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REVISTA DA EDUCAÇÃO FÍSICA/UEM 9(1):61-66, 1998.
RELAÇÕES ENTRE A EDUCAÇÃO FÍSICA, A CULTURA E O LAZER
Heloisa Turini Bruhns
*
RESUMO. Este artigo pretende realizar uma reflexão sobre o caminhar e o correr, como opções de lazer, a composição de seus
praticantes, enfocando a participação dos idosos e mulheres de meia-idade, bem como a concepção de corpo envolvida nessas atividades.
Palvras-chave: lazer, esporte, corpo.
RELATIONSHIP BETWEEN PHYSICAL EDUCATION,
CULTURE AND LEISURE
ABSTRACT. This paper discusses walking and running as leisure options, practitioners, especially old people and middle
age women, and body conception involved in these activities.
Key words: leisure, sport, body.
1
*
Professora Drª do DEL/FEF/Unicamp.
Endereço para correspondência: Caixa postal 6542. CEP: 13084-970. Campinas, São Paulo. E-mail: <bruhns@unicamp.br>.
1
Lüdtke (1984: 47).
INTRODUÇÃO
Se considerarmos que grande parte da
população em nosso país, quando faz opção por
alguma atividade corporal, não busca alto
rendimento, muito menos um profissionalismo,
mas uma forma de se exercitar no tempo de lazer,
algumas questões surgem como indagações para a
educação física, área articuladora dos elementos
jogo, esporte, dança e ginástica. Se essas opções no
lazer não se referem igualmente a uma educação
formal, ou seja, não estão sendo desenvolvidas na
relação do sujeito com a instituição escolar, uma
outra relação com o conhecimento deve ser
estabelecida.
Devemos indagar se os objetivos almejados
no tempo disponível das pessoas, geralmente
relacionados à dilatação das regras sociais(e por
isso constituindo-se na possibilidade de um
espaço estrutural para o surgimento do novo),
podem ser alcançados através das modalidades
tradicionais, com formas de movimento repletas
de técnicas e programas orientados para a
quantidade e a busca da performance.
Nesse sentido, tornam-se pertinentes as
colocações de Lüdtke (1984) sobre não haver
dúvidas quanto ao sistema de competição de alto
nível, não constituir um modelo ideal para a
média do cidadão esportivo como participante,
em potencial, do esporte de lazer ativo.1
Notamos, portanto, que esses elementos
trabalhados pela educação física vão receber
outro perfil, ou seja, o jogo, a dança, a ginástica
e o esporte serão tratados como recreação, como
atividades de lazer.
Os conteúdos desses elementos, embora
submetidos a regras, devem conter a possibilidade
de alteração das mesmas, pelos sujeitos
envolvidos, numa situação adaptativa. A
multiplicidade compõe o contexto, onde
agrupamentos sem distinção de idade, sexo ou
nível técnico se formam através de interesses. Por
62 Bruhns
exemplo, o interesse pode ser o turismo ecológico ou turismo de aventura, o qual pode tomar a
2345
2
Ver Grupe (1984:30) no capítulo “Esporte e jogo – parte da cultura de lazer”.
3
Lüdtke (op. cit.: 47).
4
A educação não-formal não se define fundamentalmente pelo grau de institucionalização, quando comparada com a
educação formal, mas pela maior elasticidade, conseqüência de maior distanciamento, como coloca Cury (1985:105) das
regras burocráticas, podendo se definir educativamente em projetos de outras áreas.
5
Estou denominando educação informal aquela referente ao saber do cotidiano, onde a “sociedade se transmite a si
mesma”, lembrando Bosi (1987:158), na qual não se encontram técnicas pedagógicas escolares, acompanhadas de seus
profissionais de aplicação exclusiva.
forma de clubes de caminhadas, montanhismo,
alpinismo ou outros similares. A composição
desses grupos é a mais variada possível:
crianças, mulheres, deficientes, idosos, etc.,
sujeitos aos limites do grupo, o qual é
dimensionado pelos vários limites individuais.
Essa proposta exige novas formas de
atividades de movimento, em lugar das
tradicionais, estandartizadas por regulamentos,
com maior envolvimento dos participantes nas
tomadas de decisão, onde a solicitação se torna
mais intensificada.
O espaço onde essas atividades ocorrerão, as
áreas de lazer, dentro do comentado acima, não
deveria ser excessivamente planejado e preenchido.
Faz-se necessária a defesa por um espaço livre,
onde possa acontecer a disponibilidade pessoal
contra interesses mercantis que porventura venham
mais a destruir do que promover novas práticas. O
excesso de formas burocratizadas de organização,
igualmente deve ser evitado, uma vez que, mais do
que contribui, atrapalha a participação.2
A multifuncionalidade está presente na
estrutura social do comportamento de lazer,
possuindo qualidades difusas, acentuando o
caráter lúdico das atividades de movimento,
permitindo alternâncias flexíveis das ofertas.
Lüdtke (1984) vem resumir o exposto,
mostrando como o modelo dos elementos que
compõem a educação física, enquanto recreação,
deveria atender as seguintes condições:
a) predomínio do motivo lúdico em oposição
aos índices dos resultados, baseados em
critérios de performance;
b) onde importariam critérios de performance,
estes deveriam ser de livre escolha,
discutíveis, de determinação espontânea e
substituíveis, ao invés de objetiva e
permanentemente estabelecidos;
c) as formas sociais de participação deveriam
ser flexíveis e informais; predomínio no
ingresso de participantes individuais, de
grupos sem a formação compulsória de
equipes homogêneas;
d) pessoal especializado: conselheiros,
animadores, treinadores, pedagogos, etc., não
trabalhando em função de dirigentes a
serviço de interesses particulares de clubes,
federações ou outros similares.3
Devo ressaltar, para melhor compreensão do
tema, o tratamento que o termo lúdico está
recebendo. Ele se aproxima do extremo paedia,
desenvolvido por Caillois (1990), na sua teoria
do jogo. Corresponde à improvisação livre ou
fantasias sem controle. No oposto teríamos o
ludus, com regras, necessidade de maior esforço,
empenho, etc. Percebe-se aqui uma relação
permanente entre dois pólos: o da lei e o da
invenção.
Portanto, a recreação (ou atividades de
lazer) trabalhada pela educação física aproxima-
se do lúdico, como o estamos tratando.
Se as opções no lazer não se referem a uma
educação formal, não sendo, portanto,
desenvolvidas na relação do sujeito com a
instituição escolar, uma outra relação com o
conhecimento deve ser estabelecida, como
apontado, inicialmente.
A forma de educação veiculada no lazer
parece aproximar-se da não-formal4
, pelo caráter
de elasticidade já presente nesse espaço. Porém
isso não significa ausência das outras formas
(educação formal e informal5
).
A abordagem desses elementos nos conduz
para a discussão de aspectos do movimento
humano, os quais estarão presentes na relação
lazer e educação física, assunto para o qual
maior atenção será dedicada em seguida.
QUESTÕES RELACIONADAS AO
MOVIMENTO HUMANO
Relações entre a educação física, a cultura e o lazer 63
Na relação da educação física com o lazer, manifesta-se a necessidade da compreensão do
678
6
Texto traduzido do original.
7
Ibid., p. 13.
8
Documento Pesquisa “Sesc Gallup” sobre a prática de atividades físicas na população paulistana, 1993.
movimento humano, ocorrendo paralelamente às
imagens do corpo veiculadas na cultura.
O olhar sobre as imagens do corpo chama a
atenção para um aspecto universal da vida
humana, pois “o corpo humano é uma entidade
visível e esta visibilidade tem um importante
papel na comunicação entre pessoas e nos
encontros da vida social” (Featherstone,
1993:52).
Processos de transformação ocorridas no
corpo humano, numa dinâmica social, conduzem
a mudanças na nossa percepção com referência a
valores do ser humano.
As maneiras como isso ocorre, os atributos
da identidade, da pessoalidade, da
individualidade e do valor social referentes à
aparência do corpo humano, “constituem uma
área de pesquisa que apenas começou”
(Featherstone, 1993:52).
Autores significativos na área da
motricidade humana (também denominada de
educação física) têm criticado a visão cartesiana
de corpo, a qual conduz a um dualismo
psicofísico, direcionado a um corpo-máquina,
funcionando apenas segundo leis biológicas,
desprovido de emoções, sentimentos e desejos,
não promovendo influências na e da cultura.
Nessa perspectiva, podemos buscar, em
Parlebas (1987:6), suas considerações sobre “a
noção de movimento reduzir a ação física às
características de deslocamento da máquina
biológica e hipervalorizar de modo abusivo a
descrição técnica”. O autor elege em
substituição, o termo ação motora.
Considerando o movimento como um
diálogo entre o homem e o mundo, Tamboer
(1979)6
vem expressar suas idéias sobre
movimento não significar mudanças das partes
do corpo, pois são pessoas que se movimentam
em algum lugar. O comportamento do
movimentar-se, escreve o autor, “é tanto para
crianças, como para adultos, uma forma de
existência, onde se tem os próprios valores e
onde o homem (durante toda uma vida) pode
realizar-se e expressar-se”. O autor vai mais
além, expondo sobre a necessidade desse
diálogo ser analisado tomando-se em conta a
realidade histórica, social, cultural e econômica,
na qual repousa e pela qual é co-determinado.
Seguindo, podemos citar Le Boulch (1987),
para o qual os estudos científicos sobre o
movimento, estiveram voltados até o presente,
para aspectos mecânicos e para condições de
rendimento, considerando o corpo humano como
uma máquina sujeita às leis do rendimento.7
O
autor acentua a necessidade de considerar o
movimento, “não como uma forma ‘em si’, cuja
natureza é elucidada por uma descrição
mecânica, mas como uma manifestação
‘significante’ da conduta de um homem...” (p.
14), portanto, como exteriorização da existência.
Na busca da compreensão do movimento
humano, encontraremos em Sérgio (1986:9),
dentre as bases componentes das dimensões da
pessoa humana a motricidade significando a
“personalização, humanização de todo
movimento”, bem como a corporeidade, pois o
homem “ é presença e espaço na História, com o
corpo...”.
A motricidade, elucida o autor, “é um modo
de ser da corporeidade, aquele em que a
percepção não se limita a abranger o instante da
duração do ‘aqui e agora’ e se alarga à dimensão
inteira da temporalidade”(Sérgio, 1986:13).
BUSCANDO EXEMPLOS NAS
ATIVIDADES DE LAZER
Para ilustrar a discussão empreendida até o
momento, vou me deter em duas manifestações
motoras ocorridas no lazer dos centros urbanos –
a corrida e a caminhada –, as quais vêm
ganhando adeptos das mais diversas faixas
etárias, categorias e classes sociais, utilizando
espaços como praças, bosques, parques públicos,
ou simplesmente a própria rua.
Essas atividades têm se revelado como
opção marcante, conforme pode ser constatado
através dos resultados divulgados pela pesquisa
64 Bruhns
Sesc Gallup (1993)8
sobre a prática de
atividades físicas na população paulistana,
realizada em 1993, apontando a preferência das
pessoas por essas duas ações motoras.
9
9
Arantes (1993:11) realizou uma pesquisa bibliográfica em Londres, onde analisou o conteúdo de obras sobre o lazer,
constatando que grande parte dos trabalhos mais interessantes sobre esse tema, publicados recentemente nesse país, tem
clara marca feminina.
Foram utilizadas doze modalidades para
obtencão dos resultados: caminhadas/corrida;
futebol; ginástica; voleibol/basquetebol/
handebol; ciclismo; natação; dança; yoga/tai-
chichuan; judô/karatê; tênis/squash;
halteres/musculação; surf/montanhismo.
Serão expostos os resultados mais
diretamente relacionados com as duas
atividades, as quais estão sendo tomadas como
exemplo do lazer relacionado à educação física.
Dentre o total da população entrevistada, o
item caminhadas/corrida, veio ocupar o primeiro
lugar na preferência, com um índice aproximado
de 38%, seguido pelo futebol, com
aproximadamente 37%.
Quanto a essas modalidades praticadas
segundo o sexo, no gênero masculino, o futebol
aparece em primeiro lugar (58%), seguido pela
caminhada/corrida com 40%. No feminino, as
opções demonstraram preferência pela
caminhada/corrida (48%), seguida pela ginástica
(32%).
Segundo a classe socioeconômica, essa
pesquisa apresentou quatro classificações: na
classe A, a caminhada/corrida ocupou 52% das
respostas, enquanto o futebol 33%. Na classe B,
a ginástica teve preferência com 33%, seguida
pela caminhada/corrida, com 27%. Na classe C,
42% preferiram o futebol e 35% a
caminhada/corrida. Nas classes D/E, o futebol
obteve 48% e a caminhada/corrida 45%.
Considerando a faixa etária (vamos nos
reportar somente aos adultos), temos, entre 30 a 49
anos, um empate de 42% entre a caminhada/corrida
e o futebol, sendo que no grupo de 50 anos para
cima, houve uma preferência de 75% para a
caminhada/corrida, seguindo um empate entre
futebol e ginástica, de 14%.
Quanto ao grau de instrução, o grupo com
formação primária hoje, fundamental), mostrou
preferência de 55% pela caminhada/corrida,
seguido de 32% pelo futebol. No grupo com
formação secundária, o futebol obteve 43%,
enquanto a caminhada/corrida ficou com 31%.
Com formação superior, 42% ficaram com a
caminhada/corrida e 33% com a ginástica.
Segundo a posição na família, a categoria pai
apresentou preferência pela caminhada/corrida com
48%, seguida pelo futebol com 45%. No grupo das
mães, 67% preferiu a caminhada/corrida, contra
22% da ginástica, sendo que nos filhos os
resultados apontaram 43% em relação ao futebol e
39% em relação ao voleibol, ao basquetebol e ao
handebol.
Outras questões foram exploradas na
pesquisa, as quais se tornam irrelevantes para o
propósito pretendido. Interessa aqui evidenciar a
forte preferência pela caminhada/corrida,
principalmente por mulheres adultas e idosos,
para prosseguir a discussão.
Pela simples observação, como profissional
da área de educação física e também adepta da
corrida há 21 anos, pude constatar nesse período
um significativo aumento, nos parques da cidade
de Campinas (São Paulo), de um segmento da
população, o qual dificilmente se expõe nos
esportes, de modo geral – as mulheres de meia-
idade, casadas ou solteiras.
O fato da difícil exposição pode ser explicado,
entre outros, através de pesquisas9
apontando um
conjunto de constrangimentos sociais, marcando
diferentemente a construção do “tempo livre”, uma
vez reproduzindo-se igualmente nessa esfera,
relações “patriarcalistas” de dominação. As
pesquisas mostraram as atividades compondo esse
“outro” tempo de suposto prazer e liberdade, não
estando a salvo da “ideologia e da cultura que
contribuem em grande medida para a reprodução
das desigualdades sociais que afetam os homens, e
duplamente as mulheres. Para a mulher participar
da esfera do lazer em especial no esporte e em
atividades que implicam o uso de espaços e
equipamentos públicos, significa freqüentemente
desafiar expectativas de comportamento (e de
desempenho) que são fortemente referidas a
definições estereotipadas de masculinidade”
(ibd.:16).
Relações entre a educação física, a cultura e o lazer 65
Nessa perspectiva, advém a questão da
compreensão por essa adesão feminina apontada
na pesquisa anteriormente citada. Estaria
ocorrendo uma mudança na concepção da
mulher na sociedade, portanto no trabalho, com
manifestações paralelas no lazer?
10
10
O vocábulo “gênero” significa aqui a construção sociocultural do feminino, uma maneira segundo Scott (1990:5) de se
referir “à organização social da relação entre os sexos”. A palavra sexo restringe-se à sua definição biológica, sendo que
as diferenças entre os dois sexos, além dessa definição, referem-se às respectivas representações sociais e culturais.
percebe-se, portanto, que por trás do termo, está toda uma maneira de repensar a sociedade.
O segmento dos idosos igualmente vem
demonstrando um incremento significativo
nessas atividades, nos últimos anos.
Tomando como pressupostos as mesmas
considerações sobre o gênero10
feminino, porém
agora contrapondo não em relação à
masculinidade, porém à juventude, poderíamos
indagar se a imagem desses idosos sofreu
alteração nesses últimos anos, a ponto da
redefinição da exposição pública de seus corpos.
Num trabalho sobre a velhice, Featherstone (op.
cit.:63) aponta uma tendência na sociedade
ocidental, espelhada na tentativa de desconstrução
das particularidades da velhice. A doença física e o
declínio mental identificados como fenômenos
presentes nesse estágio da vida, são redefinidos
como “condições gerais que podem afetar as pessoas
em qualquer fase. A velhice começa a ser vista como
um estágio de aposentadoria ativa e o declínio físico
a ela associado torna-se um fenômeno que pode ser
progressivamente eliminado”.
O autor discute como a perda do controle do
corpo tanto quanto da capacidade de atingir uma
conduta e procedimentos mais jovens, conduzem a
uma estigmatização das pessoas idosas e a uma
efetiva perda do seu direito de ser tratada como
pessoa valorizada (p. 67), e como, na cultura de
consumo, “a velhice é apresentada com imagens
que retratam como uma fase da vida, na qual sua
juventude, vitalidade e atratividade podem ser
mantidas” (p. 66).
Nesse particular, uma performance “correta”
pode tornar-se um indicativo central do “direito
de ser uma pessoa valorizada e um cidadão que
participa de modo independente na sociedade”
(p. 68).
OUTROS OLHARES SOBRE O
MOVIMENTO HUMANO
Buscando alguns autores, vamos verificar
suas falas sobre a caminhada e a corrida, bem
como suas recomendações sobre essas práticas.
Vale a pena correr, argumenta Ferreira
(1979:19), pois este hábito “além de nos tornar
mais preparados para enfrentar a rotina diária,
nos beneficia sobremodo em resistência física,
elevando acentuadamente nossos padrões de
saúde”.
A ênfase nos efeitos fisiológicos aparece em
vários trabalhos, como no de Fixx (1977:25),
onde o autor defende a corrida como “um
exercício fisiologicamente perfeito”, pois
“aciona os músculos das pernas e coxas de uma
maneira ritmada, a um índice controlado
pessoalmente. É o requisito indispensável para
se desenvolver com segurança a função
cardiopulmonar”.
Nesse sentido, muitos têm apontado na
corrida ou na caminhada um sentido profilático
– correr para não infartar, correr para não
adquirir doenças pulmonares ou outras de
qualquer espécie.
Sob outro ângulo, Liliefors (1981:1) critica
aqueles adeptos que “atentam apenas para os
objetivos superficiais, como tempo e distância,
oferecidos pelo correr”, defendendo uma
mudança de abordagem, onde justifica o correr,
não para perder peso, nem para evitar ataques
cardíacos (embora os aponte como subprodutos
do correr), mas para nos “tornarmos mais
relaxados, satisfeitos, felizes e, até mesmo, mais
conscientes no plano espiritual”.
O autor relaciona a corrida com alguns
exercícios da ioga, com a meditação zen e com o
espiritualismo.
Os males do processo civilizatório, segundo
esses autores, são incentivos para adesão à
corrida e caminhada, não no sentido de repensar
esses males, porém como atividades
amenizadoras (se é que isso seja possível) dos
problemas.
66 Bruhns
Nas considerações desenvolvidas até o
momento, devemos estar atentos, como diz
Trebels (1992:341) sobre junto com determinada
abordagem científica do “movimento” e do
“movimentar”, encontrarmos sempre ao lado a
afirmação de “uma concepção de movimento” e,
“ao mesmo tempo (e por vezes
inconscientemente) a afirmação de uma
concepção de homem”.
O autor remete-se a Tamboer, na sua
proposição de visões de homem, a partir do
11
11
A indústria cultural está sendo entendida como coloca Bosi (1987:143), ou seja, a “cultura de massas, que, pela sua
íntima imbricação com os sistemas de produção e mercado de bens de consumo, acabou sendo chamada pelos
intérpretes da Escola de Frankfurt, indústria cultural, cultura de consumo”.
ponto de vista de concepções do movimento,
expondo a apresentação do autor, sobre as
diferenças conceituais que ocorrerem em dois
níveis: 1) concepção de corpo substancial, onde
o corpo é visualizado como unidade isolável,
podendo ser pensado isoladamente do contexto
onde está inserido; 2) concepção de corpo
relacional, onde se presencia a interpretação
existencial de homem enquanto um ser-no-
mundo e a convicção de que a corporeidade é o
“modo do nosso ser no mundo” (ibd.:342).
A ênfase na aparência física parece ser um
processo exacerbado na nossa sociedade, reforçado
através de imagens visuais como um dos elementos
que impulsionam a cultura de consumo.
Na observação de Featherstone (op. cit.:67-
68), nenhuma outra sociedade na história, como
a ocidental contemporânea,
produziu e disseminou tal volume
de imagens do corpo humano
através dos jornais, revistas,
anúncios e das imagens do corpo
em movimento na televisão e nos
filmes. A paisagem física das
grandes cidades, das construções e
lugares nos quais fazemos compras
ou nos divertimos, estão cheios de
imagens e réplicas do corpo
humano. A vasta maioria dessas
imagens, especialmente aquelas
usadas para vender mercadorias e
experiências por meio de anúncios,
são imagens da juventude, saúde e
beleza dos corpos. Uma boa parte
da promoção da moda, da indústria
de cosméticos e de cuidado com o
corpo apresenta esses ideais de
corpos como algo que deveria ser
atingido.
Porém o público não se apresenta tão passivo
frente às mensagens veiculadas pelos meios de
comunicação de massa. Resta perceber como
manifestações de oposição ou aceitação ocorrem.
A indústria cultural11
preconiza sobre a
transformação pessoal ser algo que está ao
alcance de todos, através de uma transformação
do corpo. Aqui, diz Featherstone (op. cit.:68), “a
mensagem divulgada é simples: ‘se você parece
bem, você se sente bem!’”.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ARANTES, Antonio A. Consumo e entretenimento:
hipóteses para uma antropologia do tempo livre.
Cadernos IFCH 27. Campinas: Unicamp, 1993.
BOSI, Alfredo. Cultura Brasileira. In: MENDES, Dumerval
T. (Org.) Filosofia da educação brasileira. Rio de
Janeiro, 1987.
CAILLOIS, Roger. Os jogos e os homens. Lisboa: Cotovia,
1990.
CURY, Carlos R. J. Educação e contradição. Cortez:
Autores Associados, 1985.
Documento Pesquisa “Sesc Gallup” sobre a prática de
atividades físicas na população paulistana. São Paulo:
Sesc, 1993.
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DEBERT, G. G. (Org.) Textos didáticos, nº 13.
Campinas: IFCH/Unicamp, 1994.
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In: DIECKERT, Jürgen, Esporte de lazer. Rio de
Janeiro: Ao Livro Técnico, 1984.
LE BOULCH, Jean. Para uma ciência do movimento
humano. Porto Alegre: Artes Médicas, 1978.
LILIEFORS, Jim. Como correr para viver melhor. Rio de
Janeiro: Francisco Alves, 1981.
Relações entre a educação física, a cultura e o lazer 67
LÜDTKE, Hartmut. O lazer como campo de condição social para
atividades esportivas. In: DIECKERT, Jürgen. Esporte de
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PARLEBAS, Pierre. Perspectivas para una educación
fisica moderna. Espanha: Cadernos Técnicos nº 1 –
Unisport, Andalucia, 1987.
SCOTT, Joan. Gênero: uma categoria útil de análise
histórica. In: Revista Educação e Realidade, v. 15, nº
2, jul/dez, 1990.
SÉRGIO, M. Motricidade humana – uma nova ciência do
homem, nº 24. Lisboa: Coleção Desporto e Sociedade, 1986
TAMBOER, Jan. Sich-bewegen-ein dialog zwischen
mensch un welt. In: Spoortpädagogik, nº 3, 1979, Polis
(Alemanha), 1987.
TREBELS, Andreas. Playdoyer para um diálogo entre
teoria do movimento humano e teoria do movimento no
esporte. In: Revista Brasileira de Ciências do Esporte,
v. 13, nº 13, jun. Maringá, 1992.

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  • 1. REVISTA DA EDUCAÇÃO FÍSICA/UEM 9(1):61-66, 1998. RELAÇÕES ENTRE A EDUCAÇÃO FÍSICA, A CULTURA E O LAZER Heloisa Turini Bruhns * RESUMO. Este artigo pretende realizar uma reflexão sobre o caminhar e o correr, como opções de lazer, a composição de seus praticantes, enfocando a participação dos idosos e mulheres de meia-idade, bem como a concepção de corpo envolvida nessas atividades. Palvras-chave: lazer, esporte, corpo. RELATIONSHIP BETWEEN PHYSICAL EDUCATION, CULTURE AND LEISURE ABSTRACT. This paper discusses walking and running as leisure options, practitioners, especially old people and middle age women, and body conception involved in these activities. Key words: leisure, sport, body. 1 * Professora Drª do DEL/FEF/Unicamp. Endereço para correspondência: Caixa postal 6542. CEP: 13084-970. Campinas, São Paulo. E-mail: <bruhns@unicamp.br>. 1 Lüdtke (1984: 47). INTRODUÇÃO Se considerarmos que grande parte da população em nosso país, quando faz opção por alguma atividade corporal, não busca alto rendimento, muito menos um profissionalismo, mas uma forma de se exercitar no tempo de lazer, algumas questões surgem como indagações para a educação física, área articuladora dos elementos jogo, esporte, dança e ginástica. Se essas opções no lazer não se referem igualmente a uma educação formal, ou seja, não estão sendo desenvolvidas na relação do sujeito com a instituição escolar, uma outra relação com o conhecimento deve ser estabelecida. Devemos indagar se os objetivos almejados no tempo disponível das pessoas, geralmente relacionados à dilatação das regras sociais(e por isso constituindo-se na possibilidade de um espaço estrutural para o surgimento do novo), podem ser alcançados através das modalidades tradicionais, com formas de movimento repletas de técnicas e programas orientados para a quantidade e a busca da performance. Nesse sentido, tornam-se pertinentes as colocações de Lüdtke (1984) sobre não haver dúvidas quanto ao sistema de competição de alto nível, não constituir um modelo ideal para a média do cidadão esportivo como participante, em potencial, do esporte de lazer ativo.1 Notamos, portanto, que esses elementos trabalhados pela educação física vão receber outro perfil, ou seja, o jogo, a dança, a ginástica e o esporte serão tratados como recreação, como atividades de lazer. Os conteúdos desses elementos, embora submetidos a regras, devem conter a possibilidade de alteração das mesmas, pelos sujeitos envolvidos, numa situação adaptativa. A multiplicidade compõe o contexto, onde agrupamentos sem distinção de idade, sexo ou nível técnico se formam através de interesses. Por
  • 2. 62 Bruhns exemplo, o interesse pode ser o turismo ecológico ou turismo de aventura, o qual pode tomar a 2345 2 Ver Grupe (1984:30) no capítulo “Esporte e jogo – parte da cultura de lazer”. 3 Lüdtke (op. cit.: 47). 4 A educação não-formal não se define fundamentalmente pelo grau de institucionalização, quando comparada com a educação formal, mas pela maior elasticidade, conseqüência de maior distanciamento, como coloca Cury (1985:105) das regras burocráticas, podendo se definir educativamente em projetos de outras áreas. 5 Estou denominando educação informal aquela referente ao saber do cotidiano, onde a “sociedade se transmite a si mesma”, lembrando Bosi (1987:158), na qual não se encontram técnicas pedagógicas escolares, acompanhadas de seus profissionais de aplicação exclusiva. forma de clubes de caminhadas, montanhismo, alpinismo ou outros similares. A composição desses grupos é a mais variada possível: crianças, mulheres, deficientes, idosos, etc., sujeitos aos limites do grupo, o qual é dimensionado pelos vários limites individuais. Essa proposta exige novas formas de atividades de movimento, em lugar das tradicionais, estandartizadas por regulamentos, com maior envolvimento dos participantes nas tomadas de decisão, onde a solicitação se torna mais intensificada. O espaço onde essas atividades ocorrerão, as áreas de lazer, dentro do comentado acima, não deveria ser excessivamente planejado e preenchido. Faz-se necessária a defesa por um espaço livre, onde possa acontecer a disponibilidade pessoal contra interesses mercantis que porventura venham mais a destruir do que promover novas práticas. O excesso de formas burocratizadas de organização, igualmente deve ser evitado, uma vez que, mais do que contribui, atrapalha a participação.2 A multifuncionalidade está presente na estrutura social do comportamento de lazer, possuindo qualidades difusas, acentuando o caráter lúdico das atividades de movimento, permitindo alternâncias flexíveis das ofertas. Lüdtke (1984) vem resumir o exposto, mostrando como o modelo dos elementos que compõem a educação física, enquanto recreação, deveria atender as seguintes condições: a) predomínio do motivo lúdico em oposição aos índices dos resultados, baseados em critérios de performance; b) onde importariam critérios de performance, estes deveriam ser de livre escolha, discutíveis, de determinação espontânea e substituíveis, ao invés de objetiva e permanentemente estabelecidos; c) as formas sociais de participação deveriam ser flexíveis e informais; predomínio no ingresso de participantes individuais, de grupos sem a formação compulsória de equipes homogêneas; d) pessoal especializado: conselheiros, animadores, treinadores, pedagogos, etc., não trabalhando em função de dirigentes a serviço de interesses particulares de clubes, federações ou outros similares.3 Devo ressaltar, para melhor compreensão do tema, o tratamento que o termo lúdico está recebendo. Ele se aproxima do extremo paedia, desenvolvido por Caillois (1990), na sua teoria do jogo. Corresponde à improvisação livre ou fantasias sem controle. No oposto teríamos o ludus, com regras, necessidade de maior esforço, empenho, etc. Percebe-se aqui uma relação permanente entre dois pólos: o da lei e o da invenção. Portanto, a recreação (ou atividades de lazer) trabalhada pela educação física aproxima- se do lúdico, como o estamos tratando. Se as opções no lazer não se referem a uma educação formal, não sendo, portanto, desenvolvidas na relação do sujeito com a instituição escolar, uma outra relação com o conhecimento deve ser estabelecida, como apontado, inicialmente. A forma de educação veiculada no lazer parece aproximar-se da não-formal4 , pelo caráter de elasticidade já presente nesse espaço. Porém isso não significa ausência das outras formas (educação formal e informal5 ). A abordagem desses elementos nos conduz para a discussão de aspectos do movimento humano, os quais estarão presentes na relação lazer e educação física, assunto para o qual maior atenção será dedicada em seguida. QUESTÕES RELACIONADAS AO MOVIMENTO HUMANO
  • 3. Relações entre a educação física, a cultura e o lazer 63 Na relação da educação física com o lazer, manifesta-se a necessidade da compreensão do 678 6 Texto traduzido do original. 7 Ibid., p. 13. 8 Documento Pesquisa “Sesc Gallup” sobre a prática de atividades físicas na população paulistana, 1993. movimento humano, ocorrendo paralelamente às imagens do corpo veiculadas na cultura. O olhar sobre as imagens do corpo chama a atenção para um aspecto universal da vida humana, pois “o corpo humano é uma entidade visível e esta visibilidade tem um importante papel na comunicação entre pessoas e nos encontros da vida social” (Featherstone, 1993:52). Processos de transformação ocorridas no corpo humano, numa dinâmica social, conduzem a mudanças na nossa percepção com referência a valores do ser humano. As maneiras como isso ocorre, os atributos da identidade, da pessoalidade, da individualidade e do valor social referentes à aparência do corpo humano, “constituem uma área de pesquisa que apenas começou” (Featherstone, 1993:52). Autores significativos na área da motricidade humana (também denominada de educação física) têm criticado a visão cartesiana de corpo, a qual conduz a um dualismo psicofísico, direcionado a um corpo-máquina, funcionando apenas segundo leis biológicas, desprovido de emoções, sentimentos e desejos, não promovendo influências na e da cultura. Nessa perspectiva, podemos buscar, em Parlebas (1987:6), suas considerações sobre “a noção de movimento reduzir a ação física às características de deslocamento da máquina biológica e hipervalorizar de modo abusivo a descrição técnica”. O autor elege em substituição, o termo ação motora. Considerando o movimento como um diálogo entre o homem e o mundo, Tamboer (1979)6 vem expressar suas idéias sobre movimento não significar mudanças das partes do corpo, pois são pessoas que se movimentam em algum lugar. O comportamento do movimentar-se, escreve o autor, “é tanto para crianças, como para adultos, uma forma de existência, onde se tem os próprios valores e onde o homem (durante toda uma vida) pode realizar-se e expressar-se”. O autor vai mais além, expondo sobre a necessidade desse diálogo ser analisado tomando-se em conta a realidade histórica, social, cultural e econômica, na qual repousa e pela qual é co-determinado. Seguindo, podemos citar Le Boulch (1987), para o qual os estudos científicos sobre o movimento, estiveram voltados até o presente, para aspectos mecânicos e para condições de rendimento, considerando o corpo humano como uma máquina sujeita às leis do rendimento.7 O autor acentua a necessidade de considerar o movimento, “não como uma forma ‘em si’, cuja natureza é elucidada por uma descrição mecânica, mas como uma manifestação ‘significante’ da conduta de um homem...” (p. 14), portanto, como exteriorização da existência. Na busca da compreensão do movimento humano, encontraremos em Sérgio (1986:9), dentre as bases componentes das dimensões da pessoa humana a motricidade significando a “personalização, humanização de todo movimento”, bem como a corporeidade, pois o homem “ é presença e espaço na História, com o corpo...”. A motricidade, elucida o autor, “é um modo de ser da corporeidade, aquele em que a percepção não se limita a abranger o instante da duração do ‘aqui e agora’ e se alarga à dimensão inteira da temporalidade”(Sérgio, 1986:13). BUSCANDO EXEMPLOS NAS ATIVIDADES DE LAZER Para ilustrar a discussão empreendida até o momento, vou me deter em duas manifestações motoras ocorridas no lazer dos centros urbanos – a corrida e a caminhada –, as quais vêm ganhando adeptos das mais diversas faixas etárias, categorias e classes sociais, utilizando espaços como praças, bosques, parques públicos, ou simplesmente a própria rua. Essas atividades têm se revelado como opção marcante, conforme pode ser constatado através dos resultados divulgados pela pesquisa
  • 4. 64 Bruhns Sesc Gallup (1993)8 sobre a prática de atividades físicas na população paulistana, realizada em 1993, apontando a preferência das pessoas por essas duas ações motoras. 9 9 Arantes (1993:11) realizou uma pesquisa bibliográfica em Londres, onde analisou o conteúdo de obras sobre o lazer, constatando que grande parte dos trabalhos mais interessantes sobre esse tema, publicados recentemente nesse país, tem clara marca feminina. Foram utilizadas doze modalidades para obtencão dos resultados: caminhadas/corrida; futebol; ginástica; voleibol/basquetebol/ handebol; ciclismo; natação; dança; yoga/tai- chichuan; judô/karatê; tênis/squash; halteres/musculação; surf/montanhismo. Serão expostos os resultados mais diretamente relacionados com as duas atividades, as quais estão sendo tomadas como exemplo do lazer relacionado à educação física. Dentre o total da população entrevistada, o item caminhadas/corrida, veio ocupar o primeiro lugar na preferência, com um índice aproximado de 38%, seguido pelo futebol, com aproximadamente 37%. Quanto a essas modalidades praticadas segundo o sexo, no gênero masculino, o futebol aparece em primeiro lugar (58%), seguido pela caminhada/corrida com 40%. No feminino, as opções demonstraram preferência pela caminhada/corrida (48%), seguida pela ginástica (32%). Segundo a classe socioeconômica, essa pesquisa apresentou quatro classificações: na classe A, a caminhada/corrida ocupou 52% das respostas, enquanto o futebol 33%. Na classe B, a ginástica teve preferência com 33%, seguida pela caminhada/corrida, com 27%. Na classe C, 42% preferiram o futebol e 35% a caminhada/corrida. Nas classes D/E, o futebol obteve 48% e a caminhada/corrida 45%. Considerando a faixa etária (vamos nos reportar somente aos adultos), temos, entre 30 a 49 anos, um empate de 42% entre a caminhada/corrida e o futebol, sendo que no grupo de 50 anos para cima, houve uma preferência de 75% para a caminhada/corrida, seguindo um empate entre futebol e ginástica, de 14%. Quanto ao grau de instrução, o grupo com formação primária hoje, fundamental), mostrou preferência de 55% pela caminhada/corrida, seguido de 32% pelo futebol. No grupo com formação secundária, o futebol obteve 43%, enquanto a caminhada/corrida ficou com 31%. Com formação superior, 42% ficaram com a caminhada/corrida e 33% com a ginástica. Segundo a posição na família, a categoria pai apresentou preferência pela caminhada/corrida com 48%, seguida pelo futebol com 45%. No grupo das mães, 67% preferiu a caminhada/corrida, contra 22% da ginástica, sendo que nos filhos os resultados apontaram 43% em relação ao futebol e 39% em relação ao voleibol, ao basquetebol e ao handebol. Outras questões foram exploradas na pesquisa, as quais se tornam irrelevantes para o propósito pretendido. Interessa aqui evidenciar a forte preferência pela caminhada/corrida, principalmente por mulheres adultas e idosos, para prosseguir a discussão. Pela simples observação, como profissional da área de educação física e também adepta da corrida há 21 anos, pude constatar nesse período um significativo aumento, nos parques da cidade de Campinas (São Paulo), de um segmento da população, o qual dificilmente se expõe nos esportes, de modo geral – as mulheres de meia- idade, casadas ou solteiras. O fato da difícil exposição pode ser explicado, entre outros, através de pesquisas9 apontando um conjunto de constrangimentos sociais, marcando diferentemente a construção do “tempo livre”, uma vez reproduzindo-se igualmente nessa esfera, relações “patriarcalistas” de dominação. As pesquisas mostraram as atividades compondo esse “outro” tempo de suposto prazer e liberdade, não estando a salvo da “ideologia e da cultura que contribuem em grande medida para a reprodução das desigualdades sociais que afetam os homens, e duplamente as mulheres. Para a mulher participar da esfera do lazer em especial no esporte e em atividades que implicam o uso de espaços e equipamentos públicos, significa freqüentemente desafiar expectativas de comportamento (e de desempenho) que são fortemente referidas a definições estereotipadas de masculinidade” (ibd.:16).
  • 5. Relações entre a educação física, a cultura e o lazer 65 Nessa perspectiva, advém a questão da compreensão por essa adesão feminina apontada na pesquisa anteriormente citada. Estaria ocorrendo uma mudança na concepção da mulher na sociedade, portanto no trabalho, com manifestações paralelas no lazer? 10 10 O vocábulo “gênero” significa aqui a construção sociocultural do feminino, uma maneira segundo Scott (1990:5) de se referir “à organização social da relação entre os sexos”. A palavra sexo restringe-se à sua definição biológica, sendo que as diferenças entre os dois sexos, além dessa definição, referem-se às respectivas representações sociais e culturais. percebe-se, portanto, que por trás do termo, está toda uma maneira de repensar a sociedade. O segmento dos idosos igualmente vem demonstrando um incremento significativo nessas atividades, nos últimos anos. Tomando como pressupostos as mesmas considerações sobre o gênero10 feminino, porém agora contrapondo não em relação à masculinidade, porém à juventude, poderíamos indagar se a imagem desses idosos sofreu alteração nesses últimos anos, a ponto da redefinição da exposição pública de seus corpos. Num trabalho sobre a velhice, Featherstone (op. cit.:63) aponta uma tendência na sociedade ocidental, espelhada na tentativa de desconstrução das particularidades da velhice. A doença física e o declínio mental identificados como fenômenos presentes nesse estágio da vida, são redefinidos como “condições gerais que podem afetar as pessoas em qualquer fase. A velhice começa a ser vista como um estágio de aposentadoria ativa e o declínio físico a ela associado torna-se um fenômeno que pode ser progressivamente eliminado”. O autor discute como a perda do controle do corpo tanto quanto da capacidade de atingir uma conduta e procedimentos mais jovens, conduzem a uma estigmatização das pessoas idosas e a uma efetiva perda do seu direito de ser tratada como pessoa valorizada (p. 67), e como, na cultura de consumo, “a velhice é apresentada com imagens que retratam como uma fase da vida, na qual sua juventude, vitalidade e atratividade podem ser mantidas” (p. 66). Nesse particular, uma performance “correta” pode tornar-se um indicativo central do “direito de ser uma pessoa valorizada e um cidadão que participa de modo independente na sociedade” (p. 68). OUTROS OLHARES SOBRE O MOVIMENTO HUMANO Buscando alguns autores, vamos verificar suas falas sobre a caminhada e a corrida, bem como suas recomendações sobre essas práticas. Vale a pena correr, argumenta Ferreira (1979:19), pois este hábito “além de nos tornar mais preparados para enfrentar a rotina diária, nos beneficia sobremodo em resistência física, elevando acentuadamente nossos padrões de saúde”. A ênfase nos efeitos fisiológicos aparece em vários trabalhos, como no de Fixx (1977:25), onde o autor defende a corrida como “um exercício fisiologicamente perfeito”, pois “aciona os músculos das pernas e coxas de uma maneira ritmada, a um índice controlado pessoalmente. É o requisito indispensável para se desenvolver com segurança a função cardiopulmonar”. Nesse sentido, muitos têm apontado na corrida ou na caminhada um sentido profilático – correr para não infartar, correr para não adquirir doenças pulmonares ou outras de qualquer espécie. Sob outro ângulo, Liliefors (1981:1) critica aqueles adeptos que “atentam apenas para os objetivos superficiais, como tempo e distância, oferecidos pelo correr”, defendendo uma mudança de abordagem, onde justifica o correr, não para perder peso, nem para evitar ataques cardíacos (embora os aponte como subprodutos do correr), mas para nos “tornarmos mais relaxados, satisfeitos, felizes e, até mesmo, mais conscientes no plano espiritual”. O autor relaciona a corrida com alguns exercícios da ioga, com a meditação zen e com o espiritualismo. Os males do processo civilizatório, segundo esses autores, são incentivos para adesão à corrida e caminhada, não no sentido de repensar esses males, porém como atividades amenizadoras (se é que isso seja possível) dos problemas.
  • 6. 66 Bruhns Nas considerações desenvolvidas até o momento, devemos estar atentos, como diz Trebels (1992:341) sobre junto com determinada abordagem científica do “movimento” e do “movimentar”, encontrarmos sempre ao lado a afirmação de “uma concepção de movimento” e, “ao mesmo tempo (e por vezes inconscientemente) a afirmação de uma concepção de homem”. O autor remete-se a Tamboer, na sua proposição de visões de homem, a partir do 11 11 A indústria cultural está sendo entendida como coloca Bosi (1987:143), ou seja, a “cultura de massas, que, pela sua íntima imbricação com os sistemas de produção e mercado de bens de consumo, acabou sendo chamada pelos intérpretes da Escola de Frankfurt, indústria cultural, cultura de consumo”. ponto de vista de concepções do movimento, expondo a apresentação do autor, sobre as diferenças conceituais que ocorrerem em dois níveis: 1) concepção de corpo substancial, onde o corpo é visualizado como unidade isolável, podendo ser pensado isoladamente do contexto onde está inserido; 2) concepção de corpo relacional, onde se presencia a interpretação existencial de homem enquanto um ser-no- mundo e a convicção de que a corporeidade é o “modo do nosso ser no mundo” (ibd.:342). A ênfase na aparência física parece ser um processo exacerbado na nossa sociedade, reforçado através de imagens visuais como um dos elementos que impulsionam a cultura de consumo. Na observação de Featherstone (op. cit.:67- 68), nenhuma outra sociedade na história, como a ocidental contemporânea, produziu e disseminou tal volume de imagens do corpo humano através dos jornais, revistas, anúncios e das imagens do corpo em movimento na televisão e nos filmes. A paisagem física das grandes cidades, das construções e lugares nos quais fazemos compras ou nos divertimos, estão cheios de imagens e réplicas do corpo humano. A vasta maioria dessas imagens, especialmente aquelas usadas para vender mercadorias e experiências por meio de anúncios, são imagens da juventude, saúde e beleza dos corpos. Uma boa parte da promoção da moda, da indústria de cosméticos e de cuidado com o corpo apresenta esses ideais de corpos como algo que deveria ser atingido. Porém o público não se apresenta tão passivo frente às mensagens veiculadas pelos meios de comunicação de massa. Resta perceber como manifestações de oposição ou aceitação ocorrem. A indústria cultural11 preconiza sobre a transformação pessoal ser algo que está ao alcance de todos, através de uma transformação do corpo. Aqui, diz Featherstone (op. cit.:68), “a mensagem divulgada é simples: ‘se você parece bem, você se sente bem!’”. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ARANTES, Antonio A. Consumo e entretenimento: hipóteses para uma antropologia do tempo livre. Cadernos IFCH 27. Campinas: Unicamp, 1993. BOSI, Alfredo. Cultura Brasileira. In: MENDES, Dumerval T. (Org.) Filosofia da educação brasileira. Rio de Janeiro, 1987. CAILLOIS, Roger. Os jogos e os homens. Lisboa: Cotovia, 1990. CURY, Carlos R. J. Educação e contradição. Cortez: Autores Associados, 1985. Documento Pesquisa “Sesc Gallup” sobre a prática de atividades físicas na população paulistana. São Paulo: Sesc, 1993. FEATHERSTONE, Mike. O curso da vida: Corpo, cultura e imagens do processo de envelhecimento. In: DEBERT, G. G. (Org.) Textos didáticos, nº 13. Campinas: IFCH/Unicamp, 1994. FERREIRA, Ayrton. Porque correr. Salvador: Bureau, 1979. FIXX, James F. Guia completo de corrida. Rio de Janeiro: Record, 1977. GRUPE, Ommo. Esporte e jogo – parte da cultura do lazer. In: DIECKERT, Jürgen, Esporte de lazer. Rio de Janeiro: Ao Livro Técnico, 1984. LE BOULCH, Jean. Para uma ciência do movimento humano. Porto Alegre: Artes Médicas, 1978. LILIEFORS, Jim. Como correr para viver melhor. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1981.
  • 7. Relações entre a educação física, a cultura e o lazer 67 LÜDTKE, Hartmut. O lazer como campo de condição social para atividades esportivas. In: DIECKERT, Jürgen. Esporte de lazer. Rio de Janeiro: Ao Livro Técnico, 1984. PARLEBAS, Pierre. Perspectivas para una educación fisica moderna. Espanha: Cadernos Técnicos nº 1 – Unisport, Andalucia, 1987. SCOTT, Joan. Gênero: uma categoria útil de análise histórica. In: Revista Educação e Realidade, v. 15, nº 2, jul/dez, 1990. SÉRGIO, M. Motricidade humana – uma nova ciência do homem, nº 24. Lisboa: Coleção Desporto e Sociedade, 1986 TAMBOER, Jan. Sich-bewegen-ein dialog zwischen mensch un welt. In: Spoortpädagogik, nº 3, 1979, Polis (Alemanha), 1987. TREBELS, Andreas. Playdoyer para um diálogo entre teoria do movimento humano e teoria do movimento no esporte. In: Revista Brasileira de Ciências do Esporte, v. 13, nº 13, jun. Maringá, 1992.