O documento descreve a vida e carreira do médico Ralf Kyrmse, um intelectual apaixonado e curioso. Ele foi um dos fundadores de hospitais em Curitiba e o primeiro a publicar um livro sobre otorrinolaringologia pediátrica no Brasil. Ao longo de sua vida, demonstrou grande paixão pela medicina, ensino, escrita e cultura.
1. GRALHA AZUL - No. 59 - JULHO - 2016 - SOCIEDADE BRASILEIRA DE MÉDICOS ESCRITORES - SOBRAMES - PR
GRALHA AZULGRALHA AZUL
“O
médico
curi,bano
Ralf
Kyrmse
merece
ser
nome
de
praça,
de
rua,
de
prédio,
ponto
do
livro
escolar.
Seus
méritos
são
incontáveis
–
está
listado
entre
os
fundadores
de
hospitais
como
o
Evangélico
e
o
César
Perneta
(Pequeno
Príncipe);
e
é
autor
do
primeiro
livro
sobre
otorrinolaringologia
pediátrica
–
sua
especialidade
–
publicado
no
Brasil.
É
impossível
precisar
quantos
pacientes
atendeu
nos
51
anos
em
que
clinicou,
boa
parte
no
conjunto
306
da
Galeria
Lustosa,
Centro
de
Curi,ba.
Tampouco
o
número
de
alunos
que
acompanhou
como
professor
de
Medicina
da
Faculdade
Evangélica,
entre
1969
e
1982.
O
doutor
Ralf
por
si
só
era
um
gigante,
como
se
diz,
mas
havia
o
cidadão
Ralf,
o
escritor
Ralf,
o
amigo
Ralf
–
que
frequentava
a
confraria
Os
Cotonetes,
de
alemães
veteranos.
Sobretudo,
vale
citar
o
“Ralf,
o
curioso”
e
de
“Ralf,
o
apaixonado”
–
todos
igualmente
grandes.
“O
Ralf
descobriu
uma
ponte
que
leva
do
nada
ao
lugar
nenhum”,
irrompeu,
certa
feita,
a
jornalista
Rosy
de
Sá
Cardoso,
na
redação
da
Gazeta
do
Povo.
Já
passado
dos
80
anos,
numa
viagem
a
Cerro
Azul,
no
Vale
da
Ribeira,
fez
parar
o
carro
ao
perceber,
de
longe,
uma
ponte
“aposentada”
sobre
o
Rio
Piedade.
Relatou
o
que
pôde,
avisou
a
redação.
A
matéria
rendeu
e
o
resultado
está
prestes
a
virar
um
documentário.
Antes
disso,
o
mesmo
Ralf
e
sua
amiga
Rosy
escreveram
uma
matéria
de
inves,gação
cultural
sobre
o
estranho
caso
do
teatro
que
sumiu,
em
Paranaguá
–
cidade
onde
ambos
viveram
quando
pequenos.
Não
faltam
exemplos
de
onde
a
curiosidade
podia
levá-‐lo.
Se
não
encontrava
as
novas
“dando
sopa”
por
aí,
fuçava-‐as
nos
livros,
não
raro
em
alemão
–
língua
que
dominava
como
se
fosse
fácil.
Era
capaz
de
falar
sobre
conchas,
história,
polí,ca
–
sempre
com
a
mesma
proficiência.
Caso
a
conversa
pesasse,
sempre
havia
o
jazz:
discorria
sobre
Gershwin,
Cole
Porter
e
Billie
Holliday
como
se
,vessem
estudado
juntos
no
Colégio
Progresso.
Aliás,
foi
colega
de
jardim
de
infância,
em
escola
da
Rua
Aquidaban,
de
ninguém
menos
que
Dalton
Trevisan,
o
vampiro.
Ralf
Kyrmse
(um
sobramista
de
escol)
um
intelectual
no
exercício
da
paixão
José
Carlos
Fernandes
colaboração
para
a
Gazeta
do
Povo
[02/07/2016]
2. 2GRALHA
AZUL
-‐
No.
59
-‐
JULHO
-‐
2016
-‐
SOCIEDADE
BRASILEIRA
DE
MÉDICOS
ESCRITORES
-‐
SOBRAMES
-‐
PR
Na
úl,ma
entrevista
dada
à
Gazeta
,
no
início
deste
ano,
o
médico
falou
de
temas
que
lhe
foram
caros
na
mocidade,
como
a
germanofobia
que
levou
ao
confisco
e
queima
de
livros
da
comunidade
alemã
de
Curi,ba,
um
verdadeiro
bibliocausto.
Se
a
erudição
impressionava,
não
ficava
para
trás
no
quesito
espontaneidade.
No
início
dos
anos
2000,
deu-‐se
conta
de
que
conhecia
três
con,nentes,
mas
que
desde
os
tempos
das
calças
curtas,
quando
era
marumbinista,
,nha
deixado
de
se
aventurar
pelas
redondezas.
Calçou
um
tênis,
catou
a
máquina
fotográfica
e
se
lançou
numa
maratona
urbana.
Fez
do
começo
ao
fim
180
linhas
de
ônibus,
ao
longo
de
quatro
anos,
somando
4
mil
quilômetros.
Falava
com
entusiasmo
do
Rio
Barigui
e
do
bairro
Pinheirinho
–
sua
descoberta
da
América.
Relatou
tudo
em
diários,
que
preferia
manter
no
anonimato,
assim
como
outros
escritos,
a
exemplo
do
livro
de
crônicas
autobiográficas
A
dosagem
certa,
xerocado
para
os
conhecidos.
Publicar,
só
o
que
escreveu
sobre
ouvido,
nariz
e
garganta.
Cerebral,
preciso
e
conciso,
em
segundos
Ralf
podia
se
assemelhar
ao
mais
passional
dos
la,nos.
Bastava
falar
em
Margot
Blum,
a
mulher
que
ele
amou.
A
história
dos
dois
habita
o
imaginário
român,co
de
Curi,ba.
Conheceram-‐se
em
1944,
no
Interamericano
do
Edivcio
Garcez.
Ao
vê-‐la
pela
primeira
vez,
muito
loura,
em
blusa
creme,
criou
coragem,
aproximou-‐se
e
se
declarou.
“Meu
nome
é
Ralf
e
quero
me
casar
com
você”.
Ela
aceitou.
Viveram
juntos
cinco
décadas.
Num
grande
livro
de
recordações,
que
deixava
sobre
a
mesa
da
sala,
Ralf
arquivava
os
bilhetes
trocados,
as
flores
secas,
os
ingressos
de
teatro
que
par,lharam.
“Quando
minha
mãe
adoeceu,
ele
se
internou
com
ela
na
UTI”,
conta
o
filho
caçula
Ricardo
Alberto
Kyrmse,
otorrino
como
o
pai.
Ao
perdê-‐la,
em
2003,
passou
a
visitar
o
túmulo
da
mulher
todos
os
domingos,
no
Cemitério
Luterano,
nem
que
fosse
debaixo
de
tempestades.
Foram
13
anos
de
ausência.
Bastava
falar
de
Margot
e
lhe
caía
uma
lágrima.
Para
surpresa,
morreu
no
dia
em
que
ela
faria
aniversário,
uma
coincidência
talhada
de
encanto
para
aqueles
que
,veram
o
prazer
de
conhecê-‐los.
Deixa
dois
filhos
–
Ronald
e
Ricardo
–,
4
netos
e
2
bisnetos.
Faleceu
dia
6
de
junho,
aos
90
anos,
de
complicações
da
idade,
em
Curi,ba.”
3. 3GRALHA
AZUL
-‐
No.
59
-‐
JULHO
-‐
2016
-‐
SOCIEDADE
BRASILEIRA
DE
MÉDICOS
ESCRITORES
-‐
SOBRAMES
-‐
PR
JOÃO
DA
CRUZ
E
SOUZA
O
Simbolismo
inaugurou-‐se
no
Brasil
em
1893,
com
a
publicação
das
obras
Missal
(prosa)
e
Broquéis
(poesia),
ambas
de
autoria
de
Cruz
e
Sousa,
que
é
considerado
o
maior
autor
simbolista.
Além
de
Cruz
e
Sousa,
destacam-‐se
Emiliano
Perneta,
B.
Lopes,
Nestor
Vitor,
Gustavo
San,ago,
Alphonsus
de
Guimaraens
e
Pedro
Kilkerry.
Posto
que
de
inspiração
francesa,
recebendo
o
influxo
marcante
de
Mallarmé,
Verlaine
e
Rimbaud,
o
nosso
Poeta
Negro
ainda
conservou
indisfarçáveis
toques
parnasianos,
principalmente
em
sua
fase
inicial
e
nos
sonetos
com
a
preocupação
da
“forma
pela
forma”,
afinando-‐se
mais
pelo
“diapasão
da
eloquência
parnasiana
do
que
pelo
verso
musical
e
doce
dos
simbolistas”.
Principais
obras:
Missal
(prosa
-‐
1893);
-‐
Broquéis
(poesia
-‐
1893);
-‐
Tropos
e
fantasias
-‐
1898;
-‐
Faróis
-‐
1900;
-‐
Úl,mos
sonetos
-‐
1905;
Principais
caracterís,cas
no
plano
temá,co:
a
morte,
a
transcendência
espiritual,
a
integração
cósmica,
o
mistério,
o
sagrado,
o
conflito
entre
matéria
e
espírito,
a
angús,a
e
a
sublimação
sexual,
a
escravidão
e
uma
verdadeira
obsessão
por
brilhos
e
pela
cor
branca;
No
plano
formal
as
sinestesias,
as
imagens
surpreendentes,
a
sonoridade
das
palavras,
a
predominância
de
substan,vos
e
o
emprego
de
maiúsculas,
u,lizadas
com
a
finalidade
de
dar
um
valor
absoluto
a
certos
termos.
A
delicadeza
de
Cruz
e
Sousa
busca
nos
53
poemas
a
pureza
por
meio
do
uso
da
cor
branca,
seja
na
luminosidade
do
luar,
seja
na
neblina,
como
em
An}fona,
o
poema
de
abertura.
Poeta
Negro,
Dante
Negro,
Cisne
Negro...
Não
são
poucas
as
alcunhas
criadas
para
homenagear
João
da
Cruz
e
Sousa,
poeta
catarinense
nascido
em
novembro
de
1861
na
cidade
de
Desterro,
atual
Florianópolis,
capital
da
então
província
de
Santa
Catarina.
Filho
de
escravos
alforriados,
com
a
morte
de
seus
protetores
(que
lhe
cederam
o
sobrenome)
foi
obrigado
a
largar
os
estudos
e
trabalhar.
Sofreu
uma
série
de
perseguições
raciais,
que
culminaram
com
a
proibição
de
assumir
o
cargo
de
promotor
público
em
Cruz
e
Sousa
militou
pela
alforria,
discu,u
as
questões
cadentes
de
seu
tempo
e
fundou
jornais
alterna,vos.
Em
1890
mudou-‐se
para
o
Rio
de
Janeiro,
onde
entrou
em
contato
com
a
poesia
simbolista
francesa
e
seus
adeptos.
Cruz
e
Sousa
colocou
a
nova
escola
em
diálogo
com
a
tradição
brasileira
e
esteve
à
frente
do
novo
movimento,
que
encontrou
repercussão
em
grande
parte
do
território
brasileiro.
Vencido
pela
tuberculose,
o
poeta
morreu
em
março
de
1898,
aos
36
anos
de
idade,
na
cidade
de
Sí,o
(Antonio
Carlos),
Minas
Gerais.
Num
momento
em
que
o
cânone
poé,co
do
país
era
determinado
pelo
Parnasianismo,
o
aparecimento
em
1893
de
Broquéis,
trazendo
poesias
de
emoção
intensa
e
grande
musicalidade,
causou
impacto
ao
inaugurar
o
Movimento
Simbolista
no
Brasil.
A
linguagem
do
poeta
catarinense
foi
de
tal
forma
revolucionária
que
acabou
por
integrar
os
traços
do
parnasianismo
num
novo
código
verbal,
com
significados
inteiramente
novos.
O
poeta
faz
farto
uso
de
recursos
sonoros
como
assonâncias,
aliterações,
sinestesias
e
cognações,
criando
assim
uma
musicalidade
delicada,
que
se
soma
a
uma
linguagem
erudita
e
a
um
sutilíssimo
jogo
de
palavras.
Vogais
nasaladas
e
consoantes
líquidas
ou
sibilantes
alternam-‐se,
prolongando
a
duração
do
Zluxo
sonoro,
já
intensiZicado
pelas
rimas
e
outros
recursos
fonéticos.
Cruz
e
Sousa
enveredou
também,
em
suas
poesias,
pelos
caminhos
da
espiritualidade,
às
vezes
de
um
misticismo
exaltado.
Apesar
de
todas
essas
características
impressionantes,
alguns
críticos
acreditam
que
a
expressão
mais
acabada
da
poética
de
Cruz
e
Souza
não
está
nesta
sua
obra
do
período
inicial,
mas
nos
mais
maduros
Últimos
Sonetos,
publicados
postumamente
em
1905.
Mesmo
assim,
é
inegável
que
Broquéis
renovou
a
expressão
poética
em
língua
portuguesa,
ao
romper
com
a
norma
parnasiana
e
optar
pela
invenção
linguística
e
consciência
formal
como
bases
da
expressão.
Poucas
obras
conseguem
ombrear-‐se
a
ela
no
que
diz
respeito
à
força
e
à
originalidade
empregadas.
4. 4
VIOLÕES
QUE
CHORAM
Cruz
e
Sousa
E
sons
soturnos,
suspiradas
magoas,
Mágoas
amargas
e
melancolias,
No
sussurro
monótono
das
águas,
Noturnamente,
entre
ramagens
frias.
Vozes
veladas,
veludosas
vozes,
Volúpias
dos
violões,
vozes
veladas,
Vagam
nos
velhos
vór,ces
velozes
Dos
ventos,
vivas,
vãs,
vulcanizadas.
Tudo
nas
cordas
dos
violões
ecoa
E
vibra
e
se
contorce
no
ar,
convulso…
Tudo
na
noite,
tudo
clama
e
voa
Sob
a
febril
agitação
de
um
pulso.
Que
esses
violões
nevoentos
e
tristonhos
São
ilhas
de
degredo
atroz,
funéreo,
Para
onde
vão,
fa,gadas
do
sonho
Almas
que
se
abismaram
no
mistério….”
O
ASSINALADO
Cruz
e
Sousa
Tu
és
o
louco
da
imortal
loucura,
O
louco
da
loucura
mais
suprema.
A
Terra
é
sempre
a
tua
negra
algema,
Prende-‐te
nela
a
extrema
Desventura.
Mas
essa
mesma
algema
de
amargura,
Mas
essa
mesma
Desventura
extrema
Faz
que
tu’alma
suplicando
gema
E
rebente
em
estrelas
de
ternura.
Tu
és
o
Poeta,
o
grande
Assinalado
Que
povoas
o
mundo
despovoado,
De
belezas
eternas,
pouco
a
pouco…
Na
Natureza
prodigiosa
e
rica
Toda
a
audácia
dos
nervos
jus,fica
Os
teus
espasmos
imortais
de
louco!
DE
CRUZ
A
LEMINSKI
Sérgio
Pitaki
-‐
13/06/2016
Nas
vozes
dos
violões
ouço
a
Lua
Puras
almas
a
velar
seus
botões
Verdes
plagas
a
mostrar
seus
chorões
Velas
brancas
intactas
pela
rua
Choro
ao
rever
o
poeta
pela
cruz
Em
sua
sincera
profissão
de
fé
Poetar
do
céu
ao
inferno
até
Desde
o
Vermelho
à
mais
Branca
luz
Incenso,
mirra
e
ardido
fumo
Altos
altares
em
certo
prumo
Ali
velam
em
vida,
a
heresia
Os
paulos
e
joões
sem
qualquer
rumo
Cruzes
e
Leminskis
em
cortesia
Legam-‐nos
o
céu,
a
lua
e
a
poesia.
TRIUNFO
SUPREMO
Cruz
e
Sousa
Quem
anda
pelas
lágrimas
perdido,
Sonâmbulo
dos
trágicos
flagelos,
é
quem
deixou
para
sempre
esquecido
o
mundo
e
os
fúteis
ouropéis
mais
belos!
É
quem
ficou
do
mundo
redimido,
expurgado
dos
vícios
mais
singelos
e
disse
a
tudo
o
adeus
indefinido
e
desprendeu-‐se
dai
carnais
anelos!
É
quem
entrou
por
todas
as
batalhas
às
mãos
e
os
pés
e
o
flanco
ensangüentado,
amortalhado
em
todas
as
mortalhas,
Quem
florestas
e
mares
foi
rasgando
e
entre
raios,
pedradas
e
metralhas,
ficou
gemendo,
mas
ficou
sonhando!
Editor Responsável: Sérgio Augusto de Munhoz Pitaki - SOBRAMES PR
BIBLIOGRAFIA: Cruz e Sousa - O poeta do Desterro, Silvio Back. Poesia e Vida de Cruz e Sousa - R.
Magalhães Jr.. Para Conhecer Melhor Cruz e Sousa, Andrade Muricy. Broquéis-Faróis-Últimos Sonetos,
Cruz e Sousa. Cruz e Sousa, Aspectos Estilísticos, Arthur de Almeida Torres. Cruz e Sousa, O Negro
Branco, Paulo Leminski.