Cobrança ilegal de profissional de apoio é disseminada
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S
Thais Lazzeri
imone Cruz visitou quase uma
dezenadeescolas paramatricular
os filhos, Manuela, de 11 anos,
e Gabriel, de 8. Manuela tem síndrome
de Down. Gabriel tem atraso mental –
ainda hoje, não fala.“Tudo é motivo de
angústia para o pai de uma criança com
deficiência”, diz Simone. Na primeira
escola particular, a equipe não se prepa-
rouparareceberManuela.Semestímulos
adequados, a menina não teve evolução.
“Olhavam para minha filha como se ela
fosse uma coitada.”Na segunda,um caso
de constrangimento de um aluno com
Down – o garoto foi entregue aos pais
sujo de urina e fezes – fez Simone desis-
tir da escola. Na terceira, a filha não se
adaptou. Agora, os irmãos estudam no
Colégio Fernandes Vidal, uma escola de
classe média na Ilha do Governador, no
Rio de Janeiro. Por cinco anos, o custo
dos profissionais de cada um dos filhos
deSimoneera bancado pela escola,como
prevê a lei. Com o aumento do número
de crianças com deficiência,diz Simone,
a coordenação repassou a cobrança de
um dosprofissionaispara Simone– além
das duas mensalidades, cerca de R$ 500
cada uma.“Como consumidora, enten-
do os argumentos da escola.Como mãe,
sinto que, ao assumir o custo, é como se
a profissional fosse a única responsável
pelo desenvolvimento da Manu. Estão
dando conteúdo do 1o
ano para ela,
sendo que a Manu está no 3o
.” A escola
afirmou desconhecer a lei que obriga a
contrataroprofissional deapoio.Dizque
Simone tem desconto nas mensalidades
para custear esse pagamento.
Obrigar pais a contratar um funcio-
nário para acompanhar o filho dentro
da escola é contra a lei. Um decreto de
2014 determina aplicação de multa em
caso de descumprimento. Das 20 famí-
lias ouvidas para a reportagem,todas fo-
ram discriminadas por escolas na busca
por vagas –“já alcançamos a cota de de-
ficientes”, ouviu uma mãe. Poucas qui-
seram se identificar e expor o problema,
por medo de o filho sofrer preconceito
ou algum tipo de retaliação em sala de
aula. Metade teve a oferta da matrícula
condicionada à contratação,com recur-
sos próprios, do profissional de apoio.
“Não aceitar a matrícula ou negociar a
entrada com pagamentos extras são atos
discriminatórios e devem ser punidos”,
diz Martinha Clarete,diretora de Políti-
cas de Educação Especial do Ministério
da Educação (MEC).O senador Romá-
rio Faria (PSB-RJ) publicou neste ano
um projeto de lei (45/2015) que proíbe a
já ilegal cobrança de taxa adicional para
matrícula de alunos com deficiência. O
Escolas particulares – e públicas – obrigam
pais de crianças com deficiência a pagar um
profissional para acompanhar os meninos
na sala de aula. A cobrança é ilegal e disseminada
Inclusão
tempreço
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CUSTO A MAIS
A família de
Simone Cruz
(de cabelos
claros). Ela paga
a profissional de
apoio (à esq.)
da filha, Manuela
(sentada à
mesa)
projeto é um indicativo de que a prática
está disseminada em todo o país. Em
nota, Romário afirma: “Quem insistir
com a prática de cobrar taxas acima da
mensalidade deverá ressarcir os valores.
O reembolso será o dobro do que foi
pago em excesso”.
Infelizmente,são poucos os casos que
chegam à Justiça. Do total de famílias
entrevistadas, apenas duas acionaram
advogados ou defensores e promotores
públicos.No Estado de São Paulo,afirma
o promotor João Paulo Faustinoni, são
raras as denúncias contra escolas parti-
culares. Há pais que temem que o filho
sofra algum tipo de represália. Outros,
diante de sucessivos nãos na jornada
penosa por uma instituição, acabam
cedendo às exigências descabidas da ins-
tituição que aceita. “Essas práticas são
ilegais”,diz.A fiscalização de instituições,
admitiu Faustinoni, também é tímida.
Na prática, pais como Simone pa-
gam a inclusão dos filhos. Depois de
nove recusas em instituições de Nova
Iguaçu, no Rio de Janeiro, Ana Paula
dos Anjos topou a exigência ilegal do
Centro Integrado de Educação Moder-
na. Por cinco anos pagou mensalidade
duplicada, em torno de R$ 1.600, para
Arthur, de 8 anos. “Foi um golpe”, diz.
Metade do valor arcava com o profis-
sional de apoio. “Sei que é ilegal, mas
quanto mais iria expor meu filho?” O
acordo,diz,foi oficializado em um con-
trato paralelo.“Meu filho não aprende.
Socializar é o grande negócio que estão
(a escola) fazendo por você. Até hoje é
uma guerra”, diz. Há poucas semanas, a
escola desistiu da cobrança. “Imagino
que vão pensar que exigirei menos sobre
a parte pedagógica, mas não.”
Na rede pública, o drama também
existe. O atendimento escolar é obri-
gatório entre 4 e 17 anos ou para os
que não tiveram acesso na idade pró-
pria. Segundo o MEC, em 2014, foram
707.120 matrículas de alunos com de-
ficiência na rede pública e 179.695 na
privada. O valor do repasse do governo
para o aluno com deficiência é 20% su-
perior e varia entre os Estados.
De acordo com as resoluções do
MEC de 2009, a escola, em parceria
com a família, deve avaliar as neces-
sidades individuais do aluno para s
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CENAS BR ASILEIR AS
eliminar qualquer barreira,seja física ou
não,que possa prejudicar o aprendizado.
É aí que pode surgir a necessidade da
contratação de um profissional de apoio,
“visando à acessibilidade às comunica-
ções e à atenção aos cuidados pessoais de
alimentação,higiene e locomoção”,diz a
nota técnica do MEC.O profissional não
tem função pedagógica em sala de aula
nem substitui o professor.
A política de educação inclusiva no
Brasil é baseada no desenvolvimento
individual do aluno, como parte de um
grupo maior. Aprender é uma necessi-
dade de qualquer aluno.Os ganhos edu-
cacionais somam-se aos sociais, de que
cada pessoa tem habilidades e limitações
distintas – uma lição para toda a vida.
Mas incluir não é colocar todos juntos
num mesmo espaço.A inclusão também
não depende,apenas,de boa vontade,diz
o professor de psicologia e escritor Yves
de La Taille,da Universidade de São Pau-
lo. Carece de recursos e de profissionais
preparados, de pais ativos com coragem
para dizer não às propostas ilegais das
escolas e levar os casos à Justiça.
Kely Cristina Machado, mãe de Ma-
ria Fernanda, de 7 anos, teve duas ex-
periências na rede municipal de ensino
de Volta Redonda, no Rio. Na primei-
ra, acompanhou a filha cadeirante por
quatro meses em aula, porque o profis-
sional de apoio nunca chegou à escola
Sergipe. Maria tem uma escoliose tão
severa que já passou por 11 cirurgias.
“Ela tinha medo de ficar com outras
crianças.Dizia que‘ser especial é ruim’.”
Neste ano, Maria retornou para a rede
municipal,na Miguel Couto Filho.Des-
ta vez, a recepção da equipe pedagógica
foi melhor. “É outra realidade. Maria
está feliz.” Mas o profissional de apoio
requisitado pela escola ainda não apare-
ceu. Kely acionou a Defensoria Pública.
A Secretaria de Educação de Volta Re-
donda foi procurada diversas vezes. Na
primeira, informou que o profissional
estava a caminho.Nesse ínterim,Kely foi
procurada pela secretaria e orientada a
não dar entrevista – em uma das liga-
ções, é possível ouvir alguém da Pasta
gritando o nome da pessoa que contatou
Kely. O profissional que acompanhou a
filha de Kely por menos de um mês foi
recolocado em outra unidade.
Em São Paulo, o profissional de
apoio para o filho de Priscila Aparecida
de Assis, Nathan, de 8 anos, chegou há
pouco mais de um mês à Escola Muni-
cipal de Ensino Fundamental Professor
Abrão de Moraes, na Zona Leste. Até
então, era Priscila que ajudava o filho.
“A escola recebeu meu filho autista com
muita disposição.” Procurada, a Secre-
taria Estadual de Educação informou
que “nem todo espaço estará pronto,
mas você precisa estar atento para
remover as barreiras”.
Há ainda pais que, voluntariamente,
pagam o mediador por acreditar que o
desenvolvimento da criança será melhor.
Nesses casos,não é crime.Outros pagam
para não ir à Justiça e expor o filho. Há
ainda os que defendem que a família
arque com o custo, mesmo quando se
trata de uma exigência da escola.
A precariedade no sistema educacio-
nal fez surgir uma demanda por profis-
sionais de apoio na rede privada.A auxi-
liar terapêutica Junilce Rocha entrou no
ramo há três anos.Um terapeuta infantil
indica o trabalho de Junilce e outras as-
sistentes para os pais. Para acompanhar
um garoto com síndrome de Down por
meio período em uma escola particular
em São Paulo, recebe R$ 1.500, sem re-
gistro. Junilce ensina o menino a pegar
o material escolar, a escrever o próprio
nome em cima do pontilhado que ela
faz na página para ajudá-lo,fica com ele
em outras atividades nas aulas de que ele
não participa.“Não faz sentido ele ficar
em uma aula de leitura se não fala nem
escreve”, diz. Não é o que preconiza o
Ministério da Educação. O relatório se-
manal de Junilce é passado ao terapeuta
que atende a criança fora da escola.
Quando o profissional de apoio serve
como meio para alcançar conquistas e
possibilitar que os alunos de uma mes-
ma classe caminhem juntos, a sociedade
ganha. O que não pode é repassar aos
pais, seja em forma de cobrança finan-
ceira ou fazendo deles acompanhantes
em sala de aula, a responsabilidade pelo
desenvolvimento educacional. Além de
ser um contrassenso, é crime. u
EXIGÊNCIA
DESCABIDA
Ana Paula dos Anjos
e o filho, Arthur – por
cinco anos, ela pagou
mensalidade
duplicada
Foto: Stefano Martini/ÉPOCA
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