O documento discute o aumento da participação feminina no mercado de trabalho e nas famílias brasileiras. Atualmente, uma em cada quatro famílias brasileiras é chefiada por mulheres, que muitas vezes assumem o papel de provedoras da casa. Fatores como a dissolução de casamentos, condições socioeconômicas desfavoráveis e o aumento da expectativa de vida das mulheres contribuem para o crescimento das "mulheres-arrimo".
Mulheres-Arrimo: a força feminina nas famílias brasileiras
1. Jornal
O Bandeirante
Ano XVIII - no 208 - MARÇO de 2010
Publicação Mensal da Sociedade Brasileira de Médicos Escritores - Regional do Estado de São Paulo - SOBRAMES-SP
Mulheres-Arrimo
“As mulheres muitíssimo belas surpreendem menos no dia seguinte”.
Henri-Marie Beyle, mais conhecido como Stendhal (1783-1842), escritor francês.
Helio Begliomini
Médico urologista
Presidente da SOBRAMES-SP (2009-2010).
Em 1980, a porcentagem dos com o Censo Demográfico de 2000 vem aumentando para ambos os se-
homens graduados em medicina no do Instituto Brasileiro de Geografia e xos, entretanto, ela é ainda maior
Estado de São Paulo era de 66,6%. Estatística (IBGE), esse índice era de para a mulher. Quando a morte do
Esse índice começou a cair progressi- 24,9%, mostrando um crescimento marido vem precocemente, sua atu-
vamente, sendo constatado em 1990 de 38% em relação ao ano de 1991, ação no suprimento do lar torna-se
e 2000, respectivamente, 56,6% e quando as mulheres-arrimo repre- premente.
55,3%. Por três anos consecutivos, o sentavam 18,1%. Vive-se uma mudança de para-
número de mulheres formadas em Tradicionalmente, em nossa cul- digma. Já não há lugar para o mode-
medicina no território paulista su- tura, competia ao homem o provi- lo “machão” ou até mesmo patriarcal
plantou o contingente masculino: mento da casa. Com a emancipação de condução da família. As mulheres
2006 (51,7%); 2007 (53,8%) e 2008 da mulher na sociedade, sua partici- na economia doméstica hodierna
(52,9%). pação vem ganhando cada vez mais vêm, regra geral, cumprindo honro-
Hoje em dia, a feminilização não espaço e, há vários anos, devido ao samente seus papéis e, quando não, o
é um fenômeno observado apenas rebaixamento dos salários, torna-se de seus consortes. Sua atuação como
na medicina, mas, naturalmente, em imprescindível no suprimento da mãe, trabalhadora, educadora e ad-
diversas profissões, mesmo naquelas maioria dos lares o trabalho de am- ministradora da casa tem sido de for-
há pouco consideradas específicas bos os cônjuges. ma tácita, sem os aparatos da ribal-
do sexo masculino, tais como efetivo O padrão matriarcal que ora se ta, consequentemente, nem sempre
das forças armadas ou polícia militar, tem acentuado tem como razões: com o necessário reconhecimento de
ainda que em funções de combaten- A – Dissolução dos casamentos. que faz jus, por vezes até mesmo dos
te; garis, frentistas e motoristas de Verifica-se cada vez mais o cresci- que com ela convivem debaixo do
lotação ou ônibus, dentre outras. mento e a inconsistência das uniões mesmo teto. Outras, infelizmente,
Entretanto, o que mais chama a informais, bem como a parca respon- muitas vezes têm que vencer a pecha
atenção é que a mulher vem, paula- sabilidade dos nubentes. As famílias da discriminação social quando se
tinamente, não somente se associan- tradicionais decresceram 5% entre tornam descasadas.
do ao homem para contribuir com o 1992 e 1999. As mulheres-arrimo são mais uma
orçamento da casa, mas, em muitos B – Condições socioeconômicas. das virtudes fortes do “sexo frágil”.
lares, tornando-se a mantenedora Muitos homens do Norte e Nordes- A Sociedade Brasileira de Médi-
exclusiva de sua família, tarefa que te vêm sozinhos para as regiões Sul e cos Escritores – Regional do Estado
outrora era ponto de honra do sexo Sudeste na angústia de encontrarem de São Paulo (Sobrames – SP) tem-se
masculino. emprego, deixando mulher e filhos estribado não somente em sua ternu-
Por incrível que possa parecer, em suas cidades e, com isso, ultrapas- ra, delicadeza e lealdade, mas tam-
atualmente, de cada quatro lares sando a média nacional de mulheres- bém em sua capacidade colaborativa,
brasileiros, um é chefiado pelas mu- arrimo (25,6%). agradável sinergismo e diversificada
lheres. Mais precisamente, de acordo C – Viuvez. A expectativa de vida verve literária.
Página Especial do Xxiii Congresso Coletânea da Sobrames São Paulo À
da Sobrames – Pag. 7 Vista – Pag. 3
2. 2 O BANDEIRANTE - Março de 2010
Vida Nova – Recomeçando
EXPEDIENTE
Estamos no terceiro mês do Boletim O Bandei-
Jornal O Bandeirante
ANO XVIII - no 208 - Março 2010 rante com uma responsabilidade muito grande: a
Publicação mensal da Sociedade Brasileira de Médicos
de contemplar, com seus textos e poesias, o maior
Escritores - Regional do Estado de São Paulo SOBRAMES-SP
Sede: Rua Alves Guimarães, 251 - CEP 05410-000 - Pinheiros
.
número de sobramistas. Para conseguir essa faça-
- São Paulo - SP Telefax: (11) 3062-9887 / 3062-3604
Editores: Carlos A. F. Galvão, Roberto A. Aniche. Jornalista
nha, precisamos da colaboração dos colegas. Em
Responsável e revisora: Ligia Terezinha Pezzuto (MTb
17.671 - SP). Colaboradores desta edição: Carlos Augusto primeiro lugar, escrevam, de preferência muitos
Galvão, Helio Begliomini, José Jucovsky, Leopoldo Lopes,
Luiz Jorge Ferreira, Márcia Etelli Coelho, Marco Aurélio textos. Em segundo lugar, enviem para o nosso
Baggio, Merval Marques Figueiredo Júnior, Roberto Antonio
Aniche e Walter Whitton Harris.Tiragem desta edição: e-mail sobramessaopaulo@gmail.com. Em ter-
300 exemplares (papel) e mais de 1.000 exemplares PDF
enviados por e-mail. ceiro lugar, colaborem para que todos consigam
Diretoria - Gestão 2009/2010 - Presidente: Helio
Begliomini. Vice-Presidente: Josyanne Rita de Arruda
figurar em nossas páginas, respeitando a seguinte
Franco. Primeiro-Secretário: Ligia Terezinha Pezzuto.
Segundo-Secretário: Maria do Céu Coutinho Louzã. equação: textos não longos é igual a mais autores publicados.
Primeiro-Tesoureiro: Marcos Gimenes Salun. Segundo-
Tesoureiro: Roberto Antonio Aniche. Conselho Fiscal
Efetivos: Flerts Nebó, Carlos Augusto Ferreira Galvão, Luiz
Jorge Ferreira. Conselho Fiscal Suplentes: Geovah Paulo
da Cruz; Rodolpho Civile; Helmut Adolf Mataré.
Temos uma meta: tornar nosso jornal cada vez mais gostoso de ser
degustado, de uma maneira “light”, com uma qualidade suprema, que
Matérias assinadas são de responsabilidade de seus já é tradição dos nossos confrades, porém com um conteúdo recheado
autores e não representam, necessariamente, a
opinião da Sobrames-SP de beleza e cultura.
Editores de O Bandeirante
Flerts Nebó – novembro a dezembro de 1992 Contamos com todos!
Flerts Nebó e Walter Whitton Harris – 1993-1994
Carlos Luiz Campana e Hélio Celso Ferraz Najar – 1995-1996
Flerts Nebó e Walter Whitton Harris – 1996-2000
Carlos Augusto F. Galvão
Flerts Nebó e Marcos Gimenes Salun – 2001 a abril de 2009 Roberto Antonio Aniche
Helio Begliomini – maio a dezembro de 2009
Roberto A. Aniche e Carlos A. F. Galvão - janeiro 2010 -
Presidentes da Sobrames – SP
Dr. Carlos Augusto Galvão
1 Flerts Nebó (1988-1990;1990-1992 e out/2005 a dez/2006)
Psiquiatria e Psicoterapia
o
2o Helio Begliomini (1992-1994; 2007-2008 e 2009-2010)
3o Carlos Luiz Campana (1994-1996) Rua Maestro Cardim, 517
4o Paulo Adolpho Leierer (1996-1998)
5o Walter Whitton Harris (1999-2000) Paraíso – Tel: 3541-2593
6o Carlos Augusto Ferreira Galvão (2001-2002)
7o Luiz Giovani (2003-2004)
Walter Whitton Harris
8o Karin Schmidt Rodrigues Massaro (jan a out de 2005)
Cirurgia do Pé e Tornozelo
Ortopedia e Traumatologia Geral
Editores: Carlos A. F. Galvão e Roberto A. Aniche CRM 18317
Revisão: Ligia Terezinha Pezzuto Av. República do Líbano, 344 Rua Luverci Pereira de Souza, 1797 - Sala 3
Diagramação: Mateus Marins Cardoso 04502-000 - São Paulo - SP Cidade Universitária - Campinas (19) 3579-3833
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3. SUPLEMENTO LITERÁRIO
O BANDEIRANTE - Março de 2010 3
Notícias da Sobrames São Paulo
Adimplentes da Sobrames – SP de 2010
Ordem alfabética -
Aida Lúcia Pullin Dal Sasso Begliomini, Camilo André Mércio Xavier, Carlos Augusto Ferreira Galvão, Carlos José Benat-
ti, Geovah Paulo da Cruz, José Leopoldo Lopes de Oliveira, José Rodrigues Louzã, Helio Begliomini, Helmut Mataré,
Jacyra Funfas, José Alberto Vieira, José Jucowski, Josyanne Rita de Arruda Franco, Ligia Terezinha Pezzuto, Luiz Jorge
Ferreira, Lucila Lopes de Oliveira, Márcia Etelli Coelho, Maria do Céu Coutinho Louzã, Maria da Glória Civile, Mario
de Mello Faro, Roberto Antonio Aniche, Rodolpho Civile, Sérgio Perazzo, Sônia Regina Andruskevicius de Castro.
Abaixo, estão os membros honorários, dispensados estatutariamente de pagar:
Flerts Nebó, Marcos Gimenes Salun, Manlio Mario Marco Napoli.
Caso alguém já tenha pago e não esteja na relação, favor dizer a quem e quando pagou.
A presente anuidade é de R$ 170,00 se pagos até o dia 31 de março de 2010 e, de R$ 200,00, se pagos após essa data.
Aqueles que desejarem efetuar o pagamento poderão enviar seu cheque a:
Helio Begliomini
Rua Bias, 234 – Tremembé
02371-020 – São Paulo – SP ou
Roberto Antonio Aniche
Rua Costa Rego, 29 – Vila Guilhermina
03542-030 – São Paulo - SP
A Sobrames-SP tem um restrito orçamento e conta necessariamente com a colaboração de seus membros.
Meu tipo (tio) inesquecível, com saudações às
Seleções do Readers Digest.
Leopoldo Lopes
Manoel Camargo, mais conhecido pelo apelido Neco, nasceu em Poços de Caldas, sul de Minas, em irmandade de
treze, sobrando apenas minha mãe, viva, lúcida com 94.Tio Neco cursou o Liceu de Artes e Ofícios em S.Paulo, tornou-
se gráfico e voltou a Poços, responsabilizando-se por um semanário tradicional na região, cujo nome me foge.
Tio Neco era um leitor voraz e autodidata, escrevia sob pseudônimo “O GRAMAC” ferozes críticas aos políticos lo-
cais e despedido do jornal quando um desafeto colocou ao final da coluna, em minúsculas, por manoel Camargo.
Tio Neco, além de muito lido, era cético e um tanto profeta.Vi, aos 12 anos, discutir política e economia com
alguém que se dizia preparado por universitário, este defendendo o governo, que ainda veríamos no país notas de
milhão (na época, cruzeiros) dada a incompetência dos governantes, e o que se viu até o plano real foi a moeda ser
acrescida de 13 zeros (coincidência com a irmandade).
Tudo o que tio Neco fazia era com intensidade: ler, escrever, fumar e beber, para comida não ligava e sua maior
paixão era pescar em beira de rio onde ficava dias seguidos.
Certa feita voltou de pescaria a pé, cerca de 15 quilômetros numa Terça de Carnaval, debaixo de chuva, todo en-
charcado com vara de pescar ao ombro e apetrechos e um tanto etilizado entrou, sem pagar, era figura conhecida e
popular na cidade no baile do Palace Cassino, apresentou-se para o concurso de fantasias originais, como o Pescador
Azarado e tirou o primeiro lugar.
Depois dos 50, de estalo, deixou fumo e bebida para nunca mais, só não deixou de pescar e morreu aos 70 em
uma cabana ao lado do Rio das Antas.
Em Cuba não há presos políticos. Os que fazem greve de fome são colaboradores voluntários que ajudam os pes-
quisadores locais, coisa que os alemães não conseguiram, a ver até quantos dias é possível jejuar, resolvendo assim o
problema da distribuição das tarjetas de alimentos cuja periodicidade o governo quer diminuir. Revolução é isso
O Brasil deveria se chamar Me Engana que eu gosto.
4. 4 O BANDEIRANTE - Março de 2010
SUPLEMENTO LITERÁRIO
Close, de Lado.
Luiz Jorge Ferreira
Eu entro em cena puxando um cavalo manco emprestado de Hollywood.
Ela está deitada.O sinal marrom que eu chamo de “boa pinta”. Ela o disfarçou com um pouco mais de pó de arroz.
Fala no meu ouvido uma frase quase inaudível. E eu respondo com uma frase em inglês ouvida e decorada de um
diálogo do seriado de Bat Mastersom. Ela olha-me tão próxima que eu me convenço que um dos seus sutiãns tem
mais recheio que o outro.Ou então como publicaram as revistas de fofoca. Implantou silicone.
Diga alto e ríspido. Abandone-me! - Grita o Diretor. Fitando-me com doçura.
Olho de soslaio, à minha maneira, que permite que a câmera dê um close nas minhas lentes, azuis bifocais.
O Diretor cospe, grita e se despenteia. Eu o conheci num baile da Praça Marechal vestido de Colombina.
Como manda o script, aplico na atriz um tapa no rosto.Ela em seguida gira sobre a cama e cai.
Retiro o braço com dois quilos de maquiagem presa na palma da mão.
Vagabunda! Grito... Caprichando nas sílabas.
Um cowboy que não reconheço, com uma bonita proteção de couro na calça rancheira, corre em sua direção.
Ela grita. Help! Help! Um Help sem sotaque.
Em seguida como se estivesse ferida, desmaia.
O iluminador sacode o facho de luz, criando um belo efeito.
Acho um barato. Ela ter sentido o tapa que tanto havíamos ensaiado impressionou-me com o filete de sangue escor-
rendo de seus lábios e o repentino inchaço.
O cowboy parece que vai sacar o revólver. Mantenho a minha mão direita suja de cosmético, atrás da cintura. O Diretor
berra comigo alguma coisa como: - Filho de uma
Mulher Mexicana mãe de dez filhos que nunca casou. Com certeza refere-se a minha Madre.
O cowboy saca. Eu saco num relance que aquele cara é o marido da atriz.
Abandono o cavalo manco no quarto e desço para o Sallon.
Onde tomo um trago e saio.
Breve no aeroporto decola um avião da TAM.
Ouço o estampido do primeiro tiro já em Quixeramobim.
Mesmo assim, por precaução, me agacho um pouco.
Déjà vu
Márcia Etelli Coelho
A mente adiantou-se ao ocorrido, Assim, na mística guarida,
sensação estranha, ocasional. o minuto transformou-se em eternidade.
Lembrança de algo não vivido. E, após tantas idas e vindas,
Do filme, eu já sabia o final. lá estou eu com o mesmo anseio: felicidade...
E, ao antecipar o conflito, Revendo antigas paisagens,
mudei o rumo sem mais por quê. finalmente descobri
Desisti, então, de estar aflito. que eu não fiz novas amizades
Pra quê? Tudo iria se resolver! somente as reconheci.
Sentia que aquele sonho enamorado
comigo estava em outro tempo.
E, quando o presente uniu-se ao passado,
rompi o véu do encantamento.
5. SUPLEMENTO LITERÁRIO
O BANDEIRANTE - Março de 2010 5
Pega-Pega
Merval Marques Figueiredo Júnior
A menina sonhava. Sonhava que brincava, sonhava que corria, brincadeira de correr. Brincava na rua de casa, de
pega-pega com outras crianças – no tempo em que calçadas se mostravam anchas, e a rua alegre e larga se deixava
jogar bola, empinar pipa, pular amarelinha. A menina, leve que era, magra que era, corria rápida. Veloz como um
corisco¹. Suave como semente emplumada ziguezagueando pelos ares. No meio da rua em pé, os braços cruzados,
bastava olhar para a turma com um discreto movimento de sobrancelha e uma breve inclinação de cabeça, o desafio
estava posto. Ligeira fugia de seus perseguidores e os evitava com seus dribles sem bola. Ria e ria. Ria muito dos per-
digueiros que não a alcançavam. Em sua corrida furava cercas, surfava ribanceiras, vencia muros, ignorava escadarias
trocadas por saltos acrobáticos. Dançarina no ar, trapezista em solo, em fuga. Cheia de sorrisos. Fintava Dedé com
um salto mortal, se esquivava de Toninho, girando em meia-lua sobre o parapeito; escapulia da Heloisa, rodopiando
em estrela, no tiro² não tinha mais rápido. Ao ser perseguida em uma passagem que ia dar num paredão, cercada de
uma banda por Carlinhos e Ivete e da outra por Francisca e Renato que lhe preparavam o bote, de súbito estancou,
rindo dos que rolavam ao tentar mesmo breque. A meninada admirava as suas manobras. Num dia de domingo de
sol, estava a brincar em glória, exibindo sua agilidade, assim sem mais sem menos, um acontecido caiu do céu: os
saltos foram então se tornando mais lentos, pesados. “Que sucede”? – se perguntava. Foi perdendo velocidade. Ainda
fugia dos outros, mas sem desenvoltura. Escapava, mas sem a graça. Ao pular por sobre um alambrado quase não
conseguiu, o seu peso duplicara, mais que isso, três vezes mais! Ruinava força, perdia energia. Tentou pular outra vez,
sem êxito. Saiu andando, estranhada de si. Viu os que corriam atrás dela e estes a seguiam com olhares intrigados, em
sua face um esgar. Forças como que correntes a puxavam para baixo, os ombros atraídos como por um magneto sob
seus pés. Algo fora do lugar. A gravidade a forçava mais e mais para o chão. Ela parou, seus perseguidores também
ao seu lado, emudecidos, fitavam-na, buscando entendimento do que lhe ocorria. Pesada, a cabeça lhe pesava cada
vez mais e mais. Queria mas não dava a correr. Na rua calçada pisava uma grande pedra, quando tentou passar para
uma outra esta lhe fugiu dos pés como se fosse uma ilha flutuante, e a rua um mar de pedras era um arquipélago
inteiro a se desfazer, as ilhas flutuando a milhas e milhas distantes de si. Devia cair, compôs equilíbrio. A boca conse-
guiu entreabrir, palavra não saía. Pesados os braços, as pernas, o tronco, tudo pesava. O ouvido zunia sem mosquitos
às orelhas. Queria resistir, se encurvava. O povo falava dela, baixinho, longínquo: “coitadinha”. Uma cortina preta
como que a de um teatro, onde ela própria era atriz e expectadora, foi baixando. A menina com as costas grudadas
no chão não se movia. Lutava para fincar o queixo no peito, tentava, suava, cansava, a cabeça forçada, volvia atrás,
como que enlaçada ao piso por um grande elástico. Silêncio. As pálpebras vão-se cerrando, centelhas passando.
O ar não sustinha semente emplumada. A menina parada, paralisada e muda, caída ao solo, quase que amalgama-
da, misturada, e então o breu. De sua boca corria um fio de baba, os olhos perdidos no vazio. O mundo era noite sem
estrelas, imóvel, insondável. De repente os grilhões liliputianos³ cedem. Os movimentos pouco a pouco se recuperam.
Sente o pé, a perna, as mãos, lentamente mexe os dedos. O braço, ainda não. Os olhos devagar se abrem. Réstia de
luz. Branco, tudo branco. Estava deitada, ao seu lado um homem em branco, de barba branca, a sorrir, contendo-lhe
o braço. “Te peguei!” de carreira(4) ele falou, em seguida passou a mão com delicadeza sobre a cabeça da menina, e
com uma voz que tranquiliza perguntou: “Como foi tua viagem?”. A menina não compreendia, não conseguia falar,
balbuciava palavras intangíveis(5). A branca porta, as brancas paredes, o lençol branco... Aos poucos reconheceu no
homem o Dr. Beltrão e mais atrás papai e mamãe que lhe sorriam. Estava no hospital – batera forte a cabeça no muro
e veio ao chão em convulsão depois de ter alcançado um lindo salto mortal.
Homenagem ao professor Guimarães Rosa, singular em sua escrita, Dr. em desvelar palavras dos rincões deste país.
1 Faísca elétrica
2 Prova de velocidade no atletismo
3 Na história de Swift, Gulliver é preso ao solo por inúmeras cordas lançadas pelos minúsculos habitantes de Lilli-
pute.
4 Rápido.
5 De tanger, direcionar, dar sentido.
6. 6 O BANDEIRANTE - Março de 2010
SUPLEMENTO LITERÁRIO
Ódio entre Outros Pecados
José Jucovsky
Onde está teu irmão? Sinuosos caminhos desastrados
Ecoa a pergunta como trovão... De doutrinas, delírios e ódios exaltados
Vindo da onipotente fonte Irrompem em manifestações sombrias
Estrondosa voz entre vales e montes... Ricas de demônios e de bondade vazias.
Textos de histórias documentadas
Não há resposta possível São pela humanidade reencarnadas
Só silêncio e rancor insensível... Na literatura com arte, estilo e maestria
Caim sorrateiro... Acovardado... Carregada de realidade e fantasia!
Seu irmão tinha matado...
Exemplos de ranços e iras inglórias
É a deslealdade... É a ira implacável Personificam abjetas memórias
É o mal secreto... É a morte inconfessável... Desde a antiga bíblica lonjura
Vindo a desaguar na atual conjuntura!
Anjo caído... Em pleno pecado
Invejoso... Mal dissimulado... Estando Isaac quase cego e senil
Na fronte o “selo atroz” assassino Rebeca por meio de um vil ardil
Maldita saga de eterno peregrino. Levou Jacó para ser pelo pai abençoado;
Assim o primogênito Esaú foi lesado...
Fora do Éden almas se violentam
Em loucuras que de morte se alimentam O desejo da cobiça na coroada família
Refletindo-se em conflitos e paixões Troca o patriarcado por um prato de lentilha...
Marchas sem fim em diabólicas associações.
Drama de desamor humano
Os caminhos contraditórios da humanidade Em clássico texto machadiano
Em corpos sem alma e sem piedade Envolve em real e ficcional ambivalência
Permanecem num muro, emparedados, Os gêmeos Pedro e Paulo em odiosa convivência.
Em feixes, em grupos ou isolados.
Visionárias forças definitivamente
Plenos Pecados múltiplos do mal Caminham por gloriosos ideais da mente:
Nada mais violento que o ódio racial Fechando a sete chaves a caixa de Pandora
Vício vinculado a execradas criaturas Na luta pelas virtudes a toda hora.
Envolvidas em degradantes desventuras.
Haverá novas liberdades respeitadas
Avarezas, invejas e ódios destrutivos, Onde direitos e virtudes andem de mãos dadas,
Em universos psicoexplosivos Onde não haja avareza nem ódios insanos
Induzem turbilhões de sentimentos Onde haja só enlevo e sonhos humanos...
Exibindo variáveis irados pensamentos...
Estas seriam das virtuosas almas as miragens
Guerras entre irmãos, povos e nações, E dos homens de boa vontade as mensagens!
Irrompem em milenares gerações
Fuzilamentos, estupros e ódios sanguinários
Conduzidos por insanos déspotas autoritários.
7. SUPLEMENTO LITERÁRIO
O BANDEIRANTE - Março de 2010 7
O Morcego
Walter Whitton Harris
Preconceito é um problema muito sério. E não há ninguém que possa dizer sinceramente
que não é preconceituoso. Na forma mais restrita, o preconceito que vem à mente é o racial,
porém, no sentido amplo, pode-se ter aversão por certas coisas. Um exemplo é pelos alimentos,
como o rim bovino, que na minha concepção é uma delícia. No entanto, não suporto miolo,
embora tenha experimentado e não gostado. Essa intolerância já não pode ser classificada como
preconceito, pois fora testada. Mas não provar rim, apenas por ser rim, sem dúvida, o é!
O que se diz então do preconceito que se tem em relação aos animais, como os gatos, ou
então os que são peçonhentos? Talvez os mais injustiçados sejam os morcegos. Esses seres vo-
adores vivem em muitas regiões de nosso planeta e, em todos os lugares, são mal vistos. A sua
associação com o Conde Drácula é notória e problemática pois, na Transilvânia, na Romênia,
não existem morcegos vampiros. Na crença popular, o sugador de sangue era o próprio Drácula,
um príncipe que lá existiu no século XV. PUBLICIDADE
Há morcegos de todos os tipos, alguns de enorme envergadura, chegando a quase dois TABELA DE PREÇOS 2009
metros e com corpo do tamanho de um pequeno roedor. Existem outros, minúsculos, em que (valor do anúncio por edição)
vários cabem na palma de uma mão humana. A maior espécie é a raposa voadora, que vive 1 módulo horizontal R$ 30,00
predominantemente na Malásia e pesa cerca de 1,5 kg. Sua denominação se justifica, pois sua
2 módulos horizontais R$ 60,00
cabeça lembra muito a de uma raposa. É um morcego que se alimenta de frutos. Esses animais
vivem em grupos e, durante o dia, dormem pendurados nos galhos das árvores de cabeça para 3 módulos horizontais R$ 90,00
baixo. A carne desse morcego é considerada uma iguaria e foi caçado indiscriminadamente, o 2 módulos verticais R$ 60,00
que quase o levou à extinção na Ásia e na Oceania. 4 módulos R$ 120,00
Os morcegos hematófagos, que são extremamente feios, existem apenas nas Américas Cen- 6 módulos R$ 180,00
tral e do Sul. Há também alguns no sul dos Estados Unidos e no México. No resto do Mundo, Outros tamanhos sob consulta
os morcegos são frutígeros ou insetívoros. Essas espécies também estão presentes nas Américas
e, como os hematófagos, são animais pequenos e dificilmente pesam mais de 100 gramas. sobramessaopaulo@gmail.com
Os morcegos são muito temidos no continente americano, fundamentalmente pelo risco de
transmissão de uma grave doença, a raiva animal. É bem verdade que essa não é transmitida
apenas por morcegos, pois também se prolifera entre outros animais silvestres, como os maca-
cos. Pelo ataque dos morcegos ao gado, em especial o bovino e suíno, é também um problema
econômico-pecuário e de saúde pública. O gado fica indefeso ao assédio desses animais.
REVISÃO
Esses pequenos morcegos costumam viver agrupados em cavernas e, ao anoitecer, saem de textos em geral
em bandos, ou à procura do gado, ou para se alimentar de frutos ou insetos. Esses últimos são
importantes polinizadores e mantêm um equilíbrio fundamental no controle de insetos. Daí a Ligia Pezzuto
necessidade básica de se identificar corretamente as diversas espécies. Especialista em Língua Portuguesa
No Estado de São Paulo, o Instituto Agronômico de Campinas é responsável pelo controle
dos morcegos. Além de fazer experiências com esses animais, procura combater sua presença
(11) 3864-4494 ou 8546-1725
e proliferação. Os morcegos, na sua convivência aglomerada nas cavernas, têm o costume de
lamber as costas um dos outros. Descobrindo-se as cavernas onde habitam, caçam-se alguns
morcegos e besuntam-lhes as costas com pasta de warfarina, uma substância anticoagulante.
Na lambição, ingerem o produto e morrem de hemorragia interna. Foi uma das maneiras que
ROBERTO CAETANO MIRAGLIA
se encontrou para combater essa praga, muito embora os morcegos não hematófagos também ADVOGADO - OAB-SP 51.532
possam morrer assim. A melhor solução contra a raiva é a vacinação em massa do gado.
ADVOCACIA – ADMINISTRAÇÃO DE BENS
Na época em que tínhamos uma casa de campo, ouvíamos o ruído de animais dentro
do telhado à noite, quando as luzes dos quartos eram acesas. Eram morcegos, porém não NEGÓCIOS IMOBILIÁRIOS – LOCAÇÃO
sabíamos de que tipo. Preocupados, chamamos o pessoal de Campinas. Num fim de semana, COMPRA E VENDA DE IMÓVEIS
parou um pequeno furgão na porta de casa e de lá desceu um homem muito gordo. Não sei ASSESSORIA E CONSULTORIA JURÍDICA
como ele conseguiu sair de trás do volante. Apresentou-se como especialista em morcegos e TELEFONES: (11) 3277-1192 – 3207-9224
quis ver a moradia deles. Providenciamos uma escada de madeira para que pudesse ter acesso
ao beiral do telhado, por onde víamos esses seres saírem nos fins de tarde. Torcemos para que
não subisse nas telhas e nem despencasse da escada, cujas travas transversais se envergavam
tentando aguentar seu peso. Nada aconteceu e recebemos a boa notícia de que se tratavam
de morcegos não hematófagos. O funcionário do Instituto Agronômico foi embora, com o Terminou de
furgãozinho pendendo para o lado do motorista. Tivemos de levantar as paredes da casa até
as telhas, para que esses voadores não entrassem mais no forro. Passaram a habitar apenas o escrever seu
beiral, o que não nos incomodava. livro? Então
Os morcegos de pequeno porte são animais que enxergam muito mal e se orientam através
de um tipo de radar, emitindo sons que voltam e são armazenados em seus cérebros, dando-lhes publique!
a direção correta a seguir, diferentemente das raposas voadoras que dependem apenas da visão.
Numa noite de verão, com várias pessoas presentes na casa de campo, naquele lusco-fusco do
fim de tarde, animais voadores passavam rapidamente por nós. Ao dizer que eram morcegos, Nesta hora importante, não deixe de
houve dúvidas, alegando-se que fossem passarinhos. Para provar, providenciei uma vareta longa
de um galho de ficheira (guapuruvu) e chacoalhei rapidamente na penumbra. Sabia que isso consultar a RUMO EDITORIAL.
confundiria o radar dos morcegos e, dito e feito, um deles colidiu com a vareta e tombou ao solo. Publicações com qualidade impecável,
Estava confirmado que eram realmente morcegos. Atordoado, o morcego ainda permaneceu dedicação, cuidado artesanal e preço
desfalecido por uns minutos. Fiquei até constrangido por tê-lo machucado e muito feliz ao ver justo. Você não tem mais desculpas
o indefeso animalzinho se erguer e sair voando para acompanhar os demais. para deixar seu talento na gaveta.
rumoeditorial@uol.com.br
É importante a desmistificação acerca dos morcegos, cuja maioria não é nociva. Apesar da
ameaça dos hematófagos, o preconceito de que morcegos são nojentos e perigosos é errôneo (11) 9182-4815
e faz-se necessário divulgar sua utilidade na Natureza.
8. 8 O BANDEIRANTE - Março de 2010
SUPLEMENTO LITERÁRIO
Notícias do XXIII Congresso da Sobrames
A Sobrames-MG está organizando o XXIII Congresso Nacional que terá lugar na “Estalagem das Minas Gerais”,
localizada a 8 km a montante de Ouro Preto, entre os dias 3 e 6 de junho de 2010.
Estão sendo promovidos cinco concursos, cujos detalhes encontram-se no www.sobramesmg.org.br/congress
Um dos pontos altos é o concurso para jovens universitários de todo o país, acerca de algum tema ou de alguma
obra de Guimarães Rosa.
Ao Concurso Minas do Ouro, relativo à cultura do Vale do Rio São Francisco, somam-se concursos de Trovas, o da
História da Medicina, além da sempre rica apresentação dos trabalhos e dos Temas Livres dos Sobramistas de todo
o país.
A abertura do Congresso terá como orador oficial o homem de cultura, acadêmico, prefeito de Ouro Preto, Doutor
Ângelo Osvaldo de Araújo Santos, que discorrerá sobre o palpitante tema:
“Vila Rica de Ouro Preto, de capital das Minas Gerais a monumento mundial.”
Temos confirmados como palestrantes os colegas Luís Gondim de Araújo Lins, do Rio de Janeiro, que falará sobre
“Lima Barreto.”
O Doutor Paulo Camelo, de Recife, abordará “A musicalidade na poesia.”
O professor Raymundo Nonato Fernandes, de Belo Horizonte, discorrerá, com sua grande cultura, o tema “ Hu-
manismo Hoje.”
Estão ainda confirmadas palestras dos sobramistas Pedro Henrique Saraiva Leão, de Fortaleza e Sérgio Martins
Pandolfo, de Belém do Pará.
O mineiro Carlos Alberto Xavier Vilhena abordará o tema” Museu das Reduções”, de Amarantina, preciosa e sem
par joia incrustada nas cercanias de Ouro Preto.
Estão convidados ainda, aguardando agenda, o Presidente da Academia Mineira de Letras, Murilo Badaró e Hélio
Begliomini, luminar presidente da Sobrames de São Paulo.
Está prevista uma exposição de pintores e de escultores, comandados pela artista plástica sobramista Nilza Lentz,
na Casa dos Contos, em Ouro Preto.
Sobramistas de todo o país trarão seus livros para serem permutados ou vendidos a preço de custo durante o
congresso.
A Comissão Organizadora, composta pelo secretário Josemar Alvarenga, pelo doutor José James de Castro Barros
e pelo azougue José Carlos Serufo, tem por escopo receber os sobramistas de todo o Brasil com a proverbial cordia-
lidade e simpatia mineira.
Pretendemos que o XXIII Congresso de nossa entidade seja um campo de amável convívio entre médicos que
encontraram na literatura uma segunda e fecunda forma de realização de vida.
É com alegria que aguardamos todos em Minas, em Belo Horizonte e em Ouro Preto.
Marco Aurélio Baggio
Presidente da Sobrames – MG
Adiado o Prazo de Entrega dos Trabalhos para o Xxiii Congresso
De acordo com e-mail recebido do Dr. José Carlos Serufo, organizador mineiro do XXIII Congresso Nacional da
Sobrames, o prazo para entrega dos trabalhos foi adiado para 15 de abril de 2010.
Colegas sobramistas, organizem-se para não perder este prazo que não será mais adiado.
Concurso para Universitários
Concurso Guimarães Rosa: destinado a estudantes universitários de todas as áreas e jovens escritores, que está
sendo patrocinado via Lei Rouanet, conquistada pela Sobrames, que acreditamos poderá tornar-se grande fonte de
incentivos ao nosso trabalho. Ajudem a divulgação que sem dúvida trará novos talentos para as nossas regionais!
Instruções no site www.sobramesmg.org.br/congress
E a nossa Delegação para Minas ???
É necessário aumentarmos o número de inscritos, pois estamos nos empenhando em montar a maior caravana do
Brasil para Ouro Preto. Vamos honrar duas grandes tradições: a acolhida hospitaleira das gentes das Gerais e sermos
sempre uma grande delegação nos Congressos!