exercer :
2.2.1. Os maiores de dezesseis e menores de dezoito anos.
Trata-se dos menores púberes.
2.2.2. Os ébrios habituais, os viciados em tóxicos, e os que, por
deficiência mental, tenham o discernimento reduzido.
Muito cuidado com este dispositivo.
A embriaguez, o vício de tóxico e a deficiência consideradas
como causas de incapacidade relativa, neste caso, REDUZEM, mas não
ANIQUILAM a capacidade de discernimento.
14. 14
Se privarem totalmente o agente de capacidade de consciência e
orientação, como na embriaguez patológica ou toxicomania grave
(dependência química total) configurar-se-á incapacidade absoluta, na
forma do art. 3°, II.
2.2.3. Os excepcionais, sem desenvolvimento mental completo.
São consideradas relativamente incapazes as pessoas
dotadas de desenvolvimento mental incompleto, como os portadores
da síndrome de Down (pessoas especiais que, com muito amor e
carinho em sua educação, merecem todo o nosso respeito, e podem
perfeitamente atuar social e profissionalmente).
2.2.4. Os pródigos.
A prodigalidade é um desvio comportamental por meio do qual o
indivíduo desordenadamente dilapida o seu patrimônio, podendo
reduzir-se à miséria.
Para a sua própria proteção (e para evitar que bata às portas de
um parente ou do Estado), o pródigo poderá ser interditado.
Segundo a legislação em vigor, a curatela do pródigo somente o
privará de, sem curador, emprestar, transigir, dar quitação, alienar,
hipotecar, demandar ou ser demandado, e praticar, em geral, atos que
não sejam de mera administração (art. 1782, NCC).
Questão de Concurso: Para casar, o curador do pródigo deve ser
ouvido?
15. 15
Como o casamento deflagra também efeitos patrimoniais, o seu
curador deve manifestar-se, não para interferir na escolha afetiva,
mas para opinar acerca do regime de bens escolhido.
2.2.5. Algumas palavras sobre a capacidade jurídica dos
silvícolas.
A disciplina normativa do índio (evite falar silvícola), que no
Código de 1916 mereceu assento entre os relativamente incapazes,
passou a ser remetida à legislação especial (art. 4º, parágrafo único,
NCC), que disciplina autonomamente a matéria (cf. especialmente a
Lei n. 5371 de 05 de dezembro de 1967, e a Lei n. 6001 de 19 de
dezembro de 1973 - Estatuto do Índio).
Confira o que dispõe o art. 8º do Estatuto do Índio8:
Art. 8º São nulos os atos praticados entre o índio não integrado
e qualquer pessoa estranha à comunidade indígena quando não tenha
havido assistência do órgão tutelar competente.
Parágrafo único. Não se aplica a regra deste artigo no caso em
que o índio revele consciência e conhecimento do ato praticado, desde
que não lhe seja prejudicial, e da extensão dos seus efeitos.
2.3. Suprimento da Incapacidade (Representação e
Assistência).
8
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L6001.htm, acessado em 20 de julho de 2008.
16. 16
O suprimento da incapacidade absoluta dá-se através da
representação, e o da incapacidade relativa, por meio da assistência.
Cuida-se de institutos protetivos dos incapazes.
3. Emancipação
A menoridade, à luz do Novo Código Civil, cessa aos 18
(dezoito) anos completos, quando a pessoa fica habilitada à prática de
todos os atos da vida civil (art.5º)9.
Vale lembrar que esta redução aos 18 anos reverberou (não
necessariamente para impor modificação na legislação especial) nos
âmbitos penal, processual, previdenciário, e, especialmente, no direito
de família, no que tange ao pagamento de pensão alimentícia.
O STJ, aliás, já firmou entendimento no sentido de que a
redução da maioridade civil não implica cancelamento automático da
pensão alimentícia:
PENSÃO ALIMENTÍCIA. MAIORIDADE. FILHO.
Trata-se de remessa pela Terceira Turma de recurso em ação
revisional de alimentos em que a controvérsia cinge-se em saber se,
atingida a maioridade, cessa automaticamente ou não o dever de
alimentar do pai em relação ao filho. Prosseguindo o julgamento, a
Seção, por maioria, proveu o recurso, entendendo que, com a
maioridade do filho, a pensão alimentícia não pode cessar
automaticamente. O pai terá de fazer o procedimento judicial para
exonerar-se ou não da obrigação de dar pensão ao filho. Explicitou-se
que completar a maioridade de 18 anos não significa que o filho não
irá depender do pai. Precedentes citados: REsp 347.010-SP, DJ
10/2/2003, e REsp 306.791-SP, DJ 26/8/2002. REsp 442.502-SP, Rel.
originário Min. Castro Filho, Rel. para acórdão Min. Antônio de Pádua
Ribeiro, julgado em 6/12/2004.
9
No CC-16, art. 9.: “Aos vinte e um anos completos acaba a menoridade, ficando habilitado o indivíduo
para todos os atos da vida civil”.
17. 17
E mais:
ALIMENTOS. MAIORIDADE DO ALIMENTANDO. EXONERAÇÃO
AUTOMÁTICA DA PENSÃO. INADMISSIBILIDADE.
– Com a maioridade, extingue-se o poder familiar, mas não cessa,
desde logo, o dever de prestar alimentos, fundado a partir de então no
parentesco.
– É vedada a exoneração automática do alimentante, sem
possibilitar ao alimentando a oportunidade de manifestar-se e
comprovar, se for o caso, a impossibilidade de prover a própria
subsistência.
Precedentes do STJ.
Recurso especial não conhecido.
(REsp 739.004/DF, Rel. Ministro BARROS MONTEIRO, QUARTA
TURMA, julgado em 15.09.2005, DJ 24.10.2005 p. 346)
E mais recentemente:
HABEAS CORPUS. PRISÃO CIVIL. ALIMENTOS. A jurisprudência do
Superior Tribunal de Justiça consolidou-se no sentido de que a
maioridade dos filhos não acarreta a exoneração automática da
obrigação de prestar alimentos. Ordem denegada.
(HC 55.065/SP, Rel. Ministro ARI PARGENDLER, TERCEIRA TURMA,
julgado em 10.10.2006, DJ 27.11.2006 p. 271)
Habeas corpus. Prisão civil. Execução de alimentos. Precedentes da
Corte.
1. O habeas corpus, na linha da jurisprudência da Corte, não constitui
via adequada para o exame aprofundado de provas indispensáveis à
verificação da capacidade financeira do paciente para pagar os
alimentos no montante fixado.
2. A maioridade do credor dos alimentos não exonera, por si só, a
obrigação do devedor.
3. A propositura de ação revisional de alimentos não impede a prisão
civil do devedor de alimentos.
4. "O débito alimentar que autoriza a prisão civil do alimentante é o
que compreende as três prestações anteriores ao ajuizamento da
18. 18
execução e as que se vencerem no curso do processo" (Súmula nº
309/STJ - atual redação aprovada em 22/3/06 pela Segunda Seção).
5. Ordem concedida em parte.
(HC 55.606/SP, Rel. Ministro CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO,
TERCEIRA TURMA, julgado em 05.09.2006, DJ 13.11.2006 p. 240)
Firmado o entendimento de que o cancelamento da pensão não
é automático, o próprio STJ, em 2005, passou a admitir que a
exoneração pudesse se dar no bojo de outros processos de família,
não exigindo necessariamente propositura de ação exoneratória:
STJ - quarta-feira, 13 de abril de 2005
09:37 - Pai não precisa entrar com novo processo para deixar de
pagar pensão a filha maior
Decisão unânime tomada com base em voto da ministra Nancy
Andrighi, presidente da Terceira Turma do Superior Tribunal de
Justiça, definiu que, para deixar de pagar pensão alimentícia, o pai
não necessita entrar com uma ação autônoma própria. Pode fazer o
pedido nesse sentido até mesmo dentro do processo de investigação
de paternidade cumulada com alimentos movida contra ele pela filha
maior.
A decisão do STJ foi tomada durante o julgamento de um recurso
especial oriundo de Minas Gerais em que o contador S. B., de Belo
Horizonte, foi condenado a pagar três salários mínimos de pensão à
sua filha maior, T. C. da C., universitária de 24 anos. Julgada
procedente pelo Tribunal de Justiça do Estado a ação de investigação
de paternidade cumulada com alimentos, o pai efetuou o pagamento
das prestações alimentícias, mas requereu a exoneração do
pagamento em razão de a filha já haver atingido a maioridade,
estando, portanto, extinto o pátrio poder.
O pedido do pai foi negado em razão de o TJ/MG haver entendido
que, para exonerar-se do dever de pagar a pensão alimentícia à sua
19. 19
filha maior, o pai teria que entrar com uma ação própria, autônoma,
em que fosse permitida a ambas as partes a produção de ampla
prova. O pai alega que o dever de prestar alimentos que lhe foi
imposto tem por único fundamento o fato de sua filha ser menor de
idade à época da decisão judicial que lhe reconheceu o direito,
condição que se alterou, pois hoje, já com 24 anos, atingida a
maioridade, não mais faz jus aos alimentos.
Ao acolher em parte o recurso do pai, a relatora do processo,
ministra Nancy Andrighi, afastou o impedimento encontrado pelo
tribunal mineiro. Para a ministra, cujo voto foi acompanhado
integralmente pelos ministros Antônio de Pádua Ribeiro, Carlos
Alberto Menezes Direito e Castro Filho, o pai tem o direito de
requerer a exoneração do dever de prestar alimentos em qualquer
ação, podendo fazê-lo, inclusive, como no caso, no processo de
investigação de paternidade cumulada com alimentos, que lhe foi
movido pela filha maior.
Viriato Gaspar
E especialmente para os alunos que almejam a carreira do
Ministério Público, confiram este julgado:
RECURSO ESPECIAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. ALIMENTOS.
MAIORIDADE DO ALIMENTANDO. MINISTÉRIO PÚBLICO.
ILEGITIMIDADE PARA RECORRER.
O Ministério Público não detém legitimidade para recorrer contra
decisão em que se discute alimentos quando o alimentando houver
alcançado a maioridade.
Recurso especial não conhecido.
(REsp 712.175/DF, Rel. Ministro CESAR ASFOR ROCHA, QUARTA
TURMA, julgado em 18.10.2005, DJ 08.05.2006 p. 222)
20. 20
RECURSO ESPECIAL. EXONERAÇÃO AUTOMÁTICA. ALIMENTOS.
MAIORIDADE DO ALIMENTANDO. ILEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO
PÚBLICO PARA RECORRER.
1. Carece ao Ministério Público legitimidade para recorrer contra
decisão que extingue o dever de prestar alimentos em razão do
alimentando ter alcançado a maioridade, mormente se este tem
advogado constituído nos autos.
2. Recurso especial não conhecido.
(REsp 982.410/DF, Rel. Ministro FERNANDO GONÇALVES,
QUARTA TURMA, julgado em 06.12.2007, DJ 17.12.2007 p. 217)
A título de complementação, na seara do Direito da Criança e do
Adolescente, há também decisão do E. STJ no sentido de que a
redução da maioridade não interferiu no ECA, no que tange à medida
de internação imposta ao adolescente infrator:
HABEAS CORPUS. ECA. INTERNAÇÃO. LIBERAÇÃO COMPULSÓRIA.
IDADE LIMITE, 21 ANOS. NOVO CÓDIGO CIVIL. REDUÇÃO DA IDADE
DA CAPACIDADE CIVIL.
DESINFLUÊNCIA NA MEDIDA SÓCIO-EDUCATIVA. CONSTRANGIMENTO
ILEGAL.
RESTRIÇÃO. ATIVIDADES EXTERNAS. INOCORRÊNCIA.
1. O Novo Código Civil, ao reduzir a idade da capacidade civil, não
revogou o artigo 121, parágrafo 5º, do Estatuto da Criança e do
Adolescente, que fixa a idade de 21 anos para a liberação compulsória
do infrator.
2. Ajustada a execução da medida sócio-educativa de internação ao
artigo 121, parágrafo 5º, da Lei n° 8.069/90, não há falar em
constrangimento ilegal (Precedentes da Corte).
3. Conquanto o artigo 120 da Lei 8.069/90 dispense autorização do
juiz para a realização de atividades externas pelo menor sujeito à
medida sócio-educativa de semiliberdade, tal não implica a exoneração
do magistrado do seu dever legal de presidir o bom cumprimento do
comando da sentença, adequando a medida sócio-educativa às
peculiaridades do menor e ao próprio ato infracional por ele perpetrado
(Precedentes da Corte).
21. 21
4. Writ denegado.
(HC 28.332/RJ, Rel. Ministro HAMILTON CARVALHIDO, SEXTA TURMA,
julgado em 28.09.2004, DJ 01.02.2005 p. 613)
No âmbito da Previdência Social, a redução da maioridade civil
não implicou a negação do direito de percepção assegurado pela lei
previdenciária, por ser norma especial.
Nessa linha, o Prof. HARILSON ARAÚJO:
“Assim, pela análise dos dispositivos em questão, em matéria
de regime geral de benefícios de previdência do sistema do INSS, os
filhos e os irmãos de qualquer condição que estejam sob a
dependência econômica do segurado, salvo se emancipados, somente
perdem a qualidade de beneficiários ao completarem 21 anos de
idade”.10
E também o enunciado 3 da I Jornada de Direito Civil:
3 – Art. 5º: a redução do limite etário para a definição da capacidade
civil aos 18 anos não altera o disposto no art. 16, I, da Lei n.
8.213/91, que regula específica situação de dependência econômica
para fins previdenciários e outras situações similares de proteção,
previstas em legislação especial.
Finalmente, neste ponto, uma pergunta não quer calar.
Seria possível antecipar-se a aquisição da capacidade plena?
10
http://www.portalbrasil.net/2004/colunas/direito/abril_01.htm, acessado em 20 de julho de 2008.
22. 22
A resposta é positiva: é possível, por meio da emancipação.
Vale lembrar que a emancipação repercute no âmbito do poder
familiar, e, consequentemente, pode interferir também na obrigação
de prestar alimentos, como, inclusive, já decidiu o STJ:
Prisão civil. Débito alimentar. Emancipação do alimentando.
I. - A emancipação do alimentando e a declaração deste dando
quitação das verbas alimentares vencidas constitui prova de não haver
motivo para manter-se a prisão civil do paciente.
II. - Ordem de habeas corpus concedida.
(HC 30.384/RS, Rel. Ministro ANTÔNIO DE PÁDUA RIBEIRO,
TERCEIRA TURMA, julgado em 18.11.2003, DJ 15.12.2003 p. 301
A emancipação poderá ser:
a) voluntária;
b) judicial;
c) legal.
A emancipação voluntária ocorre pela concessão dos pais, ou de
um deles na falta do outro, mediante instrumento público,
independentemente de homologação judicial, desde que o menor haja
completado dezesseis anos (art. 5º., parágrafo único, I, primeira
parte, NCC).
A emancipação é ato irrevogável, mas os pais podem ser
responsabilizados solidariamente pelos danos causados pelo filho que
23. 23
emanciparam. Esse é o entendimento mais razoável, em nossa
opinião, para que a vítima não fique sem qualquer ressarcimento.
A emancipação judicial é aquela concedida pelo juiz, ouvido o
tutor, se o menor contar com dezesseis anos completos (art. 5º,
parágrafo único, I, segunda parte, NCC).
Posto isso, passaremos a analisar as hipóteses de emancipação
legal.
A primeira hipótese é o casamento (art. 5º, parágrafo único, II,
NCC e art. 9º, § 1º, II, CC-16). Recebendo-se em matrimônio,
portanto, antecipam a plena capacidade jurídica, mesmo que venham
a se separar ou a se divorciar depois.
Um dado relevante a ser destacado é que, segundo o Código
Civil, excepcionalmente, será permitida a convolação de núpcias por
aquele que ainda não alcançou a idade mínima legal (art. 1520, NCC),
em caso de gravidez ou para evitar a imposição ou o cumprimento de
pena criminal.
OBS.: Confronte a Lei n. 11.106 de 2005, que revogou o dispositivo do
CP autorizador da extinção da punibilidade pelo casamento, e o art.
1520 do CC.11 Em sala de aula, em momento oportuno, faremos esta
importante análise, inclusive em face das suas implicações com o
Direito de Família.
11
“Foram revogados os incisos VII e VIII do art. 107 do Código Penal, que estabeleciam casos de extinção
da punibilidade de determinados crimes contra os costumes em virtude do casamento da vítima com o
agente e com terceiros, respectivamente, observados certos requisitos no último caso. Cuida-se de novatio
legis in pejus, ao passo em que se retira do autor desses delitos a possibilidade extintiva de sua punibilidade
em face das núpcias da vítima. Daí, só é possível considerar-se que o casamento da vítima não mais
extingue a punibilidade do autor de crimes tais se ocorridos após a entrada em vigor da Lei (3). Interessante
notar que não importa a data do casamento, mas da consumação do delito do qual ainda seja causa extintiva
da punibilidade pelas regras anteriores. Deste modo, o indivíduo que porventura tenha consumado o crime
contra os costumes antes da vigência da Lei e a vítima eventualmente tenha se casado depois da adoção de
tal norma, ainda fará jus à extinção da punibilidade pela causa em questão” ( “Lei nº 11.106/05 -
Primeiras impressões” , Marcelo Lessa Bastos, disponível em: www.jus.com.br, acesso em 26.05.2005).
24. 24
Em seguida, prevê a lei como causa de emancipação legal o
exercício de emprego público efetivo (art. 5º, parágrafo único, III, NCC
e art. 9º, § 1º, III, CC-16), embora dificilmente a lei admita o
provimento efetivo em cargo ou emprego público antes dos 18 anos.
Também a colação de grau em curso de ensino superior é causa
legal de emancipação (art. 5º, parágrafo único, IV, NCC e art. 9º, §
1º, IV, CC-16). Situação também de dificílima ocorrência, para os
menores de 18 anos. Você já imaginou colar grau, em seu curso de
Direito, antes dos dezoito anos?
Finalmente, justifica a emancipação o estabelecimento civil ou
comercial, ou a existência de relação de emprego, desde que, em
função deles, o menor com dezesseis anos completos tenha economia
própria (art. 5º, parágrafo único, V, NCC e art. 9º, § 1º, V, CC-16).
Interessante é a questão do menor com dezesseis anos
completos emancipado por força de uma relação de emprego. Trata-se
de previsão legal inovadora. Nesse caso, entendemos que, ainda que
venha a ser demitido, não retorna à situação de incapacidade, em
respeito ao princípio da segurança jurídica.
4. Extinção da Pessoa Natural.
4.1. Noções Gerais
Termina a existência da pessoa natural com a morte (art. 6º,
NCC, art. 10, CC-16).
A parada do sistema cárdio-respiratório com a cessação das
funções vitais indica o falecimento do indivíduo. Tal aferição,
25. 25
permeada de dificuldades técnicas, deverá ser feita por médico, com
base em seus conhecimentos clínicos e de tanatologia12.
Cuida-se aqui da morte real, aferida, regra geral, por profissional
da medicina.
4.2. Morte Presumida.
O Novo Código Civil admite a morte presumida, quanto aos
ausentes, nos casos em que a lei autoriza a abertura da sucessão
definitiva (art. 6., NCC).
Mas a declaração de morte presumida não ocorre apenas em
caso de ausência.
A lei enumera outras hipóteses, em seu art. 7°, I e II:
“Art. 7° - Pode ser declarada a morte presumida, sem
decretação de ausência:
I – se for extremamente provável a morte de quem estava em
perigo de vida;
II – se alguém, desaparecido em campanha ou feito prisioneiro,
não for encontrado até dois anos após o término da guerra.
Parágrafo único – A declaração de morte presumida, nesses
casos, somente poderá ser requerida depois de esgotadas as buscas e
averiguações, devendo a sentença fixar a data provável do
falecimento”.
12
MARIA HELENA DINIZ observa que “a noção comum de morte tem sido a ocorrência de parada
cardíaca prolongada e a ausência de respiração, ou seja, a cessação total e permanente da funções vitais,
mas, para efeito de transplante, tem a lei considerado a morte encefálica, mesmo que os demais órgãos
estejam em pleno funcionamento, ainda que ativados por drogas” (“O Estado Atual do Biodireito”, São
Paulo: Saraiva, 2001, págs. 266-267)..
26. 26
Tais hipóteses também deverão ser formuladas em
procedimento específico de justificação, aplicando-se a Lei de
Registros Públicos, no que couber.
4.3. Morte Simultânea (Comoriência).
A situação jurídica da comoriência vem prevista no art. 8º do
NCC (art. 11, CC-16), nos seguintes termos:
“Art. 8. – Se dois ou mais indivíduos falecerem na mesma
ocasião, não se podendo averiguar se algum dos comorientes
precedeu aos outros, presumir-se-ão simultaneamente mortos”.
Fique atento: esta regra somente é aplicável, se não se puder
precisar os instantes das mortes.
No caso de não se poder precisar a ordem cronológica das
mortes dos comorientes, a lei firmará a presunção de haverem falecido
no mesmo instante, o que acarreta importantes conseqüências
práticas: abrem-se cadeias sucessórias autônomas e distintas, de
maneira que um comoriente não herda do outro.
Como diz BEVILÁQUA (in Comentários...cit. acima, pág. 207):
“Na falta de qualquer elemento de prova, o que a razão diz é
que não se pode afirmar qual das pessoas faleceu primeiro, e,
consequentemente, nenhum direito fundado na procedência da morte
pode ser transferido de uma para a outra”.
Finalmente, vale lembrar que as mortes, em tese, podem ocorrer
em locais distintos.
27. 27
A título meramente ilustrativo (pois ocorrido em outro País),
veja este caso noticiado pelo Portal do Terra:
Casal morre na mesma hora em acidentes diferentes
Dois jovens namorados do noroeste da Itália morreram neste fim de
semana em dois acidentes de trânsito diferentes ocorridos na mesma
hora, de acordo com os meios de comunicação locais.
Mauro Monucci, 29 anos, morreu por volta da meia-noite de sábado
quando sua moto, de alta cilindrada, chocou-se contra um poste em
um cruzamento nos arredores do Palácio dos Esportes de Forli. O
jovem morreu quando era levado numa ambulância ao hospital,
segundo a edição digital do jornal La Repubblica.
Praticamente ao mesmo tempo, o carro de sua namorada, Simona
Acciai, 27 anos, saiu da estrada em uma área periférica da cidade e
caiu em um fosso. Simona morreu na hora.
Os telefonemas para os serviços de emergência para alertar sobre os
dois acidentes foram feitos com poucos minutos de diferença, mas as
autoridades só perceberam que as vítimas eram um casal ao verificar
em seus documentos que os dois tinham o mesmo endereço.
Frente ao caso inusitado, a magistratura local ordenou a realização de
autópsias nos dois corpos.
EFE
Agência Efe - Todos os direitos reservados. É proibido todo tipo de
reprodução sem autorização escrita da Agência Efe S/A.
http://noticias.terra.com.br/mundo/interna/0,,OI984767-
EI294,00.html
28. 28
Imaginem a confusão jurídica que poderia ocorrer se fossem casados,
e se o evento ocorresse no Brasil...
Bibliografia utilizada: Novo Curso de Direito Civil – Parte
Geral – vol. 1. Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona
Filho, Ed. Saraiva (www.editorajuspodivm.com.br ou
www.saraivajur.com.br ).
Plantão de Dúvidas: www.lfg.com.br
Consulte outros textos e notícias interessantes no site:
www.novodireitocivil.com.br
5. Programa de Direito Civil do Intensivo I
Segue, abaixo, o programa da nossa matéria:
DIREITO CIVIL
Conteúdo Programático.
• Personalidade jurídica. Nascituro. Embrião. Pessoa física.
• Domicilio. Pessoa jurídica. Desconsideração da Pessoa Jurídica
(Disregard Doctrine)
• Fato jurídico. Negocio jurídico: plano de existência, validade
(defeitos do negócio jurídico) e eficácia
• Prescrição e decadência
• Direito das obrigações. Teoria do pagamento.
• Transmissibilidade da obrigação (cessão de crédito, de débito e
de contrato).
• Formas especiais de pagamento (principais).
• Teoria do inadimplemento. Mora. Cláusula penal
• Responsabilidade civil
• Teoria geral dos contratos
29. 29
• Posse
• Propriedade
• Direito de família: abordagem crítica e constitucional, com
ênfase na dimensão socioafetiva do conceito de família
• Introdução ao Direito das Sucessões
Observação: Lei de Introdução ao Código Civil/Direitos da
Personalidade, Contratos em Espécie, Condomínio/Direitos Reais na
Coisa Alheia, Sucessão Legítima e Testamentária, Juros e outros temas
de Direito Civil são objeto de outros módulos no LFG. Sugerimos
consultaram a programação no site www.lfg.com.br
6. Textos Complementares
TEXTO COMPLEMENTAR 01 – AUSÊNCIA
A ausência é, antes de tudo, um estado de fato, em que uma
pessoa desaparece de seu domicílio, sem deixar qualquer notícia.
Visando a não permitir que este patrimônio fique sem titular, o
legislador traçou o procedimento de transmissão desses bens (em
virtude da ausência) nos arts.463 a 484 do CC-16 (correspondente aos
arts. 22 a 39 do novo CC), previsto ainda pelos arts. 1159 a 1169 do
vigente Código de Processo Civil brasileiro.
E por se tratar de matéria minuciosamente positivada,
sugerimos ao nosso estimado aluno a leitura atenta das próprias
normas legais.
O NCC reconhece a ausência como uma morte presumida, em
seu art.6º, a partir do momento em que a lei autorizar a abertura de
sucessão definitiva, consoante vimos em sala de aula.
Para se chegar a este momento, porém, um longo caminho deve
ser cumprido, como a seguir veremos.
30. 30
a) Curadoria dos Bens do Ausente.
A requerimento de qualquer interessado direto ou mesmo do
Ministério Público, será nomeado curador, que passará a gerir os
negócios do ausente até o seu eventual retorno.
Na mesma situação se enquadrará aquele que, tendo deixado
mandatário, este último se encontre impossibilitado, física ou
juridicamente (quando seus poderes outorgados forem insuficientes),
ou simplesmente não tenha interesse em exercer o múnus.
Observe-se que esta nomeação não é discricionária,
estabelecendo a lei uma ordem legal estrita e sucessiva, no caso de
impossibilidade do anterior, a saber:
1) o cônjuge do ausente, se não estiver separado
judicialmente, ou de fato por mais de dois anos antes
da declaração da ausência;
2) pais do ausente (destaque-se que a referência é
somente aos genitores, e não aos ascendentes em
geral);
3) descendentes do ausente, preferindo os mais
próximos aos mais remotos
4) qualquer pessoa à escolha do magistrado.
b) Sucessão Provisória.
Decorrido um ano da arrecadação dos bens do ausente, ou, se
ele deixou representante ou procurador, em se passando três anos13,
13
Esta segunda hipótese se limita à previsão do art. 23 do NCC: “Também se declarará a ausência, e se
nomeará curador, quando o ausente deixar mandatário que não queira, ou não possa exercer ou continuar o
mandato, ou se os seus poderes forem insuficientes”
31. 31
poderão os interessados requerer que se declare a ausência e se abra
provisoriamente a sucessão.
Por cautela, cerca-se o legislador da exigência de garantia da
restituição dos bens, nos quais os herdeiros se imitiram
provisoriamente na posse, mediante a apresentação de penhores ou
hipotecas equivalentes aos quinhões respectivos, valendo-se destacar,
inclusive, que o § 1º do art. 30 estabelece que aquele “que tiver
direito à posse provisória, mas não puder prestar a garantia exigida
neste artigo, será excluído, mantendo-se os bens que lhe deviam
caber sob a administração do curador, ou de outro herdeiro designado
pelo juiz, e que preste essa garantia”14.
Esta razoável cautela de exigência de garantia é excepcionada,
porém, em relação aos ascendentes, descendentes e o cônjuge, uma
vez provada a sua condição de herdeiros (§ 2º do art.30), o que pode
ser explicado pela particularidade de seu direito, em função dos outros
sujeitos legitimados para requerer a abertura da sucessão provisória15,
ao qual se acrescenta o Ministério Público, por força do § 1º do art.28
do NCC.
Em todo caso, a provisoriedade da sucessão é evidente na tutela
legal, haja vista que é expressamente determinado, por exemplo, que
os “imóveis do ausente só se poderão alienar não sendo por
desapropriação, ou hipotecar, quando o ordene o juiz, para lhes evitar
a ruína” (art.31), bem como que “antes da partilha, o juiz, quando
julgar conveniente, ordenará a conversão dos bens móveis, sujeitos a
14
Ressalve-se, todavia, que o art. 34 do NCC admite que o “excluído, segundo o art. 30, da posse
provisória poderá, justificando falta de meios, requerer lhe seja entregue metade dos rendimentos do
quinhão que lhe tocaria”.
15
“Art. 27. Para o efeito previsto no artigo antecedente, somente se consideram interessados:
I – o cônjuge não separado judicialmente;
II – os herdeiros presumidos, legítimos ou testamentários;
III – os que tiverem sobre os bens do ausente direito dependente de sua morte;
IV – os credores de obrigações vencidas e não pagas.”
32. 32
deterioração ou a extravio, em imóveis ou em títulos garantidos pela
União” (art.29).
Um aspecto de natureza processual da mais alta significação, na
idéia de preservação, ao máximo, do patrimônio do ausente, é a
estipulação, pelo art.28, do prazo de 180 dias para produção de
efeitos da sentença que determinar a abertura da sucessão provisória,
após o que, transitando em julgado, proceder-se-á à abertura do
testamento, caso existente, ou ao inventário e partilha dos bens, como
se o ausente tivesse falecido.
Com a posse nos bens do ausente, passam os sucessores
provisórios a representar ativa e passivamente o ausente, o que lhes
faz dirigir contra si todas as ações pendentes e as que de futuro
àquele foram movidas.
Na forma do art. 33, os herdeiros empossados, se descendentes,
ascendentes ou cônjuges terão direito subjetivo a todos os furtos e
rendimentos dos bens que lhe couberem, o que não acontecerá com os
demais sucessores, que deverão, necessariamente, capitalizar metade
destes bens acessórios, com prestação anual de contas ao juiz
competente.
Se, durante esta posse provisória, porém, se prova o efetivo
falecimento do ausente, converter-se-á a sucessão em definitiva,
considerando-se a mesma aberta, na data comprovada, em favor dos
herdeiros que o eram àquele tempo. Isto, inclusive, pode gerar
algumas modificações na situação dos herdeiros provisórios, uma vez
que não se pode descartar a hipótese de haver herdeiros
sobreviventes na época efetiva do falecimento do desaparecido, mas
que não mais estavam vivos quando do processo de sucessão
provisória.
33. 33
c) Sucessão Definitiva.
Por mais que se queira preservar o patrimônio do ausente, o
certo é que a existência de um longo lapso temporal, sem qualquer
sinal de vida, reforça as fundadas suspeitas de seu falecimento.
Por isto, presumindo efetivamente o seu falecimento, estabelece
a lei o momento próprio e os efeitos da sucessão definitiva.
De fato, dez anos após o trânsito em julgado da sentença de
abertura de sucessão provisória, converter-se-á a mesma em
definitiva – o que, obviamente, dependerá de provocação da
manifestação judicial para a retirada dos gravames impostos –
podendo os interessados requerer o levantamento das cauções
prestadas.
Esta plausibilidade maior do falecimento presumido é reforçado,
em função da expectativa média de vida do homem, admitindo o art.
38 a possibilidade de requerimento da sucessão definitiva, “provando-
se que o ausente conta oitenta anos de idade, e que de cinco datam as
últimas notícias dele”.
d) Retorno do Ausente
Admite a lei a possibilidade de ausente retornar.
Se este aparece na fase de arrecadação de bens, não há
qualquer prejuízo ao seu patrimônio, continuando ele a gozar
plenamente de todos os seus bens.
Se já tiver sido aberta a sucessão provisória, a prova de que a
ausência foi voluntária e injustificada, faz com que o ausente perca,
em favor do sucessor provisório, sua parte nos frutos e rendimento
(art.33, parágrafo único). Em função, porém, da provisoriedade da
34. 34
sucessão, o seu reaparecimento, faz cessar imediatamente todas as
vantagens dos sucessores imitidos na posse, que ficam obrigados a
tomar medidas assecuratórias precisas, até a entrega dos bens a seu
titular (art.36)
Se a sucessão, todavia, já for definitiva, terá o ausente o direito
aos seus bens, se ainda incólumes, não respondendo os sucessores
havidos pela sua integridade, conforme se verifica no art. 39, nos
seguintes termos:
“Art. 39. Regressando o ausente nos dez anos
seguintes à abertura da sucessão definitiva, ou algum de
seus descendentes ou ascendentes, aquele ou estes
haverão só os bens existentes no estado em que se
acharem, os sub-rogados em seu lugar, ou o preço que
os herdeiros e demais interessados houverem recebido
pelos bens alienados depois daquele tempo.
Parágrafo único. Se, nos dez anos a que se refere este
artigo, o ausente não regressar, e nenhum interessado
promover a sucessão definitiva, os bens arrecadados
passarão ao domínio do Município ou do Distrito Federal,
se localizados nas respectivas circunscrições,
incorporando-se ao domínio da União, quando situados
em território federal.”
OBS. Olhe que interessante:
Situação interessante diz respeito ao efeito dissolutório do
casamento, decorrente da ausência, admitido pelo novo Código Civil,
em seu art. 1571 § 1o :
35. 35
§ 1o O casamento válido só se dissolve pela morte de um
dos cônjuges ou pelo divórcio, aplicando-se a presunção estabelecida
neste Código quanto ao ausente.
Fonte: Novo Curso de Direito Civil, Parte Geral, vol. I– Pablo Stolze
Gagliano e Rodolfo Pamplona Folho (Ed. Saraiva).
TEXTO COMPLEMENTAR 02 – VISÃO DO CÓDIGO CIVIL
Visão geral do novo Código Civil
Texto extraído do Jus Navigandi
http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=2718
www.jus.com.br
Miguel Reale
jurista, filósofo e membro da Academia Brasileira de Letras
I
CONSIDERAÇÕES INICIAIS
O novo Código Civil, instituído pela Lei n. 10.406, de 10 de
janeiro de 2002, entrará em vigor um ano após sua sanção.
Compreendo o interesse em conhecer a nova Lei Civil, pois,
como costumo dizer, ela é a "constituição do homem comum",
estabelecendo as regras de conduta de todos os seres humanos,
mesmo antes de nascer, dada a atenção dispensada aos direitos do
nascituro, até depois de sua morte, ao fixar o destino a ser dado aos
bens deixados pelo falecido, sendo assim, a lei por excelência da
sociedade civil.
Como se sabe, o novo Código Civil teve uma longa tramitação
36. 36
no Congresso Nacional, pois foi no longínquo ano de 1975 que o
Presidente Costa e Silva submeteu à apreciação da Câmara dos
Deputados o Projeto de Lei n.634-D, com base em trabalho elaborado
por uma Comissão de sete membros, da qual tive a honra de ser o
Coordenador Geral.
Coube-me a missão inicial de estabelecer a estrutura básica do
Projeto, com uma Parte Geral e cinco Partes Especiais, convidando
para cada uma delas o jurista que me pareceu mais adequado, tendo
todos em comum as mesmas idéias gerais sobre as diretrizes a serem
seguidas. A experiência longamente vivida veio confirmar o acerto da
escolha dos nomes de José Carlos Moreira Alves, Agostinho Alvim,
Silvio Marcondes, Erbert Chamoun, Clóvis do Couto e Silva e Torquato
Castro, respectivamente relatores da Parte Geral, do Direito das
Obrigações, do Direito de Empresa, do Direito das Coisas, do Direito
de Família e do Direito das Sucessões.
Todos eles uniam ao valor do saber e da experiência pessoais a
predisposição a examinar objetiva e serenamente as críticas feitas ao
próprio trabalho, quer por outros juristas, quer por instituições
especializadas, o que explica as quatro redações que teve o Projeto,
todas publicadas no Diário Oficial da União, em 1972, 1973, 1974 e,
por fim, 1975, para conhecimento de todos os interessados.
Como se vê, não estamos perante uma obra redigida por um
legislador solitário, por um Sólon ou Licurgo, como se deu para Atenas
e Esparta, mas sim perante uma "obra transpessoal", submetida que
foi a sucessivas revisões.
Se considerarmos que, depois, houve a apreciação de mais de
mil emendas na Câmara dos Deputados, e de mais de quatrocentas no
Senado Federal, com novo retorno à Câmara dos Deputados, para
novos estudos e discussões, pode-se proclamar o caráter coletivo que
veio assumindo o Projeto, não se perdendo, ao longo de mais de três
décadas, oportunidade alguma para atualiza-lo, em razão de fatos e
valores supervenientes, como se deu, por exemplo, com as profundas
alterações que a Constituição de 1988 introduziu em matéria de
Direito de Família.
É difícil, em poucos minutos, enumerar as mudanças operadas
pela nova codificação em todos os setores da vida civil, sendo mais
aconselhável mostrar quais foram os princípios que presidiram a sua
elaboração, pois, como bem observou Tomás Kuhn, as mais relevantes
conquistas científicas dependem sempre dos novos paradigmas que as
37. 37
condicionaram. Somente assim é que tomamos ciência do progresso
representado pelas alterações realizadas na legislação do País.
Antes, porém, de fazer essa exposição, seja-me permitido
esclarecer qual foi minha participação pessoal na feitura do Projeto, a
começar pela tarefa de reunir, em unidade sistemática, as partes
atribuídas a cada um dos demais membros da Comissão. Tratava-se,
em suma, de coordenar entre si os Projetos parciais, de modo a não
haver divergências ou conflitos de idéias. É claro que, nessa delicada
tarefa, não podia deixar de formular propostas substitutivas ou de
oferecer emendas aditivas para preencher possíveis lacunas. Com a
morte de Agostinho Alvim, Silvio Marcondes, Clóvis do Couto e Silva e
Torquato Castro, pareceu-me preferível substituí-los perante o
Congresso Nacional, continuando José Carlos Moreira Alves a colaborar
ativa e proficientemente no tocante à Parte Geral. O volume publicado
pelo Ministério da Justiça, em 1984, sobre as Emendas da Câmara, e o
t. II editado pelo Senado Federal, em 1988, sobre o Projeto, são
essenciais para se ter idéia da imensa colaboração prestada ao
Congresso pelos membros da Comissão por mim presidida.
II
DIRETRIZES SEGUIDAS NA ELABORAÇÃO DO ANTEPROJETO
Foi criada, em 1969, uma "Comissão Revisora e Elaboradora do
Código Civil", na esperança de ser aproveitada a maior parte do
Código Civil de 1916. Todavia, verificou-se logo a inviabilidade desse
desideratum, não podendo deixar de prevalecer a reelaboração, uma
vez que a experiência, ou seja, a análise progressiva da matéria veio
revelando que novos princípios ou diretrizes deveriam nortear a
codificação. Por outro lado, em se tratando de um trabalho
sistemático, a alteração feita em um artigo ou capítulo repercute
necessariamente em outros pontos do Projeto.
Daí ficarem assentes estas diretrizes:
A. Preservação do Código vigente sempre que possível, não
só pelos seus méritos intrínsecos, mas também pelo
acervo de doutrina e de jurisprudência que em razão dele
se constituiu.
38. 38
B. Impossibilidade de nos atermos à mera revisão do Código
Bevilaqua, dada a sua falta de correlação com a sociedade
contemporânea e as mais significativas conquistas da
Ciência do Direito;
C. Alteração geral do Código atual no que se refere a certos
valores considerados essenciais, tais como o de eticidade,
de socialidade e de operabilidade;
D. Aproveitamento dos trabalhos de reforma da Lei Civil, nas
duas meritórias tentativas feitas, anteriormente, por
ilustres jurisconsultos, primeiro por Hahneman Guimarães,
Orozimbo Nonato e Philadelpho de Azevedo, com o
anteprojeto do "Código das Obrigações"; e, depois, por
Orlando Gomes e Caio Mario da Silva Pereira, com a
proposta de elaboração separada de um Código Civil e de
um Código das Obrigações, contando com a colaboração,
neste caso, de Silvio Marcondes, Theóphilo de Azevedo
Santos e Nehemias Gueiros.
E. Firmar a orientação de somente inserir no Código matéria
já consolidada ou com relevante grau de experiência
crítica, transferindo-se para a legislação especial aditiva o
regramento de questões ainda em processo de estudo, ou,
que, por sua natureza complexa, envolvem problemas e
soluções que extrapolam do Código Civil;
F. Dar nova estrutura ao Código, mantendo-se a Parte Geral
– conquista preciosa do Direito brasileiro, desde Teixeira
de Freitas – mas com nova ordenação da matéria, a
exemplo das mais recentes codificações;
39. 39
G. Não realizar, propriamente, a unificação do Direito Privado,
mas sim do Direito das Obrigações – de resto já uma
realidade operacional no País – em virtude do obsoletismo
do Código Comercial de 1850 – com a conseqüente
inclusão de mais um Livro na Parte Especial, que, de início,
se denominou "Atividades Negociais", e, posteriormente,
"Direito de Empresa".
Essa estrutura não sofreu alteração nas duas Casas do
Congresso Nacional, não obstante as inúmeras emendas oferecidas ao
Projeto original nº 634, enviado pelo Governo em 1975, após estudo
pela Comissão Revisora das mudanças ou propostas aditivas feitas por
juristas de todo o País, bem como por entidades de classe e até
mesmo por leigos em Direito. A todas as sugestões foi dada a devida
atenção, de tal modo que, em virtude sobretudo das modificações
havidas na Câmara dos Deputados e no Senado Federal, o Projeto nº
118/84, aprovado finalmente na Câmara, se acha plenamente
atualizado, inclusive quanto às inovações introduzidas pela
Constituição de 1988 no concernente ao Direito de Família, como
oportunamente se exporá.
III
OS TRÊS PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS
ETICIDADE – Procurou-se superar o apego do Código atual ao
formalismo jurídico, fruto, a um só tempo, da influência recebida a
cavaleiro dos séculos 19 e 20, do Direito tradicional português e da
Escola germânica dos pandectistas, aquele decorrente do trabalho
empírico dos glozadores; esta dominada pelo tecnicismo institucional
haurido na admirável experiência do Direito Romano.
Não obstante os méritos desses valores técnicos, não era
possível deixar de reconhecer, em nossos dias, a indeclinável
participação dos valores éticos no ordenamento jurídico, sem
abandono, é claro, das conquistas da técnica jurídica, que com aqueles
deve se compatibilizar.
Daí a opção, muitas vezes, por normas genéricas ou cláusulas
gerais, sem a preocupação de excessivo rigorismo conceitual, a fim de
possibilitar a criação de modelos jurídicos hermenêuticos, quer pelos
40. 40
advogados, quer pelos juízes, para contínua atualização dos preceitos
legais.
Nesse sentido, temos, em primeiro lugar, o Art. 113, na Parte
Geral, segundo o qual
"Os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa-
fé e os usos do lugar de sua celebração."
E mais este:
"Art. 187. Comete ato ilícito o titular de um direito que, ao
exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim
econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes."
Lembro como outro exemplo o Artigo nº 422 que dispõe quase
como um prolegômeno a toda à teoria dos contratos, a saber:
"Art. 422. Os contratantes são obrigados a guardar, assim na
conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de
probidade e boa-fé."
Freqüente é no Projeto a referência à probidade e a boa-fé,
assim como á correção (corretezza) ao contrário do que ocorre no
Código vigente, demasiado parcimonioso nessa matéria, como se tudo
pudesse ser regido por determinações de caráter estritamente
jurídicas.
A SOCIALIDADE – É constante o objetivo do novo Código no
sentido de superar o manifesto caráter individualista da Lei vigente,
feita para um País ainda eminentemente agrícola, com cerca de 80%
da população no campo.
Hoje em dia, vive o povo brasileiro nas cidades, na mesma
proporção de 80%, o que representa uma alteração de 180 graus na
mentalidade reinante, inclusive em razão dos meios de comunicação,
como o rádio e a televisão. Daí o predomínio do social sobre o
individual.
Alguns dos exemplos dados já consagram, além da exigência
ética, o imperativo da socialidade, como quando se declara a função
social do contrato na seguinte forma:
"Art. 421. A liberdade de contratar será exercida em razão e
41. 41
nos limites da função social do contrato."
Por essa razão, em se tratando de contrato de adesão, estatui o
Art. 422 o seguinte:
"Art. 422. Quando houver no contrato de adesão cláusulas
ambíguas ou contraditórias, dever-se-á adotar a interpretação mais
favorável ao aderente."
No caso de posse, superando as disposições até agora
universalmente seguidas, que distinguem apenas entre a posse de boa
e a de má fé, o Código leva em conta a natureza social da posse da
coisa para reduzir o prazo de usucapião, o que constitui novidade
relevante na tela do Direito Civil.
Assim é que, conforme o Art. 1.238, é fixado o prazo de 15
anos para a aquisição da propriedade imóvel, independentemente de
título e boa-fé, sendo esse prazo reduzido a dez anos "se o possuidor
houver estabelecido no imóvel a sua moradia, ou nele realizado obras
ou serviços de caráter produtivo."
Por outro lado, pelo Art. 1.239, bastam cinco anos ininterruptos
para o possuidor, que não seja proprietário de imóvel rural ou urbano,
adquirir o domínio de área em zona rural não superior a cinqüenta
hectares, tornando-a produtiva por seu trabalho ou de sua família,
tendo nele sua moradia. Para tanto basta que não tenha havido
oposição.
O mesmo sentido social caracteriza o Art. 1.240, segundo o
qual, se alguém "possuir", como sua, área urbana até duzentos e
cinqüenta metros quadrados, por cinco anos ininterruptos, e sem
oposição, utilizando-a para sua moradia e de sua família, adquirir-lhe-
á o domínio, desde que não seja proprietário de outro imóvel."
Um magnífico exemplo da preponderância do princípio de
socialidade é dado pelo Art. 1.242, segundo o qual
"adquire também a propriedade do imóvel aquele que, contínua
e incontestavelmente, com justo título e boa-fé, o possuir por dez
anos".
Esse prazo é, porém, reduzido a cinco anos
"se o imóvel houver sido adquirido onerosamente, com base em
42. 42
transcrição constante do registro próprio, cancelada posteriormente,
desde que os possuidores nele tiverem estabelecido sua moradia, ou
realizado investimento de interesse social e econômico."
Não vacilo em dizer que tem caráter revolucionário o disposto
nos parágrafos 4º e 5º do Art. 1.228, determinando o seguinte:
"§ 4º - O proprietário também pode ser privado da coisa se o
imóvel reivindicado consistir em extensa área, na posse ininterrupta e
de boa-fé, por mais de cinco anos, de considerável número de
pessoas, e estas nela tiverem realizado, em conjunto ou
separadamente, obras e serviços considerados pelo juiz de interesse
social e econômico relevante."
§ 5º - No caso do parágrafo antecedente, o juiz fixará a justa
indenização devida ao proprietário; pago o preço, valerá a sentença
como título para a transcrição do imóvel em nome dos
possuidores."
Como se vê, é conferido ao juiz poder expropriatório, o que não
é consagrado em nenhuma legislação.
A OPERABILIDADE – Muito importante foi a decisão tomada no
sentido de estabelecer soluções normativas de modo a facilitar sua
interpretação e aplicação pelo operador do Direito.
Nessa ordem de idéias, o primeiro cuidado foi eliminar as
dúvidas que haviam persistido durante a aplicação do Código anterior.
Exemplo disso é o relativo à distinção entre prescrição e
decadência, tendo sido baldados os esforços no sentido de verificar-se
quais eram os casos de uma ou de outra, com graves conseqüências
de ordem prática.
Para evitar esse inconveniente, resolveu-se enumerar, na Parte
Geral, os casos de prescrição, em numerus clausus, sendo as
hipóteses de decadência previstas em imediata conexão com a
disposição normativa que a estabelece. Assim é, por exemplo, após o
artigo declarar qual a responsabilidade do construtor de edifícios pela
higidez da obra, é estabelecido o prazo de decadência para ser ela
exigida.
Por outro lado, pôs-se termo a sinonímias que possam dar lugar
a dúvidas, fazendo-se, por exemplo distinção entre associação e
43. 43
sociedade, Destinando-se aquela para indicar as entidades de fins não
econômicos, e esta para designar as de objetivos econômicos.
Não menos relevante é a resolução de lançar mão, sempre que
necessário, de cláusulas gerais, como acontece nos casos em que se
exige probidade, boa-fé ou correção (corretezza) por parte do titular
do direito, ou quando é impossível determinar com precisão o alcance
da regra jurídica. É o que se dá, por exemplo, na hipótese de fixação
de aluguel manifestamente excessivo, arbitrado pelo locador e a ser
pago pelo locatário que, findo o prazo de locação, deixar de restituir a
coisa, podendo o juiz, a seu critério, reduzi-lo, ou verbis:
Art. 575, parágrafo único – "Se o aluguel arbitrado for
manifestamente excessivo, poderá o juiz reduzi-lo, mas tendo sempre
em conta o seu caráter de penalidade".
São previstos, em suma, as hipóteses, por assim dizer, de
"indeterminação do preceito", cuja aplicação in concreto caberá ao juiz
decidir, em cada caso ocorrente, à luz das circunstâncias ocorrentes,
tal como se dá por exemplo, quando for indeterminado o prazo de
duração do contrato de agência, e uma das partes decidir resolve-lo
mediante aviso prévio de noventa dias, fixando tempo de duração
incompatível com a natureza e o vulto do investimento exigido do
contratante, cabendo ao juiz decidir sobre sua razoabilidade e o valor
devido, em havendo divergência entre as partes, consoante dispõe o
Art. 720 e seu parágrafo único.
Somente assim se realiza o direito em sua concretude, sendo
oportuno lembrar que a teoria do Direito concreto, e não puramente
abstrato, encontra apoio de jurisconsultos do porte de Engisch, Betti,
Larenz, Esser e muitos outros, implicando maior participação decisória
conferida aos magistrados.
Como se vê, o que se objetiva alcançar é o Direito em sua
concreção, ou seja, em razão dos elementos de fato e de valor que
devem ser sempre levados em conta na enunciação e na aplicação da
norma.
Nessa ordem de idéias, merece menção o § 1o do Art. 1240, o
qual estatui que, no caso de usucapião de terreno urbano,
"O título de domínio e a concessão de uso serão conferidos ao
homem ou à mulher, ou a ambos, independentemente do estado civil".
44. 44
Atende-se, assim, à existência da união estável, considerada
nova entidade familiar.
Observo, finalmente, que a Comissão optou por uma linguagem
precisa e atual, menos apegada a modelos clássicos superados, mas
fiel aos valores de correção e de beleza que distinguem o Código Civil
vigente.
IV
OUTRAS DIRETRIZES
Não creio ser necessário desenvolver argumentos justificadores
da manutenção da Parte Geral, que é da tradição do Direito pátrio,
desde Teixeira de Freitas e Clóvis Beviláqua, independentemente da
influência depois consagradora da tese pelo Código Alemão de 1.900.
Bastará lembrar a resistência oposta pela grande maioria de nossos
juristas quando se quis elaborar um Código Civil, por sinal que restrito,
sem a Parte Geral, destinada a fixar os parâmetros do ordenamento
jurídico civil. É ela que estabelece as normas sobre as pessoas e os
"direitos da personalidade", que estão na base das soluções
normativas depois objeto da Parte Especial. Merece encômios essa
providência de incluir disposições sobre os direitos da personalidade,
uma vez que a pessoa é o valor-fonte de todos os valores jurídicos.
Outra iniciativa louvável foi a disciplina específica dos negócios
jurídicos que são os atos jurídicos de mais freqüente ocorrência,
expressão por excelência da fonte negocial, ao lado das três outras
fontes do direito, as leis, os usos e costumes e a jurisprudência.
Quanto à Parte Especial, preferiu-se seguir uma seqüência mais
lógica, situando-se o Direito das Obrigações como conseqüência
imediata do antes estabelecido para os atos e negócios jurídicos, não
sendo demais acentuar que há disciplina conjunta das obrigações civis
e mercantis, o que, repito, já constitui orientação dominante em nossa
experiência jurídica, em virtude do superamento do vetusto Código
Comercial de 1850, com efeito, já o Direito Comercial se baseia no
Código Civil.
Do Direito das Obrigações se passa ao Livro que trata do Direito
de Empresa, o qual, a bem ver, se refere a toda a vida societária, com
remissão à legislação especial sobre sociedades anônimas e sobre
45. 45
cooperativas, por abrangerem questões que extrapolam da Lei Civil.
Quanto ao termo Direito de Empresa, cabe assinalar que,
graças a uma figura de metonímia, ou, por melhor dizer, de
sinédoque: está aí a palavra empresa significando uma parte pelo todo
que é o Direito da Sociedade. Fomos levados a essa opção, por se
cuidar mais, no citado Livro, da sociedade empresária, estabelecendo
apenas os requisitos gerais da sociedade simples, objeto da
diversificada legislação relativa aos múltiplos tipos das sociedades não
empresariais.
Passa-se, a seguir, a tratar da disciplina do Direito das Coisas,
do Direito de Família e do Direito das Sucessões.
No que se refere ao Direito de Família, merece realce a
distinção feita, por iniciativa de Clóvis Couto e Silva, entre o Direito
Pessoal e o Patrimonial de Família, o que veio trazer mais limpidez ao
texto. O regramento da união estável ficou para o final, para ser
apreciada sob os dois mencionados aspectos, obedecido rigorosamente
o disposto na Constituição.
V
INOVAÇÕES NO DIREITO DE FAMÍLIA
Cabe lembrar que, aprovado o Projeto na Câmara dos
Deputados e enviado ao Senado, foram neste apresentadas cerca de
400 emendas, a maior parte pertinentes ao Direito de Família, de
autoria do saudoso senador Nelson Carneiro.
Com a convocação da Assembléia Nacional Constituinte,
entendeu o Senado de suspender a tramitação do Projeto do Código
Civil, para aguardar possíveis alterações nessa matéria. Na realidade,
porém, ocorreram mudanças substanciais tão somente no Direito de
Família, instaurando a igualdade absoluta dos cônjuges e dos filhos,
com a supressão do pátrio poder, que, por sugestão minha, passou a
denominar-se "poder familiar".
É claro que essas alterações importaram na emenda de vários
dispositivos, substituindo-se, por exemplo, pelo termo "ser humano" a
palavra genérica "homem" anteriormente empregada. Mais
importante, porém, foram as novas regras que vieram estabelecer
efetiva igualdade entre os cônjuges e os filhos, inclusive no pertinente
46. 46
ao Direito das Sucessões.
Nesse sentido, o cônjuge passou a ser também herdeiro, em
virtude da adoção de novo regime geral de bens no casamento, o da
comunhão parcial, corrigindo-se omissão existente no Direito das
Sucessões.
Por outro lado, o Projeto vem disciplinar melhor a união estável
como nova entidade familiar, que, de conformidade com o § 3o do Art.
226 da Constituição, só pode ser entre o homem e a mulher. Com a
redação dada à matéria, não há confusão possível com o concubinato,
visto como, nos termos da citada disposição constitucional, a lei deve
facilitar a conversão da união estável em casamento.
Não é demais ponderar, que, no tocante à igualdade dos
cônjuges e dos filhos, o disposto na nova Carta Magna representou
adoção das emendas oferecidas pelo senador Nelson Carneiro, o que
facilitou o pronunciamento da Câmara Alta, ao depois completado pela
Câmara dos Deputados, graças a oportuna alteração do Regimento do
Congresso Nacional.
Eis aí, em largos traços, qual é o espírito do novo Código Civil,
com alguns exemplos de suas principais inovações.
Após tantos anos de trabalho e dedicação – sem se perceber
qualquer remuneração do Estado – o nosso sentimento maior é o do
dever cumprido.
Sobre o texto:
Texto inserido no Jus Navigandi nº54 (02.2002)
Elaborado em 12.2001.
Informações bibliográficas:
REALE, Miguel. Visão geral do novo Código Civil . Jus Navigandi,
Teresina, a. 6, n. 54, fev. 2002. Disponível em:
47. 47
<http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=2718>. Acesso em:
17 abr. 2006.
TEXTO COMPLEMENTAR 03 – MORTE PRESUMIDA
A MORTE PRESUMIDA COMO CAUSA DE DISSOLUÇÃO DO
CASAMENTO16
Inácio de Carvalho Neto*
O novo Código Civil, no art. 1.571, § 1º., passou a
admitir a presunção de morte como causa de dissolução do
casamento17. Contraria, assim, o que dispunha o art. 315, parágrafo
16
Texto que nos foi gentilmente cedido por este grande amigo e brilhante professor de Direito Civil.
*
Especialista em Direito Penal e Processual Penal pela Unipar. Mestre em Direito Civil pela Universidade
Estadual de Maringá – UEM. Doutorando em Direito Civil pela Universidade de São Paulo – USP.
Professor de Direito Civil da Unifil, da Faccar, da Escola do Ministério Público e da Escola da Magistratura
do Paraná. Promotor de Justiça no Paraná. Autor dos livros Separação e divórcio: teoria e prática, ed.
Juruá, 5ª. edição; Aplicação da pena, ed. Forense, 2ª. edição; Responsabilidade do Estado por atos de
seus agentes, ed. Atlas; Ação declaratória de constitucionalidade, ed. Juruá, 2ª. edição; Abuso do
direito, ed. Juruá, 3ª. edição; Extinção indireta das obrigações, ed. Juruá, 2ª. edição; Novo Código Civil
comparado e comentado, ed. Juruá, em 7 volumes (alguns em 2ª. edição); Responsabilidade civil no
direito de família, ed. Juruá; e de diversos artigos publicados em diversas revistas jurídicas. E-mail do
autor: inaciocarvalho@onda.com.br.
17
“§ 1º. O casamento válido só se dissolve pela morte de um dos cônjuges ou pelo divórcio, aplicando-se a
presunção estabelecida neste Código quanto ao ausente”. Igualmente dispõe o Código Civil argentino, com
a redação da Lei nº. 23.515/87, com a diferença de que a dissolução só ocorre com o novo casamento: “Art.
213 - El vínculo matrimonial se disuelve: 1) por la muerte de uno de los esposos; 2) por el matrimonio que
contrajere el cónyuge del declarado ausente com presunción de fallecimiento; 3) por sentencia de divorcio
vincular”). Da mesma forma o Código Civil italiano: “65. Nuovo matrimonio del coniuge. – Divenuta
48. 48
único, do Código de 1916, que expressamente excluía a morte
presumida como causa de dissolução do matrimônio. Ou seja, por mais
duradoura que fosse a ausência, não tinha ela o condão de dissolver o
casamento18. Com a revogação deste dispositivo pelo art. 54 da Lei do
Divórcio, e não tratando esta expressamente do tema, entenderam
alguns autores ser possível a dissolução do matrimônio pela morte
presumida19.
Não obstante, entendemos que a morte presumida não
tinha este condão. Posto que não repetida expressamente a proibição
do dispositivo revogado do Código Civil, não se podia requerer a
declaração de dissolução do vínculo matrimonial por morte presumida
de um dos cônjuges, já que o instituto da morte presumida se referia
exclusivamente à sucessão dos bens deixados pelo ausente20.
eseguibile la sentenza che dichiara la morte presunta, il coniuge può contrarre nuovo matrimonio”.
Igualmente dispunha o art. 59 do Projeto de Orlando Gomes.
18
Observe-se o quanto perniciosa era a regra: imagine-se a hipótese de pessoa recém-casada, ainda nova,
desaparecendo em seguida seu cônjuge. Ficaria essa pessoa para o resto da vida impossibilitada de se casar
novamente, tendo em vista a impossibilidade do divórcio à época.
19
“Ainda que se efetuasse a sucessão definitiva, com a presunção de morte, não se considerava dissolvido o
casamento, de sorte que o cônjuge presente não podia contrair novo casamento. Agora, porém, não há
mais óbice” (PACHECO, José da Silva. Inventários e partilhas. 10. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1996, p.
67) (grifo nosso). “Se a lei admitiu, para efeitos patrimoniais, uma presunção de morte do ausente há mais
de vinte anos ou que completou 95 anos de idade, não se vê razão para não admitir a mesma presunção em
matéria de casamento. Se houve para um caso uma forte razão de fato a justificar a presunção, também
haverá no outro caso” (CRUZ, Guilherme Braga da. Direitos de família. 2. ed. Coimbra: Coimbra, 1942,
v. 1, p. 123).
20
Neste sentido a lição da doutrina majoritária: “Quanto à primeira hipótese de dissolução da sociedade
conjugal, no art. 2º., inciso I, prevista (morte de um dos cônjuges), que, consoante esclarece o parágrafo
único do mesmo artigo, também é caso de dissolução do vínculo matrimonial - oportuno é observar -, a
despeito do silêncio da lei, que não ressalva a vigência do parágrafo único do art. 315 do CC, pelo art. 54
da Lei 6.515/77 revogado - que continua excluída a hipótese de morte presumida (art. 10, 2ª. parte, do
CC) - quer como fundamento para a dissolução da sociedade conjugal, quer para extinção do vínculo
matrimonial” (PEREIRA, Áurea Pimentel. Divórcio e separação judicial. 3. ed. Rio de Janeiro: Renovar,
1989, p. 22) (grifo nosso). “Assim, para o efeito da dissolução da sociedade conjugal, não se aproveita a
presunção de morte do ausente, estabelecida no art. 10, segunda parte, do CC. ...Todavia, embora omitida a
limitação da eficácia da presunção de morte, não se deduz daí terem os novos legisladores se afastado da
sistemática anterior, de modo a permitir que, com a declaração judicial da ausência, induzindo a presunção
de morte do cônjuge, decorra ipso jure a liberação do outro para novo matrimônio, no pressuposto legal de
estar dissolvido o vínculo anterior” (CAHALI, Yussef Said. Divórcio e separação. 10. ed. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2002, p. 69-70) (grifo no original). “O efeito dissolutivo do vínculo se produz
apenas com a morte real, provada mediante certidão de assento de óbito do cônjuge. A presunção de morte
do ausente não aproveita para o efeito de terminação do vínculo conjugal, de modo que o caminho atual é o
de que a ausência é causa de separação judicial ou de divórcio” (FREITAS, Geralda Pedroso. A terminação
49. 49
Necessário se fazia, portanto, que o cônjuge promovesse o divórcio, o
que lhe seria, inclusive, mais fácil, já que o divórcio direto depende
apenas de dois anos de separação de fato, ao passo que, para a
configuração da morte presumida, ordinariamente, se faz necessária a
ausência por dez anos (art. 1.167, inciso II, do Código de Processo
Civil). Talvez por esta razão não tenha o legislador repetido a norma
do revogado art. 315 do Código Civil. Naquele, como não se aceitava o
divórcio a vínculo, era necessário deixar expresso que também não se
aplicaria a presunção de morte. A partir da Lei nº. 6.515/77, instituído
o divórcio, dificilmente alguém se utilizaria desta presunção para
dissolver o vínculo conjugal. Ademais, como lembrava Yussef Said
CAHALI, “ausente qualquer provisão legal que o autorize, continua
inexistindo qualquer ação direta para a declaração da ruptura do
vínculo matrimonial devido à ausência declarada ou presumida do
cônjuge; nem esta ausência, ainda que declarada judicialmente, tem o
condão de produzir ipso jure a dissolução do matrimônio”21.
Mas o novo Código Civil altera esta situação, decretando,
no art. 1.571, § 1º., a dissolução do casamento pela ausência do outro
cônjuge em decisão judicial transitada em julgado. Pode agora, o
cônjuge do ausente, optar entre pedir o divórcio para se casar
novamente ou esperar pela presunção de morte, que se dá com a
conversão da sucessão provisória em definitiva. O divórcio, embora
mais rápido, tem a desvantagem de fazer o cônjuge perder o direito à
sucessão. Com efeito, sendo o cônjuge herdeiro ainda que haja
descendentes ou ascendentes do de cujus (ou, no caso, do ausente),
nos termos do art. 1.829 do novo Código, precisará, não obstante,
conservar a posição de cônjuge até a conversão da sucessão provisória
do vínculo conjugal. In: O direito de família e a Constituição de 1988. Coord. Carlos Alberto BITTAR.
São Paulo: Saraiva, 1989, p. 220).
21
CAHALI, Yussef Said. Op. cit., p. 71.
50. 50
em definitiva, quando, só então, haverá realmente a vocação
hereditária. Se se divorciar antes, embora tendo a vantagem de poder
se casar novamente desde logo, terá a desvantagem de perder a
capacidade sucessória do ausente.
Mas a lei não resolve algumas questões que a nova
norma suscita: em primeiro lugar, em que momento se considera
presumida a morte do ausente, para o fim da dissolução do seu
casamento? Interpretando isoladamente os arts. 22 e 23 do novo
Código22, poder-se-ia chegar à singela conclusão de que tal dissolução
se daria tão logo se desse o desaparecimento do ausente. Mas tal
interpretação contraria a sistemática do instituto, bem como a letra do
art. 6º., que dispõe: “A existência da pessoa natural termina com a
morte; presume-se esta, quanto aos ausentes, nos casos em que a lei
autoriza a abertura de sucessão definitiva”. Assim, é somente com a
conversão da sucessão provisória em definitiva que se presume a
morte do ausente, pelo que somente essa conversão é que dissolve o
casamento do ausente.
Há quem defenda a idéia de que o cônjuge do ausente,
para casar-se novamente, deve promover o divórcio. Mas tal
entendimento não pode ser aceito. Que o divórcio dissolve o vínculo
conjugal não se duvida. Entretanto, não se pode exigir o divórcio no
caso em tela, pois a nova lei erigiu a morte presumida como causa
independente de dissolução do vínculo. Vale dizer: a morte é, ao lado
do divórcio, causa de dissolução do casamento; a conversão da
sucessão provisória em definitiva, fazendo presumir a morte, dissolve
também o vínculo, e por si só, pelo que nada mais se pode requerer
22
“Art. 22. Desaparecendo uma pessoa do seu domicílio sem dela haver notícia, se não houver deixado
representante ou procurador a quem caiba administrar-lhe os bens, o juiz, a requerimento de qualquer
interessado ou do Ministério Público, declarará a ausência, e nomear-lhe-á curador. Art. 23. Também se
declarará a ausência, e se nomeará curador, quando o ausente deixar mandatário que não queira ou não
possa exercer ou continuar o mandato, ou se os seus poderes forem insuficientes”.
51. 51
para dissolvê-lo, pois já estará o casamento dissolvido com a sentença
de conversão. Quisesse a lei que o cônjuge do ausente promovesse o
divórcio, nada precisaria ter dito, pois assim já era no sistema da Lei
do Divórcio sem qualquer texto legal.
A sentença declaratória de ausência, nos termos do art.
9º., inciso IV, do Código Civil e do art. 94 da Lei de Registros Públicos,
deve ser registrada no Registro Civil. Daí resultaria para o cônjuge do
ausente a condição de viúvo? A lei não o diz, mas é de se supor que
sim, pois seria esta a conseqüência principal do registro da sentença
de conversão da sucessão provisória em definitiva. Mas: viúvo de
cônjuge vivo? Sim, porque não se pode negar que o presumido morto
é um possível vivo. E mais: uma viuvez “revogável”? Admitindo a lei o
retorno do ausente até 10 anos depois da conversão da sucessão
provisória em definitiva, podendo ele reassumir seus bens (art. 39),
ou, mesmo depois dos 10 anos (embora sem reassumir seus bens),
naturalmente poderá o ausente reabilitar-se civilmente, deixando de
ser presumido morto, com o que estará revogado o estado de viúvo do
seu cônjuge.
Pode o ex-cônjuge do ausente, pretendendo casar,
habilitar-se matrimonialmente? Que documentos deve apresentar?
Vejamos o que diz o art. 1.525: “O requerimento de habilitação para o
casamento será firmado por ambos os nubentes, de próprio punho, ou,
a seu pedido, por procurador, e deve ser instruído com os seguintes
documentos: ...IV - declaração do estado civil, do domicílio e da
residência atual dos contraentes e de seus pais, se forem conhecidos;
V - certidão de óbito do cônjuge falecido, de sentença declaratória de
nulidade ou de anulação de casamento, transitada em julgado, ou do
registro da sentença de divórcio”.
52. 52
De princípio, já se vê que o ex-cônjuge terá que declarar
seu estado civil para casar novamente. Declarará o estado de viúvo,
com as implicações antes ditas? Ou, declarando o estado de casado,
aceitará o Oficial do Registro Civil a sua habilitação? Como ficaria,
neste caso, o impedimento do art. 1.521, inciso VI23? Mas o maior
problema é que a lei não previu a juntada da certidão do registro da
sentença de conversão para fins de habilitação matrimonial. No citado
inciso V só se fala em certidão de óbito, de anulação ou de divórcio;
esqueceu-se o legislador de que o nubente que foi casado pode não ter
nenhum desses documentos, mas apenas a certidão de registro da
sentença de conversão, documento que, nos termos do art. 1.571, §
1º., deve-lhe ser suficiente.
Outra conseqüência não prevista pelo legislador é o fato
do eventual retorno do ausente após o casamento de seu ex-cônjuge.
Imagine-se que, após a sentença de conversão, o ex-cônjuge do
ausente se case, aproveitando-se da disposição do art. 1.571, § 1º.,
vindo, depois do casamento, a reaparecer o ausente. Como fica o
primeiro e o segundo casamento do cônjuge do ausente? Dir-se-á ser
simples a solução, pois o citado parágrafo diz que o primeiro
casamento se dissolve pela presunção de morte, equivalendo,
portanto, ao divórcio, ou à morte real. Daí seguiria a conseqüência de
que, estando dissolvido o primeiro casamento, válido ficaria o
segundo24. Mas deve-se discutir: a presunção de morte é uma
presunção absoluta (juris et de jure)? Não seria antes uma presunção
relativa (juris tantum)? Não se pode negar o seu caráter de presunção
relativa, já que o ausente pode retornar e, em conseqüência, provar
23
“Art. 1.521. Não podem casar: ...VI – as pessoas casadas”.
24
Neste sentido, escreve GONÇALVES, Carlos Roberto (Direito civil brasileiro: parte geral. São Paulo:
Saraiva, 2003, v. 1, p. 118) que se o ausente “estiver vivo e aparecer, depois de presumida a sua morte e
aberta a sucessão definitiva, com a dissolução da sociedade conjugal, e seu cônjuge houver contraído novo
matrimônio, prevalecerá o último”.