Aqui estão os principais pontos do desenvolvimento histórico do pensamento pós-moderno:
- Rompimento com valores modernos de verdades absolutas, conceitos chaves e definições que partiam de um centro unificador.
- Atitude intelectual de questionamento dos "grandes sistemas" e narrativas universais.
- Perda da centralidade de Deus na vida das pessoas e na compreensão do mundo.
- Crise da autoridade da Igreja Católica na Idade Média tardia que enfraqueceu sua influência.
- Novas descobertas
Slides Lição 04, Central Gospel, O Tribunal De Cristo, 1Tr24.pptx
Monografia do david
1. SEMINÁRIO PRESBITERIANO DE BRASILIA
DAVID MARESTEGÃO BORGES
O DESAFIO DE PREGAR O EVANGELHO NO CONTEXTO PÓS-
MODERNO
BRASILIA - DF
2018
2. DAVID MARESTEGÃO BORGES
O DESAFIO DE PREGAR O EVANGELHO NO CONTEXTO PÓS-
MODERNO
Monografia apresentada ao Seminário
Presbiteriano de Brasília, como requisito parcial
para obtenção do título de Bacharel em Teologia
sob orientação do professor Matheus Inácio.
BRASILIA - DF
2018
3. DAVID MARESTEGAO BORGES
O DESAFIO DE PREGAR O EVANGELHO NO CONTEXTO PÓS-
MODERNO
Monografia apresentada ao Seminário Presbiteriano de Brasília, como requisito parcial para
obtenção do título de Bacharel em Teologia.
Aprovado em: __/__/___
BANCA EXAMINADORA
____________________________________
Prof. Me. Mateus Inácio
____________________________________
Prof. Me. Fábio Bezerra Lima
____________________________________
Prof. Me.João Geraldo
5. AGRADECIMENTO
Agradeço primeiramente a Deus pela providência e graça por me permitir chegar até
aqui, pois, tenho plena convicção que sem Ele nada disso seria possível.
A minha família que sofreu juntamente comigo e me apoiou em todo o processo. A
minha princesa, Késia Nina, que Deus colocou ao meu lado para me ajudar e que tem
participação direta neste trabalho.
Aos meus orientadores Rev. Mateus Inácio e o Rev. João Geraldo que com paciência
dedicaram parte de seu tempo na orientação deste trabalho.
Ao Rev. Thiago, meu tutor e amigo que cuidou para que eu pudesse me dedicar a este
trabalho, e a minha família e ao ministério.
Ao meu Rev. Obedes Ferreira da Cunha Junior o meu sincero agradecimento por
pastorear a mim e minha casa e por me ensinar os valores que honram a cruz do nosso Senhor:
piedade, trabalho e paixão pela glória de Deus.
Agradeço a Igreja Presbiteriana Nacional e à Congregação do Itapoã que é a grande
família que Deus me deu e que me abraçou nos bons nos maus momentos.
Finalmente, quero agradecer aos meus pais por todo esforço que fizeram para que eu
pudesse me formar hoje.
6. PREFÁCIO
Livros são aulas sem pregador1
, ou monografias do seminário são pregações sem pregador, pois
é isso que encontramos nesta monografia. David descreve num tema relevante e de uma escrita envolvente.
Lê o mundo, os tempos atuais e os leva para a Palavra de Deus mostrando que ela é atemporal.
A monografia descreve de forma consistente o pensamento moderno, mas acima de tudo o
pensamento pós-moderno e suas inclinações pecaminosas sem Deus. Mostra o ser humano buscando
respostas sem Deus, sem a Bíblia, retirando Deus do centro e colocando o homem.
Um trabalho consistente com base nas Escrituras, alicerçados na Confissão de Fé de
Westminster e de grandes pensadores reformados. Uma boa exegese dos textos e uma boa visão do mundo
e da necessidade da Palavra de Deus. Vemos neste trabalho que a verdadeira pregação da Bíblia transforma
a pessoa, muda seus pressupostos, transforma pessoas que eram inimigas de Cristo em aliado, mas isso tão
somente na vontade de Deus, para que ele chame os que ele quer.
Rev. Solani Tiago Morandin
1
Mortimer J. Adler. A Arte de Ler. Rio de Janeiro Agir Editora, 1954, p. 46-48.
7. RESUMO
Este trabalho apresenta um estudo sobre o desafio de pregar o evangelho no contexto pós-
moderno, suas características e a relação do evangelho nessa nova sociedade. Trata da transição
de um novo momento histórico que trouxe a missão da igreja novo desafios e oportunidades
para o testemunho da fé. Esses novos tempos legaram a sociedade uma radicalidade contra todo
tipo de verdade absoluta e as crenças conservadoras. E nesse sentido, a fé cristã se tornou hostil
e um perigo aos seus brados de liberdade e ecumenismo, por conta de seu exclusivismo e valores
inegociáveis. Objetiva-se identificar a origem destas manifestações e buscar uma proposta
bíblica para anunciar o evangelho a esta sociedade secularizada.
8. RESUMO EM LÍNGUA ESTRANGEIRA
Este trabajo presenta un estudio sobre el desafío de predicar el evangelio al contexto
posmoderno, sus características y la relación del evangelio en esta nueva sociedad. Se trata de
la transición de un nuevo momento histórico que ha traído la misión de la iglesia nuevos
desafíos y oportunidades para el testimonio de la fe. Estos nuevos tiempos llegaron a la sociedad
una radicalidad contra todo tipo de verdad absoluta y las creencias conservadoras. Y en ese
sentido, la fe cristiana se volvió hostil y un peligro a sus voces de libertad y ecumenismo, por
su exclusivismo y valores innegociables. Se pretende identificar el origen de estas
manifestaciones y buscar una propuesta bíblica para anunciar el evangelio a una sociedad
secularizada.
a
9. LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
At – Atos
1Co – 1 Coríntios
2 Co – 2 Coríntios
Cl – Colossenses
Gl – Gálatas
Gn – Gênesis
Hb – Hebreus
Lc – Lucas
1Pe – 1 Pedro
Sl - Salmos
2 Sm – 2 Samuel
Tt – Tito
1Tm – 1 Timóteo
2Tm – 2 Timóteo
10. SUMÁRIO
INTRODUÇÃO........................................................................................................................10
CAPÍTULO 1
DESENVOLVIMENTO HISTÓRICO DO PÓS-MODERNISMO.........................................11
1.1 Desenvolvimento histórico do pensamento pós-moderno.........................................11
1.2 Pós-modernidade e o cotidiano..................................................................................17
CAPÍTULO 2
PÓS-MODERNIDADE E A IGREJA NA CONTEMPORANEIDADE.................................21
2.1 A pós-modernidade e o perigo da relativização da Escritura ....................................21
2.2 A pós-modernidade e a pregação...............................................................................24
2.3 O pós-modernismo e a liturgia...................................................................................26
2.4 Pós-modernidade e o movimento da igreja emergente..............................................27
CAPÍTULO 3
PÓS-MODERNIDADE E A PREGAÇÃO DO EVANGELHO .............................................30
3.1 Libertando a mente pós-moderna pela Escritura .......................................................30
3.2 A pregação do evangelho para pós-modernidade ......................................................36
3.3 Proposta prática de pregação no contexto pós-moderno............................................44
CONSIDERAÇÕES FINAIS ...................................................................................................44
REFERÊNCIAS .......................................................................................................................52
11. 10
INTRODUÇÃO
Ora, destruídos os fundamentos, que poderá fazer os justos?
Sl.11.3
O desafio de pregar o evangelho num mundo contemporâneo se tornou ainda mais
complexo e desafiador, hoje, do que em outros períodos da História. Isso porque o século XXI
afastou as verdades da era moderna e abraçou uma cosmovisão subjetivista pós-moderna como
o pluralismo religioso e a relativização da verdade.
A pregação do evangelho à cultura pós-moderna deve permanecer afirmando toda base
de sua convicção: Deus falou; e que Ele mesmo é quem se revela ao homem. Não se trata de
afirmar algo novo, mas, de reafirmar absolutos tradicionais da fé cristã de modo tal que o
evangelho seja compreensível e relevante. O dilema do homem hoje é que ele não faz ideia de
seu estado de perdição. Entretanto, ao perder Deus como seu ponto de referência, o homem
deixou de compreender a si mesmo, e tudo ao seu redor.2
A palavra de Deus é o símbolo da providência para o homem o conhecer, conhecer a
si mesmo e sua natureza caída (Rm. 1.19-20). E a igreja que pretende ser instrumento de Deus
nessa geração deve voltar-se para a palavra primeiramente para compreender sua suficiência e
anunciar o arrependimento e perdão a partir dela. Porque vivemos em um mundo onde sobram
estratégias evangelísticas que minimizam o impacto das verdades do evangelho. Mas, cada
cristão deve compreender que Deus considera somente a sua palavra útil para transformar o
homem e tirá-lo de sua cegueira (2 Tm 3.16-17), embora isso não signifique que ter estratégias
e métodos evangelísticos sejam irrelevantes, mas, que eles sem o luzeiro da palavra de nada
adiantará.
Por fim, esta pesquisa mostra como o primeiro capítulo da confissão de fé de
Westminster corrobora a tese que a “Vox Dei”3
, por meio da Escritura, deve ecoar aos ouvidos
dessa geração como ecoou também a outras.
Como cristãos atuando no campo da comunicação do evangelho, precisamos não
apenas conhecer aquilo em que cremos, mas também a maneira como podemos apresentá-lo da
melhor forma4
a esta geração.
2
SCHAEFFER, Francis. O Deus que se revela. São Paulo: Cultura Cristã. São Paulo, 2002, p. 25.
3
Do latim ‘Voz de Deus’, um termo utilizado por João Calvino em suas institutas.
4
TURNER, Steve. Engolidos pela cultura pop. São Paulo: Ultimato. 2014, p. 242.
fazer citação
Sua introdução não está dentro das normas metodológicas no que concerne á estrutura de trabalho acadêmico.
O correto é: Introdução; - Objeitvo;- Problema/problematização;- Hipótese e variáveis;- Justificativa; - Metodologia de pesquisa
.
Qual é o problema.
Formular a Situação-Problema
Por “situação-problema”, entenda-se uma “questão não solvida e que é objeto de discussão”.
12. 11
CAPÍTULO 1
DESENVOLVIMENTO HISTÓRICO DO PÓS-MODERNISMO
O presente capítulo se propõe a esclarecer o que significa o termo pós-modernidade e
como os seus valores estão presentes na sociedade atual. Essa análise será feita através dos
processos e mudanças históricas no pensamento do homem.
1.1 Desenvolvimento histórico do pensamento pós-moderno
O pós-modernismo é um conceito filosófico difícil de definir. Muitos acreditam que
seja impossível definir o indefinível5
, embora as suas características estejam relacionadas a
rejeição de histórias tradicionais, perda de crença e valores na concepção da verdade absoluta
e pluralismo religioso, para citar apenas algumas.6
“Segundo Mohler, todos os grandiosos
sistemas filosóficos estão mortos, e todas as asseverações culturais são limitadas; tudo o que
resta são histórias aceitas como verdade por diferentes grupos e culturas”7
“O prefixo “pós” do mundo pós-moderno indica que estamos vivendo em uma
sociedade que vem, de alguma forma, “depois” do mundo moderno.”8
Mundo esse que rompe
com os valores modernos de verdades absolutas, conceitos chaves e definições que partem de
um centro unificador, para algo comunitário, interpretativo e de cosmovisões particulares.
Como Grenz observa, “o fenômeno pós-moderno abarca muitas dimensões da sociedade
contemporânea. No centro de todas elas, porém, acha-se uma atitude intelectual, um “ismo” –
pós-modernismo.9
As eras moderna e pós-moderna trouxeram muitas e grandes mudanças
epistemológicas na relação entre Deus, o homem e a criação. Isso porque desde Agostinho até
5
SIRE, James.W. O universo ao lado: um catálogo básico sobre cosmovisões. São Paulo: Hagnos. 2004, p. 265.
6
KELLER, Timothy. Pregação: comunicando a fé na era do ceticismo. São Paulo: Vida Nova. 2017, p. 154.
7
MOHLER Jr., Albert. O Ministério Pastoral Está Mais Estranho do que Costumava Ser: O Desafio do Pós-
modernismo. Disponível em:
http://www.ministeriofiel.com.br/artigos/detalhes/37/O_Ministerio_Pastoral_Esta_Mais_Estranho_do_que_Cost
umava_Ser_O_Desafio_do_Pos_modernismo. Nessa página o autor fala sobre a influência pós-moderna na práxis
pastoral.
8
SALINAS, Daniel; ESCOBAR, Samuel. Pós-modernidade: novos desafios à fé cristã. São Paulo: ABU. 2002, p.
30
9
GRENZ, Stanley J. Pós-modernismo: um guia para entender a filosofia do nosso tempo. São Paulo: Vida Nova.
2008, p. 26.
pós modernidade ou pós modernismo, manter coerência
data da consulta
13. 12
a Reforma Protestante, todos os desenvolvimentos intelectuais da civilização foram regidos por
reflexões teológicas10
. A centralidade de Deus permeava toda a vida de uma pessoa, consciente
ou inconscientemente, assim como a certeza de que Deus dirigia o fluxo da “História” por meio
das atividades eclesiásticas. A dúvida que pairava sobre as pessoas, da Idade Média até a
Reforma, era com relação a seu destino eterno – céu ou inferno, ou com relação a que Deus
iriam servir, mas não quanto a existência de um Deus sobrenatural, criador e fornecedor de toda
base ética moral.
As mudanças de crença só assumem nova importância, quando no final da Idade
Média, o homem se depara com a degradação da igreja católica através de venda de
indulgências, uma crise moral interna e crise quanto a autoridade do Papa. Como Jonas
Madureira descreve, vários eventos causaram um enfraquecimento da influência Católica na
sociedade do século XVIII e as novas descobertas científicas colocara em dúvida tanto as
concepções teológicas do Kósmos como também rejeitou toda forma de conhecimento
vinculada a Deus por considerá-las mística e supersticiosa.11
Como explica Gouvêa:
A teologia "moderna", segundo os pós-modernistas, seria a do iluminismo, em que a
noção agostiniana de pecado original foi abandonada. O pecado foi entendido como
uma doença da infância da raça humana, algo de que podemos nos livrar à proporção
em que amadurecemos enquanto espécie. Apelos a formulações teológicas clássicas
não poderiam mais ter qualquer força nos debates. O indivíduo tornou-se responsável
por testar todas as proposições através do uso da razão, e nenhuma tutela poderia ser
tolerada. Como consequência, a religião baseada na revelação foi atacada, e uma
forma de religião natural, o deísmo, foi elevada ao status de verdadeira religião.
Milagres seriam indignos de Deus. As proposições religiosas aceitáveis se resumiram
às ditas universalmente discerníveis e que possuíam uma bagagem moral positiva,
como por exemplo, a existência de um Criador (o grande arquiteto do deísmo e da
maçonaria), a imortalidade da alma (uma doutrina platônica), e a liberdade do espírito
humano (pelagianismo).12
O Iluminismo praticamente deificou a razão humana, crendo ser capaz de substituir
Deus para guiar a humanidade a um futuro melhor. Conforme Madureira argumenta, “o
Iluminismo ou a Idade das Luzes foi essa fase da história ocidental em que o homem, crendo
que atingira a “maioridade”, isto é, crendo que era capaz de dar conta de sua própria existência,
10
Ibid., p. 93
11
MADUREIRA, Jonas. Curso Vida Nova de Teologia básica - Vol. 9 – Filosofia, São Paulo: Vida Nova. 2007,
p. 2391 Vida Nova. Edição do Kindle.
12
GOUVÊA, Ricardo Quadros. A morte e a morte da pós-modernidade: quão pós-moderno é o pós-modernismo?
Disponível em: http://www.monergismo.com/textos/pos_modernismo/morte.htm. Acesso 10/08/2018.
14. 13
viu-se livre de toda heteronomia, ou seja, de toda a autoridade externa à própria razão.13
Mais
do que um sistema filosófico, o iluminismo é um movimento espiritual, caracterizado por uma
ilimitada confiança na razão humana, que julgou ser capaz de dissipar as nevoas dos “mistérios”
e “superstições religiosas” que obstruem e obscurecem o espírito humano. Assim, o homem
tornou-se o tema geral e central do saber, capaz de resolver tudo e tornar-se melhor e feliz.14
Para Mondin, o iluminismo constitui-se em um ato de fé apaixonado em relação a natureza
humana e uma proposta humana de redenção. Isto é, representa um novo evangelho, uma nova
era no qual o homem, vivendo em conformidade com a natureza, será perfeitamente feliz.15
Se na Idade Média, a Escritura atuava como árbitro final da verdade, ainda que em
algumas esferas eclesiásticas, na era Moderna, a razão assume esse posto. Segundo Madureira,
a partir do ideal moderno, o homem mudou sua maneira de pensar, pois, se no período
metafísico o conceito-chave é o “ser”, no epistemológico é o “conhecer”.16
Toda essa mudança de pensamento ocorreu com o filósofo, Rene Descartes – que marca
a transição da Idade média para a era moderna. Rene Descartes (1596 – 1650)17
foi um filósofo
e matemático francês. Criador do pensamento cartesiano que ficou conhecido pela obra
“Discurso do método” – livro onde aparece a famosa frase “penso, logo existo” que ele tomou
emprestado de Agostinho de Hipona em seu livro Confissões18
. Para Descartes, o cogito (eu
pensante que aprende ao duvidar de tudo) inaugura a noção de sujeito moderno: retirando de
Deus todo o fundamento epistêmico para a razão humana.
Portanto, foi a partir de Descartes que o teocentrismo da epistemologia pré-moderna
(Deus como o fundamento primeiro de todo o conhecimento) foi substituído pelo egocentrismo
moderno (o “eu” como fundamento primeiro do conhecimento).19
Ao duvidar de todo
conhecimento que o precedeu, Descartes procurou a verdade no grande livro do mundo, o
pensamento. Seu ponto de partida era a busca de um axioma que pudesse servir de fundamento
13
MADUREIRA, Jonas. Curso Vida Nova de Teologia básica - Vol. 9 – Filosofia, São Paulo: Vida Nova. 2007,
p. 2391 Vida Nova. Edição do Kindle.
14
BATTISTA, Mondin. Curso de Filosofia, São Paulo: Paulinas. 1981, Vol. II, p. 153.
15
Idem.
16
Madureira, Jonas. Curso Vida Nova de Teologia básica - Vol. 9 – Filosofia. São Paulo: Vida Nova. 2007, p.
335. (Edição kindle).
17
SOUZA, Michel Aires. O nascimento e a morte do sujeito moderno. Disponível em:
https://filosofonet.wordpress.com/2010/11/01/o-nascimento-e-a-morte-do-sujeito-moderno/, acesso 25/08/18.
18
HIPONA, Agostinho de. A Trindade. 2ª ed., São Paulo: Paulus. 1995, p. 79.
19
MADUREIRA, Jonas. Curso Vida Nova de Teologia básica. São Paulo: Vida Nova. 2017 Vol. 9 – Filosofia,
Locais do Kindle 2180-2182. Citar corretamente obra repetida
15. 14
a todo conhecimento, uma verdade primeira indubitável.20
Desse modo, uma “crise cética” se
assentou na Europa e as pessoas já não reconheciam a igreja católica apostólica romana como
uma fonte segura da verdade absoluta. E a saída encontrada foi depositar essa busca da verdade
no indivíduo, enraizado nos dados imediatos da consciência.21
Assim, a base da segurança
epistêmica saiu da igreja institucionalizada para a razão humana.
Como explica Pearcey:
Este é o núcleo do projeto modernista: a ideia de que, se nos despirmos de detritos
culturais suficientes – tradições a nós transmitidas, filosóficas, especulativas,
declarações religiosas – resumindo, qualquer coisa sobre a qual os humanos podem
estar errados, vamos finalmente chegar a algo que não possa estar errado. Porque não?
Porque tal coisa não é conhecida por raciocínio, mas por introspecção de dados da
consciência. Assim, seria imune a qualquer crítica ou desafio externo. Como a
fundação de uma casa, forneceria uma base sólida e infalível para a construção do
edifício do conhecimento. 22
Para Pearcey, os pensadores iluministas foram encontrar um substituto para o cargo de
legislador que Deus ocupa, e23
, terminaram por se agarrar a “algo de dentro da criação como
fonte certa e segura da verdade absoluta, seu explicador final, e o tornou a base fixa do seu
conhecimento”.24
Tanto a modernidade quanto a pós-modernidade são tentativas autônomas do homem
de buscar a verdade absoluta. A diferença é o veículo utilizado para alcançá-la. Na
modernidade, o homem a procura por meio da razão humana, e, na pós-modernidade, o homem
a busca por meio de experiencias subjetivas de indivíduos através da construção social.
O ideal moderno é demonstrado nas obras de pensadores como Descartes, Newton e
Kant.25
Dooyeweerd e Van Riessen defendem que:
No fundo, a busca pela dominação, progresso, e poder foi secularizada. Isto é, o
homem ocidental cada vez mais tem procurado subjugar o mundo, ao mesmo tempo
que ele negou que Deus existe ou se manteve alheio as obras de Deus neste mundo. O
homem ocidental age sobre sua própria força imaginada, de acordo com sua própria
visão, e por sua própria vontade. Os únicos critérios decisivos que ele aceita é o bem-
20
Idem.
21
PEARCEY, Nancy. A busca da verdade, São Paulo: Cultura Cristã. 2018, p. 60.
22
Idem.
23
Ibid., p.61.
24
Idem.
25
GRENZ, Stanley. Pós-modernismo: um guia para entender a filosofia de nosso tempo. São Paulo: Vida Nova.
2008, p. 118.
16. 15
estar material, a avareza, e sua compulsão para produzir e realizar. Ele é, por assim
dizer, possuído por uma paixão quase demoníaca de dominar e controlar, instigado
por seus sonhos do fruto final de seus trabalhos: um paraíso, uma utopia na qual ele
certamente irá encontrar a felicidade completa.26
O filósofo Immanuel Kant (1724-1804) também contribui para a construção da noção
de sujeito no mundo moderno. De origem russa, Kant era muito conhecido por ser alguém muito
pontual e de um estilo solitário. Muito aplicado aos estudos, ele dedicou toda a sua vida à
filosofia.27
No final de sua vida ficou conhecido por sua obra “Crítica da razão pura”28
, onde
mostra os limites do conhecimento humano sobre o mundo - inclusive nossa capacidade de
apreensão e agir como “árbitro” das especulações metafísicas a partir do seu sistema. Em
resumo, Pearcey observa como “Kant não acreditava que a lógica (razão ou empirismo) poderia
explicar todos os conhecimentos humanos e, desse modo, inicia o seu rompimento com a
modernidade”.29
Portanto, “se para Copérnico a terra (e não o sol) era o centro do universo,
para Kant, a consciência humana é o centro da realidade”.30
Ele acreditava que a mente é
responsável por criar o mundo e o organizá-lo,31
“e o que conhecemos nada mais é do que uma
construção da mente, porque a matéria-prima do conhecimento são as impressões, os ouvidos
em um confuso caos que se organizam pela ação criativa da mente”.32
E através da autonomia
de sua consciência o homem se viu capaz de dar conta de sua existência e assumir o papel de
Deus como um legislador da criação33
e, assim, absolutizou a consciência do indivíduo como
conhecimento fundamental para estabelecer o que é a verdade.
Como bem explica Gouvêa:
Kant deu um golpe mortal na teologia e na filosofia iluministas, ou, como querem os
pós-modernos, na teologia e filosofia modernas. O pós-modernismo nada mais é que
um novo nome para o pensamento pós-kantiano que influencia os círculos acadêmicos
há nada menos que duzentos anos! A única possível novidade é a chamada "pós-
modernidade", isto é, o fato de que a sociedade mundial está em geral absorvendo
26
SCHUURMAN, Egbert. Reflexões sobre a Sociedade Tecnológica, Belo Horizonte: P&B Publicações. 2018, p.
30. Idem.
27
O nascimento e a morte do sujeito moderno. Disponível em: https://filosofonet.wordpress.com/2010/11/01/o-
nascimento-e-a-morte-do-sujeito-moderno/, acesso 25/08/18.
28
KANT, Immanuel. Crítica da razão pura. São Paulo: Abril cultural, 1983 (Os Pensadores).
29
MCARTHUR, John. A guerra pela verdade: lutando por certeza numa época de engano. São Paulo: FIEL. 2014,
p. 34.
30
PEARCEY, Nancy. A busca da verdade, p. 62.
31
Idem.
32
Idem.
33
Idem.
17. 16
agora esta transição, assumindo em termos práticos e no dia-a-dia os pressupostos do
pensamento pós-kantiano, e esta assimilação está sendo refletida na cultura popular.34
A teoria kantiana alicerçou os maiores vilões para o cristianismo: relativismo,
pluralidade e descontrucionismo. “Kant afirmava que o sujeito transcendental – transcendental
porque as pessoas são iguais em qualquer parte do mundo, é a estrutura sobre a qual se edifica
o conhecimento verdadeiro”.35
O que pressupõe que a verdade não está no objeto, mas no
sujeito. Assim, as implicações Kantiana é que a verdade está dentro do homem o que de certo
modo garante o caráter universal da verdade”.36
No entanto, a teoria de Kant diverge do
pensamento de Platão quanto de Aristóteles, em que o caráter universal da verdade está na
própria realidade conhecida, ou seja tanto no objeto quanto presente no sujeito.37
O que se pode avaliar é que tanto na idade média quanto na era moderna, o indivíduo
pressupunha um conhecimento universal, quer seja pelo Deus criador ou seja razão, uma
compreensão rejeitada na pós-modernidade.
Como nos ensina Granz:
De fundamental importância para a perspectiva moderna é a suposição da existência
de um mundo objetivo à nossa volta. A cosmovisão moderna supõe que a realidade
seja ordenada e que a razão humana é capaz de discernir essa ordem à medida que se
manifesta nas leis da natureza. [...] o pós-modernismo rejeita compreensão do nosso
conhecimento do mundo que está na base do projeto iluminismo e da modernidade.
Especificamente, a era pós-moderna abandonou a noção de um mundo objetivo.38
Conforme Grenz resume, “da ótica de seu programa intelectual o pós-modernismo
denota uma nova maneira de ver a realidade”39
, ou, pode ser melhor descrito como uma
disposição mental que se afasta das certezas da era moderna, como interpreta Mohler.40
Essa
disposição mental é o cerne do desafio pós-moderno41
.
34
GOUVÊA, Ricardo Quadros. A morte e a morte da pós-modernidade: quão pós-moderno é o pós-modernismo?
Disponível em: http://www.monergismo.com/textos/pos_modernismo/morte.htm. Acesso 10/08/2018.
35
MADUREIRA, Jonas. Curso Vida Nova de Teologia básica. São Paulo: Vida Nova. 2008, p. 2372 (kindle).
36
Idem.
37
Idem
38
GRENZ, Stanley. Pós-modernismo: um guia para entender a filosofia de nosso tempo. São Paulo: Vida Nova.
2008, p. 65.
39
Ibid., p. 64.
40
MOHLER, Albert. Disponível em: http://www.ministeriofiel.com.br/artigos/detalhes/37/O_Ministe-
rio_Pastoral_Esta_Mais_Estranho_do_que_Costumava_Ser_O_Desafio_do_Pos_modernismo#_edn1. Acesso em
29/10/2018.
41
Idem.
é importante um breve resumo e uma transição para o seguinte ponto. Terminou abruptamente o
seu pensamento.
18. 17
1.2 Pós-modernidade e o cotidiano
Vivemos em um determinado momento histórico em que os valores tradicionais têm
sido redefinidos através da construção social que em nada se parece o das eras anteriores. Isso
porque a era pós-moderna se comprometeu com a crença de que as verdades presentes na
sociedade, durante séculos, já não têm nada a dizer a nova geração. Isto é, as pessoas
começaram a crer que já não precisam de Deus para explicar o mundo em que vivem, que “Deus
e a religião já não são mais necessários para que a humanidade seja moral, para trabalhar por
um mundo melhor ou para ter sentido e realização na vida”, como interpreta Timothy Keller.42
Desse modo, a pós-modernidade além de estimar ideais como liberdade e tolerância, crê que a
religião, com seus valores tradicionais, é capaz de tolher a nova perspectiva cultural e
representa um peso a nova sociedade.
Como Bauman nos adverte:
Se o “espírito” era “moderno”, ele o era na medida em que estava determinado que a
realidade deveria ser emancipada da “mão morta” de sua própria história — e isso só
poderia ser feito derretendo os sólidos (isto é, por definição, dissolvendo o que quer
que persistisse no tempo e fosse infenso à sua passagem ou imune a seu fluxo). Essa
intenção clamava, por sua vez, pela “profanação do sagrado”: pelo repúdio e
destronamento do passado, e, antes e acima de tudo, da “tradição” — isto é, o
sedimento ou resíduo do passado no presente; clamava pelo esmagamento da
armadura protetora forjada de crenças e lealdades que permitiam que os sólidos
resistissem à “liquefação”.43
A desculpa pós-moderna para evoluir e superar o fracasso moderno só é possível
através do abandono de toda e qualquer estrutura estática que foi estabelecida pela tradição.
Conforme declara Bauman, “não tem como construir novos absolutos e novos valores a não ser
desconstruindo o ‘velho’”. No entanto, essa atitude de livrar-se da religião e abraçar a
secularidade não representa ausência de crença, antes, “trata-se de alguém que abraçou a
tecedura das coisas que não são evidentes por si mesmas para todos, não são empiricamente
prováveis do que quaisquer outras crenças religiosas, exigem enormes saltos de fé e estão
sujeitas a um conjunto próprio de sérios problemas e objeções”.44
Assim, como Keller escreve,“
a grande ironia é que o pós-modernismo cria a própria narrativa”,45
que, em última análise, “tem
42
KELLER, Timothy. Pregação: comunicando a fé na era do ceticismo. São Paulo: Vida Nova. 2017, p. 156.
43
BAUMAN, Zygmunt. Modernidade líquida. Rio de Janeiro: Zahar. Edição do Kindle. 2001, p. 109-112.
44
KELLER, Timothy. Pregação: comunicando a fé na era do ceticismo. 2017, p. 156.
45
KELLER, Timothy. Deus na era secular: Como céticos podem encontrar sentido no cristianismo. Vida Nova:
São Paulo. 2018, p. 5560 – Kindle.
19. 18
igual propensão a dividir o mundo em um binário de ‘mocinhos’ – aqueles que promovem a
pluralidade, as micronarrativas múltiplas, locais, mutáveis — e ‘bandidos’ — os que adotam
valores, absolutos e metanarrativas universais”.46
Contudo, não percebem quanto o seu
posicionamento intelectual constitui um sistema opressivo como qualquer outro. Isso porque
“Ao ‘sacrificar a noção de verdade por completo’ o pós-modernismo acaba sendo apenas mais
uma ferramenta para ser usada pela opressão”.47
Portanto, a pós-modernidade é uma nova cultura que nasce do derretimento de valores
formados da tradição judaico-cristã. Nasce do desejo de ser livre do peso dos “dogmas” que
engessaram a sociedade por séculos. Segundo Keller, “a nova cultura que imerge nessa era é
do indivíduo que não se apega a histórias longas e tradicionais, mas, que valoriza um mundo
que é rápido, portátil e curto”. E tudo isso só pode acontecer através da emancipação da “mão
morta” da sua própria História (tradição).48
A tradição é um peso para o indivíduo pós-moderno
porque ela demanda muito tempo para ser apreendida por conta de suas nuanças, leis, éticas e
estruturas.49
Como Jonas Madureira nos ensina, “a cultura pós-moderna pode ser evidenciada pela
descontinuidade nas estruturas determinantes na sociedade, ressignificando conceitos e
palavras tradicionais, exemplo: um sujeito pode dizer que ele é a favor da família, mas, família
para ele pode ser constituída por dois homens ou duas mulheres, ou ainda, homem e mulher.”50
Desse modo, ainda que se mantenha palavras tradicionais, o movimento pós-moderno tem
dissolvido o sentido histórico, tornando-o ambíguo. O processo de descontinuidade não atingiu
somente os conceitos, como no exemplo citado a cima, mas também as estruturas que
determinam a identidade do sujeito. Antigamente, o filho de um padeiro também seria padeiro,
o filho de um fazendeiro também seria fazendeiro, mantendo o negócio familiar. Contudo, o
pós-modernismo rompe com o poder coercitivo que as estruturas das coisas exerciam quanto a
identidade pré-estabelecida do indivíduo.
Como Bauman nos adverte:
Na verdade, nenhum molde foi quebrado sem que fosse substituído por outro; as
pessoas foram libertadas de suas velhas gaiolas apenas para ser admoestadas e
46
Ibid., p. 5568 – Kindle.
47
Idem.
48
Ibid., p. 122-124.
49
Idem.
50
KELLER, Timothy. Pregação: comunicando a fé na era do ceticismo. São Paulo: Vida Nova. 2017, p.
20. 19
censuradas caso não conseguissem se realocar, através de seus próprios esforços
dedicados, contínuos e verdadeiramente infindáveis, nos nichos pré-fabricados da
nova ordem: nas classes, as molduras que (tão intransigentemente como os estamentos
já dissolvidos) encapsulavam a totalidade das condições e perspectivas de vida e
determinavam o âmbito dos projetos e estratégias realistas de vida. A tarefa dos
indivíduos livres era usar sua nova liberdade para encontrar o nicho apropriado e ali
se acomodar e adaptar: seguindo fielmente as regras e modos de conduta identificados
como corretos e apropriados para aquele lugar. 51
Hoje, os padrões e configurações
não são mais “dados”, e menos ainda “auto evidentes” eles são muitos, chocando-se
entre si e contradizendo-se em seus comandos conflitantes, de tal forma que todos e
cada um foram desprovidos de boa parte de seus poderes de coercitivamente compelir
e restringir.52
A pós-modernidade é uma cosmovisão e não apenas uma simples rejeição de padrões
determinados na sociedade, ou, um tipo de escolhas aleatórias. As ideias devem ser aceitas sem
constrangimento, ainda que na prática seja uma distopia (ficção), pois, para a cultura pós-
modernista, é preciso aprender a conviver com a existência de perspectivas diferentes, pois,
nem a religião e nem qualquer outra cosmovisão possui uma verdade suprema. Conforme Mill
descreve, “As pessoas deveriam ser tolerantes na esfera da religião, não por ser esse o melhor
modo de descobrir a verdade, mas precisamente porque, qualquer que seja a verdade, não há
meios suficientes para descobri-la”.53
Por fim, para essa geração o cristianismo se tornou obsoleto e muito radical por não
tolerar outro tipo de cosmovisão. Além disso, o exclusivismo cristão representa um perigo aos
valores da nova cultura, pois, numa sociedade onde a realidade é socialmente construída através
da linguagem cultural não há lugar para absolutos e tudo se torna relativo.
A frase que melhor representa o contexto do homem pós-moderno foi esboçada por
Nietsche: Deus está morto..54
O que Nietsche fez foi apenas verbalizar, ou, tornar público o que
a maioria das pessoas demonstravam no cotidiano: que a confiança no sobrenatural foi
substituido.55
Nietsche ouviu essa proclamação silenciosa da sociedade, em seu tempo, através
da maneira como viviam, se relacionam com suas famílias, valorizam seu trabalho e como
percebiam esse mundo. Nietsche antecipou a pós-modernidade que pode ser compreendida
como a secularização do homem a um estágio adiante daquele legado pela modernidade. Em
resumo, O homem na modernidade tirou Deus do centro e colocou no lugar de Deus a razão;
51
BAUMAN, Zygmunt. Modernidade líquida. Rio de Janeiro: Zahar. Edição Kindle. 2001, p. 178-182. (edição
Kindle)
52
Ibid., p. 190-192. (Edição kindle)
53
MILL, Stuart, 1869 on libert, apud city MACARTHUR, John. Intolerância da tolerância. São Paulo: Cultura
Cristã. 2013, p. 17. Nesse trecho, Macarthur cita Mill para discutir o contraste entre a nova e a antiga tolerância.
54
NIETZSCHE, Friedrich, The Joyful Wisdom, p. 275, Apud BROWN, Colin. Filosofia e Fé Cristã, São Paulo:
Vida Nova. 1983, p. 94. COSTA, Hermisten M.P., Deus em Nietzsche, São Paulo: 1996, p. 12.
55
KELLER, Timothy. Pregação: comunicando a fé na era do ceticismo. São Paulo: Vida Nova. 2017, p.
21. 20
na pós-modernidade, o homem tirou Deus do centro e colocou todos os homens na sala de
comando.
Nesse capítulo você se limitou a fala do desenvolvimento da pós-modernidade o que o fez de maneira muito tímida; não
para os leitores uma definição consistente de pós modernidade.
Pós-modenismo é um assunto intricado, cheio de contornos e nuances difíceis, por exemplo:
Em Pós-estruturalismo e filosofia da diferença (uma introdução), Michael Peters (2000) procura diferenciar conceitualmente
pós-modernismo de pós-estruturalismo e, para isso, retoma a discussão entre modernismo e pós-modernismo. Argumenta
que há dois sentidos para o modernismo, que pode ser abordado como movimento artístico, situado no final do século XIX e
início do século XX, ou como movimento histórico-filosófico, sentido no qual seria uma espécie de sinônimo para
‘modernidade’. Nesse segundo sentido, pode-se afirmar que: “filosoficamente falando, o modernismo começa com o
pensamento de Francis Bacon na Inglaterra e o de René Descartes na França” (Peters, 2000, p. 12).
Sobre o pós-moderno pairam mais indagações do que certezas. Quando teve início? Como se caracteriza? Qual a sua
abrangência? Rompe com a Modernidade ou é apenas um prolongamento dela?
Frente a esses quesitos, variam as posições. Há os críticos que manifestam inteira rejeição ao nome e ao conceito.
Segundo Habermas (1985), o projeto da Modernidade não está terminado, o que torna inverídico atribuir o “pós” a uma
realidade ainda em construção. Latour (1994) escreve um livro para demonstrar, paradoxalmente, que Jamais fomos
modernos, e assim coloca em crise o conceito de Modernidade e, por conseqüência, rejeita as pretensões pós-modernas.
Eagleton (1998) estabelece uma crítica radical a todos os aspectos do pós-modernismo. Giddens (1991) não vê nenhuma
ruptura ou descontinuidade que justifique um “pós” para além do moderno.
Vários autores localizam o início do Pós-Modernismo em diferentes épocas, mas predomina a opinião que o considera como
evolução em continuidade/ruptura com o Modernismo (Cf. Ana Paula Arnaut, op. cit., pp. 62-72, Douwe Fokkema, História
Literária, Modernismo e Pós- Modernismo, trad. Abel Barros Baptista, Lisboa, Vega, (s./d.), pp.60-84).
Enfim, faltou uma definição mais claras e entrar no debate das nuances - caso não pretenda fazer isso, precisa deixar claro
para os leitrores.
Dê uma pesquisada na obra: ANTOS, Jair Ferreira dos. O que é pós-modernismo. São Paulo: Brasiliense, 1997.
22. 21
CAPÍTULO 2
PÓS-MODERNIDADE E A IGREJA NA CONTEMPORANEIDADE
Objetiva-se neste capítulo avaliar como a influências do pensamento pós-moderno
seduziu muitas igrejas à apostasia do evangelho de Jesus.
2.1 A pós-modernidade e o perigo da relativização da Escritura
Costumeiramente a Bíblia tem sido alvo de crítica na sociedade pós-moderna, pois,
como descreve Kostenberger, “está sociedade influenciada pelo relativismo tem adotado um
sistema hermenêutico contemporâneo que privilegia a interpretação do leitor em detrimento do
texto”.56
Na prática, a intenção do autor se torna irrelevante e o texto passa a ganhar diferentes
sentidos por conta de pressupostos de cada leitor.
Está atitude pós-moderna tem sido estimada em nossos dias por conta também da
valorização do indivíduo e os prejuízos para a interpretação bíblica e ensino da mesma são
frequentemente questionados. O discurso “essa é a sua interpretação, mas, não a minha” tem
sido repetido não somente por descrentes, mas, por cristãos em nossos dias. De acordo com
Stanley Grenz, essa atitude apática da sociedade, para com a religião, é o reflexo da proliferação
secular do pensamento pós-modernista.57
Especialmente em movimentos eclesiásticos recentes, como os neopentecostais58
,
percebe-se que a autoridade que inerentemente sempre pertenceu a palavra de Deus passa a
pertencer ao clérigo contemporâneo dessas igrejas – assim como a figura do papa como o
detentor da chave da Igreja e um sucessor direto do apóstolo Pedro. Assim, as pessoas não
apenas se tornaram intérpretes, mas, em algum nível, possuidora da verdade. Desse modo, o
56
KOSTENBERGER, Andreas J. Convite a interpretação bíblica: a tríade hermenêutica. São Paulo: Vida Nova.
2015, p. 63. Nessa página o autor compara como a Bíblia foi utilizada em diferentes momentos da História segundo
a cosmovisão de cada era.
57
GRENZ, Stanley. Pós-modernismo: um guia para entender a filosofia de nosso tempo. São Paulo: Vida Nova.
2008, p. 27. Grenz, trata nesse capítulo sobre a cosmovisão pós-moderna e sua proliferação diante da nova era
tecnológica que surge.
58
O neopentecostalismo ou “pentecostalismo autônomo” partilha das mesmas convicções, valores e práticas do
pentecostalismo clássico: ênfase nos dons espirituais, especialmente os mais extraordinários (línguas, profecias,
curas); forte emotividade, especialmente nos cultos; ênfase à pessoa e atividade do Espírito Santo; valorização da
figura do líder (o “ungido do Senhor”); preocupação constante com as forças do mal; e grande ênfase ao conceito
de “poder.” MATOS, Alderi Souza de. Disponível em
http://cpaj.mackenzie.br/historiadaigreja/pagina.php?id=293. Acesso em 10/08/2018.
Baseado em que dados/pesquisas você afirma isso?
23. 22
indivíduo se torna livre para decidir se ele rompe com interpretações tradicionais ou não. Como
Keller resumiu, as pessoas passaram acreditar que não apenas podem descobrir a verdade ou a
realidade desse mundo, antes, são capazes de criá-las.59
porque o homem pós-moderno se crê
empoderado de autonomia para estabelecer novos parâmetros de verdade alheios as narrativas
históricas.
Os efeitos práticos e danosos do pensamento pós-moderno na igreja são evidenciados
por uma forte crise de autoridade com relação ao pastor, seu conhecimento bíblico e a
autoridade da Escritura, pois, neste contexto, ninguém possui o monopólio da verdade. Assim
presencia-se uma forte rejeição e arrogância em relação a autoridade bíblica e a desvalorização
de qualquer pessoa ou ato ligado a fé cristã.60
Ao mesmo tempo a fé cristã se tornou hostil aos
valores da liberdade do indivíduo pós-moderno e, por isso, é vista pela nova sociedade como
algo que precisa ser reprimido.
Nesse cenário a dificuldade em começar um diálogo a partir da Escritura é irrelevante
e tida com desprezo, pois, o cristianismo se tornou obsoleto, fundamentalista e apenas mais
uma forma de espiritualidade na pós-modernidade. E o apelo a autoridade da Bíblia ou da Igreja
não encerra a discussão sobre as indagações morais e éticas.61
Assim como escreve Matos:
(a) A ênfase na experiência: quando a experiência pessoal se torna um critério de
verdade, a Escritura tende a ficar em segundo plano; se, por exemplo, uma
determinada prática produz resultados ou faz a pessoa sentir-se bem, isso é o que
importa.
(b) O apelo a revelações: obviamente, se alguém acredita que Deus continua a
revelar-se de maneira direta, imediata, isso tende a relativizar as Escrituras; elas não
mais são a revelação final de Deus, a única regra de fé e prática para o crente. Quando
um pregador diz “o Senhor me revelou ou o Senhor me mostrou isso ou aquilo”, tudo
pode acontecer, e é proibido questionar, pois é palavra do Senhor.
(c) Uso questionável das Escrituras: quando as Escrituras são utilizadas, muitas
vezes isso é acompanhado de interpretações tendenciosas, uso seletivo de certas
passagens ou ênfases inadequadas. Muitos ensinos e práticas neopentecostais têm
alguma fundamentação bíblica, mas recebem uma ênfase muito maior do que se vê
nas próprias Escrituras, no ensino de Cristo e dos apóstolos ou na prática da igreja
primitiva.62
59
KELLER, Timothy. Pregação: comunicando a fé na era do ceticismo. São Paulo: Vida Nova. 2017, p. 154.
Timothy Keller, falando do sujeito pós-moderno, descreve que Desde a Segunda Guerra Mundial o indivíduo
ganhou uma importância e poder muito maiores do que qualquer outro momento da História.
60
NEWBIGIN, Lesslie. O evangelho em uma sociedade pluralista. Viçosa, Mg: Ultimato. 2016, p. 62.
61
Ibid., p. 62.
62
MATOS, Alderi Souza de. Disponivel em: http://cpaj.mackenzie.br/historiadaigreja/pagina.php?id=293.
Acesso em 11/09/2018.
24. 23
Em nome do pós-moderno qualquer coisa perde o sentido original de seu autor
inclusive a Bíblia. E o problema dessa bagunça é a cosmovisão pecaminosa que cria caminhos
para fugir da verdade, negá-la ou minimizá-la diante de suas interpretações e anseios. E nesse
cenário de ausência de uma verdade absoluta, o que os pós-modernos não querem ouvir é “assim
diz o Senhor”, mas assim é como eu penso ou essa é a sua interpretação”.63
A figura do herege, no sentido estrito da palavra, esclarece o drama do sujeito pós-
moderno, pois, a palavra heresia significa “escolher”.64
Para Horton, “ esse sujeito ao escolher
destaca e elege um ou alguns pontos do conteúdo da tradição, e desses destaques e escolhas
constrói sua opinião”.65
Portanto, a noção da grande narrativa que explique toda a realidade é
anátema para a mente pós-moderna, pois, a narrativa que elege para si é a de sua escolha, que
por sua vez pertence somente a ele mesmo.66
Nessa perspectiva, conforme afirma Timothy
Keller, o homem não se descobre, mas cria o espectro que ele quiser de si mesmo.67
A pretensão da sociedade pós-moderna em querer reinventar a história e desconsiderar
a Bíblia são exemplificadas nas palavras de Horton:
A experiência pós-moderna... nada mais é que um enredo que nos faz desempenhar
um papel no nosso “fútil procedimento que vossos pais legaram” (1Pe 1.18). Assim
como a modernidade se presta a fazer do “eu” um soberano criador em vez de um
humilde servo, a pós-modernidade é testemunha da desilusão que Adão e sua
posteridade sempre têm experimentado quando desejam ser “como Deus”. Perdendo
a confiança no mundo exterior para prover um enredo à narrativa, os modernos se
voltaram para o homem interior, e quando não puderam achar dentro de si mesmo
aquilo que desse sentido par a vida, tornaram-se “errantes” interessados “que
aprendem sempre e jamais podem chegar ao conhecimento da verdade” (2 Tm 3.7).68
63
O Ministério Pastoral Está Mais Estranho do que Costumava Ser: O Desafio do Pós-modernismo por
Albert Mohler Jr. Disponível em: http://www.ministeriofiel.com.br/artigos/detalhes/37/O_Ministe-
rio_Pastoral_Esta_Mais_Estranho_do_que_Costumava_Ser_O_Desafio_do_Pos_modernismo#_edn1. Acesso em
06/11/18.
64
HORTON, Michael. Um caminho melhor. São Paulo: Cultura Crista. 2007, p. 56.
65
Idem.
66
Idem.
67
KELLER, Timothy. Pregação: comunicando a fé na era do ceticismo. São Paulo: Vida Nova. 2017, p. 158.
68
Idem.
não abusar de sites, blogs e redes sociais na pesquisa científica.
25. 24
2.2 A pós-modernidade e a pregação
No que tange a pregação da palavra, houve alguns prejuízos e descaracterização quanto
do seu objetivo por conta do pensamento pós-moderno, pois muitas igrejas, no afã de atrair a
nova geração e atenderem as suas expectativas pessoais e culturais, acabaram diluindo o
evangelho. A igreja possui a missão de pregar o evangelho em cada geração, porem sem
comprometer a mensagem do evangelho. John Piper adverte que, “quando se prioriza
relacionamentos em detrimento da verdade” a mensagem se perde e caminha-se rumo à heresia.
O risco que a igreja corre é acreditar na mentira: que a doutrina não pode ser afirmada ou
pregada, pois ela separa as pessoas.69
Diante de cenários evangélicos como este, a espiritualidade e a experiência são mais
valorizadas que os ensinos da Escritura. As consequências dessa influência são manifestas em
diferentes ênfases doutrinárias, ignorância de muitos cristãos a respeito da narrativa bíblica, e
pela ausência de um eixo hermenêutico que os guie na compreensão da Escritura.
Inevitavelmente, essa ignorância deve-se também ao empoderamento do pregador em
determinar o sentido do texto. E essa incorporação de características desemboca nas mais
diversas falsas doutrinas e no analfabetismo bíblico. Assim, como Kluck relata, Cristo e a sua
mensagem tornaram-se cada vez mais parecidos com a cultura pós-moderna – individualista,
subjetiva e relativa.70
Infelizmente, apesar da influência pós-moderna exemplificar a atitude de muitos
pregadores em nossos dias, a principal mudança na prática de pregação é a inversão do ponto
de referência, em que o homem se torna o objetivo final da pregação e não o Deus trino e sua
glória. A inversão de referencial faz com que o pregador não se preocupe com a fidelidade ao
texto das Escrituras, e sim com a construção de princípios isolados para beneficiar o homem.
Essa autonomia por sua vez gera falsas doutrinas, eleva o pregador a um patamar
espiritual acima dos demais crentes, determina novas interpretações que desenvolvem falsas
doutrinas que descaracterizam o evangelho e promovem falsas práticas místicas que em nada
refletem a fé apostólica. O apóstolo Paulo adverte: “Cuidado que ninguém vos venha enredar
69
PIPER, John. Vídeo disponível em: <http://youtu.be/-Znky32IaGE>. Acessado em 27 de Outubro de 2011.
70
DeYONG, Kevin. Jornada: Os peregrinos ainda estão fazendo progresso? In: DeYONG, Kevin; KLUCK,
Ted.Op. Cit., p. 36-61, passim.
26. 25
com a sua filosofia e vãs sutilezas, conforme a tradição dos homens, conforme os rudimentos
do mundo e não segundo Cristo;” (Cl 2.8).
Ao subverter a autoridade da Escritura como texto sagrado e prescritivo, o pensamento
pós-moderno desacredita a pregação71
tornando a mesma uma palestra ou apenas mais um
conselho. As consequências práticas para a eclesiologia são sincretismo religioso, a “profetada”
(palavras ditas como se fossem diretamente reveladas por Deus) e misticismo.72
Desse modo, a pregação bíblica por meio de um despenseiro fiel (Tt. 1.7; Lc.12.42)
que se detém nas verdades do evangelho (Rm. 5.6-10; 14.9) não é relevante para muitos
ministros de hoje, pois, não atraem as pessoas. Isso porque o evangelho confronta o homem
quanto ao seu pecado, real estado de miséria e perdição.
Nas palavras de Carson:
O sermão é apenas uma parte da experiência das pessoas que se reúnem para o culto.
Termos bíblicos como evangelho e armagedom precisam ser descontruídos e
redefinidos. A mensagem é comunicada por meio de um misto de palavras, artes
visuais, silêncio, testemunhos e história. O pregador é um motivador que encoraja as
pessoas a aprenderem, das Escrituras ao longo de toda semana.73
Os indivíduos pós-modernos rejeitam o que os pregadores bíblicos têm a dizer porque
pressupõem que a Bíblia não seja a verdade absoluta de Deus e nem possua a solução para seus
problemas. Portanto, a partir deste contexto cultural, a verdade é produzida, construída por
grupos comunitário e a exposição bíblica é tida como mais um conselho e não uma orientação
prescritiva. Desse modo, a presunção que permeia o pensamento pós-moderno é o de querer
viver com os recursos de Deus sem o Deus criador. De encontrar a verdade alheio a própria
verdade que está em Cristo.
Como Veith Jr. descreve:
Temos uma geração pouco interessada em argumentos racionais, pensamento linear,
sistemas teológicos; e mais interessada em encontrar o sobrenatural. Em
consequência, os frequentadores operam com um paradigma de espiritualidade
diferente. O velho paradigma ensinava que se você receber a instrução certa, vai
experimentar Deus. O novo paradigma diz que se você experimentar Deus, você vai
receber a instrução certa.74
71
CARVALHO, César Moisés. Pentecostalismo e pós-modernidade: quando a experiência se sobrepõe a Teologia.
CPAD: Rio de Janeiro. 2017, p.3028. (edição Kindle)
72
Idem, p. 2316. (edição Kindle). Neste capítulo o autor discorre sobre as mudanças de referenciais que trazem
nova realidade à igreja, incluindo sincretismo e outras mudanças hermenêuticas.
73
CARSON, D. A. Igreja emergente: o movimento e suas implicações. São Paulo: Vida Nova. 2010, p. 4.
74
VEITH, 1994 apud Lopes. 2004, p. 78.
não é um termo
próprio para
trabalho cietífico
27. 26
2.3 O pós-modernismo e a liturgia
A liturgia também foi afetada pelos valores pós-modernos. Originalmente, a palavra
vem do grego leitourgia – significa serviço, ritual ou de outra natureza; serviço prestado a
alguém em necessidade; execução de um serviço – religioso ou não.75
Hoje, no entanto, a
palavra liturgia é sinônimo de um “roteiro” ou “programa pré-estabelecido” de culto.76
Assim,
esse sinônimo de liturgia, em igrejas mais tradicionais, tem sido alvo de críticas – culto frio,
engessado, sem vida, e sem liberdade para a ação do Espírito Santo, são alguns dos exemplos
de tal critica.77
Segundo Maia, as alegações e críticas originaram-se pela interpretação
equivocada do texto de Paulo (2Co. 3.17) e do relato do Rei Davi (2Sm 6), em que a presença
do Espírito possibilita formas diferentes de expressões cúlticas como ato de adoração autênticas
a Deus. Todavia, esses textos são usados para justificar diferentes “prática espiritualizada” de
culto em que valoriza as emoções e expressões espontâneas.
Em resumo, a busca do indivíduo pós-moderno quer seja motivado por um desejo de
consolo, ou por ansiar ‘sentir-se bem’, tem modificado a natureza do culto público, que possui
o objetivo central à adoração a Deus. Nessa perspectiva, o culto tem sido descaracterizado
porque as pessoas pretendem prestar um culto que as valorize e que seja esteticamente bonito e
sentimental.
O pensamento pós-moderno não só descaracteriza a forma do culto como também
abafa a voz das Escrituras quanto ao objetivo que se busca estruturá-lo. E o faz escolhendo um
estilo que agregue o máximo de pessoas, em detrimento da obediência aos direcionamentos que
Deus dá de como Ele quer ser adorado. O problema com a proposta pós-moderna de culto é que
a igreja, no afã de atrair o máximo de pessoas, deverá negociar a doutrina e aderir a práticas
não autorizada pela Escritura.
O pragmatismo e o relativismo moral embora não seja uma novidade na cultura, tem
ganhado espaço na esfera eclesiástica e é aceito numa dimensão que impressiona. E o perigo da
igreja nesse contexto é o de não se manter relevante por uma contextualização acrítica que não
a diferencie de puro entretenimento.
75
MAIA, Hermistem M.C. princípios bíblicos de adoração cristã. São Paulo: Cultura Cristã. 2009, p. 51.
76
Ibid., p. 53.
77
Idem.
Seria bom você discorrer, pelo menos em um parágrafo, sobre a teologia reformada da pregação, já que essa é a
sua base na CFW
28. 27
2.4 Pós-modernidade e o movimento da igreja emergente
A missão que Cristo deu a sua igreja foi de testemunhar ao mundo sobre a salvação
que em seu nome (At.1.8), porém, esse chamado além do anúncio também exige que um
engajamento da igreja na sociedade, pois, a igreja foi chamada para sair dela mesma e alcançar
tanto os que estavam ao redor dela mesma quanto os que estavam em lugares distantes, e até
aos confins da terra. Com isso, é inevitável que a igreja se preocupe em pensar meios e propostas
para ser relevante sem deixar de pregar o evangelho com fidelidade. Porém, o que se vivencia
no século 21 é um número expressivo de igrejas que no intuito de atrair maior número de
pessoas pelo estilo de culto, músicas e entretenimento, se perderam no processo e se tornaram
mais pós-modernas do que bíblicas.
O movimento de igreja emergente é um dos mais conhecidos movimentos eclesiásticos
que nasce com o objetivo de alcançar um público mais versátil dessa época, essa proposta é
uma reação as igrejas mais tradicionais. Seus principais representantes são Dan Kimbal e Brian
Mclaren. Sendo Mclaren o articulador mais reconhecido desse movimento.78
Para Garófalo,
este é um fenômeno ou um movimento primariamente ocidental urbano, em sua maioria
composto de jovens brancos da chamada geração X”,79
o que justifica a necessidade de
conformar-se a cultura, e abraçar tendências pós-modernas como o relativismo e o pluralismo.
Mas, como Garófalo reitera, boa parte desse movimento emergente, “afirma abertamente que
seu objetivo é muito maior do que simplesmente ajustar o formato de igreja: seu projeto é rever
crenças acerca de Deus, Jesus, a salvação, as Escrituras e a igreja.
O que Phil Jolson descreve é que a proposta emergente surge do desejo de redefinir
“categorias e oferecer respostas para uma geração pós-moderna que estava infeliz com a igreja
evangélica”.80
Conforme Garófalo explica, “parte da igreja estava decepcionou-se com os
78
DANIEL, Silas. A sedução das novas teologias. 1ª Edição. Rio de Janeiro: CPAD. 2007, p. 27.
79
GARÓFALO, Emílio. Antes só do que mal acompanhada: o risco de casar-se com o espírito de seu tempo –
uma análise das propostas de revitalização de igrejas dos movimentos seeker – sensitive e emergente. In: Fides
80
JOHNSON, Joyriding on the Downgrade at Breakneck Speed: The dark side of diversity. In: reformata XX, Nº
2. 2015, p. 41-69. Disponível em: https://cpaj.mackenzie.br/fidesreformata/arquivos/edicao_39/artigos/279.pdf,
Acesso em 13/09/2018.
JOHNSON e GLEASON, Reforming or Conforming?, p. 211-223. apud cit, Garófalo, Emílio. Antes só do que
mal acompanhada: o risco de casar-se com o espírito de seu tempo – uma análise das propostas de revitalização
de igrejas dos movimentos seeker – sensitive e emergente. In: Fides reformata XX, Nº 2, 2015, p. 41-69. Disponível
em: https://cpaj.mackenzie.br/fidesreformata/arquivos/edicao_39/artigos/279.pdf. Acesso em 13/09/2018.
igreja emergente, que não pode ser considerado como um movimento, nem
mesmo uma iniciativa denominacional; talvez seja mais adequada a referência a
“igrejas emergentes” — grupos multifacetados que abraçam determinada
perspectiva.
29. 28
rumos da modernidade e buscou seguir o novo rumo filosófico cultural criando uma igreja mais
adaptada a essa nova fase do Ocidente.81
Como Garófalo nos adverte:
Na ânsia de falar ao homem pós-moderno (a igreja emergente), acaba negando ou
menosprezando a tradição e a doutrina cristã, enfatizando, em vez disso, o mistério, a
comunidade e a experiência pessoal. Nesse esforço, o MIE82
privilegia o pluralismo e
relativismo da pós-modernidade e abraça práticas medievais e antigas. O autor alerta
para o perigo que corre toda a igreja que procura se identificar acriticamente com o
espírito da época, seja ela moderna ou pós-moderna, porque isso pode ocorrer às
expensas da fidelidade de Cristo e sua palavra.83
Observa-se que este padrão de igreja sensível a cultura pós-moderna também
encontrou um terreno fértil no Brasil. Isso porque muitas igrejas apesar de construir em grandes
templos, o fizeram com a finalidade de criar mega programações para o público jovem,
objetivando os atrair através de shows e balada gospel. E, acompanhando a tendência pós-
moderna, muitas das igrejas brasileiras deixaram de buscar a verdade na palavra de Deus para
aprender “experimentalmente pelas histórias e participações”, com bem interpreta Garófalo.84
Mas, quais são os efeitos práticos de tal abordagem filosófica pós-moderna para a
igreja? Uma busca por ministérios que possuam características pragmáticas e inclusivistas para
a cultura e líderes/pastores.85
Nas palavras de Garófalo, “Não importa mais tanto conhecer as
línguas originais, não se busca alguém que conheça doutrina profundamente, que seja bom no
cuidado das ovelhas e tenha vida marcada pela maturidade cristã, mas, alguém com boa
capacidade de gerenciamento e mais semelhante a um bom empresário, carismático e
vigoroso”.86
Portanto, o real problema em buscar ser uma igreja contextualizada para a geração
atual está em acreditar que os seus métodos são mais eficazes do que o agir de Deus em um
culto simples que confia no poder transformador do evangelho.
81
GARÓFALO, Emílio. Antes só do que mal acompanhada: o risco de casar-se com o espírito de seu tempo –
uma análise das propostas de revitalização de igrejas dos movimentos seeker – sensitive e emergente. In: Fides
reformata XX, Nº 2, 2015, p. 41-69. Disponível em:
https://cpaj.mackenzie.br/fidesreformata/arquivos/edicao_39/artigos/279.pdf, Acesso em 13/09/2018.
82
A sigla “MIE” se refere ao Movimento de Igreja Emergente.
83
GARÓFALO, Emílio. Fides reformata XX, Nº 2 (2015): 41-69.
84
Idem.
85
Idem.
86
Idem.
Dependencia literária de Garofalo para esta parte do trabalho;
Não diferenciou movimento emergente de movimento emergido/missional;
Ficou superficial e evasiva a proposta de apresentar os efeitos do pos-modernismo no surgimento da igreja emergente.
31. 30
CAPÍTULO 3
PÓS-MODERNIDADE E A PREGAÇÃO DO EVANGELHO
Este capítulo consiste em refletir sobre o chamado que a igreja tem de pregar o
evangelho na pós-modernidade crendo na suficiência da palavra de Deus soprada pelo Espírito
Santo. E que o compromisso de pregar na pós-modernidade possui um desafio duplo: fidelidade
e contextualização.
3.1 Libertando a mente pós-moderna pela Escritura
O drama pós-moderno não é novo, pois descrença e pecado acompanham a
humanidade desde Adão (Gn 3). A história da igreja nos apresenta diversos momentos em que
a fé cristã e a revelação de Deus em Cristo foi desafiada através da rebeldia do homem em
trilhar um caminho alheio a Deus: seja por meio da adoração a falsos deuses ou pela idolatria
de si mesmo. Os homens frequentemente rebelam-se contra a glória de Deus em busca de
liberdade e redenção, e o contexto pós-moderno não é diferente de todas as tentativas anteriores,
antes, molda-se e é apresentado com outras demandas e de forma ainda mais hostil à voz de
Deus.
Esta realidade é descrita nas palavras de Madureira:
A ideia de que, para alcançar o entendimento, é necessária uma “libertação interior
autêntica” é bem antiga e pode ser, de certa forma, encontrada no livro VII da
República. Nele, Platão descreve Sócrates dizendo ao Jovem Glauco que, para as
pessoas alcançarem o entendimento, elas precisam ser primeiramente libertas. Para
explicar melhor essa ideia, o filósofo contou uma história sobre seres humanos que,
desde o seu nascimento, estão aprisionados em uma caverna. Eles não sabem o que é
o mundo fora dela. Suas pernas e seu pescoço estão algemados de tal sorte que são
forçados a permanecer sempre no mesmo lugar e a olhar apenas para a direção de uma
parede ao fundo.87
Atrás deles, na entrada da caverna, há um foco de luz que ilumina todo o ambiente.
Entre esse foco de luz e os prisioneiros, há uma subida ao longo da qual foi erguida
mureta. E, para além dessa mureta, encontram-se homens que transportam estátuas
que ultrapassam a altura da mureta. Eles carregam estátuas de todos os tipos: de seres
humanos, de animais e de toda sorte de objetos. Por causa do foco de luz e da posição
que ele ocupa, os prisioneiros enxergavam, na parede ao fundo, as sombras dessas
estátuas, porém sem conseguirem ver as próprias estátuas, nem os homens que
carregavam. Como nunca viram outra coisa além das sombras, os prisioneiros pensam
que elas são as próprias coisas. Ou seja, não podem saber que as sobras não passam
de projeções das coisas, nem podem saber que as coisas projetadas são apenas estátuas
carregadas por outros humanos.88
87
MADUREIRA, Jonas. Inteligência humilhada. São Paulo: Vida Nova. 2017, p. 59.
88
Idem.
Citação extensa, nem tanto prioritária
para seu trabalho.
32. 31
Nessa história, Platão descreve que a cegueira dos homens na caverna estava
condicionada a limitação pela prisão a que foram submetidos. Assim como o homem da
caverna, o indivíduo pós-moderno está preso as ilusões e limitações por conta de sua natureza
caída. Desse modo, uma vez que não podem ver a realidade e chegar ao conhecimento da
verdade, passam a fabricar teorias sobre o mundo a partir das sombras que encontram na criação
ou dentro de si mesmos. E a partir de suas limitadas percepções da realidade convencem a si
mesmos que todas as suas suposições representam a verdade, mas, como os homens na caverna,
o indivíduo pós-moderno é incapaz de desvendar o mistério da vida e da realidade, porque está
limitado por uma cegueira espiritual.
A limitação da humanidade pós-moderna pode ser compreendida pelas palavras de
Dooyeweerd:
Nenhum homem pode pular fora de sua pele, ou seja, ninguém pode sair da
subjetividade do eu. De fato, o homem precisa de um ponto de observação sobre a
diversidade dentro do cosmos, um ponto que transcenda o próprio pensamento
teórico.89
Esse ponto de apoio arquimediano [...] encontra-se no coração, pois dele é
que procedem as fontes da vida (Pv 4.23). O coração forma um ponto de concentração
da existência humana; é a raiz religiosa da existência. Ele transcende todas as funções
vitais, separadas por meio do que se expressa como sentimento, pensamento, fé. Pelo
ato da regeneração por meio do Espírito de Deus, o coração passa a conhecer a verdade
e é liberado de sua apostasia.90
O maior problema da pós-modernidade e da humanidade em todos os tempos é o
pecado (Rm 3.23; Mt 18.11) Essa é a realidade de que nenhum homem pode escapar e qualquer
esforço pessoal nessa direção está fadado ao fracasso, pois, o que lhe falta não são evidências
externas (Rm 1.20-23) , mas, uma disposição interna que pressupõe libertação (Jo 8.36; Cl 1.13-
14; Lc 4.18) . Portanto, somente um ato de libertação pode vencer a presunção pós-moderna,
visto que o problema do homem não é intelectual e sim o distanciamento de Deus.
A história da igreja nos ensina que as profundas transformações, como as que
aconteceram na época da Reforma Protestante, também parecem acontecer em outras épocas
de grande ebulição na sociedade.91
E que foi em situações similares a esta, de tremenda perdição
e descrença, que a igreja testemunhou da graça e promoveu esperança aos perdidos por meio
89
DOOYEWEERD, Herman 1995, apud Van Til. O conceito calvinista de cultura. São Paulo: Cultura Cristã. 2010,
p. 189.
90
Idem.
91
WELLS, David F. Sem lugar para a verdade: o que aconteceu com a teologia evangélica. São Paulo: Shedd.
2017, p. 111.
33. 32
da pregação da Escritura.92
Contudo, esse período de renovação e graça, como o vivenciado na
reforma, acontece mediante a ação interna do Espírito Santo (Jo 8.32) e pelo anúncio do
evangelho.
Charles Hodge ao comentar o primeiro capítulo da confissão de fé de Westminster,
sessão V, declarou:
A Escritura para o homem não regenerado, são como a luz para o cego. Podem ser
sentidas como os raios solares são sentidos para o cego, mas, não podem ser
claramente vistas. O Espírito Santo abre os olhos cegos e comunica a devida
sensibilidade ao coração enfermo: assim, a confiança emana da evidência da
experiência espiritual.93
O homem pós-moderno sofre do mesmo mau de seus antepassados: idolatria. Isso
porque ao valorizar demais a sua liberdade, seus bens, poder, prazer, dentre outras coisas,
substituem Deus pelo que valorizam e criam caminhos e sentidos que o distanciam de seu
criador. Desse modo, por não possuírem condições para avaliar a dureza ou seu estado de
perdição, a única esperança é que Deus venha ao seu encontro e abra os seus olhos para que
vejam a real condição em que se encontram. Essa ação foi nomeada por Calvino como
testimonium internnum Spiritus Sancti – testemunho interno do Espírito Santo 94
, pois, Calvino
reconhecia que mesmo a criação é insuficiente para revelar quem Deus é. Contudo, ainda que
suficiente para indicar a sua existência, somente o testemunho do Espírito pode abrir os olhos
dos perdidos que vagam em busca de redenção.95
(Sl 19:1-4; Rm 1:19-20; Rm 2:14-15). Assim,
o homem só pode chegar ao conhecimento do senhorio de Deus – de forma ordinária – através
de sua palavra e pelo testemunho interno do Espírito Santo.
Como a confissão de fé de Westminster descreve:
Ainda que a luz da natureza e as obras da criação e da providência de tal modo
manifestem a bondade, a sabedoria e o poder de Deus, que os homens ficam
inescusáveis, contudo não são suficientes para dar aquele conhecimento de Deus e da
sua vontade necessário para a salvação; por isso foi o Senhor servido, em diversos
tempos e diferentes modos, revelar-se e declarar à sua Igreja aquela sua vontade; e
depois, para melhor preservação e propagação da verdade.96
92
LOPES, Hernandes Dias. Pregação expositiva: sua importância para o crescimento da igreja. São Paulo: Hagnos.
2010, p. 47.
93
HODGE, Charles. Confissão de fé de Westminster. São Paulo: Puritanos. 1999, p. 61.
94
NICODEMUS, Augustus. O Teólogo do Espírito Santo:
Um Estudo sobre o Ensino de Calvino sobre a Palavra e o
Espíritohttp://www.monergismo.com/textos/jcalvino/calvino_espirito_santo.htm. Acesso em 10/08/2018.
95
MADUREIRA, Jonas. Inteligência humilhada. São Paulo: Vida Nova, 2017, p.87.
96
DIXHOORN. Chad Van. Guia de estudos da Confissão de Fé de Westminster. Cultura Cristã: São Paulo, 2017.
p. 29.
34. 33
De acordo com os teólogos de Westminster, é pelo ministério do Espírito Santo que a
pregação da palavra se torna eficaz para a salvação (Rm 8.16-18). Exatamente, porque
dependente de sua própria capacidade ou de sua observação o homem jamais poderá conhecer
a Deus ou entender as coisas de Deus. Segundo Nicodemus, “o nome disso é teologia natural”,
e observa que isso nada mais é que do que uma tentativa de formular alguma coisa sobre Deus
a partir da observação da natureza.97
E completa dizendo que os efeitos dessa tentativa humana
são as causas de diversas religiões e crenças como o panteísmo, que ou acabam adorando a
natureza, como se ela fosse Deus ou acham que a natureza é Deus. O apóstolo Paulo já dizia
que o homem natural não aceita as verdades do Espírito de Deus, pois elas lhe parecem loucura,
e ele não consegue entendê-las, pois apenas quem é espiritual consegue avaliar corretamente o
que diz o Espírito (1Co2.14)
Conforme Dixhoorn interpreta, “a palavra é o instrumento eficaz para iluminar,
convencer e humilhar os pecadores para lhes tirar toda confiança de si mesmos e os atrair a
Cristo” (1 Jo 5.6-7, 2 Tm 1.14-15, 1 Co 2.10-16).98
Portanto, qualquer estratégia de evangelismo
e defesa da fé, para os nossos dias, precisa estar submetida à palavra de Deus. Não podemos
falar de Deus ou “apontarmos em direção a Ele” de modo mais significativo do que pela
revelação que Ele deu de si mesmo. Isso torna a Bíblia indispensável tanto para a saúde da
igreja como para a salvação dos perdidos.
Nas palavras de Lutero:
Deus não quer ser conhecido a não ser por intermédio de Cristo; nem pode ele ser
conhecido de qualquer outro modo. Cristo é o Senhor descendente prometido a
Abraão; nele, Deus cumpriu todas as suas promessas. Portanto, somente Cristo é o
meio, a vida e o espelho pelo qual vemos Deus e conhecemos a sua vontade. Por meio
de Cristo, vemos que Deus não é um mestre e um juiz irado, mas, sim, um pai gracioso
e bondoso, que nos abençoa, isto é, que nos salva da lei, do pecado, da morte, e de
todo o mal, e nos oferece justiça e a vida eterna mediante Cristo. Este é um
conhecimento certo e verdadeiro de Deus; uma persuasão divina que não falha, mas,
retrata Deus mesmo numa forma específica, à parte da qual não há nenhum Deus.99
A graça, o amor, o plano e grandeza de Deus devem brilhar aos que andam em trevas
em nossos dias por intermédio da pregação de sua palavra. Segundo a epístola de Hebreus
“havendo Deus, outrora, falado, muitas vezes e de muitas maneiras, aos pais, pelos profetas,
97
NICODEMUS, Augustus. Cristianismo simplificado: Respostas diretas a dúvidas comuns. São Paulo: Mundo
Cristão. 2018, p.170. Edição do Kindle.
98
ANGLADA, Paulo. Sola Scriptura. Ananindeua, Knox, 2013, p. 81.
99
Martin Luthers Werke: Kristiche Gesamtausgabe (Weimar, Bohlau, 1911), citado em MCGRATH, Alister.
Paixão pela verdade, São Paulo: 2007, p. 33.
35. 34
nestes últimos dias, nos falou pelo Filho...” (Hb 1:1-2). Cristo é a revelação final de Deus, e o
modo como ele instituiu para que o seu povo em todos os tempos o fizesse conhecido foi através
da pregação da sua palavra. Em sua sabedoria, aprouve ao Senhor salvar os eleitos desse mundo
por meio da loucura da pregação. Portanto, deve-se crer na suficiência da Escritura para ajudar
essa geração a voltar a ouvir a voz de Deus. Como o salmista Davi, deve-se crer que a lei do
Senhor é perfeita e restaura a alma, é verdadeira, é límpida e doce (Sl 19).
O grande desafio da igreja e de todo o ministro do evangelho é permanecer firme na
suficiência da palavra quando relativismo, pluralismo e o pragmatismo oferecerem um caminho
mais fácil para o serviço cristão, seja pela pregação o evangelho, liturgia, música, gestão
eclesiástica ou pela evangelização. A dificuldade reside em não acrescentar nada ao evangelho
e nem subtrair nada dele na tentativa de suavizar a mensagem com a finalidade de distrair
pessoas. Não se pode trocar os nossos fundamentos da fé cristã por estratégias mercadológicas
e terapêuticas. Se a igreja quiser responder aos desafios pós-modernos, “cabe a ela anunciar a
excelência do conteúdo da Escritura, a eficácia das suas doutrinas, a sua extraordinária unidade
e harmonia de todas as suas partes”. Embora a igreja não seja o fundamento da fé, a fé reformada
reconhece que “o testemunho da igreja é um incentivo para a fé.100
Sire quanto a pregação na pós-modernidade, nos ensina:
Se a cultura mudou, se as ditas provas – da existência de Deus, da divindade de Cristo,
da ressurreição de Jesus – deixaram de ser relevantes, a fé deve ser justificada por
outros fundamentos que não a verdade, o que um apologista/ evangelista deve fazer?
Uma resposta é, evidentemente, render-se. Ignore os argumentos racionais; saia a
procura de uma música emotiva, de drama, de retórica inteligente de manipulação
psicológica ou sociológica [...]. Todavia, é perigoso ignorar a mente. Lembro-me que
[...] certa vez disse aos alunos: O coração não mais se regozijará naquilo que a mente
sabe não ser verdade. Portanto, uma segunda abordagem consiste em libertar o aluno
pós-moderno de sua escravidão à cultura, mostrar-lhe que verdade importa sim, e que
a racionalidade é relevante.101
Sire identifica duas características que são essenciais para a convicção de pregar o
evangelho na pós-modernidade: verdade e racionalidade. Ou seja, ele considera que a Escritura
além de ser a verdade soprada pelo Espírito Santo aos homens é também um conjunto de
escritos lógicos que se harmoniza em um padrão de verdade. Essa convicção a cerca da palavra
de Deus é fundamental porque tanto o subjetivismo do indivíduo hoje quanto a ênfase na razão
100
Anglada empresta aqui a linguagem da Dogmática reformada de Bavinck “ANGLADA, Paulo. Sola Scriptura.
Ananindeua: Knox. 2013, p. 85.
101
SIRE, James. Porque se deve crer em algo? CARSON, D. A verdade: como comunicar o evangelho a um
mundo pós-moderno. São Paulo: Vida Nova, 2015, p. 107.
36. 35
tende a usurpar a autoridade das Escrituras. Sendo assim, o povo de Deus deve confiar na
escolha que Deus fez em se revelar ao mundo através de sua palavra tal como o meio de
comunicação para tal finalidade. Como Macedo descreve, “qualquer tentativa de substituir a
pregação por outra forma de comunicação com o objetivo de propagar os desígnios de Deus
revelados nas Escritura é indiretamente afirmar que Deus não foi tão sábio na sua escolha, que
ele não soube prover aquilo que a Igreja ou a sociedade tanto necessitam”.102
A cosmovisão de Paulo em suas epístolas sobre a importância da pregação é algo
fundamental e encontrado na maioria de seus escritos. Paulo destaca com muita clareza que o
fundamento da pregação é a Palavra de Deus e mostra isso para Timóteo como elemento
indispensável para a sustentação do seu ministério. Mesmo perto do fim, o apóstolo dirigiu uma
exortação ao jovem pastor Timóteo: “Conjuro-te, pois, diante de Deus e do Senhor Jesus Cristo,
que há de julgar os vivos e os mortos, na sua vinda e nos seu reino, que pregues a palavra, insta,
quer seja oportuno, quer não, corrige, repreende, exorta, com toda a longanimidade e doutrina”
(2 Timóteo, 4:1-2). Talvez, essa seria a última recomendação de Paulo para aquele jovem
pastor, e ele não perde a oportunidade de destacar que a mais alta prioridade de seu ministério
ali em Éfeso era a proclamação da Palavra de Deus.
Essa ênfase na pregação também não era exclusividade de Paulo, ela permeia todo o
Novo Testamento. Ela ocupou lugar central no ministério de Jesus, teve lugar no ministério dos
apóstolos, e também, fez parte de forma preponderante na vida dos reformadores como Lutero
e Calvino. O Rev. Hernandes Dias Lopes falando sobre o pensamento de Calvino sobre a
pregação declara: “a Palavra de Deus pregada é o cetro pelo qual Cristo estabelece
continuamente seu domínio ímpar e espiritual sobre a mente e o coração do seu povo. O púlpito
é o trono de Deus, do qual ele quer governar nossas almas”
O problema da pós-modernidade foi o abandono da realidade de quem Deus é. Essa
crise também começa com o homem deificando a si próprio, e, assim, apagando a existência de
Deus. Paul Tillich resumiu assim esta realidade:
A real crise de nossa cultura ocidental é a ansiedade quanto a falta de sentido ou
significado que a persegue. Essa é a ansiedade sobre a perda da preocupação máxima,
de um significado que dá sentido a todos os sentidos. Essa ansiedade surge com a
perda do centro espiritual, de uma resposta, embora simbólica e indireta, à questão do
significado da existência. Enquanto o homem lida apenas com as particularidades, e
com muitos fenômenos, sua mente não descansa; há, dentro do homem, uma ânsia,
102
MACEDO, Breno. Relevância da pregação em tempos pós-modernos. Disponível em:
https://www.academia.edu/8126897/A_Relev%C3%A2ncia_da_Prega%C3%A7%C3%A3o_em_Tempos_P%C3
%B3s-Modernos. Acesso 13 nov. 2018.
a citação deve
ser autoral.
onde?
37. 36
um impulso forte para ver a unidade por trás da diversidade, para encontrar o um
dentre os muitos.103
A respeito dessa inquietação do homem em obter respostas sobre o sentido da vida,
Timothy Keller conta um fato em seu livro “Deus na era secular” em que uma filósofa, que de
vez em quando, acordava durante a noite se perguntando: “Como é possível que este mundo
seja o resultado de um big bang acidental? Como pode não ter havido desígnio algum, nenhum
propósito metafísico? Será possível que toda a vida — a começar pela minha, do meu marido,
do meu filho e por aí afora — seja cosmicamente irrelevante?”104
O que Timothy Keller destaca
sobre essa mulher é que a medida em que a humanidade envelhece fica difícil escapar de
momentos de pânico como esse, pois, essa incompreensão é “o senso que de que somos mais e
de que a vida é mais do que aquilo que nossos olhos conseguem enxergar no mundo real.105
O
desafio para toda a humanidade é encontrar respostas sobre si, o mundo e o que virá no Criador.
E sobre isso, a teologia reformada reconhece que é o Espírito que liberta a humanidade de si
mesma e o coloca diante de Deus. Como Madureira conclui, quando se está diante de Deus, não
há pensamento algum que seja relevante o suficiente para ser dito e a única condição é ouvi-lo.
E o próprio ato de ouvir já é em si o primeiro sinal de uma “libertação interior autêntica”.106
3.2 A pregação do evangelho para pós-modernidade
Oferecer uma pregação fiel a Escritura no contexto pós-moderno constitui um desafio
para a igreja do século XXI, pois as cosmovisões presentes a essa nova concepção de sociedade
são muito abrangentes e anticristãs. No entanto, se pretendemos anunciar a Cristo de modo que
faça sentido hoje, o pregador precisará superar além das barreiras culturais o abismo entre a
mensagem do evangelho e o coração do homem pós-moderno. Nas palavras Sire:
“Cosmovisão é um compromisso, uma orientação fundamental do coração, que pode
ser expresso como uma estória ou num conjunto de pressuposições (suposições que
podem ser verdadeiras, parcialmente verdadeiras ou totalmente verdadeiras) que
sustentamos (consciente ou subconscientemente, consistente ou inconsistentemente)
sobre a constituição básica da realidade, e que fornece o fundamento no qual
viveremos, nos movemos e existimos.107
103
VAN TIL, Henry R. O conceito calvinista de cultura. São Paulo: Cultura Cristã, 2010, p. 188.
104
KELLER, Timothy. Deus na era secular. São Paulo: Vida Nova. 2018, p. 383. (Edição kindle)
105
Ibid., p. 387. (Edição kindle)
106
MADUREIRA, Jonas. Inteligência humilhada. São Paulo: Vida Nova, 2017, p.87.
107
SIRE, James. W. Universo ao lado. Brasília: Monergismo. 2018, p. 215.
você já tratou do mesmo, embora brevemente, na p. 24
item 2.2. Assuntos sobrepostos.
38. 37
Está sociedade pós-tudo108
constitui-se de uma nova cosmovisão que, diferentemente,
do homem moderno, não possui crenças profundas sobre Deus. Ou seja, o anúncio do
evangelho, em outras eras, podia tomar conceitos similares de que todo ser humano necessitava
de Deus como fonte e propósito de vida para que tivessem uma vida moral sólida ou para que
desfrutassem de uma relativa paz nesse mundo. De modo geral, por mais distante que a
humanidade estivesse do ambiente eclesiástico, havia uma consciência do divino suficiente para
que as pessoas, marcadas pela realidade histórica da cristandade, recebessem a mensagem com
respeito. O problema que a igreja enfrenta hoje é que as crenças que sempre constituíram um
conjunto arraigado a ouvintes de séculos passados já não estejam vigentes na sociedade pós-
moderna.
Diante desse cenário de mudanças e novos desafios, muitos acreditam que seja
necessário abandonar o método tradicional de sermão para algo mais interativo e dinâmico. Isso
porque acreditam que a forma do sermão tradicional – monólogo – esteja ultrapassado para um
mundo tecnológico. E outros, apesar de defenderem o método tradicional de discurso, entendem
que as atuais correntes culturais exijam um domínio diferente de conteúdo do que só o anúncio
da palavra. Ou melhor, embora a pregação expositiva da Escritura seja fundamental para o
estabelecimento da verdade, a geração pós-moderna necessita de uma pregação que comece
com um tema atual, englobe questões contemporâneas, mas que sobre tudo, diferencie do
método de começar com a Bíblia e termine com uma aplicação prática. Como declara Andy
Stanley:
A que extremo você está disposto a chegar para criar um sistema de comunicação que
fale ao coração de seu público? [...] Você está disposto a abandonar um estilo, uma
estratégia, um sistema que foi criado em outra era para uma cultura que não mais
existe?109
Embora as opiniões sobre como alcançar essa geração que navega em um mar de
mudanças sejam distintas e cada uma delas tenha pontos positivos e negativos, todavia, a
Escritura, por intermédio do apóstolo Paulo, apresenta um caminho bíblico teológico de como
lidar com um cenário plural e relativo como é o pensamento pós-moderno. O Rev. Lidório
enxerga que a primeira coisa que deve ser observada na estratégia paulina é que, ao pregar aos
gentios, Paulo sabia que seus ouvintes não estavam familiarizados com a cosmovisão teísta dos
108
Conceito utilizado como sinônimo do termo pós-moderno. COCARRO, Giuliano Letieri. Pregando num “mar
de mudança”: contribuições a partir do conceito de contextualização de Newbigin. Disponível em
http://cpaj.mackenzie.br/fidesreformata/arquivos/edicao_41/artigos/289.pdf. Acesso em 01/10/2018.
109
STANLEY, Andy. JONES, Lane. Comunnicating for a change. Atlanta: Eugene. 2006, p, 89.
39. 38
judeus.110
Assim, pressupunha que não podia pregar a partir de narrativas bíblicas ou de sua
crença111
, por conta do abismo epistemológico e religioso entre as duas culturas. Isto é, nas
palavras do Rev. Lidório, o apóstolo buscava algum modo para identificar-se com o ouvinte
para então envolve-lo na mensagem da redenção.
Essa característica do apóstolo é vista principalmente em sua ida a cidade de Atenas
(At. 17.23), isso porque Paulo começa a sua prédica a partir das crenças e convicções que os
atenienses possuíam a respeito de Deus, não para concordar com elas, mas sim confrontá-las ao
expor o que a Escritura afirma sobre Deus. Conforme Schnabel descreve, “Paulo sempre usa
elementos de contato – pontos reais de concordância nas preocupações, esperanças e
necessidades de seu público”112
, porém, o apóstolo assim o fez de modo consciente tendo em
vista algumas finalidades: despertar a curiosidade dos epicureus e estoicos quanto ao que Paulo
diria logo em seguida; demonstrar uma certa familiaridade com o sistema religioso e filosófico
do povo; e confrontar as suposições filosóficas da existência de Deus pela exposição das
Escrituras. Parafraseando Keller, quando o apóstolo Paulo contextualiza a mensagem bíblica
da redenção em Cristo, ele o faz respeitando o sistema de crença das pessoas ao mesmo tempo
que apresenta como suas crenças são incoerentes.113
Em suma, o apóstolo os atrai pelas suas
convicções e pelas características religiosas a que estavam familiarizados, mas como conclui
Keller, somente para que as suas crenças erradas sejam criticadas a luz das Escrituras e mostrar
como elas não suportam o teste de suas próprias premissas.114
O encontro do apóstolo Paulo em Atos 17 nos mostra a importância de comunicar a
verdade com respeito as crenças que os ouvintes possuem, pois, muitas vezes, é através de suas
crenças contrastadas com a Escritura que a diferença fica explícita.
Nas palavras de Keller:
Paulo contextualiza deliberadamente e constantemente. Ele não expõe imediatamente
as boas-novas e só dá as más notícias em algum momento futuro. Ele entremeia
afirmação com confrontação, a fim de evitar que os ouvintes se desviem e resistam ao
poder do apelo da Palavra em suas mentes e corações.115
110
Lidório, Ronaldo. Evangelização urbana em um mundo líquido, pluralístico e multirreligioso.
https://www.youtube.com/watch?v=0VaTH1T5atY, acesso em 24/04/20018. As 10:50. Ronaldo Lidório.
111
Idem.
112
Schnabel,Eckhard J, Paul the Missionary, 2008, p.171 apud Keller, A Pregação, 2017, p. 121.
113
Idem.
114
Idem.
115
KELLER, Timothy. Pregação: comunicando a fé na era do ceticismo. São Paulo: Vida Nova. 2017, p. 122.
40. 39
O foco do ministério do apóstolo Paulo sempre foi dar testemunho da verdade através
do anúncio fiel do evangelho (1 Co 9.16). O apóstolo nunca negociou a pregação por nenhuma
outra estratégia, pois, ele acreditava que era pelo anúncio do evangelho que o Espírito Santo
vocaciona os perdidos para uma nova vida ao convencê-los do pecado, da justiça e do juízo (Jo
16.8). O apóstolo Paulo compreendeu que a nova aliança que Cristo legou a igreja abrange
muito mais do que uma nova vida ou uma nova perspectiva de cultuar a Deus. Antes, é uma
capacitação para pregar o evangelho que extrapolava os limites da Judeia e Galileia (At 1.8).
Um novo olhar para o resto do mundo e uma nova maneira de interagir com outros povos. Ou
seja, Deus em Cristo manifestou o princípio de que Jerusalém não seria mais o centro onde os
povos deveriam vir adorar, mas, o ponto de partida de onde seus discípulos deveriam sair para
anunciar aos perdidos no mundo. Era um chamado para se misturar ao resto do mundo, mas,
não se perder nele. Um chamado para proclamar as suas convicções no mundo e não apenas se
camuflar e atrair as pessoas. Contudo, ainda um chamado para se fazer fraco para com o fraco,
a fim de ganhar o fraco. Fazer-se tudo para com todos, a fim de, por todos os modos, salvar
alguns (1 Co 9.22).
O discurso de Jesus no evangelho de Mateus corrobora a dinâmica entre o anúncio das
boas-novas com a cultura local, pois, diz: “será pregado este evangelho do reino por todo o
mundo, para testemunho a todas nações; e então virá o fim (Mt 24.14). Isto é, a expressão grega
κηρυχθησεται - kerychtesetai “será pregado” tem como raiz a palavra kerygma, uma
proclamação audível e inteligível do evangelho.116
Para Lidório, está ação kerygmática evoca
uma relação demográfica e contextual.117
Desse modo, a ideia textual que norteia o discurso de
Jesus era que o evangelho deveria ser pregado a todas as nações, muito embora, o evangelho ao
ser pregado representava um desafio muito maior do que apenas a verbalização, representava
ser compreendido por um mundo multicultural.
Como será evidenciado, a prática da pregação deve possuir confrontação cultural
(pregação) e adaptação cultural (contextualização apologética) que não são mutuamente
excludentes, e somado a elas a profundidade teológica. O teólogo escocês Forsyth ilustra esse
princípio ao dar exemplo de como o apóstolo João em seu evangelho se apropria do termo pagão
logos, uma palavra cultural filosófica pagã, para apresentar Deus à realidade helênica de seus
116
LIDÓRIO, Ronaldo. Fronteiras e contextualização. Disponível em:
http://instituto.antropos.com.br/v3/index.php?option=com_content&view=article&id=634:ronaldo-
lidorio&catid=35&Itemid=3. Acessado em 15/10/18.
117
Idem.
41. 40
dias. Conforme interpreta Forsyth, João se apropria desse termo porque os gregos acreditavam
que palavra logos estava diretamente relacionada a ordem cósmica por detrás do mundo
material.118
Assim, a intenção do apóstolo era utilizar o termo pagão com a intenção de dar um
novo significado ao relacioná-lo a Jesus como o poder e o sentido por trás do cosmo. Ou seja,
se utiliza de algo cultural para explicar uma realidade nova, associada com sua mensagem de
salvação em Cristo Jesus. O apóstolo ao utilizar-se do termo grego, tocou na camada profunda
da cultura, mas não se identificou com o sentido cultural, mas, o ampliou relacionando ao
verdadeiro verbo em que o mundo se origina e faz realmente sentido. Desse modo, Lidório
afirma que “o anúncio fiel do evangelho deve expor a Escritura confrontando a realidade do
homem com a realidade de Deus”119
, pois, o pregador cristão não é um sucessor do orador
grego, que busca por meio da retórica persuadir o seu ouvinte, mas, sucessor do profeta hebreu,
que através da pregação da palavra descortina o coração idólatra do homem e os confronta em
sua própria realidade.120
Assim como o Rev. Gaspar de Sousa explica, o desafio da pregação no contexto pós-
moderno é apresentar a fé cristã de uma maneira que não apenas mostre a incoerência do
pensamento das pessoas, mas mostre como o cristianismo lhes oferece uma nova perspectiva
de vida e propósito. No entanto, a forma bíblica de fazê-lo é começar por onde as Escrituras
começam: quem é Deus? Qual a relação entre nós e o criador? O que Deus requer nós? Pois, a
necessidade do homem é saber de onde ele veio e qual a sua finalidade.121
Esse princípio de pregação descreve muito do modo como Deus se revelou ao homem,
pois, Deus não apenas se revelou a humanidade, mas o fez de diversos modos ao se comunicar
através de analogias, figuras, metáforas (Leão, cordeiro, sarça e outros mais) visando ser
entendido pelo homem. Deus se revelou a nós através da linguagem para que pudéssemos
compreendê-lo e o fez porque somos ignorantes e limitados. Conforme Calvino conclui, a maior
forma de adaptação e acomodação para se fazer compreensível ao mundo foi pela vinda de
Cristo, pois, Nele, toda a grandeza insondável de Deus e transcendência, que de nenhuma outra
forma seria acessível ao homem, foi manifesta na sua pessoa e obra.122
Como Calvino nos ensina:
118
Ibid., p. 119
119
LIDÓRIO, Ronaldo. Evangelização urbana em um mundo líquido, pluralístico e multirreligioso.
120
FORSYTH, 1998, p. 73 apud Keller 2017, p. 118.
121
Ibid,. p. 35.
122
CALVINO, John, 1996, p, 33 apud MAIA, Hermisten. A reforma e a Escritura: Calvino como leitor,
intérprete e pregador da palavra. Goiânia: Editora Cruz. 2017.
42. 41
Pois quem, mesmo os de bem parco entendimento, não percebe que Deus assim fala
conosco como que a balbuciar, como as amas costumam fazer com as crianças? Por
isso, formas de expressão como essas não exprimem, de maneira clara e precisa, tanto
o que Deus é, quanto lhe acomodam o conhecimento à pobreza de nossa compreensão.
Para que assim suceda, é necessário que ele desça muito abaixo de sua excelsitude.123
Ora, uma vez que nossa insuficiência não atinge sua excelsitude, a descrição que Dele
nos é apresentada tem de se acomodar à nossa capacidade, para que seja por nós
entendido.124
Para Calvino, o modo como Deus comunica ao homem é um ato de condescendência
divina,125
porque apesar de Deus ser insondável, puro, Santo, transcendente, e, estar além da
compreensão humana, Ele mesmo se revela a criação de tal modo que compreendam quem Ele
é. Sobre isso, a Confissão de fé de Westminster no primeiro capítulo diz que:
[...] Contudo, não sendo essas línguas conhecidas por todo o povo de Deus – que tem
direito à Escritura e interesse por ela, e que deve, no temor de Deus, lê-la e estudá-la
–, esses livros tem de ser traduzidos nas línguas comuns de todas as nações onde
chegarem. O propósito é que a palavra de Deus, permanecendo nelas abundantemente,
possibilite que as pessoas adorem a Deus de modo aceitável e possuam a esperança
pela paciência e pelo conforto da Escritura.126
A ênfase que a Confissão de fé de Westminster e os reformadores deram ao uso das
Escrituras nas línguas vernáculas representa a preocupação de que as pessoas de todos as nações
possuíssem o privilégio de compreender a mensagem do evangelho através da língua que lhes
fala o coração. O zelo pelo qual os pastores de Westminster tiveram não era compatível com
uma simples tradução literal de palavras ou substituição de código linguístico, mas uma
preocupação que o evangelho pudesse ser compreensível por diferentes pessoas que pensam e
possuem valores diferentes.
Parafraseando Vanhoozer, se a teologia é o ministério da palavra ao mundo, segue-se
que os pregadores devem saber algo sobre o mundo a que estão ministrando.127
Ou seja, não há
a possibilidade de uma homilia descomprometida com a realidade do mundo, pois, para
comunicar melhor o evangelho é preciso assumir que a fidelidade e relevância cultural são dois
123
CALVINO, João. As institutas: v.1. São Paulo: Cultura Cristã. 2006, p. 127-128.
124
Ibid., p. 226.
125
MAIA, Hermisten. A reforma e a Escritura: Calvino como leitor, intérprete e pregador da palavra. Goiânia:
Editora Cruz. 2017, p. 31.
126
DIXHOORN. Chad Van. Guia de estudos da Confissão de Fé de Westminster. Cultura Cristã: São Paulo,
2017. p. 45.
127
VANHOOZER, Kevin, 2007, p. 8 apud GIULIANO, 2016, p. 11. Pregando num mar de mudança:
contribuições a partir do conceito de contextualização de Newbigin. Disponível em:
http://cpaj.mackenzie.br/fidesreformata/arquivos/edicao_41/artigos/289.pdf. Acesso em 04/10/2018 às 10:40.
43. 42
lados da mesma moeda para esta sociedade pós-moderna. Contudo, como observa Cocarro,
todo pregador deverá estar consciente que ao contextualizar terá de admitir a possibilidade de
uma “linha tênue entre ser culturalmente engajado e biblicamente superficial”.128
Um exemplo
positivo deste engajamento cultural com o evangelho foi Jonathan Edwards, como bem declara
Keller:
Jonathan Edwards, em 1571, [...] se mudou de Northampton para Strockbridge, que
ainda ficava em Massachusetts, porém numa região mais distante, próximo ao limite
do país e ali ele pregou aos índios americanos da tribo dos moicanos e dos mohawks.
Restaram apenas alguns sermões dos anos de Strockbridge, porém, todos os
estudiosos que os analisaram observaram o óbvio: Edwards mudou substancialmente
sua abordagem de pregação em relação aos anos anteriores. Ele recorreu a um novo
conjunto de imagens e metáforas que adaptavam melhor ao seu público. Edwards
mudou seu esboço tradicional de pregação, pondo de lado o modelo que dependia
mais da retórica clássica, em uma abordagem mais dedutiva – iniciada com uma tese
que, em seguida, era analisada e defendida –, e adotando uma abordagem mais
indutiva, que começava com questionamentos e reunia as ideias em uma conclusão.
Edwards levou em conta que seus ouvintes haviam sofrido uma opressão enorme e
haviam sido maltratados. Suas mensagens desse período adquiriam um tom de
conforto e consolo mais frequente do que seus sermões anteriores. O mais notável foi
como ele usou a narrativa mais abundantemente do que antes. Edwards foi um
contextualizador intencional do evangelho, e o fez com maestria.129
Jonathan Edwards nos lembra que compreender a cultura não significa ser absorvido
por ela, mas discernir e desafiar crenças culturais. No entanto, a insensibilidade ou a negligência
de interpretar os sinais dos tempos significa ser culpado do que se pode chamar de “a grande
omissão”.
Diante disso, como pregar o evangelho da cruz e da glória de Deus a uma geração
convicta de que a História da humanidade não tem nada a lhes oferecer se não fracasso,
opressão, guerras, intolerância e racismo? Como pregar a uma geração que é avessa ao
cristianismo?
Primeiramente, mostrando como o pensamento pós-moderno é uma crença, uma
cosmovisão e não um estilo novo e aleatório de ver o mundo como acreditam. Revelar como
dão tremendos saltos de fé, mas negam qualquer sistema de crença ou a tradição. Depois,
mostrar como o pensamento pós-moderno na prática é contraditório em idealizar um mundo de
paz e tolerância alheios a fé, pois, nenhum ideal moral pode existir nesse mundo a parte de um
referencial transcendente.
128
Idem.
129
Keller, Timothy. Pregação: comunicando a fé na era do ceticismo. São Paulo: Vida Nova. 2017, p. 123.