O Lundu é uma dança brasileira nascida da miscigenação cultural, incorporando elementos das culturas africana e portuguesa. Era uma das danças dominantes no século XIX, praticada principalmente por negros, embora também aceita pela sociedade branca. No início do século XX, passou a ser vista como "lasciva" e sua prática foi proibida, embora ainda existam grupos que a mantenham viva, especialmente na Ilha de Marajó.
4. Quando falamos em Arte devemos pensar na relação
Arte/Cultura/Sociedade. Nesse sentido, podemos afirmar que as
diversas manifestações artístico-culturais brasileiras, sejam elas de
qualquer uma das matrizes culturais ou de qualquer uma de suas
áreas: música, dança, teatro ou artes visuais, refletem visões de
mundo, formas de pensar e de lidar com diferentes realidades, em
diferentes sociedades e nos mais variados contextos históricos.
Neste contexto, tomamos como exemplo, o Lundu, também
conhecido como Lundu Colonial ou mesmo como Lundum,
caracterizado como gênero musical e como dança tipicamente
brasileira, nascida da miscigenação, da hibridização cultural.
5. Em sua origem, podem ser encontrados
elementos das culturas africana e portuguesa.
O Lundu carrega como herança
características típicas de danças ibéricas,
como o estalar de dedos, a melodia, a
postura do corpo, a elevação dos braços e
o uso de instrumentos, como o bandolim,
ao mesmo tempo em que sua base rítmica
faz o uso de instrumentos como tambores,
com a presença de rebolados e umbigadas,
típicos das manifestações herdadas dos
africanos. Fonte: VERGER, Pierre. I I 46
6. O Lundu era um dos ritmos
dominantes no século XIX, praticado,
em sua maioria, pelos negros
africanos, porém aceito pela sociedade
“branca”
7. Não obstante, o interesse pelo lundu foi tamanho que ele não se restringiu
apenas às fronteiras coloniais, sendo também incorporado à modinha (o que
facilitaria sua aceitação na metrópole) e depois levado a Portugal.
Representação do lundu na cidade de
Lisboa, conforme gravura de Sketches of
Portuguese Life, de A. P. D. G., sob o
título Begging for the Festival of N. S.
D'Atalaya (1826, p. 284)
8. Nas "Cartas Chilenas", coleção de poemas de crítica ao governo, de autoria do
inconfidente Tomás Antônio Gonzaga, há uma descrição de uma cena muito viva de
um funcionário público sendo atraído pelo apelo sensual de um lundu:
"Fingindo a moça que levanta a saia
E voando na ponta dos dedinhos,
Prega no machacaz, de quem gosta,
A lasciva umbigada, abrindo os braços;
Então o machacaz, mexendo a bunda,
Pondo uma mão na testa, outra na ilharga,
Ou dando alguns estalos com os dedos,
Seguindo das violas o compasso,
Lhe diz - 'eu pago, eu pago' - e, de repente,
Sobre a torpe michela atira o salto.
Ó dança venturosa! Tu entravas
Nas humildes choupanas, onde negras,
Aonde as vis mulatas, apertando
Por baixo do bandulho a larga cinta,
Te honravam e' os marotos e brejeiros,
Batendo sobre o chão o pé descalço,
Agora já consegues ter entrada
Nas casas mais honestas e palácios!
Ah! tu, famoso chefe, dás exemplo.
Tu já, tu já batucas, escondido
Debaixo dos teus tetos, com a moça
Que furtou, ao senhor, o teu Robério!"
9. “
”
Os pretos, divididos em nações e com instrumentos próprios de cada uma,
dançam e fazem voltas como arlequins, e outros dançam com diversos
movimentos do corpo, que, ainda que não sejam os mais indecentes, são
como os fandangos em Castela e fofas de Portugal, o lundi dos brancos e
pardos daquele país...
Os pesquisadores parecem concordar que a origem do lundu é o batuque dos
escravos, sendo esta a razão por que se barrava sua entrada nos salões familiares. A
primeira referência ao lundu, segundo Bruno Kiefer e J. R. Tinhorão, aparece em uma
carta do governador de Pernambuco ao governo português, em 1780.
10. Como consequência dessas informações, o
governo da Metrópole baixou um Aviso ao
Governador de Pernambuco informando: "...que
sua Majestade ordenava que não permitisse as danças
supersticiosas e gentilicas, enquanto as dos pretos, ainda que
pouco inocentes, podiam ser toleradas, com o fim de evitar-
se, com este menor mal, outros males maiores".
11. O Lundu pode ser dançado em pares ou então em roda, mas em ambos,
podemos encontrar elementos que nos permitem pensar questões referentes à
sexualidade. Quando dançado em roda, o movimento que marca a mudança de
dançarinos, no centro dessa roda, geralmente é a umbigada.
12. No início do século XX, entretanto, esse “ar” de sensualidade passa a
ser entendido como um “ar lascivo”, e a dança a ser interpretada,
principalmente quando realizada entre casais, como um “convite” ao
ato sexual (o que, em muitos casos, não deixava de ser), o que levou a
sociedade branca a proibir a manifestação do Lundu, por considerá-la
um atentado ao pudor. Nos dias atuais, o Lundu já não é proibido,
mas também não é mais uma dança predominante na sociedade dita
brasileira. Há, no norte do país, em especial na Ilha de Marajó, alguns
grupos que ainda se manifestam artisticamente por meio do Lundu e,
em outros estados, grupos que o dançam de maneira folclórica.
13. Uma modalidade do lundu, a dança de roda, ainda é praticada
na Ilha de Marajó e nos arredores de Belém, no estado do
Pará, recentemente grupos culturais do entorno do DF
reiniciaram essa prática. O lundu na suas origens tinha
sistemática simples, a qual ainda podemos observar na dança
de roda.
No Lundu de Marajoara, os homens vestem calças
preferencialmente branca. Essa dança utiliza instrumentos como o
banjo, cavaquinho e clarinete.