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O Senhor Ministro Edson Fachin (Relator): A ação deve ser conhecida.
Proposta por partido político com representação no Congresso Nacional, a
ação impugna lei federal editada posteriormente ao parâmetro
constitucional invocado.
No mérito, porém, a ação deve ser julgada improcedente .
Afasto, inicialmente, o argumento de inconstitucionalidade formal
suscitado na inicial.
Segundo o Partido requerente a Lei 13.954/2019, que alterou o Estatuto
dos Militares, violou o art. 142, § 1º, da Constituição Federal, que tem o
seguinte teor:
“Art. 142. As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo
Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e
regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a
autoridade suprema do Presidente da República, e destinam-se à
defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por
iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem.
§ 1º Lei complementar estabelecerá as normas gerais a serem
adotadas na organização, no preparo e no emprego das Forças
Armadas.”
Para o PDT tais normas de organização foram delineadas justamente na
Lei 6.880, de 1980 (Estatuto dos Militares), que teria sido recepcionada na
atual ordem jurídico-constitucional com status de lei complementar.
Não é está, porém, a melhor leitura do dispositivo constitucional.
A exigência de lei complementar está diretamente relacionada ao órgão
“Forças Armadas”, não a seus membros. É este, aliás, o sentido que é
adotado pela Constituição todas as vezes que reclama lei complementar
para regulamentar regras relativas aos órgãos que possuem assento
constitucional, como, v.g. , a Advocacia da União (art. 131, caput ), a
Defensoria Pública (art. 134, § 1º) e o Ministério Público (art. 128, § 5º).
O próprio Congresso Nacional, que também interpreta a Constituição
na sua relevante tarefa de deliberar sobre as leis, fez aprovar a Lei
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Complementar 97, de 9 de junho de 1999, que “dispõe sobre a organização,
o preparo e o emprego das Forças Armadas”.
Além disso, diversas outras alterações foram feitas no Estatuto dos
Militares sem que se invocasse a reserva de lei complementar ( v.g. , Leis
7.698, de 1988; 8.237, de 1991; 9.297, de 1996).
Ainda que se pudesse cogitar que o sintagma “na organização”, contido
no § 1º do art. 142 da CRFB, refira-se ao “organizadas com base na
hierarquia e na disciplina”, para daí se exigir que toda matéria relativa à
hierarquia e à disciplina fosse veiculada por lei complementar, melhor sorte
não assistiria ao Requerente.
É que o objeto da impugnação não se refere ao Capítulo da Hierarquia e
da Disciplina do Estatuto dos Militares, mas ao Capítulo relativo às
situações especiais da agregação e da reserva, institutos para os quais a
Constituição não exigiu o quórum complementar.
De forma semelhante, tampouco os demais órgãos cuja organização a
Constituição determinou que se desse por meio de lei complementar, como
a Advocacia da União ou o Ministério Público, regularam nesses diplomas
legais o seguro social e a previdência de seus membros.
Em síntese, a norma que dispõe sobre a reforma de militares
temporários não está sujeita à reserva de lei complementar. Sob o ângulo
formal, é, portanto, constitucional o diploma impugnado.
É procedente, no entanto, a ação direta quanto às alegações de
inconstitucionalidade material.
Sob o ângulo material, o Partido Democrático Trabalhista – PDT
impugna a redação da alínea “b do inciso II-A do art. 106 e dos parágrafos
1º, 2º e 3º do art. 109 da Lei n. 6.880, de 1980, alterados pelo art. 2º da Lei n.
13.954, de 2019. Os dispositivos têm o seguinte teor:
“Art. 106. A reforma será aplicada ao militar que:
(...)
II-A. se temporário:
(...)
b) for julgado incapaz, definitivamente, para o serviço ativo das
Forças Armadas, quando enquadrado no disposto nos incisos I e II do
caput do art. 108 desta Lei;
(...)
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Art. 109. O militar de carreira julgado incapaz definitivamente
para a atividade militar por uma das hipóteses previstas nos incisos I,
II, III, IV e V do caput do art. 108 desta Lei será reformado com
qualquer tempo de serviço.
§ 1º O disposto neste artigo aplica-se ao militar temporário
enquadrado em uma das hipóteses previstas nos incisos I e II do caput
do art. 108 desta Lei.
§ 2º O disposto neste artigo aplica-se ao militar temporário
enquadrado em uma das hipóteses previstas nos incisos III, IV e V do
caput do art. 108 desta Lei se, concomitantemente, for considerado
inválido por estar impossibilitado total e permanentemente para
qualquer atividade laboral, pública ou privada.
§ 3º O militar temporário que estiver enquadrado em uma das
hipóteses previstas nos incisos III, IV e V do caput do art. 108 desta
Lei, mas não for considerado inválido por não estar impossibilitado
total e permanentemente para qualquer atividade laboral, pública ou
privada, será licenciado ou desincorporado na forma prevista na
legislação do serviço militar.”
O art. 108, por sua vez, dispõe que:
“Art. 108. A incapacidade definitiva pode sobrevir em
conseqüência de:
I - ferimento recebido em campanha ou na manutenção da ordem
pública;
II - enfermidade contraída em campanha ou na manutenção da
ordem pública, ou enfermidade cuja causa eficiente decorra de uma
dessas situações;
III - acidente em serviço;
IV - doença, moléstia ou enfermidade adquirida em tempo de paz,
com relação de causa e efeito a condições inerentes ao serviço;
V - tuberculose ativa, alienação mental, esclerose múltipla,
neoplasia maligna, cegueira, lepra, paralisia irreversível e
incapacitante, cardiopatia grave, mal de Parkinson, pênfigo,
espondiloartrose anquilosante, nefropatia grave e outras moléstias
que a lei indicar com base nas conclusões da medicina especializada; e
VI - acidente ou doença, moléstia ou enfermidade, sem relação de
causa e efeito com o serviço.
§ 1º Os casos de que tratam os itens I, II, III e IV serão provados
por atestado de origem, inquérito sanitário de origem ou ficha de
evacuação, sendo os termos do acidente, baixa ao hospital, papeleta de
tratamento nas enfermarias e hospitais, e os registros de baixa
utilizados como meios subsidiários para esclarecer a situação.
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§ 2º Os militares julgados incapazes por um dos motivos
constantes do item V deste artigo somente poderão ser reformados
após a homologação, por Junta Superior de Saúde, da inspeção de
saúde que concluiu pela incapacidade definitiva, obedecida à
regulamentação específica de cada Força Singular.”
O argumento central trazido pelo Partido é o de que a norma discrimina
quem está em situação análoga, sem que haja razão para isso. Ao assim fazê-
lo, a nova lei acabou por violar o direito à previdência e à assistência social
dos militares temporários, além de ser retrocesso não admitido.
Já os órgãos que trouxeram informações para os autos defenderam a
constitucionalidade da norma.
O Presidente da República afirmou que “não há justificativa razoável
para a permanência, na condição de adido, ou para a reforma automática,
de militares temporários que, de fato, detêm higidez física e capacidade
laborativa compatíveis com o desempenho de atividades civis”.
O Presidente do Senado Federal afirmou que a norma limita-se a dispor
sobre o regime jurídico dos militares temporários e que cabe ao Congresso
fazer a escolha sobre seus contornos, sem que se possa falar em direito
adquirido a regime jurídico.
O Advogado-Geral da União, corroborando os argumentos trazidos
pela Presidência da República e pelo Senado Federal, argumenta que “o
intuito da norma questionada é que o militar temporário diagnosticado com
algum enfermidade incapacitante seja reinserido no mercado de trabalho e
siga as regras para a aposentadoria pelo Regime Geral de Previdência Social
(desde que não julgado inválido, quando será reformado).
Não há parâmetro constitucional que preveja regras específicas para a
inatividade e para a reserva de militares (efetivos ou temporários). Noutras
palavras, o legislador possui ampla liberdade de conformação .
Antes da Lei 13.954, de 2019, não havia distinções entre militares de
carreira e militares temporários, no que tange ao direito à reforma: a ambos
ela era aplicada para quem fosse julgado, definitivamente, incapaz para o
serviço ativo. Além disso, os militares, efetivos e temporários, em caso de
incapacidade, seriam reformados com qualquer tempo de serviço.
Apesar de terem os mesmos direitos no que tange à reforma, a diferença
entre as duas carreiras sempre existiu. Os militares de carreira são os da
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ativa que, no desempenho voluntário e permanente do serviço militar,
tivessem vitaliciedade assegurada ou presumida.
Já os temporários são os selecionados por meio de processo simplificado
realizado por autorização dos Comandantes das Forças Armadas (art. 27, §
1º, da Lei do Serviço Militar). O seu vínculo é, de fato, precário, já que tem
duração máxima de 96 meses, nos termos do art. 27, § 3º, da Lei 4.375, de
1964 (Lei do Serviço Militar).
A nova lei manteve a diferença de carreiras, mas alterou as regras
relativas à reforma.
A partir dela, o militar temporário que vier a perder a capacidade
definitiva para o exercício das atividades militares (incapacidade), sem que
haja comprometimento do exercício de outra atividade laboral no meio
civil, somente será reformado se incapacidade sobrevir em consequência de
ferimento recebido em campanha ou na manutenção da ordem pública (art.
108, I, da Lei 6.880/80); ou de enfermidade contraída em campanha ou na
manutenção da ordem pública, ou enfermidade cuja causa eficiente decorra
de uma dessas situações (art. 108, II, da Lei 6.880/80).
O militar temporário perdeu o direito à reforma quando a incapacidade
for decorrente de acidente em serviço; doença, moléstia ou enfermidade
adquirida em tempo de paz, com relação de causa e efeito a condições
inerentes ao serviço; doença grave (art. 108, III, IV e V, da Lei 6.880/80).
O militar temporário que, além da incapacidade de realizar atividade
laboral militar (incapacidade), não possa realizar nenhuma atividade
laboral civil (invalidade) continuará a ser reformado, seja em relação aos
incisos I e II do art. 108; seja em relação aos inciso III, IV e V do art. 108 da
Lei 6.880/80.
Noutras palavras, apenas quando o militar temporário estiver
impossibilitado de realizar atividades militares em razão de acidente ou de
doença é que ele será licenciado e desincorporado. Essa situação é
denominada de “encostamento” (art. 31, § 6º, da Lei 4.375/64): os
temporários perdem o vínculo militar (são considerados ex-militares), não
fazem jus à remuneração, mas mantêm vínculo assistencial com a Força
para tratamento de saúde.
Para evidenciar o alcance da alteração promovida pela lei, o exemplo
trazido pelo Procurador-Geral da República é ilustrativo (eDOC 40, p. 18):
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“(i) Durante campanha, militar efetivo e temporário precisam
amputar um de seus membros (braço ou perna). Ao militar efetivo e
ao militar temporário, independentemente de estarem
impossibilitados – ou não – para o exercício de qualquer atividade
laboral, pública ou privada, será assegurado, a qualquer tempo, o
direito à reforma. Terão direito, ainda, a percepção de remuneração,
tratamento e acompanhamento do quadro clínico (art. 106, II e II-A,
“b”, c/c o art. 109, caput e § 1º, ambos da Lei 6.880/1980, na redação
dada pela Lei 13.954/2019);
(ii) Em vez da hipótese de campanha, mas submetidos a
treinamento militar com explosivos (de elevado risco), tanto o militar
efetivo quanto o militar temporário se acidentam em serviço, sendo
necessário, assim como na campanha, a amputação de um de seus
membros (braço ou perna). Ao militar efetivo, ainda que não esteja
impossibilitado para o desempenho de outra atividade laboral,
pública ou privada, será assegurado o direito à reforma, com
percepção de remuneração, além do respectivo tratamento e
acompanhamento de seu quadro clínico. Ao militar temporário,
contudo, não será assegurado o direito de reforma a qualquer tempo,
salvo se, concomitantemente, for declarado inválido para o exercício
de outra atividade laboral. Não o sendo, o militar temporário será
licenciado ou desincorporado do serviço militar, enquadrando-se na
situação de encostado, o qual não percebe remuneração, mas, apenas,
tratamento e acompanhamento de seu quadro clínico (art. 106, II-A,
“a” c/c o art. 109, §§ 2º e 3º, ambos da Lei 6.880/1980, na redação dada
pela Lei 13.954/2019).”
O instituto da reforma constitui, portanto, o direito de continuar a
perceber remuneração calculada com base no soldo correspondente ao grau
hierárquico imediato ao que possuir ou que possuía na ativa, sempre que se
verificar uma das situações previstas no art. 108 do Estatuto dos Militares.
Para os temporários enquadrados nos incisos I e II do art. 108 e para os
efetivos em qualquer hipótese, o direito é assegurado aos considerados
incapazes independentemente de invalidade. Já para os temporários que se
enquadrarem no disposto nos incisos III, IV ou V do art. 108, somente
haverá direito à reserva se também forem considerados inválidos para o
desempenho de qualquer função.
Dada a diferença de consequências jurídicas, a questão central da
presente ação direta é a de saber se o tratamento diferenciado entre os
ocupantes das carreiras militares é compatível com o direito à igualdade.
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A norma não viola o direito à igualdade, porque a diferença de
tratamento é justificada . Ou seja, a alteração promovida pela Lei 13.954, de
2019, é constitucional .
Para as entidades intervenientes, a diferença de tratamento é justificada
porque os militares estariam em situações distintas. Enquanto os oficiais são
selecionados em rigorosos processos de seleção, os temporários seriam
selecionados por processos simplificados. Além disso, ainda de acordo com
essas entidades, o vínculo do militar efetivo é estável, ao passo que o
temporário é limitado e precário. Dessa forma, carreiras distintas podem ter
regimes jurídicos distintos, sem que isso implique tratamento
discriminatório.
Amparando esses argumentos, a jurisprudência deste Tribunal tem
afirmado que o direito à igualdade de tratamento equivale à proibição de
tratamento discriminatório por fatores ou características que fogem ao
controle da pessoa, como a raça, o sexo, a cor da pele ou qualquer outra
diferenciação arbitrariamente considerada (ADI 5.617, Rel. Min. Edson
Fachin, Pleno, DJe 02.10.2018).
No âmbito trabalhista, a igualdade de tratamento se manifesta na ideia
de que “trabalho igual corresponde a igual remuneração” (Súmula 202; art.
461 da CLT), preceito também contido na Declaração Universal de Direitos
Humanos (art. 23).
No serviço público, esse preceito é assegurado por meio do concurso
público: todos têm direito de acesso, em condições de igualdade, às funções
públicas do seu país.
Sendo esses os parâmetros do direito à igualdade, não há como acolher
o argumento trazido pela inicial. A diferença de tratamento dada a efetivos
e temporários não é discriminatória, porque o trabalho realizado por ambas
as categorias é distinto e porque o acesso às carreiras não é o mesmo .
Segundo dispõe o art. 142, caput da Constituição, as Forças Armadas
são organizadas pela hierarquia e disciplina, que se traduzem, segundo o
Estatuto dos Militares, em um progressivo aumento de autoridade e
responsabilidade segundo o nível hierárquico.
Como os temporários e os efetivos possuem necessariamente níveis
distintos de hierarquia, há entre eles níveis distintos de responsabilidade e
autoridade. Não se trata, portanto, de mesmo trabalho.
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Ainda que, pontualmente, algumas tarefas possam ser desempenhadas
de forma conjunta ou concomitante, estatutariamente as responsabilidades
não se confundem.
Além disso, como já se indicou nessa manifestação, a forma de ingresso
na carreira é também distinta : enquanto a seleção para efetivos se dá de
forma nacional e por um rígido processo de preparação, a seleção para os
temporários é feita pelas unidades militares em processo simplificado.
Essas distinções justificam, em tese, a opção por regimes jurídicos
diferenciados, o que inclui as regras relativas à reforma.
Muito embora as razões que justifiquem esse sistema de benefícios não
tenham sido discriminadas, quer na lei, quer no Estatuto dos Militares,
argumenta-se que o regime jurídico diferenciado para os militares decorre
das peculiares dessa carreira e, portanto, encontra respaldo constitucional
(art. 142, X, da CRFB).
Os militares frequentemente são obrigados a mudarem de cidade, o que
torna mais difícil a poupança para a compra da casa própria. As mudanças
frequentes também limitam as opções de carreiras para suas companheiras
ou seus companheiros, o que afeta indiretamente a sua renda. As
habilidades desenvolvidas pela experiência militar tampouco são facilmente
transpostas para o mercado de trabalho civil, o que limita a suas opções
profissionais.
O trabalho realizado pelos militares é essencial ao país e é interesse do
Estado brasileiro e de sua população manter as Forças Armadas equipadas,
treinadas e bem preparadas para, se preciso for, serem prontamente
empregadas. É preciso, portanto, manter a atratividade dessa carreira,
compensado-a, modestamente, pelos sacrifícios exigidos de seus membros.
Essas razões, sem dúvida relevantes, não estão inteiramente presentes
em relação aos temporários. É que, por expressa disposição legal, o contrato
temporário tem duração de apenas 12 meses, prorrogáveis a critério da
Administração Militar, mas é limitado a 96 meses de trabalho, contínuos ou
não, em qualquer Força Armada (art. 27, § 3º, da Lei do Serviço Militar).
Noutras palavras, as diferenças entre as carreiras não autorizam
estender aos temporários os direitos assegurados aos militares efetivos . Na
linha do que dispõe a Súmula Vinculante 37, não cabe ao Poder Judiciário
aumentar vantagens (ou equiparar regimes) sob o fundamento de isonomia.
Levado às últimas consequências o argumento trazido pela inicial, a própria
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diferenciação entre as carreiras perderia sentido. Por isso, não há violação
do direito à igualdade .
A inicial traz ainda dois outros argumentos pela inconstitucionalidade:
o de ofensa à responsabilidade objetiva do Estado e da proibição de
retrocesso.
Melhor sorte não assiste a nenhum deles.
A responsabilidade objetiva do Estado decorrente de acidentes do
trabalho não é diminuída pela exclusão do direito à reforma.
Havendo acidente com o temporário, haverá obrigação de indenizar as
despesas com o tratamento de saúde, os lucros cessantes até ao fim da
convalescença, além de algum outro prejuízo que o ofendido prove haver
sofrido (art. 950 do Código Civil), podendo o ofendido até mesmo optar por
receber a indenização de uma só vez (art. 950, parágrafo único, do Código
Civil).
A indenização civil não se confunde com a reforma . O militar
temporário que não for capaz de desempenhar as funções militares, mas
apenas as civis, jamais poderá ser indenizado por um prazo superior ao da
duração legal do contrato temporário. Isso significa que, no regime anterior,
em que a reforma dava direito à remuneração por um prazo indefinido, era
um benefício distinto da indenização civil. Noutras palavras, a restrição do
direito à reserva não viola o art. 37,§ 6º, da CRFB .
Tampouco pode-se falar em inconstitucionalidade por violação do
princípio da proibição do retrocesso. É inegável que esse princípio passou a
integrar a interpretação constitucional dos direitos fundamentais (ADI
4.529, Rel. Ministra Rosa Weber, DJe 30.11.2022). No entanto, a
jurisprudência deste Supremo Tribunal Federal há muito insiste na
necessidade de distingui-lo de um irreal direito adquirido a regime jurídico
por parte dos servidores públicos:
“Ementa: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE.
DIREITO CONSTITUCIONAL. DIREITO ADMINISTRATIVO. LEI
COMPLEMENTAR 87/2000 DO ESTADO DE MATO GROSSO DO
SUL. ESTATUTO DOS PROFISSIONAIS DA EDUCAÇÃO BÁSICA
DO ESTADO. ALTERAÇÕES PROMOVIDAS PELA LEI
COMPLEMENTAR 266/2019. SERVIDORES PÚBLICOS EFETIVOS E
TEMPORÁRIOS. FUNÇÃO DE DOCÊNCIA. REMUNERAÇÃO.
NECESSIDADE DE EDIÇÃO DE LEI ESPECÍFICA (ART. 37, X, DA
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CF). NÃO CABIMENTO. VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA
ISONOMIA (ARTS. 5º E 7º, XXXIV, CF). VIOLAÇÃO AO DIREITO
ADQUIRIDO E À IRREDUTIBILIDADE DE SALÁRIOS (ARTS. 5º,
XXXVI, E 37, XV, DA CF). NÃO OCORRÊNCIA. CONHECIMENTO
PARCIAL DA AÇÃO. IMPROCEDÊNCIA. 1. A jurisdição
constitucional abstrata brasileira não admite o ajuizamento ou a
continuidade de ação direta de inconstitucionalidade de lei ou ato
normativo já revogado ou cuja eficácia já tenha se exaurido,
independentemente do fato de terem produzido efeitos concretos
residuais. Perda de objeto parcial da ação em relação ao inciso V do §
2º do art. 49 da LC 87/2000. Precedentes. 2. Constitucionalidade do
dispositivo legal que prevê a fixação da remuneração de servidores
públicos temporários por meio de ato infralegal. 3. A justificativa para
a diferença dos critérios de remuneração existente entre o cargo de
professor efetivo e a função exercida pelo professor temporário
encontra respaldo na própria Constituição Federal (art. 37, II, IX, X),
considerando que regimes jurídicos distintos comportam tratamentos
diversos. 4. É vedado ao Poder Judiciário, por não ter função
legislativa, conceder aumento de vencimentos de servidores públicos
com base no princípio da isonomia. Entendimento da Súmula
Vinculante 37 do STF. 5. Não afronta o direito adquirido e a
irredutibilidade salarial (arts. 5º, XXXVI, e 37, XV, da CF) a norma
estadual que, alterando calendário de integralização de piso salarial
da categoria profissional, apenas prorroga o reajuste por mais três
anos até alcançar o limite máximo previsto, como medida de
austeridade adotada para equilibrar as contas públicas. 6. A
jurisprudência desta CORTE orienta que o direito adquirido não pode
ser oposto a regime jurídico ou a forma de cálculo da remuneração de
servidor público, desde que preservada a irredutibilidade salarial.
Precedentes. 7. Conhecimento parcial da ação. Ação direta julgada
improcedente.”
(ADI 6196, Relator(a): ALEXANDRE DE MORAES, Tribunal
Pleno, julgado em 20/03/2020, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-081
DIVULG 01-04-2020 PUBLIC 02-04-2020)
É também da jurisprudência deste Tribunal reconhecer que as
disposições relativas à seguridade social dos servidores públicos integram
seu regime jurídico (ADI 3128, Rel. Min. Cezar Peluso, DJ 18.02.2005).
Inexiste, pois, inconstitucionalidade quanto à alegada violação da
proibição de retrocesso .
Ante o exposto, são constitucionais, formalmente, a Lei Federal n.
13.954, de 2019; e, materialmente, a alínea “b” do inciso II-A do art. 106 e os