SlideShare uma empresa Scribd logo
1 de 3
Baixar para ler offline
70 I ÉPOCA I 11 de maio de 2015
S
Thais Lazzeri
imone Cruz visitou quase uma
dezenadeescolas paramatricular
os filhos, Manuela, de 11 anos,
e Gabriel, de 8. Manuela tem síndrome
de Down. Gabriel tem atraso mental –
ainda hoje, não fala.“Tudo é motivo de
angústia para o pai de uma criança com
deficiência”, diz Simone. Na primeira
escola particular, a equipe não se prepa-
rouparareceberManuela.Semestímulos
adequados, a menina não teve evolução.
“Olhavam para minha filha como se ela
fosse uma coitada.”Na segunda,um caso
de constrangimento de um aluno com
Down – o garoto foi entregue aos pais
sujo de urina e fezes – fez Simone desis-
tir da escola. Na terceira, a filha não se
adaptou. Agora, os irmãos estudam no
Colégio Fernandes Vidal, uma escola de
classe média na Ilha do Governador, no
Rio de Janeiro. Por cinco anos, o custo
dos profissionais de cada um dos filhos
deSimoneera bancado pela escola,como
prevê a lei. Com o aumento do número
de crianças com deficiência,diz Simone,
a coordenação repassou a cobrança de
um dosprofissionaispara Simone– além
das duas mensalidades, cerca de R$ 500
cada uma.“Como consumidora, enten-
do os argumentos da escola.Como mãe,
sinto que, ao assumir o custo, é como se
a profissional fosse a única responsável
pelo desenvolvimento da Manu. Estão
dando conteúdo do 1o
ano para ela,
sendo que a Manu está no 3o
.” A escola
afirmou desconhecer a lei que obriga a
contrataroprofissional deapoio.Dizque
Simone tem desconto nas mensalidades
para custear esse pagamento.
Obrigar pais a contratar um funcio-
nário para acompanhar o filho dentro
da escola é contra a lei. Um decreto de
2014 determina aplicação de multa em
caso de descumprimento. Das 20 famí-
lias ouvidas para a reportagem,todas fo-
ram discriminadas por escolas na busca
por vagas –“já alcançamos a cota de de-
ficientes”, ouviu uma mãe. Poucas qui-
seram se identificar e expor o problema,
por medo de o filho sofrer preconceito
ou algum tipo de retaliação em sala de
aula. Metade teve a oferta da matrícula
condicionada à contratação,com recur-
sos próprios, do profissional de apoio.
“Não aceitar a matrícula ou negociar a
entrada com pagamentos extras são atos
discriminatórios e devem ser punidos”,
diz Martinha Clarete,diretora de Políti-
cas de Educação Especial do Ministério
da Educação (MEC).O senador Romá-
rio Faria (PSB-RJ) publicou neste ano
um projeto de lei (45/2015) que proíbe a
já ilegal cobrança de taxa adicional para
matrícula de alunos com deficiência. O
Escolas particulares – e públicas – obrigam
pais de crianças com deficiência a pagar um
profissional para acompanhar os meninos
na sala de aula. A cobrança é ilegal e disseminada
Inclusão
tempreço
CENAS BR ASILEIR AS
EP883p070_072.indd 70 08/05/2015 15:42:22
11 de maio de 2015 I ÉPOCA I 71
CUSTO A MAIS
A família de
Simone Cruz
(de cabelos
claros). Ela paga
a profissional de
apoio (à esq.)
da filha, Manuela
(sentada à
mesa)
projeto é um indicativo de que a prática
está disseminada em todo o país. Em
nota, Romário afirma: “Quem insistir
com a prática de cobrar taxas acima da
mensalidade deverá ressarcir os valores.
O reembolso será o dobro do que foi
pago em excesso”.
Infelizmente,são poucos os casos que
chegam à Justiça. Do total de famílias
entrevistadas, apenas duas acionaram
advogados ou defensores e promotores
públicos.No Estado de São Paulo,afirma
o promotor João Paulo Faustinoni, são
raras as denúncias contra escolas parti-
culares. Há pais que temem que o filho
sofra algum tipo de represália. Outros,
diante de sucessivos nãos na jornada
penosa por uma instituição, acabam
cedendo às exigências descabidas da ins-
tituição que aceita. “Essas práticas são
ilegais”,diz.A fiscalização de instituições,
admitiu Faustinoni, também é tímida.
Na prática, pais como Simone pa-
gam a inclusão dos filhos. Depois de
nove recusas em instituições de Nova
Iguaçu, no Rio de Janeiro, Ana Paula
dos Anjos topou a exigência ilegal do
Centro Integrado de Educação Moder-
na. Por cinco anos pagou mensalidade
duplicada, em torno de R$ 1.600, para
Arthur, de 8 anos. “Foi um golpe”, diz.
Metade do valor arcava com o profis-
sional de apoio. “Sei que é ilegal, mas
quanto mais iria expor meu filho?” O
acordo,diz,foi oficializado em um con-
trato paralelo.“Meu filho não aprende.
Socializar é o grande negócio que estão
(a escola) fazendo por você. Até hoje é
uma guerra”, diz. Há poucas semanas, a
escola desistiu da cobrança. “Imagino
que vão pensar que exigirei menos sobre
a parte pedagógica, mas não.”
Na rede pública, o drama também
existe. O atendimento escolar é obri-
gatório entre 4 e 17 anos ou para os
que não tiveram acesso na idade pró-
pria. Segundo o MEC, em 2014, foram
707.120 matrículas de alunos com de-
ficiência na rede pública e 179.695 na
privada. O valor do repasse do governo
para o aluno com deficiência é 20% su-
perior e varia entre os Estados.
De acordo com as resoluções do
MEC de 2009, a escola, em parceria
com a família, deve avaliar as neces-
sidades individuais do aluno para s
Foto: Stefano Martini/ÉPOCA
EP883p070_072.indd 71 08/05/2015 15:42:23
72 I ÉPOCA I 11 de maio de 2015
CENAS BR ASILEIR AS
eliminar qualquer barreira,seja física ou
não,que possa prejudicar o aprendizado.
É aí que pode surgir a necessidade da
contratação de um profissional de apoio,
“visando à acessibilidade às comunica-
ções e à atenção aos cuidados pessoais de
alimentação,higiene e locomoção”,diz a
nota técnica do MEC.O profissional não
tem função pedagógica em sala de aula
nem substitui o professor.
A política de educação inclusiva no
Brasil é baseada no desenvolvimento
individual do aluno, como parte de um
grupo maior. Aprender é uma necessi-
dade de qualquer aluno.Os ganhos edu-
cacionais somam-se aos sociais, de que
cada pessoa tem habilidades e limitações
distintas – uma lição para toda a vida.
Mas incluir não é colocar todos juntos
num mesmo espaço.A inclusão também
não depende,apenas,de boa vontade,diz
o professor de psicologia e escritor Yves
de La Taille,da Universidade de São Pau-
lo. Carece de recursos e de profissionais
preparados, de pais ativos com coragem
para dizer não às propostas ilegais das
escolas e levar os casos à Justiça.
Kely Cristina Machado, mãe de Ma-
ria Fernanda, de 7 anos, teve duas ex-
periências na rede municipal de ensino
de Volta Redonda, no Rio. Na primei-
ra, acompanhou a filha cadeirante por
quatro meses em aula, porque o profis-
sional de apoio nunca chegou à escola
Sergipe. Maria tem uma escoliose tão
severa que já passou por 11 cirurgias.
“Ela tinha medo de ficar com outras
crianças.Dizia que‘ser especial é ruim’.”
Neste ano, Maria retornou para a rede
municipal,na Miguel Couto Filho.Des-
ta vez, a recepção da equipe pedagógica
foi melhor. “É outra realidade. Maria
está feliz.” Mas o profissional de apoio
requisitado pela escola ainda não apare-
ceu. Kely acionou a Defensoria Pública.
A Secretaria de Educação de Volta Re-
donda foi procurada diversas vezes. Na
primeira, informou que o profissional
estava a caminho.Nesse ínterim,Kely foi
procurada pela secretaria e orientada a
não dar entrevista – em uma das liga-
ções, é possível ouvir alguém da Pasta
gritando o nome da pessoa que contatou
Kely. O profissional que acompanhou a
filha de Kely por menos de um mês foi
recolocado em outra unidade.
Em São Paulo, o profissional de
apoio para o filho de Priscila Aparecida
de Assis, Nathan, de 8 anos, chegou há
pouco mais de um mês à Escola Muni-
cipal de Ensino Fundamental Professor
Abrão de Moraes, na Zona Leste. Até
então, era Priscila que ajudava o filho.
“A escola recebeu meu filho autista com
muita disposição.” Procurada, a Secre-
taria Estadual de Educação informou
que “nem todo espaço estará pronto,
mas você precisa estar atento para
remover as barreiras”.
Há ainda pais que, voluntariamente,
pagam o mediador por acreditar que o
desenvolvimento da criança será melhor.
Nesses casos,não é crime.Outros pagam
para não ir à Justiça e expor o filho. Há
ainda os que defendem que a família
arque com o custo, mesmo quando se
trata de uma exigência da escola.
A precariedade no sistema educacio-
nal fez surgir uma demanda por profis-
sionais de apoio na rede privada.A auxi-
liar terapêutica Junilce Rocha entrou no
ramo há três anos.Um terapeuta infantil
indica o trabalho de Junilce e outras as-
sistentes para os pais. Para acompanhar
um garoto com síndrome de Down por
meio período em uma escola particular
em São Paulo, recebe R$ 1.500, sem re-
gistro. Junilce ensina o menino a pegar
o material escolar, a escrever o próprio
nome em cima do pontilhado que ela
faz na página para ajudá-lo,fica com ele
em outras atividades nas aulas de que ele
não participa.“Não faz sentido ele ficar
em uma aula de leitura se não fala nem
escreve”, diz. Não é o que preconiza o
Ministério da Educação. O relatório se-
manal de Junilce é passado ao terapeuta
que atende a criança fora da escola.
Quando o profissional de apoio serve
como meio para alcançar conquistas e
possibilitar que os alunos de uma mes-
ma classe caminhem juntos, a sociedade
ganha. O que não pode é repassar aos
pais, seja em forma de cobrança finan-
ceira ou fazendo deles acompanhantes
em sala de aula, a responsabilidade pelo
desenvolvimento educacional. Além de
ser um contrassenso, é crime. u
EXIGÊNCIA
DESCABIDA
Ana Paula dos Anjos
e o filho, Arthur – por
cinco anos, ela pagou
mensalidade
duplicada
Foto: Stefano Martini/ÉPOCA
EP883p070_072.indd 72 08/05/2015 15:42:25

Mais conteúdo relacionado

Destaque

Blogs 6 29-7-2-15
Blogs 6 29-7-2-15Blogs 6 29-7-2-15
Blogs 6 29-7-2-15Instabill
 
دليل كفاءة الطاقة
دليل كفاءة الطاقةدليل كفاءة الطاقة
دليل كفاءة الطاقةwalled ashwah
 
Tajomstvo rozhodovania
Tajomstvo rozhodovaniaTajomstvo rozhodovania
Tajomstvo rozhodovaniaBSPartner
 
Apostila de enfermagem_-_apostila_tratamento_de_feridas,_cicatrização_e_curat...
Apostila de enfermagem_-_apostila_tratamento_de_feridas,_cicatrização_e_curat...Apostila de enfermagem_-_apostila_tratamento_de_feridas,_cicatrização_e_curat...
Apostila de enfermagem_-_apostila_tratamento_de_feridas,_cicatrização_e_curat...Claudio Ribeiro
 
Ensayo de Abraham Lincoln
Ensayo de Abraham LincolnEnsayo de Abraham Lincoln
Ensayo de Abraham LincolnRicardo Taimal
 
@Home Chicago Social Media Boot Camp
@Home Chicago Social Media Boot Camp@Home Chicago Social Media Boot Camp
@Home Chicago Social Media Boot CampLisa Colton
 
Lenguaje Corporal al Mentir
Lenguaje Corporal al MentirLenguaje Corporal al Mentir
Lenguaje Corporal al Mentirramirohelmeyer
 
[Macro Graph for VR D.PARTY] - 영화적 체험 확장을 위한 VR 제작사례_20160324
[Macro Graph for VR D.PARTY] - 영화적 체험 확장을 위한 VR 제작사례_20160324[Macro Graph for VR D.PARTY] - 영화적 체험 확장을 위한 VR 제작사례_20160324
[Macro Graph for VR D.PARTY] - 영화적 체험 확장을 위한 VR 제작사례_20160324D.CAMP
 
General and Special Education Teachers' Perceptions of Inclusion
General and Special Education Teachers' Perceptions of InclusionGeneral and Special Education Teachers' Perceptions of Inclusion
General and Special Education Teachers' Perceptions of InclusionDonna Tortu
 
Creating a Culture of Cost Management in Your Organization
Creating a Culture of Cost Management in Your OrganizationCreating a Culture of Cost Management in Your Organization
Creating a Culture of Cost Management in Your OrganizationAmazon Web Services
 
Right Way Safety_logo concept3
Right Way Safety_logo concept3Right Way Safety_logo concept3
Right Way Safety_logo concept3Willie Way
 

Destaque (16)

Vida de eloy alfaro
Vida de eloy alfaroVida de eloy alfaro
Vida de eloy alfaro
 
объект недвижимости
объект недвижимостиобъект недвижимости
объект недвижимости
 
Blogs 6 29-7-2-15
Blogs 6 29-7-2-15Blogs 6 29-7-2-15
Blogs 6 29-7-2-15
 
دليل كفاءة الطاقة
دليل كفاءة الطاقةدليل كفاءة الطاقة
دليل كفاءة الطاقة
 
Rbalarezo
RbalarezoRbalarezo
Rbalarezo
 
Tajomstvo rozhodovania
Tajomstvo rozhodovaniaTajomstvo rozhodovania
Tajomstvo rozhodovania
 
Apostila de enfermagem_-_apostila_tratamento_de_feridas,_cicatrização_e_curat...
Apostila de enfermagem_-_apostila_tratamento_de_feridas,_cicatrização_e_curat...Apostila de enfermagem_-_apostila_tratamento_de_feridas,_cicatrização_e_curat...
Apostila de enfermagem_-_apostila_tratamento_de_feridas,_cicatrização_e_curat...
 
Ensayo de Abraham Lincoln
Ensayo de Abraham LincolnEnsayo de Abraham Lincoln
Ensayo de Abraham Lincoln
 
@Home Chicago Social Media Boot Camp
@Home Chicago Social Media Boot Camp@Home Chicago Social Media Boot Camp
@Home Chicago Social Media Boot Camp
 
Lenguaje Corporal al Mentir
Lenguaje Corporal al MentirLenguaje Corporal al Mentir
Lenguaje Corporal al Mentir
 
[Macro Graph for VR D.PARTY] - 영화적 체험 확장을 위한 VR 제작사례_20160324
[Macro Graph for VR D.PARTY] - 영화적 체험 확장을 위한 VR 제작사례_20160324[Macro Graph for VR D.PARTY] - 영화적 체험 확장을 위한 VR 제작사례_20160324
[Macro Graph for VR D.PARTY] - 영화적 체험 확장을 위한 VR 제작사례_20160324
 
General and Special Education Teachers' Perceptions of Inclusion
General and Special Education Teachers' Perceptions of InclusionGeneral and Special Education Teachers' Perceptions of Inclusion
General and Special Education Teachers' Perceptions of Inclusion
 
Creating a Culture of Cost Management in Your Organization
Creating a Culture of Cost Management in Your OrganizationCreating a Culture of Cost Management in Your Organization
Creating a Culture of Cost Management in Your Organization
 
Curso paneles solares
Curso paneles solaresCurso paneles solares
Curso paneles solares
 
Sailing - Monroe Harbor
Sailing - Monroe HarborSailing - Monroe Harbor
Sailing - Monroe Harbor
 
Right Way Safety_logo concept3
Right Way Safety_logo concept3Right Way Safety_logo concept3
Right Way Safety_logo concept3
 

Semelhante a Cobrança ilegal de profissional de apoio é disseminada

G1 opinião real obrigação da escola é promover aprendizado dos alunos - no...
G1   opinião  real obrigação da escola é promover aprendizado dos alunos - no...G1   opinião  real obrigação da escola é promover aprendizado dos alunos - no...
G1 opinião real obrigação da escola é promover aprendizado dos alunos - no...Polline Soto
 
Resenha documentário pro dia nascer feliz
Resenha documentário pro dia nascer felizResenha documentário pro dia nascer feliz
Resenha documentário pro dia nascer felizerika_cdias
 
Trabalho do filme para o dia nascer feliz
Trabalho do filme para o dia nascer felizTrabalho do filme para o dia nascer feliz
Trabalho do filme para o dia nascer felizMichel Iglicky
 
por-que-jovens-de-15-a-17-anos-estao-na-eja (1).pdf
por-que-jovens-de-15-a-17-anos-estao-na-eja (1).pdfpor-que-jovens-de-15-a-17-anos-estao-na-eja (1).pdf
por-que-jovens-de-15-a-17-anos-estao-na-eja (1).pdfLaviniaSantos20
 
Desistência escolar
Desistência escolarDesistência escolar
Desistência escolar-
 
A educação e o sistema socioeducativo
A educação e o sistema socioeducativoA educação e o sistema socioeducativo
A educação e o sistema socioeducativoJefferson Rosa
 
O PAPEL DOS PAIS FRENTE À APRENDIZAGEM Ivanilson José Santana da Silva
O PAPEL DOS PAIS FRENTE À APRENDIZAGEM  Ivanilson José Santana da SilvaO PAPEL DOS PAIS FRENTE À APRENDIZAGEM  Ivanilson José Santana da Silva
O PAPEL DOS PAIS FRENTE À APRENDIZAGEM Ivanilson José Santana da Silvachristianceapcursos
 
Redação - tema extra 02 - CILP 2014
Redação - tema extra 02 - CILP 2014Redação - tema extra 02 - CILP 2014
Redação - tema extra 02 - CILP 2014jasonrplima
 
Proposta 7 de redação enem 2017
Proposta 7 de redação enem 2017Proposta 7 de redação enem 2017
Proposta 7 de redação enem 2017ananiasdoamaral
 
ADOLESCENTES GRÁVIDAS: OS DESAFIOS E AS PERSPECTIVAS NO CONTEXTO ESCOLAR
ADOLESCENTES GRÁVIDAS: OS DESAFIOS E AS PERSPECTIVAS NO CONTEXTO ESCOLARADOLESCENTES GRÁVIDAS: OS DESAFIOS E AS PERSPECTIVAS NO CONTEXTO ESCOLAR
ADOLESCENTES GRÁVIDAS: OS DESAFIOS E AS PERSPECTIVAS NO CONTEXTO ESCOLARJanaina Silveira
 
Desafio acessibilidade
Desafio acessibilidadeDesafio acessibilidade
Desafio acessibilidadeHudson Glauber
 

Semelhante a Cobrança ilegal de profissional de apoio é disseminada (20)

G1 opinião real obrigação da escola é promover aprendizado dos alunos - no...
G1   opinião  real obrigação da escola é promover aprendizado dos alunos - no...G1   opinião  real obrigação da escola é promover aprendizado dos alunos - no...
G1 opinião real obrigação da escola é promover aprendizado dos alunos - no...
 
Inclusão
Inclusão  Inclusão
Inclusão
 
Redação.docx
Redação.docxRedação.docx
Redação.docx
 
O que é inclusão escolar
O que é inclusão escolarO que é inclusão escolar
O que é inclusão escolar
 
O que é inclusão escolar
O que é inclusão escolarO que é inclusão escolar
O que é inclusão escolar
 
Resenha documentário pro dia nascer feliz
Resenha documentário pro dia nascer felizResenha documentário pro dia nascer feliz
Resenha documentário pro dia nascer feliz
 
Artigo bioterra v16_n2_09
Artigo bioterra v16_n2_09Artigo bioterra v16_n2_09
Artigo bioterra v16_n2_09
 
Vestibular da prisão
Vestibular da prisãoVestibular da prisão
Vestibular da prisão
 
Capacitação de educadores e cuidadores Educação Inclusiva
Capacitação de educadores e cuidadores Educação InclusivaCapacitação de educadores e cuidadores Educação Inclusiva
Capacitação de educadores e cuidadores Educação Inclusiva
 
Trabalho do filme para o dia nascer feliz
Trabalho do filme para o dia nascer felizTrabalho do filme para o dia nascer feliz
Trabalho do filme para o dia nascer feliz
 
Projeto combate à violência escolar
Projeto combate à violência escolarProjeto combate à violência escolar
Projeto combate à violência escolar
 
por-que-jovens-de-15-a-17-anos-estao-na-eja (1).pdf
por-que-jovens-de-15-a-17-anos-estao-na-eja (1).pdfpor-que-jovens-de-15-a-17-anos-estao-na-eja (1).pdf
por-que-jovens-de-15-a-17-anos-estao-na-eja (1).pdf
 
Desistência escolar
Desistência escolarDesistência escolar
Desistência escolar
 
A educação e o sistema socioeducativo
A educação e o sistema socioeducativoA educação e o sistema socioeducativo
A educação e o sistema socioeducativo
 
O PAPEL DOS PAIS FRENTE À APRENDIZAGEM Ivanilson José Santana da Silva
O PAPEL DOS PAIS FRENTE À APRENDIZAGEM  Ivanilson José Santana da SilvaO PAPEL DOS PAIS FRENTE À APRENDIZAGEM  Ivanilson José Santana da Silva
O PAPEL DOS PAIS FRENTE À APRENDIZAGEM Ivanilson José Santana da Silva
 
Redação - tema extra 02 - CILP 2014
Redação - tema extra 02 - CILP 2014Redação - tema extra 02 - CILP 2014
Redação - tema extra 02 - CILP 2014
 
Educacao Inclusiva
Educacao InclusivaEducacao Inclusiva
Educacao Inclusiva
 
Proposta 7 de redação enem 2017
Proposta 7 de redação enem 2017Proposta 7 de redação enem 2017
Proposta 7 de redação enem 2017
 
ADOLESCENTES GRÁVIDAS: OS DESAFIOS E AS PERSPECTIVAS NO CONTEXTO ESCOLAR
ADOLESCENTES GRÁVIDAS: OS DESAFIOS E AS PERSPECTIVAS NO CONTEXTO ESCOLARADOLESCENTES GRÁVIDAS: OS DESAFIOS E AS PERSPECTIVAS NO CONTEXTO ESCOLAR
ADOLESCENTES GRÁVIDAS: OS DESAFIOS E AS PERSPECTIVAS NO CONTEXTO ESCOLAR
 
Desafio acessibilidade
Desafio acessibilidadeDesafio acessibilidade
Desafio acessibilidade
 

Mais de Thais Lazzeri (14)

capa sono
capa sonocapa sono
capa sono
 
clicksaesperadeumbebe
clicksaesperadeumbebeclicksaesperadeumbebe
clicksaesperadeumbebe
 
papinhasdobrasil
papinhasdobrasilpapinhasdobrasil
papinhasdobrasil
 
capaalimentacao2011
capaalimentacao2011capaalimentacao2011
capaalimentacao2011
 
criancaemedicacao
criancaemedicacaocriancaemedicacao
criancaemedicacao
 
preoutubro2010
preoutubro2010preoutubro2010
preoutubro2010
 
premaio
premaiopremaio
premaio
 
pre22010
pre22010pre22010
pre22010
 
CF179_p70a73
CF179_p70a73CF179_p70a73
CF179_p70a73
 
O contador de histórias
O contador de históriasO contador de histórias
O contador de histórias
 
capa operação prato limpo
capa operação prato limpocapa operação prato limpo
capa operação prato limpo
 
adoção
adoçãoadoção
adoção
 
minha cela minha vida
minha cela minha vidaminha cela minha vida
minha cela minha vida
 
CHUVA,
CHUVA,CHUVA,
CHUVA,
 

Cobrança ilegal de profissional de apoio é disseminada

  • 1. 70 I ÉPOCA I 11 de maio de 2015 S Thais Lazzeri imone Cruz visitou quase uma dezenadeescolas paramatricular os filhos, Manuela, de 11 anos, e Gabriel, de 8. Manuela tem síndrome de Down. Gabriel tem atraso mental – ainda hoje, não fala.“Tudo é motivo de angústia para o pai de uma criança com deficiência”, diz Simone. Na primeira escola particular, a equipe não se prepa- rouparareceberManuela.Semestímulos adequados, a menina não teve evolução. “Olhavam para minha filha como se ela fosse uma coitada.”Na segunda,um caso de constrangimento de um aluno com Down – o garoto foi entregue aos pais sujo de urina e fezes – fez Simone desis- tir da escola. Na terceira, a filha não se adaptou. Agora, os irmãos estudam no Colégio Fernandes Vidal, uma escola de classe média na Ilha do Governador, no Rio de Janeiro. Por cinco anos, o custo dos profissionais de cada um dos filhos deSimoneera bancado pela escola,como prevê a lei. Com o aumento do número de crianças com deficiência,diz Simone, a coordenação repassou a cobrança de um dosprofissionaispara Simone– além das duas mensalidades, cerca de R$ 500 cada uma.“Como consumidora, enten- do os argumentos da escola.Como mãe, sinto que, ao assumir o custo, é como se a profissional fosse a única responsável pelo desenvolvimento da Manu. Estão dando conteúdo do 1o ano para ela, sendo que a Manu está no 3o .” A escola afirmou desconhecer a lei que obriga a contrataroprofissional deapoio.Dizque Simone tem desconto nas mensalidades para custear esse pagamento. Obrigar pais a contratar um funcio- nário para acompanhar o filho dentro da escola é contra a lei. Um decreto de 2014 determina aplicação de multa em caso de descumprimento. Das 20 famí- lias ouvidas para a reportagem,todas fo- ram discriminadas por escolas na busca por vagas –“já alcançamos a cota de de- ficientes”, ouviu uma mãe. Poucas qui- seram se identificar e expor o problema, por medo de o filho sofrer preconceito ou algum tipo de retaliação em sala de aula. Metade teve a oferta da matrícula condicionada à contratação,com recur- sos próprios, do profissional de apoio. “Não aceitar a matrícula ou negociar a entrada com pagamentos extras são atos discriminatórios e devem ser punidos”, diz Martinha Clarete,diretora de Políti- cas de Educação Especial do Ministério da Educação (MEC).O senador Romá- rio Faria (PSB-RJ) publicou neste ano um projeto de lei (45/2015) que proíbe a já ilegal cobrança de taxa adicional para matrícula de alunos com deficiência. O Escolas particulares – e públicas – obrigam pais de crianças com deficiência a pagar um profissional para acompanhar os meninos na sala de aula. A cobrança é ilegal e disseminada Inclusão tempreço CENAS BR ASILEIR AS EP883p070_072.indd 70 08/05/2015 15:42:22
  • 2. 11 de maio de 2015 I ÉPOCA I 71 CUSTO A MAIS A família de Simone Cruz (de cabelos claros). Ela paga a profissional de apoio (à esq.) da filha, Manuela (sentada à mesa) projeto é um indicativo de que a prática está disseminada em todo o país. Em nota, Romário afirma: “Quem insistir com a prática de cobrar taxas acima da mensalidade deverá ressarcir os valores. O reembolso será o dobro do que foi pago em excesso”. Infelizmente,são poucos os casos que chegam à Justiça. Do total de famílias entrevistadas, apenas duas acionaram advogados ou defensores e promotores públicos.No Estado de São Paulo,afirma o promotor João Paulo Faustinoni, são raras as denúncias contra escolas parti- culares. Há pais que temem que o filho sofra algum tipo de represália. Outros, diante de sucessivos nãos na jornada penosa por uma instituição, acabam cedendo às exigências descabidas da ins- tituição que aceita. “Essas práticas são ilegais”,diz.A fiscalização de instituições, admitiu Faustinoni, também é tímida. Na prática, pais como Simone pa- gam a inclusão dos filhos. Depois de nove recusas em instituições de Nova Iguaçu, no Rio de Janeiro, Ana Paula dos Anjos topou a exigência ilegal do Centro Integrado de Educação Moder- na. Por cinco anos pagou mensalidade duplicada, em torno de R$ 1.600, para Arthur, de 8 anos. “Foi um golpe”, diz. Metade do valor arcava com o profis- sional de apoio. “Sei que é ilegal, mas quanto mais iria expor meu filho?” O acordo,diz,foi oficializado em um con- trato paralelo.“Meu filho não aprende. Socializar é o grande negócio que estão (a escola) fazendo por você. Até hoje é uma guerra”, diz. Há poucas semanas, a escola desistiu da cobrança. “Imagino que vão pensar que exigirei menos sobre a parte pedagógica, mas não.” Na rede pública, o drama também existe. O atendimento escolar é obri- gatório entre 4 e 17 anos ou para os que não tiveram acesso na idade pró- pria. Segundo o MEC, em 2014, foram 707.120 matrículas de alunos com de- ficiência na rede pública e 179.695 na privada. O valor do repasse do governo para o aluno com deficiência é 20% su- perior e varia entre os Estados. De acordo com as resoluções do MEC de 2009, a escola, em parceria com a família, deve avaliar as neces- sidades individuais do aluno para s Foto: Stefano Martini/ÉPOCA EP883p070_072.indd 71 08/05/2015 15:42:23
  • 3. 72 I ÉPOCA I 11 de maio de 2015 CENAS BR ASILEIR AS eliminar qualquer barreira,seja física ou não,que possa prejudicar o aprendizado. É aí que pode surgir a necessidade da contratação de um profissional de apoio, “visando à acessibilidade às comunica- ções e à atenção aos cuidados pessoais de alimentação,higiene e locomoção”,diz a nota técnica do MEC.O profissional não tem função pedagógica em sala de aula nem substitui o professor. A política de educação inclusiva no Brasil é baseada no desenvolvimento individual do aluno, como parte de um grupo maior. Aprender é uma necessi- dade de qualquer aluno.Os ganhos edu- cacionais somam-se aos sociais, de que cada pessoa tem habilidades e limitações distintas – uma lição para toda a vida. Mas incluir não é colocar todos juntos num mesmo espaço.A inclusão também não depende,apenas,de boa vontade,diz o professor de psicologia e escritor Yves de La Taille,da Universidade de São Pau- lo. Carece de recursos e de profissionais preparados, de pais ativos com coragem para dizer não às propostas ilegais das escolas e levar os casos à Justiça. Kely Cristina Machado, mãe de Ma- ria Fernanda, de 7 anos, teve duas ex- periências na rede municipal de ensino de Volta Redonda, no Rio. Na primei- ra, acompanhou a filha cadeirante por quatro meses em aula, porque o profis- sional de apoio nunca chegou à escola Sergipe. Maria tem uma escoliose tão severa que já passou por 11 cirurgias. “Ela tinha medo de ficar com outras crianças.Dizia que‘ser especial é ruim’.” Neste ano, Maria retornou para a rede municipal,na Miguel Couto Filho.Des- ta vez, a recepção da equipe pedagógica foi melhor. “É outra realidade. Maria está feliz.” Mas o profissional de apoio requisitado pela escola ainda não apare- ceu. Kely acionou a Defensoria Pública. A Secretaria de Educação de Volta Re- donda foi procurada diversas vezes. Na primeira, informou que o profissional estava a caminho.Nesse ínterim,Kely foi procurada pela secretaria e orientada a não dar entrevista – em uma das liga- ções, é possível ouvir alguém da Pasta gritando o nome da pessoa que contatou Kely. O profissional que acompanhou a filha de Kely por menos de um mês foi recolocado em outra unidade. Em São Paulo, o profissional de apoio para o filho de Priscila Aparecida de Assis, Nathan, de 8 anos, chegou há pouco mais de um mês à Escola Muni- cipal de Ensino Fundamental Professor Abrão de Moraes, na Zona Leste. Até então, era Priscila que ajudava o filho. “A escola recebeu meu filho autista com muita disposição.” Procurada, a Secre- taria Estadual de Educação informou que “nem todo espaço estará pronto, mas você precisa estar atento para remover as barreiras”. Há ainda pais que, voluntariamente, pagam o mediador por acreditar que o desenvolvimento da criança será melhor. Nesses casos,não é crime.Outros pagam para não ir à Justiça e expor o filho. Há ainda os que defendem que a família arque com o custo, mesmo quando se trata de uma exigência da escola. A precariedade no sistema educacio- nal fez surgir uma demanda por profis- sionais de apoio na rede privada.A auxi- liar terapêutica Junilce Rocha entrou no ramo há três anos.Um terapeuta infantil indica o trabalho de Junilce e outras as- sistentes para os pais. Para acompanhar um garoto com síndrome de Down por meio período em uma escola particular em São Paulo, recebe R$ 1.500, sem re- gistro. Junilce ensina o menino a pegar o material escolar, a escrever o próprio nome em cima do pontilhado que ela faz na página para ajudá-lo,fica com ele em outras atividades nas aulas de que ele não participa.“Não faz sentido ele ficar em uma aula de leitura se não fala nem escreve”, diz. Não é o que preconiza o Ministério da Educação. O relatório se- manal de Junilce é passado ao terapeuta que atende a criança fora da escola. Quando o profissional de apoio serve como meio para alcançar conquistas e possibilitar que os alunos de uma mes- ma classe caminhem juntos, a sociedade ganha. O que não pode é repassar aos pais, seja em forma de cobrança finan- ceira ou fazendo deles acompanhantes em sala de aula, a responsabilidade pelo desenvolvimento educacional. Além de ser um contrassenso, é crime. u EXIGÊNCIA DESCABIDA Ana Paula dos Anjos e o filho, Arthur – por cinco anos, ela pagou mensalidade duplicada Foto: Stefano Martini/ÉPOCA EP883p070_072.indd 72 08/05/2015 15:42:25