Este documento apresenta três frases sobre a obra de arte "O Soneto", de 1839, pelo artista inglês William Mulready:
1) A obra é um quadro pintado por William Mulready em 1839 representando um soneto.
2) Pouco mais é dito sobre a obra propriamente dita no documento.
3) O foco é dar contexto sobre o artista William Mulready, que viveu de 1786 a 1863 na Inglaterra.
5. Sophie Gengembre Anderson, 1823-1903, Take the Fair Face of Woman, n.d.
«Primeiro, dá aos teus filhos raízes. Sophie Gengembre Anderson, 1823-1903, The Turtle Dove, n.d.
Mais tarde, dá-lhes asas.»
Provérbio judaico
9. Miklós Barabás, 1810-1898, pintor húngaro, Pombo-correio, 1843.
Nunca Busquei Viver a Minha Vida
Nunca busquei viver a minha vida Mary L. Gow, Fairy Tales, 1880.
A minha vida viveu-se sem que eu quisesse ou não quisesse.
Só quis ver como se não tivesse alma
Só quis ver como se fosse eterno.
Alberto Caeiro, heterónimo de Fernando Pessoa, in Fragmentos
10. José Ferraz de Almeida Júnior, 1850-1899, Jovem lendo, 1879.
Querem uma Luz Melhor que a do Sol! A Criança que Pensa em Fadas
Ah! Querem uma luz melhor que
a do Sol! A criança que pensa em fadas e acredita nas fadas
Querem prados mais verdes do que estes! Age como um deus doente, mas como um deus.
Querem flores mais belas do que estas Porque embora afirme que existe o que não existe
que vejo! Sabe como é que as cousas existem, que é existindo,
A mim este Sol, estes prados, estas flores contentam-me. Sabe que existir existe e não se explica,
Mas, se acaso me descontentam, Sabe que não há razão nenhuma para nada existir,
O que quero é um sol mais sol Sabe que ser é estar em algum ponto
que o Sol, Só não sabe que o pensamento não é um ponto qualquer.
O que quero é prados mais prados
Alberto Caeiro, heterónimo de Fernando Pessoa
que estes prados,
in Poemas Inconjuntos.
O que quero é flores mais estas flores
que estas flores -
Tudo mais ideal do que é do mesmo modo e da mesma
maneira!
Alberto Caeiro, heterónimo de Fernando Pessoa in Poemas Inconjuntos.
12. Ondas do mar de Vigo, Ai flores, ai flores do verde pino,
se vistes meu amigo! se sabedes novas do meu amigo!
E ai Deus, se verrá cedo! ai Deus, e u é?
Ondas do mar levado, Ai flores, ai flores do verde ramo,
se vistes meu amado! se sabedes novas do meu amado!
E ai Deus, se verrá cedo! ai Deus, e u é?
Se vistes meu amigo, Se sabedes novas do meu amigo,
o por que eu sospiro! aquel que mentiu do que pôs comigo!
E ai Deus, se verrá cedo! ai Deus, e u é?
Se vistes meu amado, Trovadores medievais Se sabedes novas do meu amado,
por que hei gran cuidado! aquel que mentiu do que mi há jurado!
E ai Deus, se verrá cedo! Martin Codax, Ondas do Mar de Vigo, ai Deus, e u é?
Cantiga de Amigo, CV 884, CBN 1227 D. Dinis, Flores do Verde Pino, Cantiga de Amigo
16. Séraphine de Senlis,
1864-1942.
Joseph Karl Stieler, 1781–1858, Portrait of Ludwig van Beethoven
When Composing The Missa Solemnis, 1820. Séraphine, 2008
Séraphine de Senlis, 1864-1942, Le Bouquet de Feuilles. real. Martin Prevost.
«Ó homens que me tendes em conta de rancoroso, insociável e
misantropo, como vos enganais. Não conheceis as secretas razões que Séraphine Louis, conhecida como Séraphine de Senlis, foi uma pintora
me forçam a parecer deste modo. Meu coração e meu ânimo sentiam- autodidacta francesa, associada ao Neo-Primitivismo (pintura naïf), hoje
se desde a infância inclinados para o terno sentimento de carinho e considerada como uma influência determinante na pintura naïve francesa,
sempre estive disposto a realizar generosas acções; porém considerai logo seguida por Henri Rousseau. Começou por ser pastora, o que lhe
que, de seis anos a esta parte, vivo sujeito a triste enfermidade, permitiu observar demoradamente a Natureza que mais tarde recriaria nas
agravada pela ignorância dos médicos. Iludido constantemente, na suas telas onde imperam as folhas, as flores e os frutos. Foi também
esperança de uma melhora, fui forçado a enfrentar a realidade da empregada doméstica.
rebeldia desse mal, cuja cura, se não for de todo impossível, durará O acaso fez com que um comerciante de arte, Wilhelm Uhde, se tenha
talvez anos! Nascido com um temperamento vivo e ardente, sensível instalado em Senlis em 1912 e tenha descoberto a pintura de Séraphine ao
mesmo às diversões da sociedade, vi-me obrigado a isolar-me numa contratá-la como empregada doméstica, tinha ela 48 anos. Apesar disso,
vida solitária. Por vezes, quis colocar-me acima de tudo, mas fui então viveu pobremente toda a vida e nunca viajou. Os quadros de Séraphine
duramente repelido, ao renovar a triste experiência da minha surdez!» comprados por Uhde foram confiscados e vendidos no início da I Guerra
Mundial. Só muito mais tarde foram recuperados e apresentados ao público
Ludwig van Beethoven, 1770 — 1827, excerto do Testamento de em museus e galerias.
Heilingenstadt, feito em 06-10-1802, na localidade austríaca de Séraphine morreu pobre e meia louca num asilo. Martin Provost tirou-a
Heilingenstadt. do anonimato em 2008, quando realizou o filme biográfico Séraphine.
18. Aborrecido, passeio
Pelas ruas da cidade. A maré vasa. No céu,
Deixei agora o Rossio Vão-se apagando as estrelas.
Devagar vou-me chegando Um guarda-fiscal dormita
E atravesso o Borratém. Xaile, uma blusa, uma saia...
Deu meia-noite pausada Na guarita, mas de pé.
E oiço a fala dos dois. Um velhote com um cesto
No Carmo. Um amigo meu Ele parece uma onda,
Passa e tira-me o chapéu. E uma lata vem dizer-me
Impetuoso, alagante. Se eu quero beber café.
Paro a uma esquina. Esmoreço Ela é um breve bandó
Numa saudade que surge Num banco de pedra. Cismo.
Num corpito provocante. E ali me fico a cismar
Dentro de mim não sei como: E seguem... Ele, encostado,
Uma saudade infinita, Em coisa nenhuma... O dia
Muito encostado e aquecido Principia a querer ser
Misto de choro e revolta. Lá vai como se encontrasse
Alguém me chama no escuro: Mais um passo na incerteza
Um objecto perdido Das nossas aspirações...
Volto a cabeça. A uma porta Que foi milagre encontrá-lo... Fonte: Dover
Um vulto mexe. - Sou eu!, As águas do rio a escutar
Cortaram além!... E param? Parecem adormecidas...
Não fuja, sou eu... - Mas quem? Oiço o rebate de um estalo
Retrocedo, não conheço E o dia nasce! Vem triste,
E um grito subtil de prece Nublado, fosco, cinzento,
A mulher que me chamou. Amedrontada na fuga...
Na verdade ninguém ouve, Enquanto pela cidade
Desço ao Marquês do Alegrete. A vida acorda e desata
Ninguém distingue o apelo Um candeeiro sinistro
Do amor que anda perdido O matinal movimento...
Numa casa que se aluga...
No mistério de mentir: Vejo um polícia. Arrefece.
Deixo-a ficar onde estava; Antonio Botto, Reportagem
Um grupo de três sujeitos
Dou-lhe um cigarro e um sorriso Discute o vinho de Torres.
Dizendo que vou dormir. Varrem as ruas. Um gato
Atira-me boa-noite Bebe água numa sarjeta;
Num frio olhar de ofendida. Uma carroça parou
Meto à rua do Amparo Carregada de hortaliça
A perguntar se esta vida Junto à Praça da Figueira.
Não terá finalidade Corto a rua dos Fanqueiros
Menos sórdida e banal? Já um pouco estropiado...
Atafonas. Uma Igreja. Acendo um cigarro. A noite
Mais acima o Hospital. Lembra um fantasma
Um marinheiro propõe assustado...
A esta que atravessou Chego ao Terreiro do Paço.
A rua do Benformoso O arco da rua Augusta
Irem tomar qualquer coisa Parece mais imponente
Na Leitaria da Guia. Na minha desolação...
Ela pára. É uma catraia Vou até ao cais. Em baixo
Que talvez não tenha ainda O rio bate sem reacção...
Dezasseis anos. Bonita. Torre de Belém, Lisboa.
21. BARCA BELA
Pescador da barca bela,
Onde vais pescar com ela,
Que é tão bela,
Ó pescador?
Não vês que a última estrela
No céu nublado se vela?
Colhe a vela,
Ó pescador!
Deita o lanço com cautela,
Que a sereia canta bela...
Mas cautela,
Ó pescador!
Não se enrede a rede nela,
John William Waterhouse,
Que perdido é remo e vela A Mermaid, 1901.
Só de vê-la,
Ó pescador!
Pescador da barca bela,
Inda é tempo, foge dela,
Foge dela,
Ó pescador!
Almeida Garrett, Folhas Caídas.
Edmund Blair Leighton, Stitching the Standard.
22. Ulisses
O mito é o nada que é tudo.
O mesmo sol que abre os céus
É um mito brilhante e mudo —
O corpo morto de Deus,
Vivo e desnudo.
Este, que aqui aportou,
Foi por não ser existindo.
Sem existir nos bastou.
Por não ter vindo foi vindo
E nos criou.
Assim a lenda se escorre
Zeus e Apolo A entrar na realidade,
Os deuses Zeus e Apolo estavam a E a fecundá-la decorre.
disputar a sua perícia com o arco e a Em baixo, a vida, metade
flecha. Apolo, esticando quanto pôde a De nada, morre.
corda de seu arco, lançou uma flecha. Fernando Pessoa, Ulisses in Mensagem, 1934.
Zeus deu um só passo chegando com a
sua perna tão longe quanto a flecha
lançada por Apolo. Esopo, Fábulas, edição
manuscrita de finais do
Isto é o que acontece àqueles que séc. XIV com 147
lutam contra adversários mais fortes: miniaturas. Biblioteca
além de não atingi-los, ainda se expõem Universitária de
Bolonha, Itália.
ao riso dos outros.
Esopo, Fábulas, Século VI a.C.
23. Albert Gustaf Aristides Edelfelt, 1854-1905, Good Friends –
Portrait of Bertha Edelfelt, artist's sister, 1881.
A BELEZA É UM OCEANO
A beleza é um oceano
Aonde o olhar se perde
E regressa
Transfigurado.
Alberto de Lacerda in Horizonte.
Henrique Pousão, 1859 - 1884, Cecília.
24. As Linhas do Tempo
Do meu rosto ao teu vão caminhos
Viagens e gestos,
Lugares e passos que cada um deu a sós.
Entre o teu olhar e o meu
Corre um rio que nos une e separa.
Navegamos e caminhamos,
Contidos pelas mesmas margens
Rumo ao mesmo ignoto horizonte.
Entre as minhas mãos e as tuas
Vivem memórias
Tão vivas e tão transcendentes
Como se tudo o que já foi
Fosse ainda mais real agora.
Não há fronteiras nesta viagem,
Todos os países pertencem ao mesmo universo.
Entre a minha voz e o teu silêncio
Vives tão eterno como sempre foste,
Gota perdida na teia do tempo.
Quebrou-se a linha.
Ficas para sempre
Ilha cintilante
No fugidio mapa do tempo…
Madeira, fotografia de Kim / Joaquim M. E. Ludovino, 3/1/1960-30/1/2011.
Passa a árvore e fica dispersa pela Natureza. Suy / São Ludovino, 16/3/2011
Murcha a flor e o seu pó dura sempre.
Corre o rio e entra no mar e a sua água é sempre a que foi sua.
Passo e fico, como o Universo.
Alberto Caeiro, O Guardador de Rebanhos (excerto)
27. Oak – www.etsy.com
JUSTIÇA
(1907)
Segundo eu suponho, houve um país
Onde todos tinham torto o nariz.
E o nariz torto de cada um
Não entristecia, de modo nenhum
Mas neste país um homem nasceu
Com nariz direito e assim cresceu;
Os homens, por ódio, nesse país
Mataram o homem do belo nariz.
François-Joseph Navez, 1787-1869, The Embrace.
Alexander Search, heterónimo de Fernando Pessoa in Poesias
31. Albrecht Frans Lieven Vriendt, 1843-1900, His Move, n.d.
INDIFERENÇA
Ora diz-me a verdade:
Tu já sentiste por mim
Uma sombra de saudade,
De amor. de ciúme; enfim,
Uma impressão que indicasse
Haver em teu coração
Fibra, corda que vibrasse,
A minha recordação?
Parece, mas o contrário;
Sim o que devo supor
É deserto e solitário
O teu coração de amor!
Não digo por outro; invejo
Talvez a sorte de alguém...
Mas o que eu sei, o que eu vejo, Jules Josephe Lefebvre, 1836-1911, Clemence Isaure, n.d.
É que me não queres bem!
João de Deus in Odes e Canções.
32. Edward Robert Hughes, The Princess out of School.
A VIDA
(excerto)
A vida é o dia de hoje,
A vida é ai que mal soa,
A vida é sombra que foge,
A vida é nuvem que voa;
A vida é sonho tão leve
Que se desfaz como a neve
E como o fumo se esvai: Edmund Blair Leighton, Tristan and Isolde.
A vida dura um momento, QUANDO FORES VELHA
Mais leve que o pensamento,
A vida leva-a o vento, Quando fores velha, grisalha, vencida pelo sono,
A vida é folha que cai! Dormitando junto à lareira, toma este livro,
Lê-o devagar, e sonha com o doce olhar
A vida é flor na corrente, Que outrora tiveram teus olhos, e com as suas sombras profundas;
A vida é sopro suave,
A vida é estrela cadente, Muitos amaram os momentos de teu alegre encanto,
Voa mais leve que a ave; Muitos amaram essa beleza com falso ou sincero amor,
Onda que o vento nos mares. Mas apenas um homem amou tua alma peregrina,
Uma após outra lançou, E amou as mágoas do teu rosto que mudava;
A vida — pena caída
Da asa de ave ferida — Inclinada sobre o ferro incandescente,
De vale em vale impelida Murmura, com alguma tristeza, como o Amor te abandonou
A vida o vento a levou! E em largos passos galgou as montanhas
Escondendo o rosto numa imensidão de estrelas.
João de Deus in Elegias
William Butler Yeats, 1865-1939
33. Santuário de Nossa Senhora dos Remédios, Lamego
-www.travel-in-portugal.com
RUMO A BIZÂNCIO - Parte III
Oh, sábios que estais no sagrado fogo de Deus
Qual dourado mosaico sobre um muro,
Vinde desse fogo sagrado, roda que gira,
E sede os mestres do meu canto, da minha alma.
Devorai este meu coração; doente de desejo
E atado a um animal agonizante Agnolo Bronzino, 1503-1572, Lucrezia di Cosimo, 1555-65.
Ele não sabe o que é; juntai-me
Ao artifício da eternidade. William Butler Yeats, 1865-1939
34. Charles Edward Perugini, 1839-1918, In the Orangery, n.d.
AEDH DESEJA OS TECIDOS DOS CÉUS
Fossem meus os tecidos bordados dos céus,
Charles Spencelayh, 1865-1958, The Collector. Ornamentados com luz dourada e prateada,
COM O TEMPO A SABEDORIA Os azuis e negros e pálidos tecidos
Da noite, da luz e da meia-luz,
Embora muitas sejam as folhas, a raiz é só uma;
Os estenderia sob os teus pés.
Ao longo dos enganadores dias da mocidade,
Mas eu, sendo pobre, tenho apenas os meus sonhos.
Oscilaram ao sol minhas folhas, minhas flores;
Eu estendi meus sonhos sob os teus pés
Agora posso murchar no coração da verdade.
Caminha suavemente, pois caminhas sobre meus sonhos.
William Butler Yeats, 1865-1939
William Butler Yeats, 1865-1939
35. Pierre van Boucle, c1610- 1673, Still-Life, n.d.
RUMO A BIZÂNCIO – Parte I
Este país não é para velhos. Jovens
Abraçados, pássaros que nas árvores cantam
- essas gerações moribundas -
Cascatas de salmões, mares de cavalas,
Peixe, carne, ave, celebrando ao longo do Verão
Tudo quanto se engendra, nasce e morre.
Prisioneiros de tão sensual música todos abandonam
Os monumentos de intemporal saber.
William Butler Yeats, 1865-1939
Ambrosius Bosschaert, the Elder, 1573-1621, Bouquet in an Arched Window, c. 1618.
43. Fanny Brennan, 1921-2001, The Visitor.
OS TÍTULOS E O DEVIR
Parte I (excerto)
Que te falta
Senão tu mesmo
Para seres
Segismundo, o mundo.
O mundo, Segismundo!
Quem te negou esse colosso de mistérios?
Quem esquartejou a tranquila escadaria
Da capela da tua infância?
O mundo, Segismundo!
Que lábios tocaram os teus olhos
E cravaram grades em todas as tuas janelas?
O mundo, Segismundo!
O mundo é um deus ateu.
Kate Perugini, 1839-1929, Portrait of Agnes Pheobe Burra, n.d.
Não creias nele
Que ele não crê em ti…
Suy / São Ludovino, 19/8/1993
46. A BENÇÃO DA LOCOMOTIVA JOGO DO LENÇO
A obra está completa. A máquina flameja, Trago no bolso do peito
Um lenço de seda fina,
Desenrolando o fumo em ondas pelo ar.
Dobrado de certo jeito.
Mas, antes de partir mandem chamar a Igreja,
Não sei quem tanto lhe ensina
Que é preciso que um bispo a venha baptizar. Que quanto faz é bem feito.
Como ela é com certeza o fruto de Caim, Acena nas despedidas,
A filha da razão, da independência humana, Quando a voz já lá não chega
Botem-lhe na fornalha uns trechos em latim, Por distâncias desmedidas.
E convertam-na à fé Católica Romana. Depois, no bolso aconchega
As saudades permitidas.
Devem nela existir diabólicos pecados,
Porque é feita de cobre e ferro; e estes metais Também o suor salgado,
Saem da natureza, ímpios, excomungados, Às vezes, enxugo a medo,
Como saímos nós dos ventres maternais! Que o lenço é mal empregado.
E quando me feri um dedo,
Vamos, esconjurai-lhes o demo que ela encerra, Com ele o trouxe ligado.
Extraí a heresia ao aço lampejante!
Nunca mais chegava ao fim
Ela acaba de vir das forjas d'Inglaterra, Se as graças todas dissesse
E há-de ser com certeza um pouco protestante. Deste meu lenço e de mim,
Mas uma coisa acontece
Para que o monstro corra em férvido galope,
De que não sei porque sim:
Como um sonho febril, num doido turbilhão,
Além do maquinista é necessário o hissope, Quando os meus olhos molhados
E muita teologia... além de algum carvão. Pedem auxílio do lenço,
São pedidos escusados.
Atirem-lhe uma hóstia à boca fumarenta, E é bem por isso que penso
Preguem-lhe alguns sermões, ensinem-lhe a rezar, Que os meus olhos, se molhados,
E lancem na caldeira um jorro d'água benta, Só se enxugam no teu lenço.
José Saramago
Que com água do céu talvez não possa andar. in Os Poemas Possíveis
Guerra Junqueiro, A Bênção da Locomotiva.