1. Jornal
O Bandeirante
Ano XVIII - no 206 - JANEIRO de 2010
Publicação Mensal da Sociedade Brasileira de Médicos Escritores - Regional do Estado de São Paulo - SOBRAMES-SP
Sedimentando o Acordo Ortográfico
da Língua Portuguesa
“A minha pátria é a língua portuguesa”.
Fernando Antônio Nogueira Pessoa (1888-1935), juntamente com Luiz Vaz
de Camões (1524-1580), é considerado um dos maiores poetas portugueses.
Helio Begliomini
Médico urologista
Presidente da SOBRAMES-SP (2009-2010).
O Acordo Ortográfico da Língua u antecedidos de ditongos perderão rio, anti-inflacionário, ultra-análise,
Portuguesa (AOLP) está completan- o acento (exemplos: feiura, baiuca, auto-observação, auto-ofensa, contra-
do um ano de factual existência. Co- Sauipe, boiuna, cauira...). Entretan- ataque, contra-almirante, micro-on-
meçou a ser implementado facultati- to, continuarão recebendo acento na das, micro-ônibus, auto-ônibus, semi-
vamente, em 1o de janeiro de 2009, posição final de palavras oxítonas internato, mega-atleta, anti-italiano,
devendo ser implantado definitiva- (Piauí, tuiuiú, Itaú, baú, Jaú...). ultra-amistoso, hiper-rico, meta-aná-
mente, no Brasil, em 2013, tendo, Será facultativo o acento circun- lise, inter-racial, inter-relacionamen-
portanto, quatro anos para a devida flexo para diferenciar as palavras to, sub-bloco, sub-base, sub-biblio-
adaptação. forma e fôrma (exemplos: escolha a tecário, super-resistente, super-real,
Embora já tenha ocorrido um forma da fôrma do bolo ou escolha a super-rigoroso, super-romântico, su-
ano de sua vigência, há ainda muita forma da forma do bolo, esta menos pra-adrenal, pseudo-observador, tele-
dúvida a ser dirimida. É importante preferível), assim como demos ou educação...). Exceção: O prefixo co
salientar que as alterações só se re- dêmos (respectivamente, 1a pessoa se junta ao vocábulo mesmo quando
ferem à grafia dos vocábulos, não se do plural do pretérito perfeito do in- começar por o (exemplos: coordenar,
atendo à pronúncia, concordância, dicativo e 1a pessoa do plural tanto cooptar, coobrigação, cooperativa...).
regência ou mesmo à crase. Assim, do presente do subjuntivo quanto do (...)
apesar de sumir o trema – que não imperativo do verbo dar). (...) Afinal, poucos ainda sabem que
é considerado acento – a pronúncia nosso vernáculo está presente nos
das palavras continuará a mesma. Hifenização seis continentes, incluindo a Antár-
Aliás, o trema em palavras estrangei- A nosso ver, uma das melhores tica; que é uma língua falada por
ras permanecerá como em Müller conquistas do AOLP foi a padroniza- 240 milhões de pessoas e, dentre as
ou mülleriano. Como curiosidade, ção das regras concernentes à hifeni- oito nações da Comunidade dos Pa-
salienta-se que na ortografia oficial zação ou não de palavras adiante de íses de Língua Portuguesa (CPLP),
do português de Portugal, esse sinal seus prefixos. (...) o Brasil tem o maior destaque nesse
diacrítico foi abolido a partir de 1o A regra básica da hifenização ou contingente. Isso faz com que o por-
de janeiro de 1946! não, é, mnemonicamente: “os iguais tuguês seja a 5a língua com maior
se rejeitam e os diferentes se atraem”. número de falantes do planeta e a 3a
Acentuação Assim, colocar-se-á o hífen quando do mundo ocidental!
A alteração nos acentos só atin- os prefixos terminados em vogal ou A Sobrames – SP regozija-se vi-
giu as palavras paroxítonas, pou- consoante forem seguidos, respecti- brantemente com essa façanha. Viva
pando as proparoxítonas, oxítonas e vamente pela mesma vogal ou mesma a língua portuguesa; seus falantes e
monossílabas tônicas. Assim o i e o consoante (exemplos: anti-inflamató- seus escritores!
2. 2 O BANDEIRANTE - Janeiro de 2010
Novos Caminhos
EXPEDIENTE
Iniciamos 2010 de cara nova. O Boletim O Bandei-
Jornal O Bandeirante
ANO XVIII - no 206 - Janeiro 2010
rante passa oficialmente para nós, que dependemos,
para torná-lo um delicioso prato literário, da colabora-
Publicação mensal da Sociedade Brasileira de Médicos ção de todos os confrades. Assim, iniciamos uma nova
Escritores - Regional do Estado de São Paulo SOBRAMES- fase de recebimento de trabalhos, através de um novo
SP. Sede: Rua Alves Guimarães, 251 - CEP 05410-000
- Pinheiros - São Paulo - SP Telefax: (11) 3062-9887 / e-mail, o sobramessaopaulo@gmail.com .
3062-3604 Editores: Carlos A. F. Galvão, Roberto A. Aniche.
Jornalista Responsável e revisora: Ligia Terezinha Pezzuto
(MTb 17.671 - SP). Colaboradores desta edição: Leopoldo É muito importante o entendimento dos colegas
Lopes, Luiz Jorge Ferreira, José Rodrigues Louzã, Sérgio
Perazzo, Aida Lucia Pullin Dal Sasso Begliomini, Márcia Etelli no sentido de nos enviar os textos digitados correta-
Coelho, Roberto Antonio Aniche.Tiragem desta edição:
300 exemplares (papel) e mais de 1.000 exemplares PDF
mente, em arquivos renomeados: nome do autor, nome
enviados por e-mail. do trabalho e data, facilitando, assim, nosso trabalho
Diretoria - Gestão 2009/2010 - Presidente: Helio para montagem do boletim, das coletâneas e de outras
Begliomini. Vice-Presidente: Josyanne Rita de Arruda
Franco. Primeiro-Secretário: Ligia Terezinha Pezzuto.
necessidades.
Segundo-Secretário: Maria do Céu Coutinho Louzã.
Primeiro-Tesoureiro: Marcos Gimenes Salun. Segundo-
Tesoureiro: Roberto Antonio Aniche. Conselho Fiscal Também estamos empenhados na construção de um site genuinamente
Efetivos: Flerts Nebó, Carlos Augusto Ferreira Galvão, Luiz
Jorge Ferreira. Conselho Fiscal Suplentes: Geovah Paulo
nosso, dinâmico, culturalmente elevado, ágil, de fácil navegação, que mostre
da Cruz; Rodolpho Civile; Helmut Adolf Mataré. a Sobrames São Paulo para o mundo.
Matérias assinadas são de responsabilidade de seus Outra ideia que estamos construindo é a elaboração de um Bandeirante
autores e não representam, necessariamente, a
opinião da Sobrames-SP Virtual, independente de O Bandeirante em papel, com textos e poesias iné-
ditos dos confrades, sem limitação de tamanho. Pedimos a todos os colegas
que nos informem seus e-mails e de colegas que gostariam de recebê-lo através
Editores de O Bandeirante
do nosso endereço sobramessaopaulo@gmail.com
Flerts Nebó – novembro a dezembro de 1992
Flerts Nebó e Walter Whitton Harris – 1993-1994
Carlos Luiz Campana e Hélio Celso Ferraz Najar – 1995-1996 Boa leitura a todos!
Flerts Nebó e Walter Whitton Harris – 1996-2000
Carlos Augusto F. Galvão
Flerts Nebó e Marcos Gimenes Salun – 2001 a abril de 2009 Roberto Antonio Aniche
Helio Begliomini – maio a dezembro de 2009
Roberto A. Aniche e Carlos A. F. Galvão - janeiro 2010 -
Presidentes da Sobrames – SP
Dr. Carlos Augusto Galvão
1 Flerts Nebó (1988-1990;1990-1992 e out/2005 a dez/2006)
Psiquiatria e Psicoterapia
o
2o Helio Begliomini (1992-1994; 2007-2008 e 2009-2010)
3o Carlos Luiz Campana (1994-1996) Rua Maestro Cardim, 517
4o Paulo Adolpho Leierer (1996-1998)
5o Walter Whitton Harris (1999-2000) Paraíso – Tel: 3541-2593
6o Carlos Augusto Ferreira Galvão (2001-2002)
7o Luiz Giovani (2003-2004)
Walter Whitton Harris
8o Karin Schmidt Rodrigues Massaro (jan a out de 2005)
Cirurgia do Pé e Tornozelo
Ortopedia e Traumatologia Geral
Editores: Carlos A. F Galvão, Roberto A. Aniche
. CRM 18317
Revisão: Ligia Terezinha Pezzuto Av. República do Líbano, 344 Rua Luverci Pereira de Souza, 1797 - Sala 3
Diagramação: Mateus Marins Cardoso 04502-000 - São Paulo - SP Cidade Universitária - Campinas (19) 3579-3833
Impressão e Acabamento: Expressão e Arte Gráfica Tel. 3885 8535 www.veridistec.com.br
Cel. 9932 5098
CUPOM DE ASSINATURAS* longevità
Preço de 12 exemplares impressos: R$ 36,00 (11) 3531-6675
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Massagem * Drenagem * Bronze Spray *
End.completo: (Rua/Av./etc.) _______________________________________ Nutricionista * RPG
Rua Maria Amélia L. de Azevedo, 147 - 1o. andar
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Cidade:_____________ Estado:_____ E-mail:___________________________
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Grátis: Além da edição impressa que será enviada por correio, o assinante Ginecologia
receberá por e-mail 12 edições coloridas em arquivo digital (PDF)
Obstetrícia
*Disponível para o público em geral e para não-sócios da SOBRAMES-SP
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3. SUPLEMENTO LITERÁRIO
O BANDEIRANTE - Janeiro de 2010 3
PRÊMIOS SOBRAMES
PRÊMIO RODOLPHO CIVILE DE ASSIDUIDADE
Trata-se de prêmio para os frequentadores mais assíduos da nossa Pizza Literária, dividido em duas categorias: capital
e interior. Criado em 2007, homenageando o Dr. Rodolpho Civile, médico oftalmologista e constante em sua partici-
pação. Os ganhadores são sempre duplamente laureados: pelo prêmio e pelo prazer de conviver um ano inteiro com
todos os confrades, saboreando as pizzas em situações divertidas e com boa leitura.
PRÊMIO ALDO MILLETO POR MELHOR DESEMPENHO
Prêmio por desempenho no exercício da arte de escrever, criado em 2007, englobando pontuação em trabalhos lidos nas
Pizzas Literárias, textos e livros publicados. Homenageia o Dr. Aldo Milleto, médico psiquiatra, falecido em 2008.
PRÊMIO FLERTS NEBÓ DE MELHOR PROSA
Criado em 2000 para eleger a melhor prosa dentre todas as apresentadas nas Pizzas Literárias. Homenageia o Dr.
Flerts Nebó, médico reumatologista, nascido em 1920 e um dos fundadores da Sobrames São Paulo.
PRÊMIO BERNARDO DE OLIVEIRA MARTINS DE POESIA
Premia a melhor poesia dentre as apresentadas nas Pizzas Literárias do ano. Criado em 1997, homenageia o médico
Bernardo de Oliveira Martins, ginecologista, nascido em 1919. Ingressou na Sobrames em 1991, falecendo em 1997,
tendo escrito poesias brilhantes que mereceram este título.
O Melhor Combustível...
Leopoldo Lopes
O melhor combustível para o cérebro é o pó silencioso das madrugadas.
Valor agregado é o valor que os agregados do poder nos subtraem e, segundo eles, democraticamente.
Lula já entrou para a história e para coroar sua passagem pelo mundo só falta homenagear sua soberba modéstia
e entrar para um mausoléu.
Toda experiência adquirida em anos não é suficiente, quando dela precisamos para uma simples ereção.
Em moleque tive um amigo recém-chegado do interior e que me ensinou a fazer e usar o estilingue. Às tardes sa-
íamos em turma, matando os mais variados pássaros, quebrando luminárias públicas e algumas vidraças. Certa tarde
o amigo matou um beija-flor e a seguir abriu-lhe o peito a canivete, extraiu o minúsculo coração e o engoliu, segundo
ele costume de sua terra para jamais perder a pontaria.
Carolice ingênua ou pérfida ironia o fato de Amador Aguiar dar a seu conglomerado financeiro Bradesco o nome
de Cidade de Deus? (Deus me livre).
Parece coisa de criança a briga por energia nuclear à qual falta bom senso. Que todos tenham acesso a ela e façam
o uso que quiserem, sendo os primeiros a sofrerem represália se a usarem para a guerra. Simples assim.
Tornar a corrupção crime hediondo é promover a mais sofisticada tecnologia em disfarçá-lo. Incentivar a ciência
é mais uma contribuição dos nossos notáveis dirigentes à felicidade popular.
E se eu morresse hoje você choraria muito?
Que brincadeira mais idiota, não tem mais o que fazer?
Não, é sério, é que eu imagino como você se comportaria.
Depois de 30 anos juntos você ainda tem dúvidas?
Tenho.
Bem, choraria muito, muito mesmo, lágrimas de crocodilo.
No dia seguinte saio para nunca mais voltar
4. 4 O BANDEIRANTE - Janeiro de 2010
SUPLEMENTO LITERÁRIO
Alvorecer!
José Rodrigues Louzã
Médico aposentado em São Paulo
Clareia o dia muito lentamente...
Pássaros pouco a pouco a se agitar...
Ouvimos o sabiá alegre a trinar,
os canários a dobrar jovialmente,
os bem-te-vis, muito alto a assobiar,
e as maitacas em bando a chilrear.
Todos eles começando a voar
nas árvores, jubilosos, a cantar.
Música de aves ao alvorecer.
Mesmo nas cidades em que vivemos,
com tão pouco verde na natureza,
ainda conseguem nos oferecer
e com elas, felizes convivemos
a saudar o amanhecer com beleza!
Soneto Desconjunto de
um Resto de Sono
Sérgio Perazzo
serzzo@terra.com.br
Acordei tendo na boca um gosto esquisito.
Um resto amargo do peso de um pesadelo
sem imagens claras do símbolo ou do mito.
Verdade é, em tal naufrágio, agarrei teu cabelo
pra não afundar de vez em meus profundos receios.
Mergulhei então meu rosto entre teus seios,
esperando encontrar o cardume de vãos momentos,
ondas do mar d’alma feitas tormentas e tormentos.
E assim, em praia distante, fui levado sem aportar,
ilha de sal, crista de areia, dunas de calmaria.
O sono dos anjos caiu em mim como nunca cairia.
Silêncio de profundezas a revolver e escavar
dias sem tu, sem ti, sem nós, sem eu e sem mim,
dias sem berço, sem começo, nem meio, nem fim.
5. SUPLEMENTO LITERÁRIO
O BANDEIRANTE - Janeiro de 2010 5
Um Dia Especial
Aida Lucia Pullin Dal Sasso Begliomini
Engenheira em Segurança do Trabalho em São Paulo
Acordei com muita calma e comecei a escutar um barulho anormal. Havia um ruído de fundo constante, incômodo
e um ou outro som mais alto. Espreguicei, bocejei, esfreguei os olhos ou o que parecia ser e coloquei a cabeça para
fora.
O dia estava claro, ensolarado apesar do horário. A agitação iniciou muito cedo.
Crianças corriam de um lado para o outro, brincando de pega-pega. Não sabia ao certo quais eram visitantes e
quais eram moradoras de tão animadas que estavam.
Algumas pessoas cabisbaixas, chorosas pareciam transportar sobre suas cabeças o peso do mundo, outras serelepes
transbordavam alegria.
Os pequenos jardins estavam em festa. Uma variedade enorme de cores e aromas produzidos pelas azaleias,
margaridas, rosas, cravos, flores do campo e tantas outras, formando um belo tapete perfumado e bonito. Uma brisa
refrescante roçava minha face, trazendo esses agradáveis perfumes da natureza que rapidamente se dissipavam no ar.
Respirei fundo, estiquei meu esbelto corpo, leve, bonito..., também assim é demais , para ser mais honesto digamos
“bem apresentado” e observei a vizinhança.
Do lado esquerdo, vi o Pedrinho todo limpinho, arrumadinho, dentes escovados, bem penteado, sentado entre
as margaridas, procurando atentamente seus pais que não tardariam a aparecer como todos os anos desde 1985. Do
lado direito, Ana, “a Louca”, como era conhecida na sua época de juventude, observava com um profundo amor o
velhinho magro e triste que insistia em acender uma vela que o Pedrinho, vindo rapidamente do outro lado, insistia
em apagar. Ana não se conteve e deu uma gargalhada debochada como era de seu feitio. Em frente o Janjão, a Tica
e o Juninho sabiam que não receberiam ninguém, pois os seus há muito já haviam partido.
Caminhei, flutuei um pouco, fui até a capela cheia de gente numa mistura de sons em que se sobressaíam alguns
pai-nossos e ave-marias.
Agachada em um canto, uma menininha chorava desconsolada. Seu pai afagava seus cabelos longos e com os
olhos vermelhos procurava conter as suas próprias lágrimas com palavras doces e suaves. Pairando no ar, um pouco
acima de suas cabeças, flutuava uma jovem mulher que não sabia direito o que lhe tinha acontecido, parecendo mais
perdida e desamparada do que eles.
Voltei rapidamente para o meu canto na esperança de receber minhas visitas, mas ainda não havia ninguém.
Sentei-me um pouco cansado das andanças e relembrei com ternura breves momentos da minha vida. O nasci-
mento da Sandy, em seguida do Cacá, o fim do meu primeiro casamento, tão rápido e inesperado quanto o início
dele, depois meu segundo, terceiro e quarto casamento. Por último a Bia, que mulher, que formosura, perto dela eu
sumia . É o que chamam de mulherão. Não havia quem não a olhasse e cobiçasse quando passávamos. Encantava a
todos os homens com sua beleza, juventude e desenvoltura. Foi também o que me atraiu nela. Fiquei completamente
apaixonado e entregue a seus caprichos. E olha que foram muitos. Grandes viagens, jantares, algumas joias caras,
incontáveis finais de semana, agitação diurna e noturna. Alguns até a culpam pela minha inesperada partida. Mas,
eu nunca acreditei, pois sempre confiei no grande amor que ela tem por mim.
Distraio-me com a constante movimentação. É um entra e sai de gente como nunca vi.
Apesar de tudo, estava sozinho. Não havia recebido ainda nenhuma visita. Onde estaria a Bia , com suas juras de
amor eterno sussurradas em meu ouvido em nosso último jantar à luz de velas na marina de Ilhabela? A Sandy e o
Cacá com certeza deverão estar acordando agora com ressaca depois da balada de ontem à noite, ou quem sabe se
perderam no caminho. Também não estão acostumados a virem me visitar aqui tão longe de casa.
O dia vai transcorrendo e eu me inquieto cada vez mais. Observo o céu. Está carregado de nuvens escuras que
rapidamente vão se acumulando, prenunciando uma tempestade que em poucos minutos desaba com força total. As
poucas pessoas que ainda insistiam em ficar correm para se abrigar ou tentam sair do parque.
A chuva que se precipitou lavou da minha mente a última esperança de rever hoje meus entes queridos. Acalmo-
me e percebo que isso não me incomoda mais. Se não puderam vir hoje, quem sabe na próxima semana venham me
fazer uma surpresa. Afinal para quem mora aqui como eu, todo dia é dia de finados.
6. 6 O BANDEIRANTE - Janeiro de 2010
SUPLEMENTO LITERÁRIO
Fragmentos de São Paulo
Márcia Etelli Coelho
marciaetelli@ig.com.br
Uma parte de si acolhe bem os visitantes.
A outra, recebe mais do que pode cuidar.
Exílio Uma parte acelera os passos dos habitantes.
A outra, no trânsito lento, quase a parar.
Poema laureado no II Prêmio Literário Canon de Poesia 2009
Uma parte de si comunica-se com o mundo inteiro.
A outra, fecha-se na angústia da solidão.
Uma parte sonha com trabalho e dinheiro.
Luiz Jorge Ferreira A outra, desespera-se na prisão.
ljorgeferreira@uol.com.br
Uma parte de si alimenta-se de poesia.
A outra, violenta os desvalidos.
Estou pronto para ir às estrelas. Uma parte destaca-se pela gastronomia.
Coloquei as meias sujas dos últimos passos, A outra, jejua com os esquecidos.
Limpei com a areia a lente cinza dos óculos
E arrumei ideais sobre ideias e lembranças inúteis Uma parte passeia na fria garoa.
Entre planos esquecidos, emudeci alguns dos meus gritos A outra, desaloja lares nas enchentes.
E violentei minhas sombras projetadas na parede da sala Uma parte encara a vida numa boa.
Com sílabas tônicas retiradas de uma música afônica A outra, descuida dos seus doentes.
Saída de um rádio sobre a estante.
Há tempo São Paulo começou a sorrir
Estou pronto para ir às estrelas. na ambivalência de um eterno aprendiz.
Rabisquei com os dedos sujos de dedos Uma parte busca progredir.
Rotas estranhas que vão se perder em suas axilas, A outra, simplesmente ser feliz.
Desaparecer em suas costas largas e embaraçar entre seus
cabelos como Anônimos pontos cardeais
Retornam a mim.
Eu, agora sombra pregada na parede, ando em círculos
Tendo contra mim o vento e o tempo, ambos velhos e
cabisbaixos,
Surdos a música afônica que sai pela boca do rádio
E escapa pela fresta da janela.
Estou pronto para ir às estrelas.
Satisfaço-me em lembrá-la como antes
Lábios abertos e estilhaços de risos, flutuando até mim.
Eu com as mãos ocupadas pelas palavras.
Livrando-as da chuva calma que enfileira pintos
Escrevo algo como tantos outros algos que escrevi
Talvez uma despedida para ninguém ou um pequeno
adeus
E nunca os completo
Fica difícil exilar-me nas estrelas
Há a angústia de espera que me enche de nódoas
Umas nuvens vagabundas escondendo a saída
E um barulho rouco de uma música
Algo como um choro
Que sai da boca do rádio
No momento maravilhoso em que calo
As mãos e a fala.
7. SUPLEMENTO LITERÁRIO
O BANDEIRANTE - Janeiro de 2010 7
Livros para Timor Leste
A Sra. Joana Isabel Freitas Leite Domingues Souto, da UNTL (Universidade PUBLICIDADE
Nacional de Timor Leste) de Timor Leste, solicita-nos divulgarmos seu pedido de TABELA DE PREÇOS 2009
livros para ensinar Português. Ela relata “... mas o que é certo é que sou (somos!) (valor do anúncio por edição)
muitas vezes abordados na rua por pessoas que desejariam aprender português 1 módulo horizontal R$ 30,00
mas não possuem um livro sequer e vão pedindo, o que é muito bom. Mandem 2 módulos horizontais R$ 60,00
por favor livros de ficção, romances, novela, ensaio, livros infantis, dicionários etc. 3 módulos horizontais R$ 90,00
Evitem gramáticas e manuais escolares.” 2 módulos verticais R$ 60,00
Os livros podem ser remetidos como encomenda tarifa econômica para Timor 4 módulos R$ 120,00
custando 2,49 euros até 2 quilos, aos seus cuidados para Embaixada de Portugal em 6 módulos R$ 180,00
Outros tamanhos sob consulta
Díli, Av. Presidente Nicolau Lobato, Edifício ACAIT, Díli, TIMOR LESTE.
sobramessaopaulo@gmail.com
Novos Associados
MÁRCIA ETELLI COELHO é médica formada pela Escola Paulista de Medicina
(atual UNIFESP) em 1979, com especializações em homeopatia e geriatria. Recebeu
REVISÃO
Menção Honrosa na Jornada Médico-Literária Paulista 2009 pelo poema “Realiza- de textos em geral
ções”. Autora de diversos livros, entre eles Andarilho, Corpo, espelho d´alma...
Bem-vinda à nossa Regional!
Ligia Pezzuto
Especialista em Língua Portuguesa
(11) 3864-4494 ou 8546-1725
Notícias
II PRÊMIO DE POESIA CANON
ROBERTO CAETANO MIRAGLIA
O confrade Luiz Jorge Ferreira teve sua poesia “Exílio” como ADVOGADO - OAB-SP 51.532
uma das vencedoras do II Prêmio Literário Canon de Poesia ADVOCACIA – ADMINISTRAÇÃO DE BENS
2009, sendo publicada nessa mesma antologia. Parabéns por NEGÓCIOS IMOBILIÁRIOS – LOCAÇÃO
mais esta brilhante conquista! COMPRA E VENDA DE IMÓVEIS
ASSESSORIA E CONSULTORIA JURÍDICA
TELEFONES: (11) 3277-1192 – 3207-9224
CONCURSOS E PRÊMIOS
Encontramos um link interessante e desafiador, mantido pela Editora Scortecci:
http://www.concursosliterarios.com.br/ com diversos concursos para poesias, prosas, Terminou de
etc... e que podem ser um verdadeiro desafio para irmos além das fronteiras da
nossa Pizza Literária. Aos confrades, visitem o site e mãos à obra!
escrever seu
livro? Então
QUANDO CAEM AS CINZAS
publique!
O confrade Carlos Augusto F. Galvão lançou, em
Belém do Pará, seu mais novo romance: “Quando Caem Nesta hora importante, não deixe de
as Cinzas”, com apoio da Regional Paraense da Sobra- consultar a RUMO EDITORIAL.
mes na pessoa de seu presidente, Dr. Alípio Bordallo, Publicações com qualidade impecável,
e com a presença do presidente nacional da Sobrames, dedicação, cuidado artesanal e preço
Dr. José Maria Chaves. O livro, escrito há 15 anos, trata justo. Você não tem mais desculpas
de outra página ainda obscura da história do Pará: a para deixar seu talento na gaveta.
Guerrilha do Araguaia. O lançamento aconteceu nas
dependências do Sindicato dos Médicos de Belém do rumoeditorial@uol.com.br
Pará, no dia 8 de dezembro de 2009. (11) 9182-4815
NOVO E-MAIL DA SOBRAMES-SP
sobramessaopaulo@gmail.com
Este é o seu novo canal de comunicação com a Sobrames-SP para envio de todos
os textos, trabalhos, sugestões, comentários e críticas. Os materiais para possíveis
publicações tanto em O Bandeirante como em O Bandeirante Virtual deverão ser
salvos em arquivos .doc, .odt. ou .txt, devem conter o e-mail do autor no final do
trabalho, que devem ser renomeados como:
Nome do autor – Nome do trabalho – ddmmaa.doc (ou txt ou odt)
8. 8 O BANDEIRANTE - Janeiro de 2010
SUPLEMENTO LITERÁRIO
Pedidos a Papai Noel
Roberto Antonio Aniche
aniche@uol.com.br
O menino que pede é um moreninho que mora em Itaquera, aliás, nossos melhores atores vêm do extremo leste
da cidade. Estuda no Céu Aricanduva, onde já provou cerca de trinta receitas de miojo, ovo cozido e banana. Alguém
disse que isso faz bem para a memória, talvez o prefeito.
O Papai Noel já é nosso conhecido e havia atuado junto com os duendes alcoolizados e mamãe Noel de mau humor.
A história, na realidade começa após o Natal anterior.
O nosso velhinho hipertenso e gordo ficou impressionado e ao mesmo tempo revoltado por não ter entregue ne-
nhum brinquedo no Natal em que havia participado em troca de uns trocados e ainda torcera o tornozelo. Engessado,
ficou o tempo todo na porta de sua casa e acreditem: ele pensava!
Viu crianças passarem com inúmeros presentes e roupinhas limpas, felizes e sorridentes, mas viu também outras
crianças remexendo o lixo, como cães farejadores em busca de alimento. E pensou em mudar alguma coisa no mundo:
se não podia mudar a sua obesidade, a hipertensão e a sua velhice, poderia deixar de ser apenas um velho rabugento
e ajudar as pessoas.
Passou a frequentar a missa do domingo na Basílica de Nossa Senhora da Penha, semana após semana, tentando
entender o significado do Natal, o que seria realmente para a humanidade o nascimento do Menino Jesus. Prestava
atenção o tempo todo no que o Monsenhor falava, às vezes queria perguntar, mas não se faz pergunta em missa. O que
significava aquela tal de Hosana, seria uma mulher vestida de anjo, um balão subindo aos céus, levando aos povos a
notícia de que o Rei dos Reis havia nascido?
Foi num desses devaneios que ele dormiu sentado no meio da igreja, no meio da missa, no meio da homilia. E de
repente foi atingido por um raio de luz que lhe ofuscou a vista, vindo de um dos vitrais da igreja, assim como acon-
teceu com Saulo de Tarso. E justamente no momento em que foi acordado o Monsenhor gritava:
– Vinde a mim as criancinhas!
Ele não reconheceu de onde veio nem de quem era aquela voz, assustado que estava do raio de luz. Acordou mais,
forçou a vista e os ouvidos:
– Oremos irmãos. Naquele tempo...
Acreditou que fora realmente avisado que tinha de ajudar as crianças que remexiam no lixo, procurando algum
alimento, que não tinham natais, que sequer sabiam porque existia
Natal. No resto do ano, ajuntou o que sobrava de dinheiro do auxílio-doença, pedia ajuda aos amigos, até ao
médico que lhe fornecia rapidamente os laudos da previdência.
E lá estava no final do ano, com roupa de Papai Noel, sentado na escadaria da igreja velha da Penha, dividindo os
degraus com os mendigos. Não lhe saía da cabeça a luz que o cegara momentaneamente, as palavras vindas dos céus,
dizendo sobre as criancinhas. Enquanto pensava, distribuía presentinhos baratos, da loja de um real, para as crianças
pobres que saíam do posto de saúde, chorosas por tomarem vacina ou injeção.
Aí chegou o menino da história, com seus doze anos e vinte e oito quilos, muitas, muitas cáries e muito mais fome
e tristeza. O menino ficou olhando o Papai Noel sentado e os mendigos, com olhar triste. Papai Noel perguntou:
– Por que essa tristeza?
– Porque você nunca me dá presente, eu mando carta e acho que você joga fora.
– Me dá outra cartinha que vou te dar o presente.
Para nosso espanto, o menino tirou um papel amassado do bolso, com mancha de margarina Doriana e a entregou
ao Papai Noel, fazendo cara de dar dó. Papai Noel pegou a carta, olhou, mudou de posição, pegou os óculos. A cada
segundo, o coração do menino acelerava, os olhos do Papai Noel ficavam mais sérios, o olhar do menino ficava mais
triste. O papai Noel olhava o papel, olhava o menino, balançava a cabeça. Caiu uma lágrima do menino.
Papai Noel elevou o olhar para os céus gritando:
– Eli, Eli, lamá sabachtháni?
E com profunda tristeza olhou o menino, desapontado, com toda a esperança perdida, rolando ladeira da Penha
abaixo.
– Não posso dar o seu presente.
E abaixou a cabeça para não ver o seu desespero, as suas lágrimas de tristeza, o choro e a pobreza mascarados
pela fome e pelo desamparo.
– Não posso dar o seu presente. Não consigo entender sua letra.