1. Sobre “ A Ferramenta Que Faz os Contos “ e a respectiva “Metodologia” , duas obras
de Sónia Marques Carvão .
Tenho diante dos meus olhos, lidos, relidos e por continuar a reler, dois livros deslumbrantes da minha
amiga Sónia Marques Carvão.
Num país de pequenez como o nosso, não temespaço nas universidades, nas escolas, nas televisões, nas
revistas e nos jornais . Mas a verdade é que são dois livros brilhantes sobre filosofia comcrianças, onde a
raíz do ser se apruma na idade para fazer uma sociedade melhor, mais livre, mais partilhada, mais
inclusiva.
“ A Ferramenta Que Faz os Contos “ foi o primeiro livro a ser publicado. Comporta sete contos onde
Sónia aplica o seu vasto património acumulado de filosofia, sobretudo da metodologia de filosofia com
crianças . Confesso que sou parcial porque não escondo o que penso e sinto na minha liberdade de ser.
Não para agradar, mas porque faz parte da natureza da minha verdade. Sobre este livro maravilhoso de
contos, escrito com imaginação, beleza e conhecimento profundo da filosofia, que tem um leigo como eu
para dizer? Que me traz aos olhos a jubilosa arte de sonhar, aliando a liberdade e a imaginação ao
pensamento, sem limitar nem ser limitado, sem censurar nem ser censurado. Eis aqui a consumação do
fenómeno de uma filosofia que trabalha com essa matéria maleável do sonho a provocar um raciocíno
sempre presente, a construção permanente onde a infância estrutura o ser e o tempo suporta o seu
crescimento numa vontade continuada de aprender. Aprender a gostar de aprender. Tivesse este livro o
nome de Antoine de Saint – Exupéry, o autor da imortal obra “ O Principezinho” , e estaria presente em
qualquer biblioteca, citado e recitado, ultrapassando as limitadas fronteiras deste país onde se releva o
narcisismo cultural.
Meses depois, a Sónia publicou a Metodologia de “ A Ferramenta Que Faz os Contos” . Esta obra
notável, escrita com lucidez, conhecimento e estilo, fala do método de “ a filosofia com crianças” , que
perpassa subtil e invisível pelo seu deslumbrante livro de contos. Amo a filosofia, estudo filosofia, mas
não tenho formação académica filosófica. Em todo o caso, ouso falar sobre esta obra corajosa e única nos
nossos meios académicos sobre esta temática. Na minha ignorância, creio que a filosofia é una na sua
diversidade . E todas as suas formas e metodologias devem estar ao serviço da filosofia vivente, uma
respiração que não se estrutura em conceitos formatados, mas antes no apelo ao recurso de cada um,
exercitando o raciocínio e a imaginação, sendo livre nas suas convicções. Nenhum método, nenhum
conceito educativo, substitui a prática da imaginação e do próprio raciocínio que cada umdeve exercer na
reabilitação da sua liberdade, um direito a ser e a aprender a responsabilizar-se também pela liberdade do
outro. Aprender que nenhum conhecimento está acabado, mas está sempre por se fazer. Aprender a
aprender . E quem fala como um professor de cátedra arrisca-se a falhar nas lições de aprender. Aprender
que o conhecimento serve para ser. E que qualquer filosofia que não seja capaz de unir as pessoas na sua
diferença e as pessoas à natureza das coisas é uma filosofia doentia. Este livro da Metodologia da Sónia
sobre a “filosofia com crianças” que ela pratica com convicção e muita paixão, diz-nos que educar é “
deixem as crianças ser crianças “, acentuando a relação do “Eu Tu- Eu Isso”, numa relação partilhada,
subtraindo o que está fora da alma, trabalho de reciprocidade com a comunidade. O educador e o
educando seduzem-se reciprocamente, como na história de “ O Principezinho” , em que o educador
estimula a imaginação, a criatividade e o raciocínio do educando, instilando-lhe na sua vontade a
respiração de gostar de aprender através da brincadeira em que o gozo educa o ser. Nesta plasticidade
entre o brincar e o aprender, promove-se o sentido crítico, o respeito pelo outro, pelos seres, pela
natureza, onde o verbo ser não se conjuga sozinho. Raciocínio, imaginação, autenticidade, inclusão,
profundidade, é tudo o que esta obra nos traz onde a criança é o centro da atenção no sentido do
desenvolvimento do seu mundo, não fechado sobre si, mas numa relação recíproca com os outros. Por
todas estas razões, este livro é uma obra notável de pedagogia no ensino da filosofia com crianças.
Pedagogia que, com toda a propriedade, é destinada a todos os educadores que lidam com esse ser
sensível que é a criança.
2. À Sónia, toda a nossa comunidade deve agradecer estes dois livros notáveis e belos. Lê-los é enriquecer o
espírito e aguçar a vontade de continuar a aprender.
As histórias não servempara adormecer as crianças, mas para as despertar.
José Ribeiro Zito ( escritor, poeta e professor)