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                                                                  PROSA & VERSO
               ‘A incerteza nos fortalece’
        A escritora italiana Silvia Avallone vê na crise uma fonte de renovação do sentimento de coletividade

             ENTREVISTA           Com apenas 25 anos,                       em janeiro de 2010. Os direitos autorais foram ne-                        toral da Toscana, em frente à Ilha de Elba e sede de
                                  Silvia Avallone embara-                   gociados em 17 países, e a obra acaba de chegar ao                        uma siderúrgica, ela é o cenário de ritos de passa-
        Silvia Avallone
                                  lhou as cartas do mer-                    Brasil pela editora Alfaguara (tradução de Eliana                         gens, das esperanças e das dificuldades dos jovens
    cado editorial italiano. Entre uma faxina e outra em                    Aguiar). No romance, a escritora desmantelou uma                          de hoje. A leitura de “Aço” revela um mosaico de
    casa — como “remédio antiestresse”, como contou                         siderúrgica, mergulhou em suas vísceras e saiu de lá                      personagens e situações de uma geração que brinca
    em entrevista ao GLOBO por email —, ela publicou                        com um retrato da dura vida do jovem operário ita-                        com o destino, à beira do precipício. No ocaso do
    seu romance de estreia, “Aço”, que vai virar filme                      liano e dos sonhos de duas adolescentes crescidas                         “berlusconismo”, eis uma radiografia de quem cres-
    em 2012, ganhou diversos prêmios na Itália e já ven-                    numa cidade provinciana, Piombino, terra natal da                         ceu à sombra dos novos costumes e modelos de vi-
    deu meio milhão de cópias desde seu lançamento,                         escritora, real e imaginária ao mesmo tempo. No li-                       da, quase sempre incompatíveis com o cotidiano.
                                                                                                                                                                       Divulgação
              Guilherme Aquino                                                                                                                                                      ● O livro apresenta uma Toscana
            prosaeverso@oglobo.com.br                                                                                                                                               fora da ideia “fácil” do cartão pos-
                                                                                                                                                                                    tal do turista. Podemos imaginar a
    O GLOBO: No livro você apresenta                                                                                                                                                realidade universal de Piombino,
    a siderúrgica Lucchini como se fosse                                                                                                                                            cidade da fábrica Lucchino, diante
    um outro planeta, um lugar mitoló-                                                                                                                                              da Ilha de Elba, frequentada pela
    gico, “onde a matéria se transfor-                                                                                                                                              elite, como um “Rio de Janeiro”
    ma”. Em suas lembranças de adoles-                                                                                                                                              com a sua praia de Ipanema, “ina-
    cente, o que representava o conceito                                                                                                                                            cessível” aos pobres da favela?
    de fábrica segundo o qual a “classe                                                                                                                                                Cresci em décadas nas quais o
    operária não vai ao paraíso”?                                                                                                                                                   ideal publicitário reinava absoluto.
    SILVIA AVALLONE: Meu olhar so-                                                                                                                                                  O mundo lampejante das paisagens
    bre a siderúrgica de Piombino é um                                                                                                                                              dos cartões postais, da televisão,
    olhar infantil maravilhado, que nun-                                                                                                                                            escondeu as paisagens reais. Com o
    ca perdi. Lembro como me impres-                                                                                                                                                tempo, desenvolvi uma rejeição às
    sionava, quando criança, observar                                                                                                                                               paisagens de plástico, construídas e
    sua gigantesca imagem, quase mági-                                                                                                                                              fotografadas para o consumo turís-
    ca, com as chaminés fumegantes,                                                                                                                                                 tico. A literatura se ocupa de mun-
    seus vapores, seus segredos além                                                                                                                                                dos muito mais complexos. Sempre
    das barreiras intransponíveis. Na                                                                                                                                               amei Piombino, que é um lugar con-
    época, não tinha qualquer noção da                                                                                                                                              traditório ao máximo grau: de um la-
    “classe operária”, nem das questões                                                                                                                                             do a imponência da fábrica, do ou-
    ligadas ao trabalho. Na infância, a fá-                                                                                                                                         tro, as maravilhas das praias. Sem-
    brica era para mim um monstro                                                                                                                                                   pre amei a província, as periferias
    enorme, parecido com os dragões                                                                                                                                                 das grandes cidades, esfomeadas e
    dos contos de fadas. E sempre con-                                                                                                                                              sedentas, mas pulsantes de desejo.
    servei esse olhar “encantado” e “mí-                                                                                                                                            Amo os lugares onde percebo a von-
    tico”, que me ajudou a contar um la-                                                                                                                                            tade das pessoas de lutar. Mas na
    do oculto da fábrica. Quando cresci,                                                                                                                                            Itália não há metrópoles como o Rio
    a siderúrgica se tornou para mim a                                                                                                                                              de Janeiro. A Itália é, em grande par-
    história dos seus protagonistas: os                                                                                                                                             te, um país de províncias de peque-
    jovens operários da minha idade,          SILVIA AVALLONE, sucesso editorial aos 25 anos: protagonistas “pensam no plural”, apesar da influência dos valores individualistas    nas cidades, onde ainda é possível
    que eu comparava com os heróis da                                                                                                                                               viver em comunidade. E é essa ideia
    mitologia grega, que me contavam          ções sexuais. Não se deve discrimi-         te do status social de cada um. Não         deiramente, cuidar do próprio futuro          de coletividade que quis descrever.
    na praia, depois do fim do turno,         nar o afeto, o sentimento.                  é possível voltar no tempo e tirar a        e, por consequência, de seus jovens
    suas proezas e seus medos dentro                                                      poeira da imagem estereotipada do           cidadãos, deve investir na escola pú-         ●  Numa passagem do livro, um
    da imensa “esfinge” de aço.               ● As protagonistas do livro são as          “punho fechado”. Além disso, acre-          blica e na pesquisa universitária.            dos personagens, Cristiano, diz ao
                                              adolescentes Anna e Francesca. E            dito que os operários sempre foram                                                        filho de apenas 6 meses: “Papai te
    ●  Além do aspecto social do livro,       o modelo ideal é aquele da televi-          muito mais humanos e complexos              ●  Você cresceu com o fenômeno                leva ao Brasil para assistir ao car-
    existe o lado da sexualidade. Ado-        são, em que a beleza é usada para           do que os estereótipos que os repre-        Bersluconi. Além da politica, co-             naval”. Qual é a sua percepção do
    lescentes e jovens podem se reco-         a escalada social.                          sentaram no passado. O ponto é es-          mo mudaram os valores da socie-               Brasil, hoje em grande desenvolvi-
    nhecer nos personagens? Que tabus           A ideia de usar a beleza e a juven-       te: livrar-se dos estereótipos sem re-      dade italiana?                                mento econômico? Acha que o
    deveriam cair para que uma pessoa         tude como mercadorias para alcan-           nunciar a uma identidade forte. De-            Para gerações inteiras, crescidas          país representa um ideal de fuga,
    possa ser melhor no futuro?               çar um status social mais alto é velha      ve-se fundar novamente aquela               com pão e televisão (a máquina dos            um pouco como a Ilha de Elba dos
       Sou suspeita, pois amo todos os        como o mundo, e faz parte de uma            identidade partindo dos jovens que          sonhos e dos desejos), certas mis-            personagens do livro?
    meus personagens. Amo a malícia           concepção inaceitável da mulher. É          trabalham, hoje, nas fábricas. Te-          tificações de bem estar e exibicio-           Eu me sinto muito atraída pelo Bra-
    inocente e um pouco “palhaça” de          um “hábito” do passado, difícil de ser      mos que ouvir o que eles dizem.             nismo vazio se perderam no tempo.             sil, que de onde estou parece um
    Anna e Francesca, o carinho escon-        combatido. Tratei da sedução que es-        Creio que minha geração, hoje, não          Hoje somos obrigados a nos con-               país gigantesco, transbordado de
    dido em Alessio, a coragem da mãe         se mito fajuto e discriminatório pode       seja mais uma vítima da cultura con-        frontar com a incerteza, a crise eco-         vitalidade, novidades e contradi-
    Sandra e a fragilidade de todos eles.     exercer sobre as adolescentes, ainda        sumista de massa como foi há um             nômica, o desemprego e o trabalho             ções. A Europa é um continente “ve-
    Porque é uma fragilidade na qual          hoje, e o fiz exatamente porque que-        tempo: nascemos e crescemos nela,           temporário. Isso nos fortalece, nos           lho” pela idade da população, e es-
    transpiram a vida, a dignidade, os        ro combatê-lo, como a maioria das           fizemos um calo, e a superamos.             torna mais conscientes e responsá-            tá atravessando um período difícil,
    prazeres, as esperanças, a coragem.       mulheres italianas e estrangeiras.                                                      veis. Os jovens italianos e estran-           de estalo da economia. É natural
    É uma humanidade esfomeada e be-                                                      ● Qual é sua receita para acreditar         geiros hoje se preocupam não ape-             que todos olhemos com grande cu-
    líssima. Nenhum dos personagens é         ● Como você avalia esta cultura,            num futuro melhor num momento               nas em se “divertir”, mas, sobretu-           riosidade para o Brasil muito jovem
    individualista. Todos sabem querer        que não é mais aquela do operário           tão dramático? Como tantos jovens,          do, em construir um futuro mais es-           e em plena expansão. A literatura e
    bem ao outro, pensar no plural. E es-     com o punho fechado e que serve,            você não tinha um trabalho fixo.            tável. A proteção do meio ambien-             o cinema latino-americano trouxe-
    sa é sua maior força. A descoberta da     no ideal do jovem operário, de tram-          A escola é a verdadeira estrada           te, uma economia mais justa, uma              ram um vento revolucionário nas
    sexualidade na adolescência, que          polim para ter acesso a carro do            que deu a mim e a tantos outros a           cultura mais livre e direitos civis a         últimas décadas do século passa-
    conto a partir das emoções de Anna        ano e roupas de grife, regalias que         possibilidade de correr atrás de um         todos são as preocupações que nos             do, e essa ventania continua. Sendo
    e Francesca, é uma experiência fortís-    antes eram apenas dos jovens de fa-         sonho. Ler e estudar me ajudaram a          movem. Sabemos que a vida não é               italiana, percebo uma extraordiná-
    sima, que escancara mistérios, temo-      mílias com bom poder econômico?             imaginar novos lugares, tempos dife-        uma festa, como a TV gostaria de              ria proximidade com o Brasil, que
    res e entusiasmos. Tentei tocar nesse       É normal que nos anos 2000, em            rentes dos meus e vidas diferentes          nos iludir. E estamos prontos para            espero conhecer em primeira pes-
    tema com o maior respeito possível,       culturas invadidas e homologadas            da minha. Isso me ensinou a pensar,         vivê-la com os pés no chão, pensan-           soa, em toda a sua complexidade
    protegendo a intimidade dos perso-        por televisão, consumismo e publi-          a me preocupar com os problemas             do não apenas nos nossos interes-             caleidoscópica. Para muitos jovens
    nagens. Os tabus que devem cair são       cidade, todos os jovens desejem as          dos outros e não apenas com os              ses imediatos, mas também nos                 europeus, o Brasil é a ilha das ma-
    todos os relacionados às discrimina-      mesmas coisas, independentemen-             meus. Uma nação que quer, verda-            das gerações que virão.                       ravilhas a ser alcançada. ■

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Entrevista silvia avallone

  • 1. 6 Sábado, 10 de dezembro de 2011 PROSA & VERSO ‘A incerteza nos fortalece’ A escritora italiana Silvia Avallone vê na crise uma fonte de renovação do sentimento de coletividade ENTREVISTA Com apenas 25 anos, em janeiro de 2010. Os direitos autorais foram ne- toral da Toscana, em frente à Ilha de Elba e sede de Silvia Avallone embara- gociados em 17 países, e a obra acaba de chegar ao uma siderúrgica, ela é o cenário de ritos de passa- Silvia Avallone lhou as cartas do mer- Brasil pela editora Alfaguara (tradução de Eliana gens, das esperanças e das dificuldades dos jovens cado editorial italiano. Entre uma faxina e outra em Aguiar). No romance, a escritora desmantelou uma de hoje. A leitura de “Aço” revela um mosaico de casa — como “remédio antiestresse”, como contou siderúrgica, mergulhou em suas vísceras e saiu de lá personagens e situações de uma geração que brinca em entrevista ao GLOBO por email —, ela publicou com um retrato da dura vida do jovem operário ita- com o destino, à beira do precipício. No ocaso do seu romance de estreia, “Aço”, que vai virar filme liano e dos sonhos de duas adolescentes crescidas “berlusconismo”, eis uma radiografia de quem cres- em 2012, ganhou diversos prêmios na Itália e já ven- numa cidade provinciana, Piombino, terra natal da ceu à sombra dos novos costumes e modelos de vi- deu meio milhão de cópias desde seu lançamento, escritora, real e imaginária ao mesmo tempo. No li- da, quase sempre incompatíveis com o cotidiano. Divulgação Guilherme Aquino ● O livro apresenta uma Toscana prosaeverso@oglobo.com.br fora da ideia “fácil” do cartão pos- tal do turista. Podemos imaginar a O GLOBO: No livro você apresenta realidade universal de Piombino, a siderúrgica Lucchini como se fosse cidade da fábrica Lucchino, diante um outro planeta, um lugar mitoló- da Ilha de Elba, frequentada pela gico, “onde a matéria se transfor- elite, como um “Rio de Janeiro” ma”. Em suas lembranças de adoles- com a sua praia de Ipanema, “ina- cente, o que representava o conceito cessível” aos pobres da favela? de fábrica segundo o qual a “classe Cresci em décadas nas quais o operária não vai ao paraíso”? ideal publicitário reinava absoluto. SILVIA AVALLONE: Meu olhar so- O mundo lampejante das paisagens bre a siderúrgica de Piombino é um dos cartões postais, da televisão, olhar infantil maravilhado, que nun- escondeu as paisagens reais. Com o ca perdi. Lembro como me impres- tempo, desenvolvi uma rejeição às sionava, quando criança, observar paisagens de plástico, construídas e sua gigantesca imagem, quase mági- fotografadas para o consumo turís- ca, com as chaminés fumegantes, tico. A literatura se ocupa de mun- seus vapores, seus segredos além dos muito mais complexos. Sempre das barreiras intransponíveis. Na amei Piombino, que é um lugar con- época, não tinha qualquer noção da traditório ao máximo grau: de um la- “classe operária”, nem das questões do a imponência da fábrica, do ou- ligadas ao trabalho. Na infância, a fá- tro, as maravilhas das praias. Sem- brica era para mim um monstro pre amei a província, as periferias enorme, parecido com os dragões das grandes cidades, esfomeadas e dos contos de fadas. E sempre con- sedentas, mas pulsantes de desejo. servei esse olhar “encantado” e “mí- Amo os lugares onde percebo a von- tico”, que me ajudou a contar um la- tade das pessoas de lutar. Mas na do oculto da fábrica. Quando cresci, Itália não há metrópoles como o Rio a siderúrgica se tornou para mim a de Janeiro. A Itália é, em grande par- história dos seus protagonistas: os te, um país de províncias de peque- jovens operários da minha idade, SILVIA AVALLONE, sucesso editorial aos 25 anos: protagonistas “pensam no plural”, apesar da influência dos valores individualistas nas cidades, onde ainda é possível que eu comparava com os heróis da viver em comunidade. E é essa ideia mitologia grega, que me contavam ções sexuais. Não se deve discrimi- te do status social de cada um. Não deiramente, cuidar do próprio futuro de coletividade que quis descrever. na praia, depois do fim do turno, nar o afeto, o sentimento. é possível voltar no tempo e tirar a e, por consequência, de seus jovens suas proezas e seus medos dentro poeira da imagem estereotipada do cidadãos, deve investir na escola pú- ● Numa passagem do livro, um da imensa “esfinge” de aço. ● As protagonistas do livro são as “punho fechado”. Além disso, acre- blica e na pesquisa universitária. dos personagens, Cristiano, diz ao adolescentes Anna e Francesca. E dito que os operários sempre foram filho de apenas 6 meses: “Papai te ● Além do aspecto social do livro, o modelo ideal é aquele da televi- muito mais humanos e complexos ● Você cresceu com o fenômeno leva ao Brasil para assistir ao car- existe o lado da sexualidade. Ado- são, em que a beleza é usada para do que os estereótipos que os repre- Bersluconi. Além da politica, co- naval”. Qual é a sua percepção do lescentes e jovens podem se reco- a escalada social. sentaram no passado. O ponto é es- mo mudaram os valores da socie- Brasil, hoje em grande desenvolvi- nhecer nos personagens? Que tabus A ideia de usar a beleza e a juven- te: livrar-se dos estereótipos sem re- dade italiana? mento econômico? Acha que o deveriam cair para que uma pessoa tude como mercadorias para alcan- nunciar a uma identidade forte. De- Para gerações inteiras, crescidas país representa um ideal de fuga, possa ser melhor no futuro? çar um status social mais alto é velha ve-se fundar novamente aquela com pão e televisão (a máquina dos um pouco como a Ilha de Elba dos Sou suspeita, pois amo todos os como o mundo, e faz parte de uma identidade partindo dos jovens que sonhos e dos desejos), certas mis- personagens do livro? meus personagens. Amo a malícia concepção inaceitável da mulher. É trabalham, hoje, nas fábricas. Te- tificações de bem estar e exibicio- Eu me sinto muito atraída pelo Bra- inocente e um pouco “palhaça” de um “hábito” do passado, difícil de ser mos que ouvir o que eles dizem. nismo vazio se perderam no tempo. sil, que de onde estou parece um Anna e Francesca, o carinho escon- combatido. Tratei da sedução que es- Creio que minha geração, hoje, não Hoje somos obrigados a nos con- país gigantesco, transbordado de dido em Alessio, a coragem da mãe se mito fajuto e discriminatório pode seja mais uma vítima da cultura con- frontar com a incerteza, a crise eco- vitalidade, novidades e contradi- Sandra e a fragilidade de todos eles. exercer sobre as adolescentes, ainda sumista de massa como foi há um nômica, o desemprego e o trabalho ções. A Europa é um continente “ve- Porque é uma fragilidade na qual hoje, e o fiz exatamente porque que- tempo: nascemos e crescemos nela, temporário. Isso nos fortalece, nos lho” pela idade da população, e es- transpiram a vida, a dignidade, os ro combatê-lo, como a maioria das fizemos um calo, e a superamos. torna mais conscientes e responsá- tá atravessando um período difícil, prazeres, as esperanças, a coragem. mulheres italianas e estrangeiras. veis. Os jovens italianos e estran- de estalo da economia. É natural É uma humanidade esfomeada e be- ● Qual é sua receita para acreditar geiros hoje se preocupam não ape- que todos olhemos com grande cu- líssima. Nenhum dos personagens é ● Como você avalia esta cultura, num futuro melhor num momento nas em se “divertir”, mas, sobretu- riosidade para o Brasil muito jovem individualista. Todos sabem querer que não é mais aquela do operário tão dramático? Como tantos jovens, do, em construir um futuro mais es- e em plena expansão. A literatura e bem ao outro, pensar no plural. E es- com o punho fechado e que serve, você não tinha um trabalho fixo. tável. A proteção do meio ambien- o cinema latino-americano trouxe- sa é sua maior força. A descoberta da no ideal do jovem operário, de tram- A escola é a verdadeira estrada te, uma economia mais justa, uma ram um vento revolucionário nas sexualidade na adolescência, que polim para ter acesso a carro do que deu a mim e a tantos outros a cultura mais livre e direitos civis a últimas décadas do século passa- conto a partir das emoções de Anna ano e roupas de grife, regalias que possibilidade de correr atrás de um todos são as preocupações que nos do, e essa ventania continua. Sendo e Francesca, é uma experiência fortís- antes eram apenas dos jovens de fa- sonho. Ler e estudar me ajudaram a movem. Sabemos que a vida não é italiana, percebo uma extraordiná- sima, que escancara mistérios, temo- mílias com bom poder econômico? imaginar novos lugares, tempos dife- uma festa, como a TV gostaria de ria proximidade com o Brasil, que res e entusiasmos. Tentei tocar nesse É normal que nos anos 2000, em rentes dos meus e vidas diferentes nos iludir. E estamos prontos para espero conhecer em primeira pes- tema com o maior respeito possível, culturas invadidas e homologadas da minha. Isso me ensinou a pensar, vivê-la com os pés no chão, pensan- soa, em toda a sua complexidade protegendo a intimidade dos perso- por televisão, consumismo e publi- a me preocupar com os problemas do não apenas nos nossos interes- caleidoscópica. Para muitos jovens nagens. Os tabus que devem cair são cidade, todos os jovens desejem as dos outros e não apenas com os ses imediatos, mas também nos europeus, o Brasil é a ilha das ma- todos os relacionados às discrimina- mesmas coisas, independentemen- meus. Uma nação que quer, verda- das gerações que virão. ravilhas a ser alcançada. ■