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Estado e Ensino Rural no Brasil na Primeira Metade do Século XX:
Balanço Historiográfico
Sonia Regina de Mendonça
Programa de Pós-Graduação em História (UFF)
Investigadora do CNPq - Brasil
Apresentação
A questão das relações entre grupos dominantes agrários e Estado no Brasil tem sido
objeto de minhas reflexões, sobretudo no que se refere ao âmbito do mundo rural,
embora permanentemente redefinida e ampliada1
como no caso do presente artigo, cujo
objeto é a crítica à historiografia sobre as políticas de Ensino Rural - primário e médio -
no decorrer da primeira metade do século XX.
O Ensino Agrícola -em seus níveis elementar, médio e especial2
- foi originalmente
implantado no Brasil pelo Ministério da Agricultura na década de 1910, uma vez que a
conjuntura do imediato pós-abolição da escravidão havia tornado premente, para os
grupos dominantes do país, estabelecer balizas mínimas que redefinissem e
assegurassem o controle e a tutela sobre a dita “população rural brasileira”, agora
também integrada por ex-escravos e seus descendentes. Daí o surgimento das primeiras
instituições dedicadas ao “Ensino Agrícola”, cuja premissa consistia em fixar a terra
jovens filhos de rurícolas3
-a serem dotados das noções elementares de um saber
prático– e também a infância desvalida das cidades, encaminhada ao campo para viver
em regime de internato4
.
1
Cito como exemplos: Mendonça, S. R. de; O Ruralismo Brasileiro. São Paulo: Hucitec, 1997;
Agronomia e Poder no Brasil. Rio de Janeiro: Vício de Leitura, 1999; A Politica de Cooperativização
Agrícola do Estado Brasileiro (1910-1945). Niterói: EdUFF, 2002; A classe dominante agrária: natureza
e comportamento (1964-1990). São Paulo: Expressão Popular, 2006; O Patronato Rural no Brasil
Recente. Rio de Janeiro: EdUFRJ, 2010.
2
O Ensino Especial agrícola foi consolidado pela Lei Orgânica do Ensino Agrícola (1946), que
circunscreveu este tipo de formação aos domínios do “ensino profissionalizante”.
3
Utilizo o itálico para termos e expressões de época, bem como para citações extraídas de documentos do
período pesquisado.
4
Cf. Mendonça, S. R. de; Estado e Educação Rural no Brasil: Alguns Escritos. Rio de Janeiro:
Faperj/Vício de Leitura, 2007.
270
Entre 1920 e 1930, os debates sobre este ramo de ensino se complexificaram em face da
multiplicação de atores sociais auto-investidos da legitimidade de ingerir junto à
matéria, polarizando a disputa sobre as políticas de Educação Rural em torno a duas
propostas: 1) a escola rural como instrumento de alfabetização ou 2) a escola rural como
instrumento da qualificação para o trabalho. A vitória desta última posição não
impediria que, a partir da implantação da ditadura de Getúlio Vargas, entre 1937-45,
fosse resgatada a chamada vertente ruralizadora do Ensino Agrícola, centrada no
binômio Educação e Treinamento/Capacitação.
Ou seja, até as décadas de 1940 e 1950, seria a instituição escolar o elemento
viabilizador de ambas as vertentes. O contexto da Guerra Fria do imediato Pós II
Grande Guerra, entretanto, ao favorecer a multiplicação de acordos de cooperação
técnica entre os governos brasileiro e norte-americano, promoveria uma ruptura nesse
quadro, levando à substituição da escola rural por agências de cunho assistencialista,
tanto técnica, quanto socialmente falando.
Educação Rural no Brasil: Balanço Historiográfico
No caso do ensino rural primário e médio, dois são os aspectos essenciais presentes
junto à historiografia especializada. O primeiro consiste no fato da maioria das obras
produzidas sobre o tema provirem de profissionais das áreas de Educação/Pedagogia,
longinquamente secundados por historiadores da educação 5
todos eles dotados, pois, de
um habitus6
bastante peculiar. O segundo remete à lacuna existente sobre o objeto em
5
A grande concentração de pesquisas sobre este contexto histórico prende-se a dupla ordem de questões.
De um lado, a redefinição da correlação de forças vigente no novo bloco no poder, marcada pelo
enfraquecimento das “oligarquias” agrárias hegemônicas e a incorporação política de novos atores como
industriais e setores médios urbanos. De outro, a abrangência do projeto encampado pela nova agencia do
Estado, destinada a construir uma “cultura nacional” homogênea e a fixar diretrizes educacionais para
todo o país, complementando o processo de centralização política em curso. Cf. Rocha, M. I; “A
construção histórica da escola no meio rural em Minas Gerais”. Cadernos de Textos do 1o
Encontro
Estadual de Minas Gerais, Belo Horizonte, 1998, pp. 5-12; Romanelli, O; “Minas e os primórdios da
educação”. Lições de Minas: Setenta Anos da Secretaria de Educação. Belo Horizonte: GMG/SEE, 2000;
Cavalcante, M. J. M; “Algumas Indagações sobre o Silêncio em Torno da 6a
Conferência Nacional de
Educação”, História da Educação, nº 8, Pelotas, set., 2000, pp. 193-210; Cunha, L. A; Educação, Estado
e Democracia no Brasil. São Paulo/Niterói: Cortez/EdUFF, 1999.
6
O habitus, para Bourdieu, pode ser assim definido: “Na medida em que as instâncias de formação e
seleção do corpo professoral estejam aptas a inculcar em todos os docentes uma disposição intensa e
271
todo o contexto histórico anterior às décadas de 1950 a 1980 já que preponderam, em
toda a literatura analisada, estudos relativos a políticas públicas pontuais, quase sempre
relativas a períodos bastante recentes 7
.
Do ponto de vista historiográfico verifica-se ainda que, tanto obras “clássicas” sobre o
ensino agrícola no Brasil, produzidas a partir de inícios do século XX8
, quanto análises
mais contemporâneas9
, comungam de duas características comuns: a) uma escassa
preocupação em retomar o objeto em sua perspectiva histórico-processual e b) a pouca
atenção conferida a este ramo do ensino já que os especialistas costumam pesquisar
sobre o ensino primário em seu âmbito basicamente urbano e, mesmo assim, quando o
fazem, focalizam o período compreendido entre 1930 e 1945, enfatizando a gestão de
Gustavo Capanema à frente do recém-criado Ministério da Educação e Saúde10
.
Alguns poucos trabalhos podem ser considerados exceções11
, posto buscarem investigar
a problemática da Educação Rural numa perspectiva efetivamente histórica. Todavia, ao
durável para reconhecer as hierarquias e os valores deste mesmo corpo, a instituição terá podido, sem
dúvida alguma, dominar os efeitos de um possível crescimento de estudantes” uma vez que todos
disporão da mesma programação para pensar e agir. Bourdieu, Pierre; A economia das trocas simbólicas.
São Paulo: Perspectiva, 1984.
7
Dentre alguns exemplos citamos Barreto, Elba S; “Novas Políticas educacionais para velas escolas
rurais: um estudo de caso no sertão do Piauí”. Cadernos de Pesquisa, nº 46, São Paulo, 1983, pp. 23-49,
1983, dedicado ao estudo de um único programa educacional e Arroyo, M. “Escola, Cidadania e
Participação no Campo”. Espaço Aberto, ano 1, nº. 9, Brasília, INEP, 1982, pp. 1-17.
8
Cf. Azevedo, F. de; A Cultura Brasileira. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1944; Amaral, Luís;
História Geral da Agricultura Brasileira no Tríplice Aspecto Político-Social-Econômico. 2 a. ed. São
Paulo: Companhia Editora Nacional, 1939, vol. 1; Freitas, M. T. de; O ensino primário no Brasil. São
Paulo: Melhoramentos, 1934; Mennucci, S; O que fiz e o que pretendia fazer. São Paulo: Piratininga,
1932; dentre outros.
9
Carvalho, M. M. C. de. “Reformas da Instrução Pública”. In: Lopes, E.; Faria F°, L. & Veiga, C. (orgs.);
500 Anos de Educação no Brasil. Belo Horizonte: Autêntica, 2003, pp. 225-251; Calazans, M. J. “Para
Compreender a Educação do Estado no Meio rural”. In Therrien, J. & Damasceno, M. (coords);
Educação e Escola no Campo. São Paulo: Papirus, 1993, pp. 15-40; Leite, S; Escola Rural: urbanização
e políticas educacionais. São Paulo: Cortez, 2002.
10
A grande concentração de pesquisas sobre este contexto histórico prende-se a dupla ordem de questões.
De um lado, a redefinição da correlação de forças vigente no novo bloco no poder, marcada pelo
enfraquecimento das “oligarquias” agrárias hegemônicas e a incorporação política de novos atores como
industriais e setores médios urbanos. De outro, a abrangência do projeto encampado pela nova agencia do
Estado, destinada a construir uma “cultura nacional” homogênea e a fixar diretrizes educacionais para
todo o país, complementando o processo de centralização política em curso.
11
Calazans, M. J; Caracterização dos Programas de Educação Rural no Brasil. Rio de Janeiro: IESAE,
1981; Calazans, M. J.; Estudo Retrospectivo dos Programas de Educação Rural no Brasil. Rio de
Janeiro: IESAE, 1981; Szmrecsányi, T. & Queda, O. (orgs.); Vida Rural e Mudança Social. São Paulo:
Ed. Nacional, 1976 e Paiva, V; Educação Popular e Educação de Adultos. São Paulo: Loyola, 1983.
272
fazê-lo, visam bem mais ao estudo de uma história do campesinato ou do
desenvolvimento do capitalismo no país em seus momentos-chave, mormente as
décadas de 1930 e 1950. Malgrado sua significativa contribuição, muitos desses autores
vinculam, mecanicamente, a questão da Educação Rural àquela da Educação Popular12
ou então a focalizam como um capítulo da História das Ciências no Brasil13
, sem
focaliza-lo como uma questão eminentemente política em si mesma ou, de modo mais
específico, como produto de políticas públicas conflitantes.
Logo, o primeiro aspecto a reter nesse breve balanço historiográfico é a constatação da
inexistência de uma problematização por parte dos especialistas, sobre as relações entre
Estado e Educação Rural. Os autores consultados realizaram, na verdade,
reconstituições parciais ou lineares da história de tal ramo de ensino, em muito
distanciadas das múltiplas determinações que o imbricam ao Estado restrito no Brasil.
Cabe esclarecer que o Estado está sendo aqui concebido como uma relação social, logo,
como objeto de disputas entre grupos sociais pela imposição de um projeto hegemônico
sobre a matéria, deixando claro que, na literatura sobre o ensino agrícola primário e
médio, preponderam estudos onde a correlação Sociedade Política - Sociedade Civil no
tocante ao Ensino Rural é quase nada explorada, em detrimento da insistência em
valorizar-se o binômio educação rural - desenvolvimento do capitalismo14
.
Por certo tal binômio é uma das dimensões instituintes da problemática, porém não a
única, menos ainda se apreendido a partir da sobredeterminação “linear” da Educação
Rural pelo econômico, sobredeterminação esta que parece informar as análises que
priorizam o ensino primário e médio rural somente como decorrência exclusiva da
maior ou menor necessidade de “qualificação” da força de trabalho em contextos
históricos específicos 15
ou ainda como produtos de uma intervenção estatal destinada,
única e exclusivamente, a debelar focos de potenciais conflitos sociais no campo.
12
Cf. Paiva, V; op. cit.
13
Cf. Szmrecsányi, T. & Queda, O. (orgs.); op. cit.
14
Tal binômio ainda é trabalhado nos termos do grande debate que agitou os anos 1960, onde a
Agricultura era tida como “obstáculo” ao capitalismo brasileiro.
15
A Campanha Nacional de Educação Rural constituiu-se num dos mais expressivos exemplos da
afirmativa, sobretudo considerando-se que foi viabilizada por Acordo de Cooperação firmado entre o
governo brasileiro e agencias do governo norte-americano.
273
Em ambos os registros, a Educação Rural emerge de uma perspectiva instrumental
revelando que, muitas vezes, a própria historiografia respalda a concepção do Ensino
Agrícola como meio para atingir fins sociopolíticos e não como um fim em si mesmo,
na medida em que identifica o trabalhador rural como “carente” 16
. Em consequência,
ratifica-se toda uma construção e uma percepção da escola rural como instituição
“especial”, naturalizada e ignorada em seu caráter de construção histórica, logo, fruto de
inúmeros embates e disputas. A visibilidade destes últimos exige, justamente, que se
desconstrua o que tem sido frequentemente escamoteado e encoberto na história recente
do Brasil, sob fórmulas culturalistas as mais atraentes e supostamente inovadoras: os
problemas estruturais que perpassam a relação cidade-campo. Subestimar a
conflitualidade inerente à própria dinâmica de funcionamento do Estado na
configuração de suas políticas – inclusive as educacionais – bem pouco contribui para
fazer avançar o conhecimento histórico sobre a problemática.
Por isso sugiro partir da premissa de que a relação entre Saber e Poder é parte instituinte
e instituída do próprio Estado, aqui tomado em seu registro gramsciano, isto é, como
Estado Ampliado17
, isto é, espaço de permanentes tensões entre grupos organizados a
partir da sociedade civil e inseridos - ou em luta pela inserção - junto a agências da
sociedade política ou Estado restrito, de modo a tornarem-se capazes de intervir na
definição e redefinição das políticas públicas em geral.
Chamo ainda a atenção para a necessidade de se analisar as múltiplas – e não apenas
unívocas - determinações das políticas destinadas ao Ensino Rural já que muitas delas
nem sempre corresponderam, mecanicamente, como o supõe a historiografia
estabelecida, a interesses imediatos ou exclusivos de grupos dominantes
agrários/agroindustriais. Ignorar este aspecto leva alguns autores a justificar o papel
“subalterno” desempenhado pelo Ensino Agrícola no Brasil a partir da constatação de
que “(...) as classes dominantes brasileiras, especialmente as que vivem do campo,
16
Arroyo, M; op. cit., p. 7.
17
Gramsci, Antonio; Maquiavel, a política e o estado moderno, Rio de Janeiro: Civilização Brasileira,
1986.
274
sempre demonstraram desconhecer o papel fundamental da educação para a classe
trabalhadora” 18
.
Outro equívoco frequente da historiografia especializada consiste em atribuir a origem
do Ensino Rural primário e médio às ações estatais praticadas no decorrer da ditadura
do Estado Novo varguista quando se consolidou, sob a égide do regime de exceção, um
novo bloco no poder configurado a partir da assim chamada “revolução” de outubro de
1930. Segundo muitos autores, somente aí se teriam iniciado “verdadeiros programas de
escolarização considerados relevantes para as populações do campo (...), sob o
patrocínio do Ministério da Agricultura do governo Vargas”19
.
Ora, nada mais equivocado do que tomar 1930 como marco canônico inaugural das
políticas de Educação Agrícola no Brasil e, mais ainda, atribuí-las ao Ministério da
Agricultura varguista posto que esta agência estatal, conforme mencionado
anteriormente, já contemplava, dentre suas práticas, iniciativas destinadas ao ensino
elementar rural desde a década de 1910, através de uma rede de instituições que incluía
Patronatos e Aprendizados Agrícolas 20
, correspondendo os primeiros a interesses que
passavam longe dos interesses imediatos de grupos dominantes agrários, destinando-se,
na verdade,
“à assistência à infância desvalida das cidades, visto que em todos os centros
populosos cresce, dia a dia, o sombrio exército de meninos abandonados,
criminosos e malfeitores de amanhã (...). Dar a mão a essas crianças (...)
prendê-las à fecundidade da terra ou habilitá-las na tenda da oficina ou de uma
profissão é transformar cada uma delas em fator de engrandecimento coletivo”
21
.
Como se percebe, a correlação de forças que presidiu as iniciativas estatais voltadas ao
Ensino Agrícola nem sempre derivou da pressão direta dos segmentos dominantes
rurais, vinculando-se, muitas vezes, a projetos de “profilaxia” social formulados por
18
Calazans, M. J; op. cit., 1993, p. 16, grifos meus.
19
Idem, pp. 16-17, grifos meus.
20
Mendonça, S. R. de. “A construção do Trabalhador Nacional: Estado e pobreza rural no Brasil de
inícios do século XX”. Comunicação apresentada no I Congresso Internacional sobre Pobres e Pobreza
realizado na UNQ, Quilmes, novembro, 1997.
21
Brasil, Relatório do Ministério da Agricultura, Indústria e Comércio, Rio de Janeiro: 1918, p. 137.
275
grupos urbano-industriais, respaldados pelo ideário republicano desde inícios do século
XX.
Outra crítica à historiografia prende-se à questão do continuísmo das políticas estatais
de “ruralização do ensino” posteriores a 1930, fossem elas praticadas pelo Ministério da
Agricultura ou pelo recém-criado Ministério da Educação e Saúde. Tal continuísmo não
deve ser interpretado de uma perspectiva puramente economicista, que a toma tão
somente como fruto da necessidade de conter o êxodo rural numa sociedade em vias de
urbanização e industrialização.
Ora, muito além deste aspecto, a documentação pesquisada revela a existência de um
projeto político e simbólico capaz de disseminar, através do Ensino Agrícola elementar
e médio, códigos de comportamento e de percepção capazes de assegurar tanto o
“disciplinamento” da força de trabalho infanto-juvenil do campo, quanto a produção de
certo consenso capaz de facilitar a identificação de uma única liderança nacional – no
caso, a de Vargas – de modo a combater os localismos políticos típicos da sociedade
rural brasileira22
. Neste registro, a “ruralização do ensino” aprofundada no pós-1930 no
Brasil, correspondeu, uma vez mais, ao atendimento, por parte da Sociedade Política, de
demandas formuladas por grupos urbanos, contrários ao “inchamento” das cidades e
desejosos de consolidar novas alianças políticas, patrocinadas pelo novo regime.
Entretanto, a maior lacuna historiográfica relativa à temática da Educação Rural no
Brasil consiste, a meu juízo, na ausência de uma abordagem que o politize de forma
mais densa, especialmente no tocante ao papel dos vários projetos de Ensino Agrícola
em disputa no período, dando conta não apenas de suas nuances argumentativas, seus
agentes e agências enunciadores, como também de sua efetiva tradução em políticas
públicas concretas. Somente identificando os pontos consensuais e divergentes neles
contidos torna-se possível evidenciar os sistemas de representações acerca da
agricultura e do “homem do campo” brasileiro, bem como as modalidades de atuação do
Estado por elas respaldadas. Seu corolário será uma análise das políticas de Educação
Rural como instrumentos de organização dos interesses de grupos sociais empenhados
22
A este respeito ver Carvalho, M. M. C. de; op. cit., pp. 228-230.
276
na consecução de demandas específicas tanto no âmbito rural, quanto no urbano, em
contextos históricos-chave, tais como as décadas de 1930 ou 1950, por exemplo, ambas
cruciais para o processo de consolidação do capitalismo no país23
.
Aí estiveram em jogo projetos de Ensino Agrícola polarizados em torno de duas
vertentes: uma, que tomava a escola como instituição “de trabalho” e outra, que a
concebia como instituição “de ensino”. Outro exemplo dessa polarização pode ser
verificado nos anos 1950 quando, em função da proliferação e intensificação dos
movimentos sociais rurais, redefiniram-se os instrumentos da ação pública no âmbito
“educacional”, fazendo com que a Escola fosse suplantada pelo Extensionismo ou
mesmo pelo Serviço Social Rural. Como se percebe, foi o próprio conceito de
“Educação Rural” que sofreu redefinições ao longo do período, suplantando uma
dimensão eminentemente escolar por outra, de cunho marcantemente “assistencialista”,
em sua acepção “técnica ou social”24
.
O recorte cronológico compreendido entre a criação do Ministério da Educação e Saúde
(1931) e a Lei de Diretrizes e Bases (1961) abrangeu justamente a complexificação dos
interesses políticos em disputa, uma vez que as distintas modalidades de ensino agrícola
estiveram subordinadas, simultânea e concomitantemente, a duas agências estatais: o
Ministério da Agricultura e o da Educação, fato este quase sempre desconsiderado pela
historiografia especializada que parece tomar a “Educação Rural” como uma única e
mesma modalidade de prática. Respaldadas por grupos sociais diversos quanto a sua
extração e projetos educacionais, as tensões geradas por mais esta sobredeterminação
não seriam poucas, originando superposições de competências, atribuições e,
principalmente, de práticas, que contribuíram para a existência de políticas setoriais
bastante intrincadas.
Agravando ainda mais este quadro deve-se ainda considerar outros aspectos, tais como a
intervenção de grupos ligados ao Ministério da Justiça - que recebeu parcela das antigas
23
Sobre ambos os momentos, cruciais para o desenvolvimento do capitalismo no Brasil sob a gestão,
respectivamente, dos presidentes Getúlio Vargas (1930-45) e Juscelino Kubitschek de Oliveira (1956-60),
ver Oliveira, F. de; Crítica à Razão Dualista e o Ornitorrinco. São Paulo: Boitempo, 2003 e Oliveira, F.
de; A economia da dependência imperfeita. Rio de Janeiro: Graal, 1977.
24
A este respeito ver Arapiraca, J. O; A USAID e a educação brasileira. São Paulo: Cortez, 1982.
277
atribuições “educacionais” da Pasta da Agricultura; a participação dos militares nessa
disputa – face à correlação entre Educação Básica e Segurança Nacional - e, finalmente,
a manutenção do preceito constitucional que, desde a Carta Magna de 1891, ratificava a
dualidade de sistemas de ensino vigente no país, consagrando o de nível primário como
competência de estados e municípios e os de nível médio e superior como objeto
exclusivo da União. Não é difícil inferir que a clivagem regionalismo versus
nacionalização instituiu uma tensão constante na história política do Brasil, aí se
incluindo a questão educacional.
Ainda de um ponto de vista crítico, vale ressaltar que a historiografia sobre o ensino
rural no Brasil desde a implantação da República, até inícios da década de 1960, insiste
em focalizá-lo ora como projeto vinculado a grupos dominantes agrários em busca de
afirmação hegemônica, ora como produto do sistema de dominação política baseado no
poder local, sob a égide do coronelismo Sob este enquadre, tanto o chamado ensino
elementar agrícola, quanto aquele de nível médio, costumam ter seu “insucesso
crônico” explicado pelo pouco interesse dos potentados locais em investir na instrução
de seus trabalhadores, deles dependentes por vínculos pessoais e por eles tutelados
política e eleitoralmente25
.
Em face dessas considerações historiográficas, costuma-se verificar que as primeiras
iniciativas destinadas à implantação do ensino agrícola, concretizadas pelo Ministério
da Agricultura em princípios do século XX, emergem na produção especializada na
condição de “fracassos retumbantes”, mesmo que os estudiosos não se tenham colocado
questões fundamentais, como: qual o significado político da emergência desta agência
estatal, naquele momento histórico? Que conflitos ou disputas a teriam originado? A
que grupos ou entidades de classe veio ela a responder? Consequentemente, que diretriz
ou concepção de educação rural emergiu vitoriosa nesse primeiro embate? Em outra
oportunidade já busquei responder a tais questões, demonstrando que o Ministério da
25
Cf., sobretudo Paiva, V; op. cit. e Leite, S; op. cit.
278
Agricultura surgiu da disputa movida por segmentos da classe dominante agrária menos
dinâmicos, contrários à hegemonia exercida pela grande burguesia cafeeira paulista26
.
A despeito disso, continua sendo usual encontrar trabalhos postulando que a educação
rural no Brasil do primeiro quartel do século XX, em nada teria diferido daquela vigente
nas duas últimas décadas do Império, uma vez que “a população do campo (a maior
parte da população brasileira), ligada pelos laços paternalistas às oligarquias estaduais,
não sentia a instrução como necessidade imediata, nem pressionava no sentido de
sua difusão”27
, o que revela, no mínimo, uma postura ingênua.
Assertivas como esta, malgrado sua lógica intrínseca, parecem subestimar o fato de que
a presença do Estado junto a todo esse contingente de mão-de-obra dispersa – e que
menos de trinta anos após a abolição da escravidão dificilmente se encontraria
organizado, sequer para elaborar demandas em prol do ensino básico – somente seria
viável a partir de uma intervenção definida através de ajustes entre os grupos no poder e
jamais por aqueles que viriam a ser seus objetos. Somente os primeiros seriam capazes
de estipular “ações pedagógicas exemplares”, como no caso dos já citados Aprendizados
e Patronatos Agrícolas, de eficácia política e simbólica significativa.
Ao mesmo tempo, a exacerbada descentralização política, consagrada pelo federalismo
republicano, impedia o Governo Federal de tolher a autonomia dos estados,
perpetuando-se a mais marcante característica do sistema de ensino no Brasil: sua
dualidade, mantida e realimentada pela precarização do nível elementar. De uma forma
ou de outra -e até que se criasse um Ministério da Educação- foi a Pasta da Agricultura
quem monopolizou as políticas destinadas a implantar/consolidar o ensino profissional
agrícola, ramo “menor” da Educação, posto conotar o trabalho manual28
.
Comentários Conclusivos
26
Cf. Mendonça, S. R. de, op. cit., 1997.
27
Paiva, V; op. cit., p. 79, grifos meus.
28
Sobre o papel subalterno socialmente atribuído às Ciências e Saberes aplicados ver Grignon, C.;
L'Ordre des Choses. Les fonctions sociales de l'enseignement technique. Paris: Minuit, 1971.
279
As reflexões até aqui apresentadas evidenciam duas questões. De um lado, que as
políticas destinadas à Educação Rural no Brasil da primeira metade do século XX
decorreram fortemente de conflitos intraestatais, mormente aqueles verificados entre os
grupos sociais vinculados aos Ministérios da Agricultura e da Educação. Seu produto
foi a concretização de uma dupla e simultânea modalidade de atuação do Estado junto a
este setor: uma, centrada na difusão da escola primária regular, praticada pelo
Ministério da Educação e outra, calcada na multiplicação de escolas especiais agrícolas
primárias e médias, perpetrada pelo Ministério da Agricultura.
De outro, que os contornos atribuídos à Educação Rural sofreram profunda inflexão no
decorrer do período compreendido 1930-50, transmutando-se de uma experiência
escolar, num experimento assistencial, em sintonia com a conjuntura da Guerra Fria,
destinando-se a qualificar mão-de-obra rural adulta, em detrimento de educar a infância.
Essa nova modalidade dita de “Ensino” Rural desempenharia, assim, um triplo papel: 1)
o de “imobilizador” da força de trabalho no campo; 2) o de “neutralizador” dos conflitos
sociais rurais e 3) o de qualificador de mão-de-obra, mediante a afirmação hegemônica
da escola enquanto “escola de trabalho”, consagrando, definitivamente, a segmentação
entre trabalho manual e trabalho intelectual.

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Estado e Ensino Rural no Brasil na Primeira Metade do Século XX: Balanço Historiográfico

  • 1. 269 Estado e Ensino Rural no Brasil na Primeira Metade do Século XX: Balanço Historiográfico Sonia Regina de Mendonça Programa de Pós-Graduação em História (UFF) Investigadora do CNPq - Brasil Apresentação A questão das relações entre grupos dominantes agrários e Estado no Brasil tem sido objeto de minhas reflexões, sobretudo no que se refere ao âmbito do mundo rural, embora permanentemente redefinida e ampliada1 como no caso do presente artigo, cujo objeto é a crítica à historiografia sobre as políticas de Ensino Rural - primário e médio - no decorrer da primeira metade do século XX. O Ensino Agrícola -em seus níveis elementar, médio e especial2 - foi originalmente implantado no Brasil pelo Ministério da Agricultura na década de 1910, uma vez que a conjuntura do imediato pós-abolição da escravidão havia tornado premente, para os grupos dominantes do país, estabelecer balizas mínimas que redefinissem e assegurassem o controle e a tutela sobre a dita “população rural brasileira”, agora também integrada por ex-escravos e seus descendentes. Daí o surgimento das primeiras instituições dedicadas ao “Ensino Agrícola”, cuja premissa consistia em fixar a terra jovens filhos de rurícolas3 -a serem dotados das noções elementares de um saber prático– e também a infância desvalida das cidades, encaminhada ao campo para viver em regime de internato4 . 1 Cito como exemplos: Mendonça, S. R. de; O Ruralismo Brasileiro. São Paulo: Hucitec, 1997; Agronomia e Poder no Brasil. Rio de Janeiro: Vício de Leitura, 1999; A Politica de Cooperativização Agrícola do Estado Brasileiro (1910-1945). Niterói: EdUFF, 2002; A classe dominante agrária: natureza e comportamento (1964-1990). São Paulo: Expressão Popular, 2006; O Patronato Rural no Brasil Recente. Rio de Janeiro: EdUFRJ, 2010. 2 O Ensino Especial agrícola foi consolidado pela Lei Orgânica do Ensino Agrícola (1946), que circunscreveu este tipo de formação aos domínios do “ensino profissionalizante”. 3 Utilizo o itálico para termos e expressões de época, bem como para citações extraídas de documentos do período pesquisado. 4 Cf. Mendonça, S. R. de; Estado e Educação Rural no Brasil: Alguns Escritos. Rio de Janeiro: Faperj/Vício de Leitura, 2007.
  • 2. 270 Entre 1920 e 1930, os debates sobre este ramo de ensino se complexificaram em face da multiplicação de atores sociais auto-investidos da legitimidade de ingerir junto à matéria, polarizando a disputa sobre as políticas de Educação Rural em torno a duas propostas: 1) a escola rural como instrumento de alfabetização ou 2) a escola rural como instrumento da qualificação para o trabalho. A vitória desta última posição não impediria que, a partir da implantação da ditadura de Getúlio Vargas, entre 1937-45, fosse resgatada a chamada vertente ruralizadora do Ensino Agrícola, centrada no binômio Educação e Treinamento/Capacitação. Ou seja, até as décadas de 1940 e 1950, seria a instituição escolar o elemento viabilizador de ambas as vertentes. O contexto da Guerra Fria do imediato Pós II Grande Guerra, entretanto, ao favorecer a multiplicação de acordos de cooperação técnica entre os governos brasileiro e norte-americano, promoveria uma ruptura nesse quadro, levando à substituição da escola rural por agências de cunho assistencialista, tanto técnica, quanto socialmente falando. Educação Rural no Brasil: Balanço Historiográfico No caso do ensino rural primário e médio, dois são os aspectos essenciais presentes junto à historiografia especializada. O primeiro consiste no fato da maioria das obras produzidas sobre o tema provirem de profissionais das áreas de Educação/Pedagogia, longinquamente secundados por historiadores da educação 5 todos eles dotados, pois, de um habitus6 bastante peculiar. O segundo remete à lacuna existente sobre o objeto em 5 A grande concentração de pesquisas sobre este contexto histórico prende-se a dupla ordem de questões. De um lado, a redefinição da correlação de forças vigente no novo bloco no poder, marcada pelo enfraquecimento das “oligarquias” agrárias hegemônicas e a incorporação política de novos atores como industriais e setores médios urbanos. De outro, a abrangência do projeto encampado pela nova agencia do Estado, destinada a construir uma “cultura nacional” homogênea e a fixar diretrizes educacionais para todo o país, complementando o processo de centralização política em curso. Cf. Rocha, M. I; “A construção histórica da escola no meio rural em Minas Gerais”. Cadernos de Textos do 1o Encontro Estadual de Minas Gerais, Belo Horizonte, 1998, pp. 5-12; Romanelli, O; “Minas e os primórdios da educação”. Lições de Minas: Setenta Anos da Secretaria de Educação. Belo Horizonte: GMG/SEE, 2000; Cavalcante, M. J. M; “Algumas Indagações sobre o Silêncio em Torno da 6a Conferência Nacional de Educação”, História da Educação, nº 8, Pelotas, set., 2000, pp. 193-210; Cunha, L. A; Educação, Estado e Democracia no Brasil. São Paulo/Niterói: Cortez/EdUFF, 1999. 6 O habitus, para Bourdieu, pode ser assim definido: “Na medida em que as instâncias de formação e seleção do corpo professoral estejam aptas a inculcar em todos os docentes uma disposição intensa e
  • 3. 271 todo o contexto histórico anterior às décadas de 1950 a 1980 já que preponderam, em toda a literatura analisada, estudos relativos a políticas públicas pontuais, quase sempre relativas a períodos bastante recentes 7 . Do ponto de vista historiográfico verifica-se ainda que, tanto obras “clássicas” sobre o ensino agrícola no Brasil, produzidas a partir de inícios do século XX8 , quanto análises mais contemporâneas9 , comungam de duas características comuns: a) uma escassa preocupação em retomar o objeto em sua perspectiva histórico-processual e b) a pouca atenção conferida a este ramo do ensino já que os especialistas costumam pesquisar sobre o ensino primário em seu âmbito basicamente urbano e, mesmo assim, quando o fazem, focalizam o período compreendido entre 1930 e 1945, enfatizando a gestão de Gustavo Capanema à frente do recém-criado Ministério da Educação e Saúde10 . Alguns poucos trabalhos podem ser considerados exceções11 , posto buscarem investigar a problemática da Educação Rural numa perspectiva efetivamente histórica. Todavia, ao durável para reconhecer as hierarquias e os valores deste mesmo corpo, a instituição terá podido, sem dúvida alguma, dominar os efeitos de um possível crescimento de estudantes” uma vez que todos disporão da mesma programação para pensar e agir. Bourdieu, Pierre; A economia das trocas simbólicas. São Paulo: Perspectiva, 1984. 7 Dentre alguns exemplos citamos Barreto, Elba S; “Novas Políticas educacionais para velas escolas rurais: um estudo de caso no sertão do Piauí”. Cadernos de Pesquisa, nº 46, São Paulo, 1983, pp. 23-49, 1983, dedicado ao estudo de um único programa educacional e Arroyo, M. “Escola, Cidadania e Participação no Campo”. Espaço Aberto, ano 1, nº. 9, Brasília, INEP, 1982, pp. 1-17. 8 Cf. Azevedo, F. de; A Cultura Brasileira. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1944; Amaral, Luís; História Geral da Agricultura Brasileira no Tríplice Aspecto Político-Social-Econômico. 2 a. ed. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1939, vol. 1; Freitas, M. T. de; O ensino primário no Brasil. São Paulo: Melhoramentos, 1934; Mennucci, S; O que fiz e o que pretendia fazer. São Paulo: Piratininga, 1932; dentre outros. 9 Carvalho, M. M. C. de. “Reformas da Instrução Pública”. In: Lopes, E.; Faria F°, L. & Veiga, C. (orgs.); 500 Anos de Educação no Brasil. Belo Horizonte: Autêntica, 2003, pp. 225-251; Calazans, M. J. “Para Compreender a Educação do Estado no Meio rural”. In Therrien, J. & Damasceno, M. (coords); Educação e Escola no Campo. São Paulo: Papirus, 1993, pp. 15-40; Leite, S; Escola Rural: urbanização e políticas educacionais. São Paulo: Cortez, 2002. 10 A grande concentração de pesquisas sobre este contexto histórico prende-se a dupla ordem de questões. De um lado, a redefinição da correlação de forças vigente no novo bloco no poder, marcada pelo enfraquecimento das “oligarquias” agrárias hegemônicas e a incorporação política de novos atores como industriais e setores médios urbanos. De outro, a abrangência do projeto encampado pela nova agencia do Estado, destinada a construir uma “cultura nacional” homogênea e a fixar diretrizes educacionais para todo o país, complementando o processo de centralização política em curso. 11 Calazans, M. J; Caracterização dos Programas de Educação Rural no Brasil. Rio de Janeiro: IESAE, 1981; Calazans, M. J.; Estudo Retrospectivo dos Programas de Educação Rural no Brasil. Rio de Janeiro: IESAE, 1981; Szmrecsányi, T. & Queda, O. (orgs.); Vida Rural e Mudança Social. São Paulo: Ed. Nacional, 1976 e Paiva, V; Educação Popular e Educação de Adultos. São Paulo: Loyola, 1983.
  • 4. 272 fazê-lo, visam bem mais ao estudo de uma história do campesinato ou do desenvolvimento do capitalismo no país em seus momentos-chave, mormente as décadas de 1930 e 1950. Malgrado sua significativa contribuição, muitos desses autores vinculam, mecanicamente, a questão da Educação Rural àquela da Educação Popular12 ou então a focalizam como um capítulo da História das Ciências no Brasil13 , sem focaliza-lo como uma questão eminentemente política em si mesma ou, de modo mais específico, como produto de políticas públicas conflitantes. Logo, o primeiro aspecto a reter nesse breve balanço historiográfico é a constatação da inexistência de uma problematização por parte dos especialistas, sobre as relações entre Estado e Educação Rural. Os autores consultados realizaram, na verdade, reconstituições parciais ou lineares da história de tal ramo de ensino, em muito distanciadas das múltiplas determinações que o imbricam ao Estado restrito no Brasil. Cabe esclarecer que o Estado está sendo aqui concebido como uma relação social, logo, como objeto de disputas entre grupos sociais pela imposição de um projeto hegemônico sobre a matéria, deixando claro que, na literatura sobre o ensino agrícola primário e médio, preponderam estudos onde a correlação Sociedade Política - Sociedade Civil no tocante ao Ensino Rural é quase nada explorada, em detrimento da insistência em valorizar-se o binômio educação rural - desenvolvimento do capitalismo14 . Por certo tal binômio é uma das dimensões instituintes da problemática, porém não a única, menos ainda se apreendido a partir da sobredeterminação “linear” da Educação Rural pelo econômico, sobredeterminação esta que parece informar as análises que priorizam o ensino primário e médio rural somente como decorrência exclusiva da maior ou menor necessidade de “qualificação” da força de trabalho em contextos históricos específicos 15 ou ainda como produtos de uma intervenção estatal destinada, única e exclusivamente, a debelar focos de potenciais conflitos sociais no campo. 12 Cf. Paiva, V; op. cit. 13 Cf. Szmrecsányi, T. & Queda, O. (orgs.); op. cit. 14 Tal binômio ainda é trabalhado nos termos do grande debate que agitou os anos 1960, onde a Agricultura era tida como “obstáculo” ao capitalismo brasileiro. 15 A Campanha Nacional de Educação Rural constituiu-se num dos mais expressivos exemplos da afirmativa, sobretudo considerando-se que foi viabilizada por Acordo de Cooperação firmado entre o governo brasileiro e agencias do governo norte-americano.
  • 5. 273 Em ambos os registros, a Educação Rural emerge de uma perspectiva instrumental revelando que, muitas vezes, a própria historiografia respalda a concepção do Ensino Agrícola como meio para atingir fins sociopolíticos e não como um fim em si mesmo, na medida em que identifica o trabalhador rural como “carente” 16 . Em consequência, ratifica-se toda uma construção e uma percepção da escola rural como instituição “especial”, naturalizada e ignorada em seu caráter de construção histórica, logo, fruto de inúmeros embates e disputas. A visibilidade destes últimos exige, justamente, que se desconstrua o que tem sido frequentemente escamoteado e encoberto na história recente do Brasil, sob fórmulas culturalistas as mais atraentes e supostamente inovadoras: os problemas estruturais que perpassam a relação cidade-campo. Subestimar a conflitualidade inerente à própria dinâmica de funcionamento do Estado na configuração de suas políticas – inclusive as educacionais – bem pouco contribui para fazer avançar o conhecimento histórico sobre a problemática. Por isso sugiro partir da premissa de que a relação entre Saber e Poder é parte instituinte e instituída do próprio Estado, aqui tomado em seu registro gramsciano, isto é, como Estado Ampliado17 , isto é, espaço de permanentes tensões entre grupos organizados a partir da sociedade civil e inseridos - ou em luta pela inserção - junto a agências da sociedade política ou Estado restrito, de modo a tornarem-se capazes de intervir na definição e redefinição das políticas públicas em geral. Chamo ainda a atenção para a necessidade de se analisar as múltiplas – e não apenas unívocas - determinações das políticas destinadas ao Ensino Rural já que muitas delas nem sempre corresponderam, mecanicamente, como o supõe a historiografia estabelecida, a interesses imediatos ou exclusivos de grupos dominantes agrários/agroindustriais. Ignorar este aspecto leva alguns autores a justificar o papel “subalterno” desempenhado pelo Ensino Agrícola no Brasil a partir da constatação de que “(...) as classes dominantes brasileiras, especialmente as que vivem do campo, 16 Arroyo, M; op. cit., p. 7. 17 Gramsci, Antonio; Maquiavel, a política e o estado moderno, Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1986.
  • 6. 274 sempre demonstraram desconhecer o papel fundamental da educação para a classe trabalhadora” 18 . Outro equívoco frequente da historiografia especializada consiste em atribuir a origem do Ensino Rural primário e médio às ações estatais praticadas no decorrer da ditadura do Estado Novo varguista quando se consolidou, sob a égide do regime de exceção, um novo bloco no poder configurado a partir da assim chamada “revolução” de outubro de 1930. Segundo muitos autores, somente aí se teriam iniciado “verdadeiros programas de escolarização considerados relevantes para as populações do campo (...), sob o patrocínio do Ministério da Agricultura do governo Vargas”19 . Ora, nada mais equivocado do que tomar 1930 como marco canônico inaugural das políticas de Educação Agrícola no Brasil e, mais ainda, atribuí-las ao Ministério da Agricultura varguista posto que esta agência estatal, conforme mencionado anteriormente, já contemplava, dentre suas práticas, iniciativas destinadas ao ensino elementar rural desde a década de 1910, através de uma rede de instituições que incluía Patronatos e Aprendizados Agrícolas 20 , correspondendo os primeiros a interesses que passavam longe dos interesses imediatos de grupos dominantes agrários, destinando-se, na verdade, “à assistência à infância desvalida das cidades, visto que em todos os centros populosos cresce, dia a dia, o sombrio exército de meninos abandonados, criminosos e malfeitores de amanhã (...). Dar a mão a essas crianças (...) prendê-las à fecundidade da terra ou habilitá-las na tenda da oficina ou de uma profissão é transformar cada uma delas em fator de engrandecimento coletivo” 21 . Como se percebe, a correlação de forças que presidiu as iniciativas estatais voltadas ao Ensino Agrícola nem sempre derivou da pressão direta dos segmentos dominantes rurais, vinculando-se, muitas vezes, a projetos de “profilaxia” social formulados por 18 Calazans, M. J; op. cit., 1993, p. 16, grifos meus. 19 Idem, pp. 16-17, grifos meus. 20 Mendonça, S. R. de. “A construção do Trabalhador Nacional: Estado e pobreza rural no Brasil de inícios do século XX”. Comunicação apresentada no I Congresso Internacional sobre Pobres e Pobreza realizado na UNQ, Quilmes, novembro, 1997. 21 Brasil, Relatório do Ministério da Agricultura, Indústria e Comércio, Rio de Janeiro: 1918, p. 137.
  • 7. 275 grupos urbano-industriais, respaldados pelo ideário republicano desde inícios do século XX. Outra crítica à historiografia prende-se à questão do continuísmo das políticas estatais de “ruralização do ensino” posteriores a 1930, fossem elas praticadas pelo Ministério da Agricultura ou pelo recém-criado Ministério da Educação e Saúde. Tal continuísmo não deve ser interpretado de uma perspectiva puramente economicista, que a toma tão somente como fruto da necessidade de conter o êxodo rural numa sociedade em vias de urbanização e industrialização. Ora, muito além deste aspecto, a documentação pesquisada revela a existência de um projeto político e simbólico capaz de disseminar, através do Ensino Agrícola elementar e médio, códigos de comportamento e de percepção capazes de assegurar tanto o “disciplinamento” da força de trabalho infanto-juvenil do campo, quanto a produção de certo consenso capaz de facilitar a identificação de uma única liderança nacional – no caso, a de Vargas – de modo a combater os localismos políticos típicos da sociedade rural brasileira22 . Neste registro, a “ruralização do ensino” aprofundada no pós-1930 no Brasil, correspondeu, uma vez mais, ao atendimento, por parte da Sociedade Política, de demandas formuladas por grupos urbanos, contrários ao “inchamento” das cidades e desejosos de consolidar novas alianças políticas, patrocinadas pelo novo regime. Entretanto, a maior lacuna historiográfica relativa à temática da Educação Rural no Brasil consiste, a meu juízo, na ausência de uma abordagem que o politize de forma mais densa, especialmente no tocante ao papel dos vários projetos de Ensino Agrícola em disputa no período, dando conta não apenas de suas nuances argumentativas, seus agentes e agências enunciadores, como também de sua efetiva tradução em políticas públicas concretas. Somente identificando os pontos consensuais e divergentes neles contidos torna-se possível evidenciar os sistemas de representações acerca da agricultura e do “homem do campo” brasileiro, bem como as modalidades de atuação do Estado por elas respaldadas. Seu corolário será uma análise das políticas de Educação Rural como instrumentos de organização dos interesses de grupos sociais empenhados 22 A este respeito ver Carvalho, M. M. C. de; op. cit., pp. 228-230.
  • 8. 276 na consecução de demandas específicas tanto no âmbito rural, quanto no urbano, em contextos históricos-chave, tais como as décadas de 1930 ou 1950, por exemplo, ambas cruciais para o processo de consolidação do capitalismo no país23 . Aí estiveram em jogo projetos de Ensino Agrícola polarizados em torno de duas vertentes: uma, que tomava a escola como instituição “de trabalho” e outra, que a concebia como instituição “de ensino”. Outro exemplo dessa polarização pode ser verificado nos anos 1950 quando, em função da proliferação e intensificação dos movimentos sociais rurais, redefiniram-se os instrumentos da ação pública no âmbito “educacional”, fazendo com que a Escola fosse suplantada pelo Extensionismo ou mesmo pelo Serviço Social Rural. Como se percebe, foi o próprio conceito de “Educação Rural” que sofreu redefinições ao longo do período, suplantando uma dimensão eminentemente escolar por outra, de cunho marcantemente “assistencialista”, em sua acepção “técnica ou social”24 . O recorte cronológico compreendido entre a criação do Ministério da Educação e Saúde (1931) e a Lei de Diretrizes e Bases (1961) abrangeu justamente a complexificação dos interesses políticos em disputa, uma vez que as distintas modalidades de ensino agrícola estiveram subordinadas, simultânea e concomitantemente, a duas agências estatais: o Ministério da Agricultura e o da Educação, fato este quase sempre desconsiderado pela historiografia especializada que parece tomar a “Educação Rural” como uma única e mesma modalidade de prática. Respaldadas por grupos sociais diversos quanto a sua extração e projetos educacionais, as tensões geradas por mais esta sobredeterminação não seriam poucas, originando superposições de competências, atribuições e, principalmente, de práticas, que contribuíram para a existência de políticas setoriais bastante intrincadas. Agravando ainda mais este quadro deve-se ainda considerar outros aspectos, tais como a intervenção de grupos ligados ao Ministério da Justiça - que recebeu parcela das antigas 23 Sobre ambos os momentos, cruciais para o desenvolvimento do capitalismo no Brasil sob a gestão, respectivamente, dos presidentes Getúlio Vargas (1930-45) e Juscelino Kubitschek de Oliveira (1956-60), ver Oliveira, F. de; Crítica à Razão Dualista e o Ornitorrinco. São Paulo: Boitempo, 2003 e Oliveira, F. de; A economia da dependência imperfeita. Rio de Janeiro: Graal, 1977. 24 A este respeito ver Arapiraca, J. O; A USAID e a educação brasileira. São Paulo: Cortez, 1982.
  • 9. 277 atribuições “educacionais” da Pasta da Agricultura; a participação dos militares nessa disputa – face à correlação entre Educação Básica e Segurança Nacional - e, finalmente, a manutenção do preceito constitucional que, desde a Carta Magna de 1891, ratificava a dualidade de sistemas de ensino vigente no país, consagrando o de nível primário como competência de estados e municípios e os de nível médio e superior como objeto exclusivo da União. Não é difícil inferir que a clivagem regionalismo versus nacionalização instituiu uma tensão constante na história política do Brasil, aí se incluindo a questão educacional. Ainda de um ponto de vista crítico, vale ressaltar que a historiografia sobre o ensino rural no Brasil desde a implantação da República, até inícios da década de 1960, insiste em focalizá-lo ora como projeto vinculado a grupos dominantes agrários em busca de afirmação hegemônica, ora como produto do sistema de dominação política baseado no poder local, sob a égide do coronelismo Sob este enquadre, tanto o chamado ensino elementar agrícola, quanto aquele de nível médio, costumam ter seu “insucesso crônico” explicado pelo pouco interesse dos potentados locais em investir na instrução de seus trabalhadores, deles dependentes por vínculos pessoais e por eles tutelados política e eleitoralmente25 . Em face dessas considerações historiográficas, costuma-se verificar que as primeiras iniciativas destinadas à implantação do ensino agrícola, concretizadas pelo Ministério da Agricultura em princípios do século XX, emergem na produção especializada na condição de “fracassos retumbantes”, mesmo que os estudiosos não se tenham colocado questões fundamentais, como: qual o significado político da emergência desta agência estatal, naquele momento histórico? Que conflitos ou disputas a teriam originado? A que grupos ou entidades de classe veio ela a responder? Consequentemente, que diretriz ou concepção de educação rural emergiu vitoriosa nesse primeiro embate? Em outra oportunidade já busquei responder a tais questões, demonstrando que o Ministério da 25 Cf., sobretudo Paiva, V; op. cit. e Leite, S; op. cit.
  • 10. 278 Agricultura surgiu da disputa movida por segmentos da classe dominante agrária menos dinâmicos, contrários à hegemonia exercida pela grande burguesia cafeeira paulista26 . A despeito disso, continua sendo usual encontrar trabalhos postulando que a educação rural no Brasil do primeiro quartel do século XX, em nada teria diferido daquela vigente nas duas últimas décadas do Império, uma vez que “a população do campo (a maior parte da população brasileira), ligada pelos laços paternalistas às oligarquias estaduais, não sentia a instrução como necessidade imediata, nem pressionava no sentido de sua difusão”27 , o que revela, no mínimo, uma postura ingênua. Assertivas como esta, malgrado sua lógica intrínseca, parecem subestimar o fato de que a presença do Estado junto a todo esse contingente de mão-de-obra dispersa – e que menos de trinta anos após a abolição da escravidão dificilmente se encontraria organizado, sequer para elaborar demandas em prol do ensino básico – somente seria viável a partir de uma intervenção definida através de ajustes entre os grupos no poder e jamais por aqueles que viriam a ser seus objetos. Somente os primeiros seriam capazes de estipular “ações pedagógicas exemplares”, como no caso dos já citados Aprendizados e Patronatos Agrícolas, de eficácia política e simbólica significativa. Ao mesmo tempo, a exacerbada descentralização política, consagrada pelo federalismo republicano, impedia o Governo Federal de tolher a autonomia dos estados, perpetuando-se a mais marcante característica do sistema de ensino no Brasil: sua dualidade, mantida e realimentada pela precarização do nível elementar. De uma forma ou de outra -e até que se criasse um Ministério da Educação- foi a Pasta da Agricultura quem monopolizou as políticas destinadas a implantar/consolidar o ensino profissional agrícola, ramo “menor” da Educação, posto conotar o trabalho manual28 . Comentários Conclusivos 26 Cf. Mendonça, S. R. de, op. cit., 1997. 27 Paiva, V; op. cit., p. 79, grifos meus. 28 Sobre o papel subalterno socialmente atribuído às Ciências e Saberes aplicados ver Grignon, C.; L'Ordre des Choses. Les fonctions sociales de l'enseignement technique. Paris: Minuit, 1971.
  • 11. 279 As reflexões até aqui apresentadas evidenciam duas questões. De um lado, que as políticas destinadas à Educação Rural no Brasil da primeira metade do século XX decorreram fortemente de conflitos intraestatais, mormente aqueles verificados entre os grupos sociais vinculados aos Ministérios da Agricultura e da Educação. Seu produto foi a concretização de uma dupla e simultânea modalidade de atuação do Estado junto a este setor: uma, centrada na difusão da escola primária regular, praticada pelo Ministério da Educação e outra, calcada na multiplicação de escolas especiais agrícolas primárias e médias, perpetrada pelo Ministério da Agricultura. De outro, que os contornos atribuídos à Educação Rural sofreram profunda inflexão no decorrer do período compreendido 1930-50, transmutando-se de uma experiência escolar, num experimento assistencial, em sintonia com a conjuntura da Guerra Fria, destinando-se a qualificar mão-de-obra rural adulta, em detrimento de educar a infância. Essa nova modalidade dita de “Ensino” Rural desempenharia, assim, um triplo papel: 1) o de “imobilizador” da força de trabalho no campo; 2) o de “neutralizador” dos conflitos sociais rurais e 3) o de qualificador de mão-de-obra, mediante a afirmação hegemônica da escola enquanto “escola de trabalho”, consagrando, definitivamente, a segmentação entre trabalho manual e trabalho intelectual.