1) Nove jovens da Fundação Casa, responsável por menores infratores em São Paulo, foram aprovados na faculdade este ano, batendo recorde e motivando outros.
2) Duas jovens da unidade de Guarulhos, Priscila e Vivian, estudam para passar em concurso público e vestibular, sonhando em ser as primeiras de suas famílias na universidade.
3) Uma ex-interna de Guarulhos, Graziela, já está cursando musicoterapia após também ser aprovada, servindo como inspiração
Recorde de internos da Fundação Casa aprovados na faculdade
1. 8
DOMINGO, 22 DE ABRIL DE 2012 -
g eral
dedicação: As jovens Vivian e Priscila estudam na unidade de Guarulhos da Fundação Casa para passar no vestibular e também
num concurso público do Estado de São Paulo. Priscila acaba de conseguir o direito de cumprir a pena em liberdade assistida
FOTOS: DEMETRIO KOCH
No caminho do
bola pra frente: A jovem Graziela passou na faculdade e hoje cursa
musicoterapia. Ela também conquistou liberdade assistida após conseguir a vaga
Fernando Poffo
fernando.poffo@folhauniversal.com.br
“E
u era da vida
louca do mundão,
ficava
só na praia o
dia inteiro e não queria saber
de nada. Agora é diferente. Só
penso em estudar bastante, fazer faculdade de psicologia e
passar no concurso”, garante
a adolescente Priscila*, de 17
anos, que acaba de ganhar o
direito de viver em liberdade
assistida, depois de passar 9
meses internada na unidade de
Guarulhos da Fundação Casa,
a antiga Febem de São Paulo,
pelo crime de tráfico de drogas.
No dia em que a Folha Universal visitou a instituição, a jovem ainda estava reclusa. Priscila está prestes a fazer prova para
o concurso de agente escolar, do
Governo de São Paulo, antes
de tentar, enfim, ingressar na
universidade. Segundo a Fundação, no relatório da jovem
foi acrescentado o fato de ela
estar estudando para o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) e ter sido inscrita
para o concurso, além de seu
bom comportamento.
No mesmo caminho de Priscila, a garota Vivian, de 18 anos,
internada há 1 ano e 1 mês por
tentativa de homicídio, também
está ansiosa para fazer o mesmo
concurso e também prestar vestibular. “Eu pensei em serviço
social, mas sou muito idealista,
sei que vou querer mudar tudo e
o sistema é complicado. Então,
para não me estressar, acho que
vou fazer biologia”, conta.
A confiança das duas jovens,
que poderão ser as primeiras
de suas famílias a ingressar em
um curso superior, faz todo
sentido. Este ano, a Fundação
Casa bateu recorde e viu nove
internos entrar na faculdade
– seis pelo Prouni (Programa
Universidade para Todos), do
Governo Federal, e três através
do vestibular. O sucesso anima
os internos, e a dupla de Guarulhos teve na própria unidade
uma motivação.
Graziela, de 19 anos, cumpriu pena de 1 ano e 22 dias
por tentativa de homicídio e
hoje frequenta aulas do curso de
musicoterapia. Quando passou
no vestibular este ano, o caso
dela foi reanalisado e agora ela
quando o jovem
está em regime de
internação, agentes
da Fundação Casa
o acompanham
até a faculdade
também está em liberdade assistida, na qual precisa se apresentar ao juiz a cada 15 dias.
“Eu vou estudar muito.
Com estudo já é difícil, então
tem que ralar mesmo e fazer
por onde. Eu aprendi muita
2. geral
- DOMINGO, 22 DE ABRIL DE 2012
9
incentivo: Jovem retira um livro na biblioteca
da unidade da rodovia Raposo Tavares
bem
coisa lá dentro, mas sei que
tem menina que escolheu aquilo para a vida. Só que dá para
sair da criminalidade. Lá dentro tem toda estrutura para essa
mudança e fico muito feliz por
ser um espelho para as meninas”, diz Graziela.
Além dela, um interno de
Sorocaba (SP) passou em comércio exterior e outro de
Mogi Mirim foi aprovado em
educação física, mesmo curso
escolhido por três internos que
entraram na universidade pelo
Prouni – dois da unidade da
rodovia Raposo Tavares e um
de Iaras, cidade que também
emplacou um jovem no curso
de pedagogia. As outras duas
vagas do Prouni foram conquistadas por adolescentes de
Franco da Rocha, para logística
e produção cênica.
Além de estudar para conquistar uma vaga em universidades, os internos também se
esforçam para ingressar nas Escolas Técnicas Estaduais (Etecs)
Nove internos da Fundação
Casa, em São Paulo, foram
aprovados na faculdade este
ano. Número é recorde e anima
outros jovens que sonham com
um futuro melhor
– este ano, 18 adolescentes em
todo o Estado passaram nos
exames para diferentes cursos,
entre eles administração, informática e agropecuária.
A cada conquista dos adolescentes, o caso passa por nova
análise e a medida socioeducativa do jovem pode ser alterada,
como ocorreu com Graziela.
A gerente da área escolar da Fundação Casa, Neuza Flores, não tem
dúvida ao afirmar que é possível observar dentro de algumas unidades
uma situação bem mais propícia para
o ensino do que em muitas escolas da
rede estadual, que tem o mesmo currículo para os alunos. “Nas unidades estruturadas é mais fácil do que na rede
estadual, e os professores preferem dar
aula nessas unidades”, disse ela. Um
exemplo é a unidade Guarulhos Feminina, na qual a instituição compartilha
a gestão com a organização da sociedade civil Oxigênio Desenvolvimento
de Políticas Públicas Sociais, responsável pela contratação dos agentes educacionais e de saúde, além de administrar a verba dessas áreas.
Por não ser um órgão público, a
Oxigênio tem mais liberdade para
conseguir parcerias e convênios, como
na captura de ingressos para eventos
culturais ou para tentar patrocínios
para atividades e cursos profissionalizantes dentro ou fora da Fundação.
Além de confirmar o maior interesse
dos professores em dar aula, a coordenadora pedagógica da unidade, Sinhá
Carvalho de Oliveira, ressalta o interesse das internas : “Mesmo as que estavam sem estudar há mais de 2 anos,
em 2 meses já ficam motivadas, se
cobram e até pedem material de fora
para ampliar o conhecimento”, conta.
“A escola aqui é bem melhor porque é quase aula particular e fica
mais fácil. Antes, eu não tinha essa
visão da escola e nem frequentava. Eu melhorei 1.000%”, afirma a
adolescente Priscila, de 17 anos, que
acaba de entrar em regime de liberdade assistida, após 9 meses internada na unidade de Guarulhos, por
tráfico de drogas. Ela está estudando
para passar em um concurso público e também no vestibular.
Os adolescentes
também estudam
para entrar
nas Etecs. Este
ano, 18 internos
conseguiram vaga
Mas, caso a pena seja mantida, funcionários da instituição
acompanham o adolescente no
período em que ele realiza essas
atividades externas.
*Os nomes foram trocados para preservar a
identidade das adolescentes
concentração: Internas durante aula em Guarulhos. As adolescentes
aprovam a estrutura e confiam nos professores
FOTOS: ELIEL NASCIMENTO/FUNDAÇÃO CASA
“Mais fácil do
que na rede
estadual”