Este documento descreve uma ação de descumprimento de preceito fundamental movida pelo Procurador-Geral da República contra a Lei no 9.506/1997, que criou o Plano de Seguridade Social dos Congressistas (PSSC). O documento argumenta que a lei é inconstitucional porque, após a Emenda Constitucional no 20/1998, detentores de mandato eletivo devem estar submetidos obrigatoriamente ao Regime Geral de Previdência Social, e não a um regime próprio como o PSSC. O relator do caso no Supremo Tribunal
A posição do MPF sobre ação no STF contra Plano de Seguridade Social dos Congressistas (PSSC)
1. MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
PROCURADORIA-GERAL DA REPÚBLICA
N.º 7/2018 – SFCONST/PGR
Sistema Único nº 8.619/2018
ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL 476/DF
REQUERENTE: Procurador-Geral da República
INTERESSADO(S): Presidente da República
Congresso Nacional
RELATOR: Ministro Alexandre de Moraes
Excelentíssimo Senhor Ministro Alexandre de Moraes,
ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO
FUNDAMENTAL. LEI Nº 9.506/1997. PLANO DE SEGURIDADE
SOCIAL DOS CONGRESSISTAS. INCOMPATIBILIDADE COM A
CONSTITUIÇÃO FEDERAL E COM EMENDAS
CONSTITUCIONAIS. VÍNCULO OBRIGATÓRIO AO REGIME
GERAL DE PREVIDÊNCIA SOCIAL. DESRESPEITO AOS
PRINCÍPIOS REPUBLICANO, DA IGUALDADE, DA
MORALIDADE E DA IMPESSOALIDADE.
1. A partir da Emenda Constitucional nº 20/1998, titulares de mandato
eletivo, por ocuparem cargo temporário, submetem-se necessariamente
ao RGPS, bem como aos respectivos critérios para a concessão de
aposentadoria.
2. A Lei nº 9.506/1997 criou e regulamentou regime próprio em
benefício de congressistas, à custa do erário, em desacordo com o art.
40-§13 da CR.
3. A criação de critérios distintos para a concessão de aposentadoria a
beneficiários do RGPS afronta o art. 201-§1º da CR.
4. Os princípios republicano e da igualdade exigem que, ao final do
exercício de cargo eletivo, seus ex-ocupantes sejam tratados como os
demais cidadãos. O regime previdenciário em tela não obedece a
critério razoável e proporcional, nem se harmoniza com os princípios
da moralidade e impessoalidade. Não se legitima tratamento
privilegiado em favor de membros do Congresso Nacional, que
somente exercem múnus público temporário
- Parecer pelo acolhimento do pedido, nos termos da petição inicial.
I
Trata-se de arguição de descumprimento de preceito fundamental ajuizado pelo
Procurador-Geral da República contra o artigo 1º-caput-§§3º-4º-6º e os arts. 2º a 12-I-III da
Lei nº 9.506/1997, que dispõe sobre a instituição do Plano de Seguridade Social dos
Congressistas – PSSC.
Gabinete da Procuradora-Geral da República
Brasília/DF
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Na petição inicial, proposta em agosto de 2017, o Procurador-Geral da República
expôs exaustivamente as ofensas aos princípios republicano (art. 1º), da igualdade (art. 5º-
caput), da moralidade e da impessoalidade (art. 37-caput), bem como ao art. 40-§13, que
vincula os ocupantes de cargos temporários e em comissão ao Regime Geral de Previdência
Social – RGPS, e ao art. 201-caput-§7º-I-II, que preveem a obrigatoriedade do Regime Geral
e as regras gerais de aposentadoria.
Adotou-se o rito do art. 5º-§2º da Lei nº 9.882/1999.
Nas informações, a Advocacia-Geral da União defendeu a constitucionalidade do
PSSC. Reportou-se, para tanto, a nota expedida pela Subchefia para Assuntos Jurídicos da
Casa Civil da Presidência da República, no sentido de que “a Constituição não veda a
criação de regimes previdenciários específicos e nem limita a sua existência aos modelos
atualmente em vigor”. (peça 13)
O Congresso Nacional arguiu a inépcia da inicial, por ausência de pedido certo e
determinado, bem como por “falta de clareza na delimitação do objeto do feito”. No mérito,
sustentou que os detentores de mandato eletivo não são alcançados pelo termo “cargo
temporário” do art. 40-§13 da CR, pois são agentes políticos e, não, servidores públicos.
Afirmou que, por ser uma norma restritiva de direitos, o art. 40-§13 da CR não pode ter
interpretação extensiva para abranger os detentores de mandatos eletivos. Alegou não haver
proibição para a criação e manutenção de regime previdenciário próprio para os
congressistas. Asseverou não ter havido a revogação do PSSC, por não haver
incompatibilidade alguma com as alterações constitucionais que se seguiram. Disse que a
ausência de regra de transição para os detentores de mandato eletivo que eram filiados, à
época da edição da EC nº 20/1998, a algum regime previdenciário parlamentar reforça a tese
de que não houve revogação tácia do PSSC. Discorreu, nesse ponto, sobre o trâmite da
proposta de emenda constitucional que culminou com a EC nº 20/1998, afirmando que a
previsão expressa de extinção de regimes de previdência relativos ao exercício de mandato
eletivo foi excluída da proposta inicial. Sustentou que a obrigatoriedade de filiação ao RGPS
e, portanto, a vinculação às respectivas regras de aposentadoria, não são aplicadas aos
segurados de regimes próprios, como servidores, militares e parlamentares. Teceu
comparações entre o PSSC, o RGPS e o Regime de Próprio de Previdência Social dos
servidores públicos – RPPS. Disse não haver afronta aos princípios republicano, da isonomia
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e da moralidade. Discorreu sobre o respeito à segurança jurídica, ao direito adquirido e ao ato
jurídico perfeito. (peça 16)
O Senado Federal criticou o pedido cautelar, afirmando não haver periculum in
mora. No mérito, alegou que a ausência de previsão de regime de previdência dos
congressistas na Constituição não impede a regulamentação pelo legislador
infraconstitucional. Discorreu sobre as modificações introduzidas pela EC nº 20/1998,
concluindo que o constituinte de reforma passou a distinguir a situação dos servidores
públicos efetivos, comissionados e temporários dos demais exercentes de função pública,
como os agentes políticos e os empregados públicos, para fins de instituição de regime de
previdência. Ressaltou que a vedação de existência de regime de previdência para
parlamentares foi excluída no primeiro turno de votações na Câmara dos Deputados, bem
como que houve a discussão sobre a regulamentação legal da matéria. Concluiu que “a
temática da previdência relativa aos cargos eletivos não detinha estatura constitucional e,
portanto, poderia ser tratada, mesmo depois da Emenda Constitucional n. 20/98, por lei
ordinária”. (peça 17)
A Advocacia-Geral da União manifestou-se pelo indeferimento da medida
cautelar. No mérito, alegou que, enquanto o Supremo Tribunal Federal não definir se o art.
40-§13 da CR alcança – ou não – os detentores de mandato eletivo, presume-se a
competência do legislador federal para a regulamentação da matéria. Sustentou que, segundo
as deliberações do Congresso Nacional no projeto de emenda constitucional que culminou
com a EC nº 20/1998, houve “um manifesto juízo político majoritário a respeito da
viabilidade da manutenção de regimes próprios de parlamentares”. Afirmou que o sistema
parlamentar é mais rigoroso do que o regime próprio dos servidores efetivos e que obedece
os princípios de contributividade, da sustentabilidade e do equilíbrio financeiro. (peça 19)
É o relatório.
II
A petição inicial voltou-se para a declaração da invalidade de todo o sistema
previdenciário regido pela Lei nº 9.506/1997, esclarecendo que “a inconstitucionalidade do
cerne normativo do sistema jurídico atacado gera a inconstitucionalidade de todo o sistema,
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pela relação de dependência inafastável de seus preceitos”. Descabe falar, portanto, em
ausência de pedido certo e determinado ou “falta de clareza na delimitação do objeto do
feito”.
Na petição inicial, demonstrou-se que, a partir da Emenda Constitucional nº
20/1998, titulares de mandato eletivo, por ocuparem cargo temporário, submetem-se
necessariamente ao RGPS, e aos respectivos critérios para a concessão de aposentadoria.
Antes do advento da EC nº 20/1998, o art. 40-§2º da Constituição da República,
em sua redação original, permitia a edição de lei ordinária para disciplinar a aposentadoria
em cargos temporários. O dispositivo serviu de fundamento para regimes previdenciários dos
parlamentares, a exemplo do Instituto de Previdência dos Congressistas (IPC), aplicável ao
Congresso Nacional, e de outros da esfera estadual, como o mato-grossense, o paraibano1
e o
capixaba2
.
O posicionamento do art. 40-§2º na seção dos servidores públicos não impediu o
Supremo Tribunal Federal de, na ADI 148/ES (Relator Ministro ILMAR GALVÃO, DJ
19.12.1997), acolher parecer do Procurador-Geral da República, baseado na premissa de que
os exercentes de mandatos eletivos se enquadram no conceito de ocupantes de “cargos
temporários”. Confiram-se, a propósito, parte das considerações apresentadas pelo PGR
naquela oportunidade:
Ora, afigura-se certo afirmar que os membros do Poder Legislativo, em geral, no
desempenho de seu MANDATO – de exercício necessariamente limitado NO TEMPO
(artigos 44, parágrafo único, e 46, §§1º e 2º, da Constituição Federal) –, ocupam típicos
CARGOS PÚBLICOS TEMPORÁRIOS, os quais têm, na temporariedade, elemento
ínsito à sua própria natureza.
Vale dizer, aliás, que aquele §2º do art. 40 da Carta de 1988 praticamente NENHUMA
aplicação teria, se não alcançasse os membros do Poder Legislativo. Seu campo de
aplicação à aposentadoria de outros agentes públicos, que não os membros do Poder
Legislativo, tem sido objeto de perplexidade, por parte da doutrina e da jurisprudência.
A partir da EC nº 20/1998, o quadro foi profundamente modificado. Com essa
reforma constitucional, o RGPS passou a abranger o ocupante exclusivamente de cargo em
comissão e o de outro cargo temporário – incluídos os agentes políticos – ou emprego
público. Substituiu-se a norma que delegava a lei ordinária a disciplina da aposentadoria
desses servidores (art. 40-§2º, na redação original) pela submissão ao RGPS (art. 40-§13).
1 ADI 512/PB, Relator Ministro MARCO AURÉLIO, DJ 18.6.2001.
2 ADI 148/ES, Relator Ministro ILMAR GALVÃO, DJ 19.12.1997
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Independentemente das discussões que tenham havido no processo legislativo
que culminou com a EC nº 20/1998, o fato é que, diante das reformas promovidas pelas
Emendas Constitucionais nºs 20/1998, 41/2003 e 47/2005, a Constituição passou a prever
apenas três espécies de regimes previdenciários: (i) os Regimes Próprios de Previdência
Social (RPPS) dos servidores públicos civis e militares (arts. 40, 42 e 142-§3º-X); (ii) o
Regime Geral de Previdência Social (RGPS), de caráter contributivo e de filiação obrigatória
(art. 201); e (iii) os Regimes Complementares de Previdência, público fechado no RPPS (art.
40-§14) e privado, aberto ou fechado, no RGPS (art. 202).
A aplicabilidade do RGPS aos detentores de mandato eletivo, por força do art.
40-§13 da CR, não passou despercebida pelo Min. Sepúlveda Pertence, no voto que proferiu
no RE 351.717/PR (Relator Ministro CARLOS VELLOSO, Plenário, DJ 21.11.2003):
Sr. Presidente, só a Emenda Constitucional 20 passou a determinar a incidência da
contribuição sobre qualquer segurado obrigatório da Previdência Social, e, especialmente
no § 13 – que introduziu no art. 40 da Constituição – submeteu todos os ocupantes de
cargos temporários – o que a meu ver abrange o mandato – ao regime geral da
Previdência.
A não submissão dos detentores de mandato eletivo ao RGPS ocorre tão somente
na hipótese de vinculação a regime próprio de previdência social (art. 12-I-j da Lei nº
8.212/1991, incluído pela Lei nº 10.887/20014) – diga-se, regime próprio dos servidores
públicos civis ou dos militares, previstos constitucionalmente.
Para os detentores de mandato eletivo não vinculados a regime próprio, a
submissão ao RGPS é impositiva, assim como as respectivas regras para a concessão de
aposentadoria. Afinal, com o advento da EC nº 20/1998, o art. 201-§1º da CR, passou a vedar
a “adoção de requisitos e critérios diferenciados para a concessão de aposentadoria aos
beneficiários do regime geral de previdência social, ressalvados os casos de atividades
exercidas sob condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física e quando
se tratar de segurados portadores de deficiência”.
A lei impugnada criou e regulamentou o regime próprio em benefício de
congressistas, à custa do erário, em desacordo com o 40-§13 da CR. Estabeleceu, ademais,
critérios distintos para a concessão de aposentadoria a beneficiários do RGPS, em evidente
confronto com o art. 201-§1º da CR.
Ainda que se admita, ad argumentandum tantum, a tese de que não há vedação
constitucional para a criação de regime próprio de previdência diverso dos previstos na Carta
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6. MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
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da República, o Plano de Seguridade Social dos Congressistas encontra entraves em
princípios constitucionais da mais alta relevância.
Como sustentado pelo meu antecessor na inicial que elaborou, os princípios
republicano e da igualdade exigem que, ao final do exercício de cargo eletivo, seus ex-
ocupantes sejam tratados como os demais cidadãos, sem que haja razão para benefícios
decorrentes de situação pretérita, muito menos de forma vitalícia. Mesmo durante a ocupação
de cargos é desejável que os mandatários do povo sejam tanto quanto possível tratados com
direitos e deveres idênticos aos de seus compatriotas.
Como disse o meu antecessor, o regime previdenciário em tela não obedece a
critério razoável e proporcional, nem se harmoniza com os princípios da moralidade e
impessoalidade. Não se legitima o tratamento privilegiado em favor de membros do
Congresso Nacional, que somente exercem múnus público temporário – conquanto da mais
alta relevância e nobreza, quando dignamente exercido.
Os elementos trazidos nas informações da Presidência da República, da Câmara
dos Deputados e do Senado Federal não são, portanto, suficientes para afastar as premissas e
as conclusões apresentadas na petição inicial.
Deve-se ressaltar, por oportuno, que a Procuradoria-Geral da República não se
opõe à manutenção de benefícios que hajam completado os requisitos de fruição antes da EC
nº 20/1998. Apenas os demais, que tenham implementado requisitos sob a égide da emenda
constitucional, devem ser cassados, pois já eram com ela incompatíveis.
Pelo exposto, a Procuradora-Geral da República opina pelo acolhimento do
pedido, como postulado na inicial.
Brasília, 15 de março de 2018.
Raquel Elias Ferreira Dodge
Procuradora-Geral da República
RP
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